segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Um processo contínuo

O jornalismo diário nunca é definitivo numa única edição. É uma processo contínuo de acumulação de informação que acrescenta, corrige ou complementa a que antes foi publicada. Nesse processo, a participação do público pode ter influência.

Este é um caso antigo, que o provedor entendeu desnecessário abordar na altura, mas cujas peças vale a pena conhecer.

Em primeiro lugar, a notícia original, da autoria de António Garcias, na edição Porto do PÚBLICO de 27 de Fevereiro:


Título:
Viaduto da futura A4 motiva processo contra o Estado

Texto:
A Quercus vai intentar uma acção contra o Estado por causa do relatório de estudo prévio de impacto ambiental referente ao troço da A4 que irá atravessar a cidade de Vila Real. “Uma fraude” é como aquela organização ambientalista e também o movimento Cidadãos por Vila Real classificam o estudo, em discussão pública até amanhã.
Em causa está a construção de uma ponte com 2800 metros de comprimento e pilares de 150 metros de altura – o equivalente a um prédio de 50 andares – entre o nó da A4 em Paradas de Cunhos e a margem esquerda do rio Corgo, a sul de Vila Real, com ligação à A24 (Chaves-Régua). Segundo o núcleo da Quercus de Vila Real, “a declaração de impacto ambiental que o Governo tinha apresentado anteriormente aprova aquele viaduto, mas desde que no estudo agora em discussão pública fosse apresentada fundamentação adequada do não aproveitamento do actual traçado do IP4, que liga Amarante a Bragança”. Caso fosse possível duplicar o traçado actual, não seria necessário construir aquela ponte.
É precisamente a falta de “qualquer fundamentação válida sobre o não aproveitamento do actual traçado que legitima e justifica esta acção judicial” defende João Branco, líder da Quercus de Vila Real. O ambientalista acusa a empresa COBA - que realizou o estudo prévio de impacto ambiental - de apresentar um “trabalho vazio de qualquer argumentação”. “Só diz verdades de La Palisse. Ao nível técnico, nada de novo. Os aspectos ambientais são omissos. Esquece que atravessa terrenos incluídos na Rede Natura e os argumentos económicos puramente não existem”, diz.
Por seu lado, Rui Cortes, um dos rostos do movimento “ Cidadãos por Vila Real”, não compreende que se continue a insistir naquele corredor, que é o mais nefasto em termos ambientais, urbanísticos e económicos. “Só o custo previsto do viaduto, sem acessos incluídos, no valor de 110 milhões de euros, justifica o estudo de mais e melhores alternativas a este traçado”, defende este professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).
Na impossibilidade de se aproveitar o traçado existente do IP4, Rui Cortes defende que se desloque então a ponte alguns quilómetro para sul, de modo a fazer o atravessamento junto à Cumieira com ligação directa ao nó de Nogueira, na A24. A A4 partilharia um pequeno troço desta auto-estrada até ao nó a norte de Vila Real, onde prosseguiria até Bragança em corredor autónomo. Desta forma, não se devassava a parte sul da cidade de Vila Real e preservavam-se terrenos de grande valor ecológico e urbanístico.
António Carvalho, presidente da junta de freguesia de Constantim, uma das aldeias que serão afectadas por este traçado, também contesta o projecto, que vai “deixar a povoação no meio de duas auto-estradas”. “Como é possível que seja proibido construir uma simples habitação na zona agrícola afecta à freguesia e agora se permita destruir toda essa zona sul da aldeia com o atravessamento da futura A4?”, pergunta, indignado, o autarca.

A seguir, a queixa da leitora Regina Leite:

Nesse artigo, o jornalista veícula pontos de vista da Quercus e de um movimento Cidadãos por Vila Real, pontos de vista esses contrários a determinados aspectos do traçado previsto para a A4, designadamente quanto a um viaduto a construir entre o nó da A4 em Paradas de Cunhos e a margem esquerda do rio Corgo, a sul de Vila Real.
Na parte final do artigo, é transmitida:
· uma opinião de Rui Cortes, do referido movimento Cidadãos por Vila Real, que defende, na impossibilidade de se aproveitar o traçado existente do IP4, a deslocação desse viaduto alguns quilómetros para Sul, "de modo a fazer o atravessamento junto à Cumieira...";
· uma opinião do Sr. Presidente da Junta de Freguesia de Constantim, uma das aldeias que seriam afectadas pelo traçado, igualmente contrária ao viaduto previsto.
Ora não teria sido oportuno que António Garcias tivesse questionado se o impacto ambiental que se pretende evitar não iria igualmente ocorrer na Cumieira, e qual a justificação (ambiental, económica, social) da proposta de Rui Cortes? E não teria sido igualmente oportuno ouvir responsáveis da Cumieira? Por que é que a aldeia de Constantim se considera afectada e a aldeia da Cumieira (inserida num vale integralmente coberto de vinha e com caracteristicas eminentemente rurais) não irá igualmente ser da mesma opinião? Qual é a paisagem actualmente mais preservada? A de Vila Real e Constantim ou a da Cumieira?
Considero importante que o PÚBLICO aborde estes temas e dê voz às populações afectadas. Mas que se procure transmitir a necessária diversidade de opiniões e se apresentem justificações mais substanciadas.

Por solicitação do provedor, o jornalista forneceu a seguinte explicação:

A notícia em causa visava, sobretudo, dar conta da ameaça da Quercus de apresentar uma queixa por causa do estudo sobre a ponte da A4 que vai ligar as duas margens do rio Corgo em Vila Real. É uma notícia pequena, sem espaço para abordar todas as questões relacionadas com este projecto. As opiniões veiculadas responsabilizam, sobretudo, os seus autores e não ofendem ninguém, pelo que o direito básico ao contraditório não se coloca neste caso. Até porque, em relação à Cumieira, por exemplo, a proposta de Rui Cortes é vaga. Não passa disso mesmo, de uma sugestão. De qualquer forma, o PÚBLICO vai continuar a acompanhar o assunto e não deixará de ouvir toda as partes interessadas neste assunto.

E por último uma informação adicional de António Garcias:

Na edição de hoje [29 de Fevereiro] do PÚBLICO saiu mais um texto meu sobre a contestação criada à volta do estudo prévio do traçado proposto para a futura A4. Para o provedor poder comprovar como estamos atentos ao assunto, ouvindo as vozes interessadas e envolvidas na polémica, envio-lhe esse texto:

Título:
Estudos para troço da A4 apelidados de “fraude” e “vigarice”

Entrada:
Traçado proposto atravessa terreno para onde está projectado um empreendimento industrial de 60 milhões de euros

Texto:
O “Movimento Cívico de Cidadãos por Vila Real” qualifica como “uma vigarice e uma fraude” o estudo prévio do relatório de avaliação ambiental do troço da futura A4 Vila Real entre Parada de Cunhos e a A24, realizado pela empresa COBA. Rui Cortes, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) e um dos rostos que encabeçam aquele movimento cívico de cidadãos, considera que “a Agência Portuguesa do Ambiente devia ter excluído ou pedido a reformulação desses estudos, pois a solução apresentada foi desde o princípio imposta”.
Para o professor e especialista na área ambiental, o estudo, até ontem em discussão pública, “não responde às principais solicitações que constam da Declaração de Impacte Ambiental, datada de 28 de Setembro de 2007”. E, acrescenta, “muito dificilmente se sustenta uma decisão política e se convence os cidadãos a participarem activamente em assuntos que têm implicações no seu futuro e dos seus filhos, se as soluções são impostas e a lei é ultrapassada”.
As queixas incidem não apenas sobre o projecto do viaduto entre Parada de Cunhos e Folhadela, com cerca de 2800 metros de comprimento e 150 de altura e que vai devassar uma parte da zona sul de Vila Real, mas também sobre o troço da A4 que passa a norte do aeródromo da cidade e a sul da aldeia de Constantim. Isto porque o estudo prévio da empresa COBA prevê a passagem da auto-estrada que ligará Vila Real a Bragança/Quintanilha precisamente pelo terreno para onde está projectada a construção de um empreendimento industrial, estimado em 60 milhões de euros.
Artur Sousa, o promotor deste projecto considerado de interesse nacional, contou ao PÙBLICO que apenas na semana passada soube dessa “infeliz notícia”. “Nem queria acreditar quando tive conhecimento que a estrada vai passar por ali. Pensei para comigo: então a licença de construção já me foi concedida há dois anos, a inauguração está prevista para este Verão e só agora a que aparece este estudo com este traçado? Alguém deve andar a ganhar dinheiro com isto”, acusa o empresário. “É claro que eu tenho interesse em ganhar dinheiro. Mas ao mesmo tempo também crio riqueza para a região e para o país”, diz.
O empreendimento vai criar 400 postos de trabalho e contempla cinco estruturas: um centro logístico, de carga e descarga de camiões TIR, tanto para uso da própria empresa como de toda a região Norte de Portugal, uma unidade de produção e criação de cogumelos, outra de conservação, um centro de investigação em parceria com a UTAD e ainda uma parte para escritórios e serviços. Artur Sousa sente-se triste e preocupado com o que está a acontecer e, por isso, teve ontem uma reunião com o governador civil de Vila Real, António Martinho, para tentar desbloquear a situação.
António Martinho considera o caso “muito grave”. E não compreende “como o estudo considerou a área afecta ao empreendimento industrial [110 mil quadrados, 40 dos quais de área coberta] passível de ser utilizada para a construção da A4”. “Temos que proteger e acarinhar quem quer desenvolver e apostar na criação de riqueza na nossa região”, disse, prometendo ir pedir explicações ao Governo.

É claro que teria sido interessante que também a população da Cumieira (ou alguém em seu nome), como parte interessada, tivesse em algum momento do processo sido ouvida.

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