Estou com gripe, e embora isso não lhes interesse nada, parto deste princípio para uma grande descoberta! Ora, como lhes disse, estando eu com gripe, precisei de uma farmácia, era tarde, e por essa razão fui consultar no PÚBLICO/Edição Porto o guia das farmácias de serviço para o Grande Porto. Eis senão quando, o guia que o jornal me oferece é o de Lisboa! Isso mesmo, de Lisboa e arredores. Pensei: "Também tu, PÚBLICO?" Mas como um dos grandes conselhos da Humanidade é para pensarmos duas vezes, foi o que fiz. E afinal concluí que o PÚBLICO não é um grande jornal… é apenas o menos mau.
Ou então o meu estava estragado!
Refiro que a dita edição é a de sábado dia 4 Outubro de 2008, e guardei-a - não vão dizer que estou maluco!
J. Augusto Silva
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Uma farmácia a 300 km
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sábado, 4 de outubro de 2008
A propósito das 1.400.000 armas
Na pág. 3 do PÚBLICO de 17 de Julho 2008, um artigo de José Bento Amaro tem a ilustrá-lo uma imagem de meia página que contém uma *inverdade* que pela sua gravidade deve merecer correcção e pedido de desculpas aos leitores.
O título da imagem é "Os bairros mais problemáticos da região de Lisboa e da Margem sul do Tejo". Neles são identificados mais de uma dezenas de bairros em diversos concelhos. Em relação ao concelho de Sintra, pode ler-se: "CACÉM (toda a cidade)"
Toda a cidade? TODA a Cidade? TODA? Um imenso aglomerado de bairros problemáticos?
A fonte da imagem não é suficientemente elucidativa (PSP;PÚBLICO). O critério ou critérios adoptados para as respectivas identificações como *problemáticos* não são também especificados. No corpo da notícia o Cacém não é referido. Mas tamanho fenómeno (TODA A CIDADE É PROBLEMÁTICA) deveria merecer pelo menos uma parágrafo.
Habito no Cacém há umas dezenas de anos. Tenho assim assistido às transformações profundas (boas e más) que ocorrem e ocorreram na agora cidade. A classificação encontrada por José Bento Amaro só pode vir de alguém profundamente ignorante desta realidade suburbana. Faria bem em informar-se para informar.
Elsa Fontainha
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O caso das notícias órfãs
De novo, a prática informativa ao estilo “sei que é assim e o público só tem que acreditar”
Duas notícias de natureza policial levam o provedor a reincidir num tema. O leitor Amílcar Gomes da Silva fala em “falta de rigor e respeito pelos leitores” a propósito do título “Investigadores da PSP ameaçam abandonar serviço em desacordo com subsídio de risco”, na pág. 5 da edição de 25 de Junho: “Perante tão afirmativo e grave título ninguém resiste a ler o artigo. Com espanto, lê-se: ‘Os 1600 polícias da PSP que trabalham na área de investigação criminal ponderam pedir a transferência para outros serviços’. Mas não se encontra qualquer resquício que seja de como o autor consegue provar tal afirmação. A única fonte (onde está o contraditório?), o dirigente sindical Paulo Rodrigues, diz apenas: ‘Confirmo que estamos a receber muitas reclamações de associados que trabalham na investigação criminal’. Qualquer jornalista, honesto e rigoroso, qualidades mínimas para a profissão, só pode escrever que a Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, na pessoa do seu presidente (e certamente também muitos polícias), quer que o subsídio de risco seja um dado valor e que por não sê-lo está a receber muitas reclamações. Escrever que 1600 polícias de investigação criminal ‘ponderam pedir a transferência’, só por transmissão de pensamento. Ou será que o jornalista ouviu-os a todos, acha que muitos é sinónimo de todos, teve acesso a algum inquérito individual com essas respostas ou é a sua convicção? Isto não é jornalismo, é pura agit-prop. É criação de factos políticos para determinar uma agenda política. Com ‘notícias’ destas pode o jornal ser credível?”
Também sem citar qualquer fonte, o mesmo jornalista, José Bento Amaro, escreveu a notícia que fez a manchete de 17 de Julho: “Há 1,4 milhões de armas ilegais em Portugal”. O que motivou o mesmo leitor a recorrer, desta vez, à arma da ironia: “Venho, encarecidamente, solicitar a rectificação da notícia. Posso garantir que em Portugal não existem 1.400.000, mas sim 1.400.002 armas ilegais. O avô da minha mulher, que foi sargento na I Guerra Mundial e era caçador, deixou em herança duas armas. Um revolver Browning (quase miniatura) e uma caçadeira. (...) Das ditas armas (...) nunca foi encontrado qualquer documento, nem as declarámos, porque para nós são autênticas antiguidades. Portanto, estão manifestamente ilegais. Como não fomos perguntados pelo pressuroso jornalista, afiançadamente não foram contabilizadas, e, a bem do rigor e do jornalismo de excelência, agradeço que corrijam a notícia”.
No caso, o jornalista não necessitaria de inquirir individualmente, porque na notícia atribuiu aquele número a uma estimativa policial. A questão é que nenhuma fonte, da polícia ou fora dela, identificada ou não, surge a afirmá-lo.
O provedor solicitou atempadamente esclarecimentos a José Bento Amaro, não tendo porém recebido resposta. Mas não pode deixar de lembrar mais uma vez que existe um problema nesta tendência de produzir notícias sem mencionar a sua origem (e que não é apenas do PÚBLICO, mas do jornalismo português em geral). O método contraria as elementares regras ditadas pelas boas práticas jornalísticas. Ao retirar-se ao público o conhecimento da fonte da notícia, ele fica impossibilitado de avaliar a sua consistência.
A tendência, que o provedor julga poder situar na forma despreocupada como se fazia jornalismo no imediato pós-25 de Abril, e que ficou como uma “conquista da revolução”, manifesta-se predominantemente no noticiário político. Tal é o caso da manchete “Obras públicas azedam relação entre Cavaco e José Sócrates”, de 6 de Julho, afirmação que no corpo da notícia não é sustentada em qualquer fonte, embora abundem as expressões “o PÚBLICO sabe que...”, “o PÚBLICO confirmou esta informação...” ou “o PÚBLICO apurou que...” O PÚBLICO pode saber muita coisa, o leitor é que fica a saber muito pouca.
Desta vez, o autor da notícia, Luciano Alvarez, teve a amabilidade de enviar ao provedor as suas fundamentações: “A notícia foi feita com base em informações de fontes que considero absolutamente credíveis, algumas delas independentes entre si e conhecedoras do tema em análise: as relações políticas e institucionais entre o Presidente da República e o primeiro-ministro. Porém, (...) aceitaram conversar comigo desde que não fossem citadas, nem sequer identificada a sua procedência. Claro que acho desejável a identificação de, pelo menos, a procedência da fonte, mas face à delicadeza do tema compreendi o pedido (...). Tendo em conta que as fontes eram, repito, absolutamente credíveis, e após conversa com o meu director, decidi assumir a informação que tinha, facto que só me responsabilizava mais a mim e ao meu jornal, uma vez que se a informação deste tema bastante delicado não fosse absolutamente correcta, como eu tinha a certeza que era, só eu e o meu jornal seríamos responsáveis por eventuais incorrecções. A informação (...) não só não foi questionada por ninguém, como, com o avançar dos dias e dos meses, viria a confirmar-se em absoluto”.
O provedor não sabe se as evidentes razões da deterioração do relacionamento entre Presidente e Governo radicam aqui ou em ocorrências mais recentes (Estatuto dos Açores, Lei do Divórcio), mas também não pretende contestar o que alega Luciano Alvarez a esse respeito: o que está em causa não é a veracidade das informações publicadas, mas sim a forma como se publicam, no estilo “eu sei que isto é assim e o público só tem que acreditar”.
Ao provedor também não parece que se tratasse de algo da transcendência do início da III Guerra Mundial, para obrigar a sigilo tão rigoroso e absoluto. Mas, se o jornalista avança agora essa explicação, não se vê por que razão não o poderia já ter feito na notícia – sempre era melhor que nada, embora insuficiente.
Tendo o assunto passado pelo director, o provedor ouviu também José Manuel Fernandes. Para além de considerações sobre técnica jornalística que, por falta de espaço, se remetem para o blogue do provedor, José Manuel Fernandes, revelando que o autor lhe indicou “quais eram as suas fontes” e que as considerou “fiáveis (algo que os factos, de resto, mais do que comprovaram)”, invoca, à semelhança do que faz Luciano Alvarez, uma disposição do Livro de Estilo admitindo esta prática: “Quando o jornalista está em condições de assumir a informação – isto é, quando a confirmou junto de várias fontes independentes entre si, embora todas tenham exigido o anonimato –, deverá noticiá-la no PÚBLICO sem necessidade de recorrer às habituais, retóricas e desacreditadas fórmulas do género ‘fonte digna de crédito’, ‘fonte segura’ ou ‘fonte próxima de’. As fontes, a sê-lo, devem estar sempre bem colocadas para falar sobre o assunto. (...) Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas” (ponto 72 dos “Princípios e Normas de Conduta Profissional”). E conclui o director: “Enquanto o Livro de Estilo estiver em vigor é a nossa cartilha, mesmo que o possamos ldiscutir”.
O provedor já aqui discutiu (e questionou) esta norma bastante original, e acrescenta agora que lamenta ter ela resultado de uma revisão da “cartilha” em substituição de outra que entendia por mais adequada: ‘O sigilo deverá ser admitido apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação ou a sua confirmação. O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte de informação. (...) Nesses casos, e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula ‘uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato’”.
Uma última nota do director: “Nenhum jornal português trabalha com esta transparência no que respeita às regras que segue; e é mais fácil atribuir a fonte a uma entidade difusa não identificável do que assumi-la, mesmo podendo eu admitir que é preferível fazê-lo em certas circunstâncias para acrescentar credibilidade à informação. Mas se seguirmos a regra de que as fontes anónimas não servem para proteger o jornalista se este escrever algo errado, assumir a informação é mais exigente para quem escreve e assina, pois é o seu nome profissional, a sua credibilidade pessoal, que estão directamente em causa: o jornalista tenderá a ter mais cuidado antes de escrever. Foi este o caminho que escolhemos (...). Quando sentirmos que há melhores argumentos a favor de teses contrárias, alteraremos as nossas regras”. O provedor não perde pois a esperança num mundo melhor (pelo menos no PÚBLICO).
CAIXA:
Alarme genérico
A manchete de 3 de Agosto terá causado alarme generalizado: “Descida dos genéricos pode tornar mais caros muitos medicamentos”. O leitor Ricardo Charters d’Azevedo achou não ser bem assim: “A manchete (...) é finalmente desmentida, pois os cálculos não estão feitos e até pode ficar mais barato... segundo se noticia. Deu-se simplesmente voz a quem não concorda com os genéricos e procura inculcar a ideia de que a sua existência faz com que paguemos mais...” Na realidade, o título resultava apenas de uma especulação do presidente da Associação Nacional de Farmácias, João Cordeiro, desde sempre um feroz opositor dos genéricos. As explicações da autora da notícia, Alexandra Campos: “O comentário não tem fundamento, porque inicialmente, quando a redução do preço dos genéricos foi anunciada, havia mesmo o risco de alguns fármacos passarem a ficar mais caros para os doentes. E isto acontecia porque, ao descer o preço de referência (o do genérico mais caro do grupo dos medicamentos com a mesma substância activa), como a comparticipação do Estado é calculada com base neste indicador, os doentes passariam a pagar mais sempre que comprassem medicamentos de marca. Esse risco era de tal forma real que o Governo se viu obrigado, alguns dias depois, a mudar a forma de cálculo dos preços para evitar que alguns medicamentos ficassem mais caros. O problema foi esclarecido e ultrapassado (...) quando o Ministério da Saúde explicou que vai continuar a comparticipar os fármacos com base no preço actual dos genéricos, para evitar que os doentes paguem mais sempre que o médico receite medicamentos de marca”. Com esse resultado, terá feito sentido o alarme.
Publicada em 5 de Outubro de 2008
DOCUMENTAÇÂO COMPLEMENTAR
Carta do provedor ao jornalista Luciano Alvarez:
Como provedor do leitor do PÚBLICO, tenho-me debruçado sobre o problema da falta de referência a fontes das notícias, e é nesse sentido que gostava de o questionar sobre uma notícia da sua autoria. É uma notícia já um pouco antiga, mas o período de férias do Verão acabou por atrasar todo este processo de diálogo do provedor com os jornalistas. Penso porém que ainda vale a pena voltar a ela.
Trata-se da manchete de 6 de Julho: "Obras públicas azedam relação entre Cavaco e José Sócrates".
Acontece que em momento algum do texto se menciona qualquer fonte que tenha declarado o que se diz no título, apesar de todo o artigo ser bastante afirmativo no que respeita à questão de fundo. Do ponto de vista do leitor, é importante ter a percepção de que a informação está escorada em fontes credíveis, que lhe dão a solidez para se transformar em notícia e até ser manchete, mas tal nunca transparece do texto. Claro que poderemos estar perante fontes confidenciais, cujo anonimato tem de ser respeitado, mas também isso não é dito, limitando-se o texto às vagas referências "o PÚBLICO confirmou" ou "o PÚBLICO sabe".
Gostaria assim de lhe perguntar se considera adequada esta formulação do ponto de vista da técnica de construção da notícia.
Joaquim Vieira
Resposta de Luciano Alvarez:
A notícia que refere foi feita com base em informações de fontes que eu considero absolutamente credíveis, algumas delas independentes entre si e conhecedoras do tema em análise: as relações políticas e institucionais entre o Presidente da República e o primeiro-ministro.
Porém, as fontes por mim ouvidas e fundamentais para a elaboração da notícia aceitaram a conversar comigo desde que não fossem citadas, nem sequer identificada a sua procedência. Claro que acho desejável a identificação de, pelo menos, a procedência da fonte, mas face à delicadeza do tema compreendi o pedido feito pelas fontes.
Tendo em conta que as fontes eram, repito, absolutamente credíveis e após conversa com o meu director decidi assumir a informação que tinha, facto que só me responsabilizava mais a mim e ao meu jornal, uma vez que se a informação deste tema bastante delicado não fosse absolutamente correcta, como eu tinha a certeza que era, só eu e o meu jornal seriamos responsáveis por eventuais incorrecções.
A informação avançada pelo PÚBLICO a 6 de Julho ("Obras públicas azedam relação entre Cavaco e José Sócrates") não só não foi questionada por ninguém, como, com o avançar dos dias e dos meses, se viria a confirmar em absoluto.
A propósito cito o Livro de Estilo do PÚBLICO (página 33):
Princípios e Normas de Conduta Profissional
Ponto 72 - Quando o jornalista está em condições de assumir a informação – isto é, quando a confirmou junto de várias fontes independentes entre si, embora todas tenham exigido o anonimato – deverá noticiá-la no PÚBLICO sem necessidade de recorrer às habituais, retóricas e desacreditadas fórmulas do género “fonte digna de crédito”, “fonte segura” ou “fonte próxima de”. As fontes, a sê-lo, devem estar sempre bem colocadas para falar sobre o assunto. “Segundo as nossas fontes” é outra expressão banida das páginas do PÚBLICO. Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas.
Luciano Alvarez
Resposta complementar do director do PÚBLICO:
Li a resposta do Luciano antes de ele ta enviar.
Discuti com ele a notícia entes de ele a publicar.
Sei que não concordas com o que está estabelecido no Livro de Estilo (e que resulta de uma evolução do primeiro Livro de Estilo, como a tua anterior polémica - ver também aqui - com o Vicente e o Zé Mário mostrou), e que resultou de um grande debate no interior da redacção.
Mas já não estou tão seguro que tenhas razão sobre o que dizes sobre a imprensa americana e inglesa. Quando estalou o escândalo Jason Blair, no New York Times, eles apertaram as regras no que se refere à citação de fontes anónimas. O caso do jornalista da BBC que noticiou o “apimentar” dos relatórios sobre o Iraque também suscitou uma polémica importante, tendo a comissão de inquérito da Câmara dos Lordes acabado por condenar o comportamento do jornalista por este, para proteger a fonte (que se suicidou, como te recordarás), a ter identificado de modo errado.
Com toda a franqueza, acho que este tema é infindável e muito dificilmente se chegará a um ponto em que todos possamos estar de acordo. Ainda ontem, por exemplo, li uma extraordinária reconstituição das negociações entre republicanos e democratas durante no último fim de semana no Wall Street Journal, uma peça para que contribuíram dez jornalistas (dez!) em que a regra foi a de contar o que se passou sem atribuir a fontes a não ser quando estas apareciam identificadas e as citações entre aspas.
E, quando foi a polémica do Jason Blair, o fundador do USA Today (que entretanto se tornou no jornal de maior circulação nos Estados Unidos), escreveu num artigo intitulado "Evil of journalism: Anonymous sources": "In 1982, when we founded USA TODAY, we effectively banned all anonymous sources. As competition for readers and viewers and listeners and prizes from peers has become greater, more and more publishers and editors and broadcast managers have relaxed their rules. More and more reporters have taken advantage of that environment. It's so simple. Most anonymous sources often tell more than they know. Reporters who are allowed to use such sources sometimes write more than they hear. Editors too often let them get away with it. Result: Fiction gets mixed with fact. The only way to win the war against this evil is for journalists at all levels to ban all anonymous sources. Until or unless we do, the public won't trust us, and we put the First Amendment in jeopardy."
Na altura, para evitar problemas como este, procurámos balancear o Livro de Estilo com normas como as introduzidas em 2004 no NYT, nomeadamente esta, citada num texto do seu provedor: “A fundamental part of the effort to tighten up the explanations for allowing anonymity was The New York Times's 2004 move to require that at least one editor be told the identity of any confidential source.”
Contudo isso não evitou todos os problemas e, na mesma coluna do mesmo, um leitor interrogava-se sobre a legitimidade da seguinte passagem de uma notícia publicada dias antes a propósito na nomeação do novo embaixador americano para as Nações Unidas: “Most of the reforms sought by the United States are well on their way to completion,' said a senior administration official, speaking anonymously to avoid undercutting the rationale for the Bolton appointment." A questão do leitor era a seguinte: "How absurd that The Times considers this an acceptable reason to use an anonymous source," he wrote. "It is the quote itself which undercuts the rationale for the appointment, whether the official is willing to own up to it or not."
No nosso Livro de Estilo evitamos este tipo de problemas estabelecendo que não se podem atribuir a fontes anónimas opiniões ou mesmo valorações de decisões.
Serve tudo isto para indicar que: a) o Luciano me indicou quais eram as suas fontes; b) considerei que eram fiáveis (algo que os factos, de resto, mais do que comprovaram); c) enquanto o Livro de Estilo estiver em vigor é a nossa cartilha, mesmo que o possamos discutir; d) se na anterior revisão do Livro de Estilo foram tidas em consideração várias recomendações de anteriores provedores, as tuas opiniões e recomendações deverão ser também tidas em conta na próxima revisão, que neste momento não tem data prevista apesar de a direcção e o conselho de redacção já terem recolhido várias sugestões que visam o seu aperfeiçoamento.
Por último, uma nota: nenhum jornal português trabalha com esta transparência no que respeita às regras que segue; e é mais fácil atribuir a fonte a uma entidade difusa não identificável do que assumi-la, mesmo podendo eu admitir que é preferível fazê-lo em certas circunstâncias para acrescentar credibilidade à informação. Mas se seguirmos a regra que as fontes anónimas não servem para proteger o jornalista se este escrever algo errado, a regra de assumir a informação é mais exigente para quem escreve e assina, pois é o seu nome profissional, a sua credibilidade pessoal, que estão directamente em causa, então o jornalista tenderá a ter mais cuidado antes de escrever. Foi este o caminho que escolhemos e são estas as regras que estão em vigor. Quando sentirmos que há melhores argumentos a favor de teses contrárias, alteraremos as nossas regras. Nesse sentido, aceitamos e apreciamos a tua opinião.
José Manuel Fernandes
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Secção: Crónicas
domingo, 28 de setembro de 2008
Salpicos de uma “pressão ilegítima”
Deveria ter o PÚBLICO revelado uma notícia relevante politicamente e na vida do jornal?
Esta história começa quando o PÚBLICO, em 22 de Março do ano passado, suscitou dúvidas sobre a lisura de processos na obtenção da licenciatura universitária de José Sócrates. Na semana seguinte, o Expresso noticiava uma série de manobras que teriam sido levadas a cabo pelo primeiro-ministro e os seus homens de mão com vista a impedir a difusão dos dados relativos ao seu bizarro percurso académico. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) entendeu então abrir um processo de averiguações para apurar da legitimidade de tais manobras, ouvindo jornalistas, assessores governamentais e até (por escrito) o presumível licenciado em Engenharia. O processo acabou por ser arquivado em Agosto de 2007, e durante mais de um ano o seu conteúdo esteve reservado, até que o Expresso (após longa insistência) obteve luz verde para o consultar e revelou, no passado dia 20, excertos dos depoimentos prestados. Entre eles a alegação do director do PÚBLICO de que, antes de o seu jornal avançar com a notícia do canudo de Sócrates, o primeiro-ministro lhe terá dito: “Fiquei com uma boa relação com o seu accionista [Paulo Azevedo, presidente executivo da Sonae SGPS, proprietária desta publicação] e vamos ver se isso não se altera”. O PÚBLICO entendeu então no dia seguinte fazer um resumo do artigo do Expresso (“ERC escondeu processo de Sócrates”, pág. 6 da edição de 21 de Setembro), onde se mencionava a frase de José Manuel Fernandes e se escrevia ter o director dito à ERC “que o modo como fo[i] abordado pelo primeiro-ministro resultou numa ‘tentativa de pressão ilegítima’”.
O leitor Gabriel Silva escreveu ao provedor questionando o facto de os leitores do PÚBLICO serem informados por portas travessas de notícias envolvendo o jornal: “1. Embora tenha falado de ‘pressões’, José Manuel Fernandes nunca revelou tal frase no jornal que dirige. Não o fez porquê? 2. Os leitores do PÚBLICO souberam o que terá dito o primeiro-ministro ao director do seu jornal por via indirecta de um outro jornal. Porquê? 3. O jornalista que fez a peça refere que o primeiro-ministro ‘teria’ dito tal frase. Porquê a dúvida? Por que não confirmou junto da fonte, por mero acaso o director do jornal onde escreve? 4. A fonte (director) não é confiável? 5. Os leitores do PÚBLICO terão de passar a ler outros jornais para se inteirarem em concreto dos factos em que o seu jornal se encontra envolvido? 6. Por que, sendo o assunto obviamente grave, foi o mesmo deixado cair? E por que, face à notícia do Expresso, o PÚBLICO não se pronuncia e se limita a transcrever o que os outros dizem?”
Numa longa resposta (a ler na íntegra no blogue do provedor), José Manuel Fernandes começa por não considerar notícias as pressões sofridas pelo jornal: “A forma como gerimos as pressões é um assunto interno, pois a nossa regra é julgarmos a relevância das notícias”. Porquê então ter-se abordado o tema? “Porque o Expresso revelou que [as pressões] tinham sido feitas sobre vários órgãos de informação (...). O PÚBLICO cita a notícia do Expresso porque não pediu o acesso às actas, nem as tem nas suas mãos. Por isso refere o que está nas actas sobre as minhas próprias declarações à ERC nos mesmos termos em que surgem citadas no Expresso”.
José Manuel Fernandes justifica também por que razão ocultara antes a frase dita à ERC: “À saída dessa audição, interrogado por jornalistas, [o director] não repetiu essa parte do depoimento pois entendeu que ele devia ser, pelas razões [já] aduzidas, apenas do conhecimento da ERC, cujas audições são à porta fechada e que me tinha interrogado sobre o conteúdo concreto da minha conversa telefónica [com José Sócrates] (...)”. E especifica: “Ao invocar a sua relação pessoal com o meu accionista, o primeiro-ministro tentou condicionar[-me]. Entendi essa parte da conversa como uma pressão, que guardei para mim e só revelei a quem estava a investigar se tinham ou não ocorrido pressões. (...) A frase só era relevante pelo que revelava sobre o primeiro-ministro e não sobre a relação de saudável independência que existe entre o PÚBLICO, o seu director e o accionista no que se refere às opções editoriais do jornal”.
Frase que o director entendeu porém agora confirmar: “O jornalista que escreveu a notícia [de há uma semana] perguntou-me se eu tinha de facto prestado aquela declaração à ERC. Esclareci que efectivamente disse à ERC que, durante o telefonema que recebi de José Sócrates, este se tinha referido às boas relações que tinha com Paulo Azevedo (...). Acrescentei-lhe que não podia reproduzir as palavras exactas do meu depoimento, dado oralmente há um ano e meio, e que, como não sabia se as actas transcreviam exactamente as minhas declarações (que foram gravadas) ou se se baseavam antes na forma como os membros da ERC (que tinham tomado abundantes notas) as tinham interpretado, o melhor era citar o Expresso, pois no caso o que valiam eram as actas”.
Na edição em que foi retomada a notícia do Expresso, José Manuel Fernandes abordou o tema em editorial, mas apenas para comentar a actuação da ERC: “Voltei a pronunciar-me sobre a forma como a ERC geriu o inquérito. Entendo contudo que não se é juiz em causa própria, razão pela qual o PÚBLICO não se pronuncia sobre o que se passou entre o seu director e o primeiro-ministro, antes sobre a forma como a ERC investigou o processo, as conclusões que tirou face ao dados recolhidos e o facto de ter tentado impedir que um órgão de informação, no caso o Expresso, tivesse acesso às actas das audições que fez”.
Caso encerrado? Ainda não. Recebidas as explicações de José Manuel Fernandes, o provedor entendeu dever perguntar-lhe se uma “pressão ilegítima” sobre a imprensa por parte de um primeiro-ministro (para mais com uma frase que parece saída de O Padrinho) não será por si só motivo de notícia para um jornal como o PÚBLICO. O que motivou um esclarecimento adicional: “Considerei ‘pressões ilegítimas’ o conjunto das acções desenvolvidas pelo gabinete do primeiro-ministro sobre a comunicação social. (...) No que respeita às pressões sobre o PÚBLICO (...), entendemos que só deveriam ter sido noticiadas na medida em que tivessem condicionado a publicação [da notícia sobre o diploma de José Sócrates]; como isso não sucedeu, apenas relatámos as dificuldades em obter toda a informação rapidamente. De resto não me recordo de, durante o caso Watergate, o Washington Post ter noticiado as muitas pressões que sofreu, algumas das quais só foram tornadas públicas através das autobiografias do director, Ben Bradlee e da publisher [representante dos proprietários], Katherine Graham”.
A opção é aceitável, mas é forçoso reconhecer o desconforto dos leitores do PÚBLICO ao saberem por outros periódicos de elementos relevantes na vida deste jornal. Tendo sido notícia que José Manuel Fernandes depusera perante a ERC, a relação de transparência do PÚBLICO para com o público aconselharia a contar então aos leitores, em primeira mão, o que tinha lá ido o director dizer. A não ser que a sua conversa com Sócrates tivesse sido off-the-record. Mas, nesse caso, também não a deveria ter revelado aos inquiridores.
NOTA: A transcrição do depoimento de José Manuel Fernandes à ERC pode ser encontrada aqui.
CAIXA:
Que PÚBLICO é este?
Alguns leitores terão ficado surpreendidos com a nota da jornalista Teresa de Sousa publicada junto à secção de cartas no passado dia 6: “Por razões absolutamente alheias à minha responsabilidade, foi acrescentado à pequena notícia que redigi sobre a visita de Condoleezza Rice a Lisboa, publicada da pág. 8 da edição de ontem ilustrando uma foto da secretária da Estado [dos EUA] com José Sócrates e Luís Amado, um comentário descabido sobre ‘a atitude provocatória’ de alguns jornalistas que foram a São Bento ‘apresentando crachás pró-Obama com o slogan ‘Yes, we can’ estrategicamente escondidos debaixo das lapelas’. Embora alheia ao facto, peço por ele desculpas aos leitores e aos jornalistas que cobriram o encontro”.
Dois lapsos no modo de funcionamento do PÚBLICO saltam logo à vista: como é possível que, por um lado, um texto assinado seja objecto de tal intervenção sem conhecimento do autor e que, por outro, um jornalista assine um esclarecimento que em princípio compete à hierarquia? O leitor Américo de Sousa não deixou de reparar em “manipulação jornalística tão grosseira como aquela de que foi vítima a jornalista Teresa de Sousa”, perguntando: “Que PÚBLICO é este em que uma qualquer mão invisível se acha no direito de, à socapa, acrescentar por sua auto-recreação um comentário ao texto da notícia já elaborada pela jornalista? (...) Que PÚBLICO é este onde o aludido comentário, de tão despropositado, leva a própria jornalista a dele se demarcar ‘Publicamente’ (e até a pedir desculpas)?’
José Manuel Fernandes adianta explicações: “Tudo se deveu a uma sequência de erros devida a uma passagem deficiente da mensagem entre editores. Ficou combinado que a vinda de Rice seria tratada como fotolegenda. Teresa de Sousa faria um texto de background (...); uma jornalista estagiária iria a São Bento com a indicação de recolher alguma eventual nota de reportagem. O texto não devia estar assinado, como é regra nas fotolegendas (...). A estagiária, quando regressou, disse ao editor que a única coisa a referir era dois dos repórteres portugueses presentes ostentarem pins da campanha de Obama. Acrescentou esse elemento ao texto mas de forma defeituosa, pois fê-lo num registo valorativo, ao utilizar a expressão ‘atitude provocatória’ e ao não precisar que se tratava de um minoria entre os jornalistas. O editor que acabou por fechar a página não estava a par desta combinação e, erradamente, não retirou a assinatura de Teresa de Sousa nem o acrescento valorativo. No dia seguinte, o ‘PÚBLICO errou’ também não obedeceu às regras, pois é um espaço da responsabilidade da direcção que não deve ser utilizado directamente pelos jornalistas em notas por si assinadas: as correcções devem ser assumidas pela direcção depois de apurados os factos junto dos jornalistas”.
O provedor pergunta: onde está a organização indispensável ao exercício do bom jornalismo?
Publicada em 28 de Setembro de 2008
DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR
Carta do leitor Gabriel Silva:
Na edição do PÚBLICO de domingo [20 de Setembro], vem relatada uma notícia do dia anterior, do jornal Expresso onde se afirma que "alegadamente" o primeiro-ministro terá dito telefonicamente ao director do PÚBLICO o seguinte: "Fiquei com uma boa relação com o seu accionista [Paulo Azevedo] e vamos ver se isto não se altera".
Tal suscita várias questões:
1. Embora tenha falado de "pressões", o director do PÚBLICO nunca revelou tal frase no jornal que dirige. Não o fez porquê?
2. Os leitores do PÚBLICO souberam o que terá dito o primeiro-ministro ao director do seu jornal por via indirecta de um outro jornal. Porquê?
3. O jornalista que fez a peça refere que o primeiro-ministro "teria" dito tal frase. Porquê a dúvida? Por que não confirmou junto da fonte, por mero acaso o director do jornal onde escreve?
4. A fonte (director) não é confiável?
5. Os leitores do PÚBLICO terão de passar a ler outros jornais para se inteirarem em concreto dos factos onde o seu jornal se encontra envolvido?
6. Por que, sendo assunto obviamente grave, foi o mesmo deixado cair? E porque, face à noticia do Expresso, o PÚBLICO não se pronuncia e se limita a transcrever o que os outros dizem?
Gabriel Silva
Explicações do director do PÚBLICO:
1. O PÚBLICO não tem por costume revelar as pressões que sofre ou não sofre para divulgar ou deixar de divulgar uma notícia. Isso não é notícia: o que é notícia é o que, em consciência, decidimos publicar porque entendemos que merece ser tornado público. A forma como gerimos as pressões é um assunto interno, pois a nossa regra é julgarmos a relevância das notícias.
2. As pressões só são notícia, como sucedeu naquele caso, porque o Expresso revelou que elas tinham sido feitas sobre vários órgãos de informação no dia em que o PÚBLICO divulgou o caso.
3. Depois dessa revelação, o director do PÚBLICO foi ouvido pela ERC para saber se tinha ou não sofrido também pressões. Nessa audição deu conta dos contactos que teve com o gabinete do primeiro-ministro e com o próprio primeiro-ministro. À saída dessa audição, interrogado por jornalistas, não repetiu essa parte do depoimento, pois entendeu que ele devia ser, pelas razões aduzidas nos pontos 1 e 2, apenas do conhecimento da ERC, cujas audições são à porta fechada e que me tinha interrogado sobre o conteúdo concreto da minha conversa telefónica, e não servir para andar em público a dizer como tinha sabido resistir a pressões.
4. Ou seja, da mesma forma que não revelo no jornal todos os testemunhos que presto quando sou ouvido por um tribunal, não revelei o que disse no inquérito da ERC. Aguardei pela suas conclusões, que comentei quando foram conhecidas.
5. O Expresso, que recordo tinha sido o jornal a revelar a existência de pressões sobre outros órgãos de informação para não citarem a notícia inicial do PÚBLICO sobre o caso da licenciatura do primeiro-ministro, pediu à ERC para ter acesso às actas do inquérito, o que esta negou. Depois de recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos da Administração (CADA), o Expresso conseguiu que a ERC, nove meses depois da deliberação da CADA, finalmente libertasse as actas, pelas quais teve de pagar.
6. O PÚBLICO cita a notícia do Expresso porque não pediu o acesso às actas, nem as tem nas suas mãos. Por isso refere o que está nas actas sobre as minhas próprias declarações à ERC nos mesmos termos em que surgem citadas no Expresso.
7. O jornalista que escreveu a notícia perguntou-me se eu tinha efectivamente prestado aquela declaração à ERC. Esclareci que de facto disse à ERC que, durante o telefonema que recebi de José Sócrates, este se tinha referido às boas relações que tinha com Paulo Azevedo, à época presidente da Sonaecom. Acrescentei-lhe que não podia reproduzir as palavras exactas do meu depoimento, dado oralmente há um ano e meio, e que como não sabia se as actas transcreviam exactamente as minhas declarações (que foram gravadas) ou se se baseavam antes na forma como os membros da ERC (que tinham tomado abundantes notas) as tinham interpretado, o melhor era citar o Expresso, pois no caso o que valiam eram as actas.
8. O accionista do PÚBLICO nunca interferiu nas nossas escolhas editoriais, incluindo nessa em concreto. É assim há 18 anos. Ao falar à ERC era minha obrigação dar conta do conteúdo dos telefonemas que recebi do gabinete do primeiro-ministro e do próprio, nomeadamente a passagem em que ao invocar a sua relação pessoal com o meu accionista o primeiro-ministro me tentou condicionar. Entendi essa parte da conversa como uma pressão, que guardei para mim e só revelei a quem estava a investigar se tinham ou não ocorrido pressões. Não tendo existido, antes ou depois, qualquer interferência do accionista nas decisões editoriais do PÚBLICO, a frase só era relevante pelo que revelava sobre o primeiro-ministro e não sobre a relação de saudável independência que existe entre o PÚBLICO, o seu director e o accionista no que se refere às opções editoriais do jornal.
9. No dia em que li a notícia do Expresso dei instruções para o PÚBLICO também requerer o acesso às actas da ERC. Devo esclarecer que não sabia que existiam no formato revelado pelo Expresso, mas isso não é desculpa: o PÚBLICO podia ter feito o trabalho de investigação que o Expresso prosseguiu. Não o fez porque não teve a ideia de pedir o acesso ao processo integral.
10. No dia em que o PÚBLICO citou o Expresso, em editorial voltei a pronunciar-me sobre a forma como a ERC geriu o inquérito. Entendo contudo que não se é juiz em causa própria, razão pela qual o PÚBLICO não se pronuncia sobre o que se passou entre o seu director e o primeiro-ministro, antes sobre a forma como a ERC investigou o processo, as conclusões que tirou face ao dados recolhidos e o facto de ter tentado impedir que um órgão de informação, no caso o Expresso, tivesse acesso às actas das audições que fez.
José Manuel Fernandes
Questão adicional do provedor ao director do PÚBLICO:
Segundo se deduz do relato do Expresso, terias considerado "pressão ilegítima" o tipo de manobras exercidas por Sócrates sobre o PÚBLICO. Não será uma pressão ilegítima sobre a imprensa, por parte de um primeiro-ministro, motivo de notícia para um jornal?
Joaquim Vieira
Resposta adicional do director do PÚBLICO:
Considerei "pressões ilegítimas" o conjunto das acções desenvolvidas pelo gabinete do primeiro-ministro sobre a comunicação social. Mas só tive conhecimento da sua dimensão depois da notícia do Expresso de, salvo erro, 30 de Março (oito dias depois da nossa primeira notícia).
Sobre esse conjunto de pressões pronunciámo-nos na altura, com base na investigação do Expresso. Até porque havia a suspeita de que tinham surtido efeito (o tema só começou a ser tratado no resto da comunicação social a partir dessa altura, antes um silêncio próprio dos cemitérios rodeara a nossa primeira notícia).
No que respeita às pressões sobre o PÚBLICO, antes da primeira publicação, entendemos que só deveriam ter sido noticiadas na medida em que tivessem condicionado a publicação; como isso não sucedeu, apenas relatámos as dificuldades em obter toda a informação rapidamente.
De resto não me recordo de, durante o caso Watergate, o Washington Post ter noticiado as muitas pressões que sofreu, algumas das quais só foram tornadas públicas através das auto-biografias do director, Ben Bradlee e da publisher, Katherine Graham.
Pode contudo haver situações diferentes. Um caso recente, passado nos Estados Unidos: a decisão do New York Times de revelar alguns dos métodos seguidos pela administração Bush na vigilância das transacções bancárias para detectar a actividade de grupos terroristas. Durante dias a revelação desses elementos foi discutida entre a direcção do New York Times e a Casa Branca, tendo o jornal decidido levar por diante a publicação apesar dos argumentos da Administração. Esta decidiu então facultar os mesmos elementos a um rival do New York Times, o Wall Street Journal, com o objectivo de que a mesma informação fosse dada sob perspectivas diferentes (pelo que percebi do que li na altura). O tema tornou-se por isso público e ambos os jornais justificaram as suas opções em editoriais.
Julgo que se trata de um caso muito diferente, até porque não me lembro de o New York Times ter falado em ameaças, antes em argumentos contra a divulgação desse material. Mas estou a citar de memória.
José Manuel Fernandes
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segunda-feira, 22 de setembro de 2008
Uma resposta que não é normal
Os fragmentos do "esclarecimento" que o director do PÚBLICO prestou a propósito da entrevista ao Presidente da República (12 de Setembro), publicados na última coluna do Provedor, são elucidativos a vários títulos.
Desde logo, não afastam um milímetro as dúvidas que suscitaram quanto ao enquadramento da entrevista e que se referem à hipótese de esta configurar o que habitualmente se chama "um frete".
Mas "fretes" fá-los quem tem estômago para isso e quem quer; nada a acrescentar.
Há contudo um outro esclarecimento, a que JMF chama "uma resposta a um rumor", que levanta mais questões. Na verdade, afirma o Director que "o PÚBLICO tem conhecimento de que círculos governamentais e do PS puseram a correr o boato(...)". Ora, como pode o PÚBLICO, pessoa colectiva, ou o seu Director ou algum ou alguns dos seus empregados ter conhecimento de quem "põe a correr um boato"? Não será o boato, por natureza, algo de tão difuso, ínvio e traiçoeiro que não é possível conhecer com segurança a sua origem? Em vez de "conhecimento" não se tratará de "suspeita" apenas? E, note-se, segundo José Manuel Fernandes, os tais "círculos" (governamentais e do PS, muito precisamente) "puseram a correr" o tal boato, não se limitaram a transmiti-lo, o que pressupõe serem eles os autores de uma "calúnia".
O Provedor dá (e bem) razão ao leitor que suscitou a crónica; mas não refere este aspecto da lamentável reacção do Director, cujo sectarismo anti-tudo o que cheire a esquerda começa a assumir características paranóides.
Alberto Dias
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Uma entrevista que não é normal
Cavaco recorreu ao PÚBLICO para reforçar os seus argumentos num conflito político. Deveria o jornal aceitar?
Entrevistar uma figura como o Presidente da República ou o primeiro-ministro, que raramente falam aos órgãos de informação, é ocasião aproveitada para os jornalistas passarem em revista com o interlocutor os mais relevantes temas da agenda pública. Não deixou por isso de surpreender que as duas páginas da entrevista com Aníbal Cavaco Silva surgida na edição do PÚBLICO do passado dia 12 e conduzida pelo próprio director, José Manuel Fernandes, se debruçassem sobre um único tópico: o Estatuto Autonómico dos Açores. O provedor calcula que o entusiasmo dos leitores terá sido igual ao de 31 de Julho, quando Cavaco Silva sobressaltou um país a banhos com uma comunicação televisiva versando apenas o mesmo tema. Entusiasmo tanto maior quanto os leitores começavam por ler na primeira página uma chamada para a entrevista sem os prevenir de que a conversa não passaria daquele assunto.
Não compete naturalmente ao provedor comentar a indignação com que o inquilino de Belém encara uma diminuição dos poderes presidenciais através de lei ordinária (e não em sede de revisão constitucional, como seria legítimo), nem os recursos de Cavaco para alertar o país e os políticos acerca do que considera uma grotesca violação da lei fundamental e para lutar contra ela – o que é um direito que lhe assiste. Mas importa saber se porventura o PÚBLICO não se terá deixado utilizar como instrumento dessa manobra, o que contrariaria as normas de independência política consagradas no seu Estatuto Editorial.
Pelo menos um leitor exprimiu preocupações com a questão. José Carlos Gomes, também jornalista, escreveu ao provedor, considerando: “Fico com uma sensação: esta entrevista interessa bem mais ao Presidente do que ao jornal ou aos leitores. Além disso, surge numa altura em que as fricções entre o Governo e a Presidência da República estão no ponto máximo. (...) A entrevista centra-se quase exclusivamente na famigerada comunicação ao país do Presidente, transpirando do texto uma retórica de justificação desse acto institucional de algum peso e servindo a entrevista para que Cavaco Silva faça pressão pública e política sobre o assunto que motivou a tal comunicação ao país: o Estatuto Autonómico dos Açores”.
As suspeitas de José Carlos Gomes assentam em quatro dúvidas: “Por que motivo a entrevista é apenas sobre um assunto? Foi o jornal que solicitou a entrevista ou foi a Presidência que sugeriu que o Presidente estava interessado em dar uma entrevista sobre o tema em causa? A entrevista foi presencial ou efectuou-se por escrito (...)? O entrevistador pôde colocar as perguntas que entendeu ou as questões foram limitadas pela Presidência?” E fundamenta: “Se a iniciativa não partiu do jornal, se o jornalista não pôde colocar livremente as perguntas que bem entendesse e/ou se as respostas foram dadas por escrito a partir de Belém, os leitores deveriam ter sido [disso] informados pelo jornal. A diferença entre um trabalho jornalístico e uma peça de comunicação de um político pode ser ténue, e os leitores de um jornal devem saber se compram gato por lebre ou não”.
Bastará ler o diálogo encetado na entrevista para perceber que não foi dada por escrito. É aliás o que afirma José Manuel Fernandes no esclarecimento solicitado pelo provedor: “A entrevista foi presencial. Todas as entrevistas não presenciais são devidamente assinaladas pelo PÚBLICO. Teve lugar no Palácio de Belém, na sala onde costuma reunir o Conselho de Estado. O som digital da entrevista está guardado nos nossos arquivos”.
Quanto ao solitário tema da conversa, explica o director: “O PÚBLICO tem vindo a solicitar à Presidência da República a realização de uma entrevista sem temática limitada desde que o actual Presidente da República tomou posse. (...) O Presidente manifestou disponibilidade para falar sobre um tema concreto, actual e controverso: o Estatuto dos Açores. O PÚBLICO considerou que, sem prejuízo de manter o seu pedido para uma entrevista sem temática limitada, o tema era importante e polémico e justificava uma entrevista. Como se pode verificar lendo a última pergunta (‘Não houve nenhuma relação causal entre as várias decisões de promulgação ou veto que teve de tomar durante este Verão – e foram muitas?’) e a última resposta (‘Não. Este é um assunto muito específico e com uma importância particular, único no seu alcance político-institucional’), o PÚBLICO tentou, mesmo assim, alargar o âmbito da entrevista a outras decisões recentes do Presidente, mas este não quis falar sobre qualquer outro tema. Pense-se o que se pensar do Estatuto dos Açores, as opiniões do Presidente são importantes e são notícia. Assim o comprovou o impacto que a entrevista teve”.
Esclarece ainda José Manuel Fernandes: “Nenhuma questão foi combinada previamente. Sobre o tema da entrevista, o jornalista pôde colocar todas as questões que desejou e o Presidente não se recusou a responder a nenhuma”. E, por último, uma resposta a um rumor: “O PÚBLICO tem conhecimento de que círculos governamentais e do PS puseram a correr o boato de que a entrevista teria sido dada por escrito, até porque isso foi perguntado a jornalistas da nossa equipa. Como todos sabem, não só nada se pode fazer contra os boatos, como estes são a forma mais cobarde de tentar descredibilizar quem não se consegue atingir por outros meios”.
Julga o provedor que, no balanço final, os leitores do PÚBLICO poderão sair prejudicados, já que esta peça deverá diminuir as hipóteses de Cavaco Silva vir a conceder (pelo menos a curto prazo) a tal grande entrevista sem restrições (pedida não só por este mas, provavelmente, por todos os órgãos de informação de âmbito nacional), para não fazer passar a ideia de que privilegia este jornal em particular (o qual – recorde-se – já anunciara em exclusivo a comunicação presidencial de 31 de Julho).
Não obstante, o provedor considera que José Manuel Fernandes tem razão ao acentuar o interesse noticioso das declarações de Cavaco Silva sobre o estatuto açoriano, pelo que se justifica, em termos meramente jornalísticos, a oportunidade da entrevista exclusiva ao Presidente, mesmo que restringida a esse assunto e por ele solicitada. Tratou-se de uma opção legítima, tal como, aliás, dentro da sua autonomia editorial, e feitas as devidas ponderações, seria também legítimo que o jornal decidisse o contrário.
Existe porém um problema de forma, não de conteúdo. Para garantir a transparência do processo, faltou informar na ocasião os leitores daquilo que José Manuel Fernandes faz no esclarecimento de hoje: que Cavaco havia sugerido a entrevista e imposto a abordagem de um único tema e que o PÚBLICO resolvera, mesmo assim, aceitar. Seria a forma de o jornal se distanciar e explicar ao seu público: “Esta não é a entrevista que gostaríamos de fazer ao Presidente, mas ele só quer falar sobre isto – é melhor que nada”. Assim, apresentando a entrevista como coisa normal, é que não parece normal.
CAIXA:
As aparências iludem
No perfil de “Dragan Dabic”, a personagem em que Radovan Karadzic se metamorfoseou enquanto viveu clandestino em Belgrado, publicado nas págs. 5-6 do P2 de 4 de Agosto, a jornalista Isabel Gorjão Santos assumiu que o homem mantinha até uma página na internet: “O site é modesto, é certo, mas Dabic não se esquece de avisar que podem consultá-lo para conferências, consultas ou programas de televisão”. Contestou porém um leitor não identificado: “Todo o artigo parte do pressuposto de que o site era mais uma forma de Karadzic construir a sua ‘personagem’(...). Na verdade verificando a informação sobre o domínio dragandabic.com, verifica-se que o mesmo foi criado em 22 de Julho passado [um dia após a notícia da detenção de Karadzic, por alegados crimes de guerra no conflito da Bósnia]. O que provavelmente aconteceu é que, quando surgiram as notícias da prisão de Karadzic, alguém se apressou a registar o domínio e a ‘inventar’ uma suposta página pessoal de Dragan Dabic (...) Na peça jornalística em causa, esse facto foi aparentemente ignorado, sendo o site apresentado como genuíno. Aliás, se fosse feita uma análise mais atenta ao site, verificar-se-ia de que o tom do mesmo é quase cómico, mencionando o que o ‘Dr. Dabic’ gosta de comer e principalmente pelo ‘provérbio chinês’ que aparece em ultimo lugar: ‘A wise man thinks with his own head – while an ignorant one follows the mainstream mass media news and reports’ [‘Um sábio pensa pela sua cabeça, enquanto um ignorante segue as notícias e reportagens dos media de referência’].
Submetida a questão à jornalista, Isabel Gorjão Santos anunciou um artigo para esclarecer o assunto, cuja publicação está prometida há mais de um mês e tem vindo a ser adiada – será para amanhã, segunda-feira, segundo a sua última comunicação. Mas entretanto enviou uma explicação, reconhecendo que “as observações do leitor são pertinentes” e adiantando: “Houve sobretudo dois motivos que me levaram a atribuir o site à personagem criada por Karadzic. Antes de mais, o facto de agências noticiosas como a AFP e órgãos de informação internacionais como Le Monde ou a BBC terem referido a página como o site de Dragan Dabic. Para além disso, as informações que se encontravam naquela página coincidiam com os relatos de pessoas que privaram com a personagem que Karadzic criou. Pareceu-me então muito plausível que um médico que dá consultas e palestras tivesse um site, e acabei por não investigar a hipótese de alguém ter criado, num par de horas, uma página com fotografias e a biografia de Dragan Dabic. No entanto, era exactamente isso que tinha acontecido. The New York Times ou o Corriere della Sera publicaram, dias depois, a história do site e do seu autor, que não revela a verdadeira identidade mas respondeu às questões enviadas pelo PÚBLICO. Explica como fez aquela página e que pretendeu ajudar a criar um mito em volta de Dragan Dabic. Ficou então claro que (...) as citações feitas a partir do site não são verdadeiras e que aquela página que se apresentava como oficial era afinal, como disse o Corriere della Sera, ‘a piada do ano’ na internet”.
Como é costume avisar nas travessias de ferrovias, um comboio pode esconder outro. E os jornalistas precisam de muitas cautelas para não serem atropelados por comboios.
Publicada em 21 de Setembro de 2008
DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:
Carta do leitor José Carlos Gomes
Escrevo-lhe a propósito da entrevista ao Presidente da República dada à estampa na edição de hoje (12 de Setembro de 2008) do jornal PÚBLICO.
Lendo o trabalho, assinado pelo director do jornal, fico com uma sensação: esta entrevista interessa bem mais ao Presidente da República do que ao jornal ou aos leitores. Além disso, surge numa altura em que as fricções entre o Governo e a Presidência da República estão no seu ponto máximo desde o início do mandato de Cavaco Silva. Indo ao conteúdo, percebe-se que a entrevista se centra quase exclusivamente na famigerada comunicação ao país do Presidente da República, transpirando do texto uma retórica de justificação desse acto institucional de algum peso e servindo a entrevista para que Cavaco Silva faça pressão pública e política sobre o assunto que motivou a tal comunicação ao país: o Estatuto Autonómico dos Açores.
Perante este quadro, como leitor mas também como jornalista, fico com algumas dúvidas e ao Provedor as exponho:
- Por que motivo a entrevista é apenas sobre um assunto?
- Foi o jornal que solicitou a entrevista ou foi a Presidência que sugeriu que o Presidente da República estava interessado em dar uma entrevista sobre o tema em causa?
- A entrevista foi presencial ou efectuou-se por escrito, sendo as respostas enviadas ao jornal por alguém em nome de Cavaco Silva?
- O entrevistador pôde colocar as perguntas que entendeu ou as questões foram limitadas pela Presidência?
Como compreenderá, se a iniciativa não partiu do jornal, se o jornalista não pôde colocar livremente as perguntas que bem entendesse e/ou se as respostas foram dadas por escrito a partir de Belém, os leitores deveriam ter sido informados desse(s) facto(s) pelo jornal. A diferença entre um trabalho jornalístico e uma peça de comunicação de um político pode ser ténue e os leitores de um jornal devem saber se compram gato por lebre ou não.
José Carlos Gomes
Explicações do director do PÚBLICO
1. A entrevista foi presencial. Todas as entrevistas não presenciais são devidamente assinaladas pelo PÚBLICO. Teve lugar no Palácio de Belém, na sala onde costuma reunir o Conselho de Estado. O som digital da entrevista está guardado nos nossos arquivos.
2. O PÚBLICO tem vindo a solicitar à Presidência da República a realização de uma entrevista sem temática limitada desde que o actual Presidente tomou posse. No início da semana em que a entrevista foi editada, o Presidente da República manifestou disponibilidade para falar sobre um tema concreto, actual e controverso: o Estatuto dos Açores. O PÚBLICO considerou que, sem prejuízo de manter o seu pedido para uma entrevista sem temática limitada, o tema era importante e polémico e justificava uma entrevista. Como se pode verificar lendo a última pergunta e a última resposta, o PÚBLICO tentou, mesmo assim, alargar o âmbito da entrevista a outras decisões recentes do Presidente, mas este não quis falar sobre qualquer outro tema. (Da entrevista: "Não houve nenhuma relação causal entre as várias decisões de promulgação ou veto que teve de tomar durante este Verão, e foram muitas?" "Não. Este é um assunto muito específico e com uma importância particular, único no seu alcance político-institucional").
3. Nenhuma questão foi combinada previamente. Sobre o tema da entrevista o jornalista pôde colocar todas as questões que desejou, e o Presidente não se recusou a responder a nenhuma delas.
4. Pense-se o que se pensar do Estatuto dos Açores, as opiniões do Presidente são importantes e são notícia. Assim o comprovou o impacto que a entrevista teve.
5. Para além da entrevista, na mesma edição em que esta foi publicada o PÚBLICO dedicou uma página ao seu enquadramento político e institucional, para que os leitores pudessem ajuizar melhor sobre o que estava em causa.
6. O PÚBLICO tem conhecimento de que círculos governamentais e do PS puseram a correr o boato de que a entrevista teria sido dada por escrito, até porque isso foi perguntado a jornalistas da nossa equipa. Como todos sabem, não só nada se pode fazer contra os boatos, como estes são a forma mais cobarde de tentar descredibilizar quem não se consegue atingir por outros meios.
José Manuel Fernandes
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Um processo contínuo
O jornalismo diário nunca é definitivo numa única edição. É uma processo contínuo de acumulação de informação que acrescenta, corrige ou complementa a que antes foi publicada. Nesse processo, a participação do público pode ter influência.
Este é um caso antigo, que o provedor entendeu desnecessário abordar na altura, mas cujas peças vale a pena conhecer.
Em primeiro lugar, a notícia original, da autoria de António Garcias, na edição Porto do PÚBLICO de 27 de Fevereiro:
Título:
Viaduto da futura A4 motiva processo contra o Estado
Texto:
A Quercus vai intentar uma acção contra o Estado por causa do relatório de estudo prévio de impacto ambiental referente ao troço da A4 que irá atravessar a cidade de Vila Real. “Uma fraude” é como aquela organização ambientalista e também o movimento Cidadãos por Vila Real classificam o estudo, em discussão pública até amanhã.
Em causa está a construção de uma ponte com 2800 metros de comprimento e pilares de 150 metros de altura – o equivalente a um prédio de 50 andares – entre o nó da A4 em Paradas de Cunhos e a margem esquerda do rio Corgo, a sul de Vila Real, com ligação à A24 (Chaves-Régua). Segundo o núcleo da Quercus de Vila Real, “a declaração de impacto ambiental que o Governo tinha apresentado anteriormente aprova aquele viaduto, mas desde que no estudo agora em discussão pública fosse apresentada fundamentação adequada do não aproveitamento do actual traçado do IP4, que liga Amarante a Bragança”. Caso fosse possível duplicar o traçado actual, não seria necessário construir aquela ponte.
É precisamente a falta de “qualquer fundamentação válida sobre o não aproveitamento do actual traçado que legitima e justifica esta acção judicial” defende João Branco, líder da Quercus de Vila Real. O ambientalista acusa a empresa COBA - que realizou o estudo prévio de impacto ambiental - de apresentar um “trabalho vazio de qualquer argumentação”. “Só diz verdades de La Palisse. Ao nível técnico, nada de novo. Os aspectos ambientais são omissos. Esquece que atravessa terrenos incluídos na Rede Natura e os argumentos económicos puramente não existem”, diz.
Por seu lado, Rui Cortes, um dos rostos do movimento “ Cidadãos por Vila Real”, não compreende que se continue a insistir naquele corredor, que é o mais nefasto em termos ambientais, urbanísticos e económicos. “Só o custo previsto do viaduto, sem acessos incluídos, no valor de 110 milhões de euros, justifica o estudo de mais e melhores alternativas a este traçado”, defende este professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Na impossibilidade de se aproveitar o traçado existente do IP4, Rui Cortes defende que se desloque então a ponte alguns quilómetro para sul, de modo a fazer o atravessamento junto à Cumieira com ligação directa ao nó de Nogueira, na A24. A A4 partilharia um pequeno troço desta auto-estrada até ao nó a norte de Vila Real, onde prosseguiria até Bragança em corredor autónomo. Desta forma, não se devassava a parte sul da cidade de Vila Real e preservavam-se terrenos de grande valor ecológico e urbanístico.
António Carvalho, presidente da junta de freguesia de Constantim, uma das aldeias que serão afectadas por este traçado, também contesta o projecto, que vai “deixar a povoação no meio de duas auto-estradas”. “Como é possível que seja proibido construir uma simples habitação na zona agrícola afecta à freguesia e agora se permita destruir toda essa zona sul da aldeia com o atravessamento da futura A4?”, pergunta, indignado, o autarca.
A seguir, a queixa da leitora Regina Leite:
Nesse artigo, o jornalista veícula pontos de vista da Quercus e de um movimento Cidadãos por Vila Real, pontos de vista esses contrários a determinados aspectos do traçado previsto para a A4, designadamente quanto a um viaduto a construir entre o nó da A4 em Paradas de Cunhos e a margem esquerda do rio Corgo, a sul de Vila Real.
Na parte final do artigo, é transmitida:
· uma opinião de Rui Cortes, do referido movimento Cidadãos por Vila Real, que defende, na impossibilidade de se aproveitar o traçado existente do IP4, a deslocação desse viaduto alguns quilómetros para Sul, "de modo a fazer o atravessamento junto à Cumieira...";
· uma opinião do Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Constantim, uma das aldeias que seriam afectadas pelo traçado, igualmente contrária ao viaduto previsto.
Ora não teria sido oportuno que António Garcias tivesse questionado se o impacto ambiental que se pretende evitar não iria igualmente ocorrer na Cumieira, e qual a justificação (ambiental, económica, social) da proposta de Rui Cortes? E não teria sido igualmente oportuno ouvir responsáveis da Cumieira? Por que é que a aldeia de Constantim se considera afectada e a aldeia da Cumieira (inserida num vale integralmente coberto de vinha e com caracteristicas eminentemente rurais) não irá igualmente ser da mesma opinião? Qual é a paisagem actualmente mais preservada? A de Vila Real e Constantim ou a da Cumieira?
Considero importante que o PÚBLICO aborde estes temas e dê voz às populações afectadas. Mas que se procure transmitir a necessária diversidade de opiniões e se apresentem justificações mais substanciadas.
Por solicitação do provedor, o jornalista forneceu a seguinte explicação:
A notícia em causa visava, sobretudo, dar conta da ameaça da Quercus de apresentar uma queixa por causa do estudo sobre a ponte da A4 que vai ligar as duas margens do rio Corgo em Vila Real. É uma notícia pequena, sem espaço para abordar todas as questões relacionadas com este projecto. As opiniões veiculadas responsabilizam, sobretudo, os seus autores e não ofendem ninguém, pelo que o direito básico ao contraditório não se coloca neste caso. Até porque, em relação à Cumieira, por exemplo, a proposta de Rui Cortes é vaga. Não passa disso mesmo, de uma sugestão. De qualquer forma, o PÚBLICO vai continuar a acompanhar o assunto e não deixará de ouvir toda as partes interessadas neste assunto.
E por último uma informação adicional de António Garcias:
Na edição de hoje [29 de Fevereiro] do PÚBLICO saiu mais um texto meu sobre a contestação criada à volta do estudo prévio do traçado proposto para a futura A4. Para o provedor poder comprovar como estamos atentos ao assunto, ouvindo as vozes interessadas e envolvidas na polémica, envio-lhe esse texto:
Título:
Estudos para troço da A4 apelidados de “fraude” e “vigarice”
Entrada:
Traçado proposto atravessa terreno para onde está projectado um empreendimento industrial de 60 milhões de euros
Texto:
O “Movimento Cívico de Cidadãos por Vila Real” qualifica como “uma vigarice e uma fraude” o estudo prévio do relatório de avaliação ambiental do troço da futura A4 Vila Real entre Parada de Cunhos e a A24, realizado pela empresa COBA. Rui Cortes, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e um dos rostos que encabeçam aquele movimento cívico de cidadãos, considera que “a Agência Portuguesa do Ambiente devia ter excluído ou pedido a reformulação desses estudos, pois a solução apresentada foi desde o princípio imposta”.
Para o professor e especialista na área ambiental, o estudo, até ontem em discussão pública, “não responde às principais solicitações que constam da Declaração de Impacte Ambiental, datada de 28 de Setembro de 2007”. E, acrescenta, “muito dificilmente se sustenta uma decisão política e se convence os cidadãos a participarem activamente em assuntos que têm implicações no seu futuro e dos seus filhos, se as soluções são impostas e a lei é ultrapassada”.
As queixas incidem não apenas sobre o projecto do viaduto entre Parada de Cunhos e Folhadela, com cerca de 2800 metros de comprimento e 150 de altura e que vai devassar uma parte da zona sul de Vila Real, mas também sobre o troço da A4 que passa a norte do aeródromo da cidade e a sul da aldeia de Constantim. Isto porque o estudo prévio da empresa COBA prevê a passagem da auto-estrada que ligará Vila Real a Bragança/Quintanilha precisamente pelo terreno para onde está projectada a construção de um empreendimento industrial, estimado em 60 milhões de euros.
Artur Sousa, o promotor deste projecto considerado de interesse nacional, contou ao PÙBLICO que apenas na semana passada soube dessa “infeliz notícia”. “Nem queria acreditar quando tive conhecimento que a estrada vai passar por ali. Pensei para comigo: então a licença de construção já me foi concedida há dois anos, a inauguração está prevista para este Verão e só agora a que aparece este estudo com este traçado? Alguém deve andar a ganhar dinheiro com isto”, acusa o empresário. “É claro que eu tenho interesse em ganhar dinheiro. Mas ao mesmo tempo também crio riqueza para a região e para o país”, diz.
O empreendimento vai criar 400 postos de trabalho e contempla cinco estruturas: um centro logístico, de carga e descarga de camiões TIR, tanto para uso da própria empresa como de toda a região Norte de Portugal, uma unidade de produção e criação de cogumelos, outra de conservação, um centro de investigação em parceria com a UTAD e ainda uma parte para escritórios e serviços. Artur Sousa sente-se triste e preocupado com o que está a acontecer e, por isso, teve ontem uma reunião com o governador civil de Vila Real, António Martinho, para tentar desbloquear a situação.
António Martinho considera o caso “muito grave”. E não compreende “como o estudo considerou a área afecta ao empreendimento industrial [110 mil quadrados, 40 dos quais de área coberta] passível de ser utilizada para a construção da A4”. “Temos que proteger e acarinhar quem quer desenvolver e apostar na criação de riqueza na nossa região”, disse, prometendo ir pedir explicações ao Governo.
É claro que teria sido interessante que também a população da Cumieira (ou alguém em seu nome), como parte interessada, tivesse em algum momento do processo sido ouvida.
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