quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Fim

Este blogue encerrou às 24h00 de 31 de Dezembro de 2009, fim do mandato do provedor. Poderá, se o desejar, contactar o ex-provedor para mailtovieira@gmail.com.

Praga de Catual em balanço

Um dos combates que o provedor procurou desenvolver ao longo dos seus dois anos de mandato foi contra a falta de concordância de certos tempos verbais que se seguem à partícula "que", quando esta é sujeito da oração e se refere a um plural retomado da oração anterior. Acontece que no português escrito e falado de hoje existe grande probabilidade de sair asneira: o predicado ser enunciado no singular. Baptizou o provedor este frequente erro como "praga de Catual", a partir de dois versos de Os Lusíadas onde Camões respeita a concordância: "Era este Catual um dos que estavam/ Corruptos pela Maumetana gente" (canto VIII, estrofe 81, negrito do provedor).

O provedor considera o seu esforço nesta matéria em grande parte frustrado, a avaliar por alguns exemplos mais recentes recolhidos da leitura ocasional do PÚBLICO:

“é uma das fotos que mais me impressionou” (P2, 26 de Dezembro, pág. 9);

“lançou um ‘míssil’ daqueles que faz grandes estragos” (P2, 23 Dez., pág. 2);

“um dos deputados que ficou proibido de toda a actividade política“ (13 Dez., pág. 21);

“um dos governos anteriores que assumiu esse compromisso” (8 Dez., pág. 40);

“um dos cancros que mais mata em Portugal” (7 Dez., pág. 8);

“uma das frases que fez história no PSD” (7 Dez., pág. 10);

“Lisboa é uma das cidades que aderiu ao No Berlusconi Day” (5 Dez., pág. 19);

“Genebra é também uma das poucas cidades que tem um minarete” (1 Dez., pág. 18);

“um dos raros intelectuais que assume não apreciar por aí além a obra de Pessoa"; “Beirão foi justamente um dos jurados que deu à Mensagem o prémio” (P2, 1 Dez., pág. 6 - os dois exemplos no mesmo artigo, "Mensagem clonada", onde porém se escreve correctamente: “Um dos que criticaram esta opção de Pessoa foi Casais Monteiro”);

“Uma das peculiariedades que mais contribui para essa perplexidade” (P2, 23 Nov., pág. 10);

“Outro dos momentos que vai ficar para a história da televisão” (P2, 21 Nov., pág. 15);

“Somos uma das sociedades europeias que mais rápida e profundamente se alterou nos últimos anos” (11 Nov., pág. 5);

“Uma nas novidades que mais a impressionou, nestes primeiros dias de parlamento” (16 Out., pág. 8).

Na verdade trata-se de um combate difícil, dada a forma como o vício está entranhado no jornalismo português. Ainda na passada terça-feira, 29 de Dezembro, o provedor ouviu o apresentador das notícias das 13h00 na RTP1 referir-se a “um dos primeiros pontos a ser inundado".

Entretanto, a propósito do tema, o provedor recebeu do leitor João Brandão a seguinte observação:

"Sobre o problema do Catual, em que tem geralmente razão, remeto-o para a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra. Aí, em 'Concordância Verbal', pág 494. e seguintes da minha 5ª edição, vem uma concordância com a posição que tem defendido. Porém, no ponto 3 (pág. 498), admite-se que quando o pronome relativo 'que' vem antecedido de 'um dos ... (+ substantivo), o verbo de que ele é sujeito vai para a 3ª pessoa do plural ou, mais raramente, para a 3ª pessoa do singular'. Apresenta dois exemplos dessa excepção, um deles de Camilo Castelo Branco ['um dos primeiros homens doutos que escrevia em português', adiantando-se ainda outras ocorrências do género, como em Aquilino Ribeiro: 'O bispo de Silves foi um dos que caiu no erro funesto']. Em observação nota: 'O verbo no singular destaca o sujeito do grupo em relação ao qual vem mencionado...'"

O provedor também conhecia esta admissão registada por Celso Cunha e Lindley Cintra (e podia até acrescentar outros exemplos, como Eça de Queirós em Os Maias, capítulo X: "E Carlos, furando, pôde enfim avistar no meio do montão um dos sujeitos que correra no prémio dos Produtos"). Mas considera tratar-se de uma condescendente indulgência de filólogos esmagados perante o peso de celebridades literárias, e não concorda que se admita a razoabilidade de uma excepção que vai contra toda a lógica sintáctica da língua. Rejeita com efeito a ideia de que, porque um escritor consagrado comete um erro idiomático (e tantos existem), esse erro deva ser promovido aos cânones linguísticos. Não é de aceitar, aliás, que, no caso vertente, as duas fórmulas possam estar correctas de acordo com o arbítrio de quem escreve. Porquê "mais raramente" na terceira pessoa do singular, como dizem Cunha e Cintra, que não apresentam para isso qualquer justificação racional (o que é bizarro, temos de concluir)? E como saberá quem escreve em que altura se aplica o "mais raramente"? Deve existir uma regra, e basta decompor analiticamente as frases e verificar quem é o sujeito para se concluir que o tempo verbal terá forçosamente de ser conjugado no plural. Tão simples como isso. É verdade que há vícios de linguagem que tendem a enraizar-se e perpetuar-se, e este é um deles. Também é um facto que certas corruptelas acabam erigidas em regras linguísticas (impostas pelos falantes). Mas não parece ao provedor que possa ser esta a situação. Para que o português não seja uma língua de trapos, deve obedecer a um normativo coerente, defendido pelos seus cultores. É o caso.

Cuidado com a língua

Agradeceria que fosse chamada a atenção dos vossos jornalistas para o seguinte:

Títulos de uma notícia na edição de 26 Junho, no nosso jornal PÚBLICO: "Preço dos combustíveis - Dossier perde-se na Autoridade da Concorrência". Não é grave, mas nada justifica usar-se ainda o vocábulo "dossier" quando já está aportuguesado para "dossiê". Por exemplo, nesta mesma edição, é utilizado (e muito apropriadamente) o vocábulo "robô", que veio substituir "robot". Porquê esta dualidade de critério? Apenas me ocorre que as notícias tenham sido escritas por jornalistas diferentes, um que está atento às alterações linguísticas que foram introduzidas (há bastante tempo, não têm nada a ver com o novo acordo ortográfico) e outro nem por isso.

Geraldes Lino

"Um vendedor dorme perto das suas couves enquanto aguarda pela chegada de compradores num mercado em Taiyuan, na província chinesa de Shanxi... " [PÚBLICO, Novembro de 2008, dia indeterminado]. Não se aguarda "por" - espera-se "por" mas aguarda-se alguma coisa, sem preposição. Embora o erro seja cada vez mais corrente, continua a ser erro, e já bastam as televisões para o difundir...

Ana Luísa Faria

Na edição electrónica de 26 de Maio, está inclusa uma notícia com o seguinte título: "Quinze mil polícias ficam a aguardar pelo descongelamento dos escalões".

A autoria do artigo é de José Bento Amaro, que, eventualmente, não será o autor do título. De facto, é comum redactores, directores e outros responsáveis sublinharem esse aspecto quando há protestos a incidir sobre títulos. Não me parece que isso diminua em nada a gravidade dos erros: o leitor encara o jornal como um produto completo e raramente cura de saber se o erro é deste ou daquela; para ele, é do jornal.

O erro, neste caso, é evidentemente o "aguardar por". De facto, não se aguarda por uma coisa, um acontecimento ou uma pessoa, aguarda-se uma coisa, um acontecimento ou uma pessoa. É um erro muito comum, causado, julgo eu, pela semelhança com o verbo esperar que, esse sim, pede um "por" em alguns casos.

Igualmente habituais, nos jornais em geral e no PÚBLICO em particular, são casos semelhante como "alastrar-se" (por vezes a asneira é aumentada com um "por", como em "alastrar-se pelo País!..."), fórmula corrompida por "espalhar" ou, ainda, "aproximar-se a", letalmente "envenenado" pelo sinónimo "chegar".

São modas (como o inenarrável "o Chipre", que tem ganho o favor de escribas e locutores que, em breve, estarão a referir-se à Angola e ao Portugal, ou o igualmente apatetado "Costa de Caparica" (sei que neste caso ainda se discute...).

Mas, também, que esperar de jornais que publicam, sem corar de vergonha, artigos onde se escreve "numa base de geleia de rosas onde acentam umas doces laranjas", como faz Ana Machado noutra peça da mesma edição do PÚBLICO, intitulada "Hélio Loureiro diz que quem matou D. João VI foi... o cozinheiro".

Sei que os avanços tecnológicos remeteram o revisor, como instituição, para os armazéns de velharias. Mas não haverá forma de ajudar jornalistas para quem a escola não foi muito bem sucedida a não cometerem erros que são grosseiros (apesar de muitas vezes se achar que são "pequenos")?

Augusto Dias

Onde, quem?

Uma das regras básicas do jornalismo consiste em que cada texto deve responder a quatro questões essenciais: o quê? quem? quando? onde? Mas por vezes isso fica esquecido, abrindo-se uma enorma lacuna. Exemplos:

Numa selecção de fotos do ano de 2009, publicada no P2 de 26 de Dezembro, na pág. 9 surge uma “imagem de corpo morto e metido num carrinho de supermercado”. Na detalhada fotolegenda, faltou o "onde".

Notícia na pág. 15 de 5 de Maio: “O Supremo Tribunal dos EUA aceitou um recurso apresentado pelo Governo e ordenou que seja apreciado se a televisão CBS não terá de pagar uma multa de 550 mil dólares por ter permitido que se visse o mamilo da cantora numa emissão em directo em 2004”. Que cantora? Faltou o "quem".

Incongruências

Uma contradição na mesma notícia (PUBLICO.PT, 27 de Maio de 2009):

Título:
"Miguel Portas diz que imposto europeu avançado por [Paulo] Rangel é comentário atrapalhado"
Texto:
“O cabeça-de-lista do BE às europeias, Miguel Portas, recusou terça-feira à noite qualquer novo imposto europeu sobre os cidadãos, considerando que a proposta do candidato do PS [Vital Moreira] foi um 'comentário atrapalhado'.”
PUBLICO.PT, 27/05

Uma contradição na mesma edição, anotada por um leitor:

Na edição do PÚBLICO do dia 25 de Janeiro, domingo, vem na revista "Pública" uma noticia que contraria uma outra noticia publicada no jornal. Esta situação é inaceitável e aconteceu no jornal do mesmo dia que a revista! Jornal, página 30, Desporto, artigo com o título “Bundesliga tirou à Premiership o estatuto de Liga mais rentável”; na linha 17 da segunda coluna a noticia diz: “Uma da perguntas é como é que a Bundesliga roubou à Premiership o estatuto de campeonato mais rentável”. Revista, página 28, Futebol; nas linhas 13 da segunda coluna e 14 da terceira o texto diz: “Há outros sinais de crise no melhor e mais rentável futebol do mundo”, referindo-se ao campeonato inglês (Premiership) e não ao alemão (Bundesliga). A minha questão é como é que no jornal dizem uma coisa e na revista dizem outra. Afinal qual é a liga mais rentável do Mundo?

Eugénio Castro Caldas

NOTA DO PROVEDOR: Será que entre o fecho da edição da "Pública" e a do jornal, que é uns quatro dias mais tarde, mudou o ranking mundial de rendibilidade dos campeonatos de futebol?

Uma opinião contra uma opinião

Na edição impressa de 7 de Maio de 2009 do PÚBLICO, na pág. 37, Helena Matos compara, assemelhando-os, a proibição de voos de e para o México [devido à gripe A], decretada pelo Governo de Havana, com o embargo económico decretado pelo Governo dos Estados Unidos da América contra o mesmo Governo. Ora, as diferenças entre as duas medidas são tantas e de tal ordem que me dispenso de as enunciar. Em resumo: a jornalista poderia invocar muitos argumentos para atacar o governo cubano (como aliás mais à frente no mesmo artigo faz), mas não este.

Escrever artigos não se limita a escrever frases bonitas. Sem rigor não chegaremos se não a desacreditar a imprensa e confundir os cidadãos. O dito não implica que não considere o PÚBLICO como um jornal que tenta acertar, e os jornalistas em causa como interessantes.

António Manuel Paula Saraiva

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

A nacionalidade de um satélite

Em virtude da notícia publicada online no PÚBLICO de 29 de Julho de 2009 intitulada “Empresa portuguesa entre os proprietários de um satélite de observação da Terra”, venho denunciar a publicidade gratuita, para não falar em falsidades, que a notícia contém, começando pelo tí­tulo e em frases como: “Pela primeira vez, uma empresa portuguesa, incluída no grupo aeroespacial espanhol Deimos, vai lançar o seu próprio satélite de observação da Terra.”

A Deimos Engenharia não é uma empresa portuguesa, é sim uma subsidiária de uma empresa espanhola. Sendo que a casa mãe, Deimos Espanha, é que é dona do satélite.

É uma pena que jornais como o PÚBLICO, tido como de referência, publiquem uma notícia destas sem pelo menos investigar o que a fonte, Deimos Eng., afirma, aceitando tudo como verdade absoluta.

Isto não é jornalismo, é comunicado à imprensa por parte da Deimos.

Cristina Azevedo

Resposta da autora da notícia

A empresa Deimos Engenharia é de facto uma empresa portuguesa e não uma subsidiária espanhola. Foi fundada em Portugal em 2002, contribui para o tecido empresarial português e, além disto, tem realmente capital português entre os seus accionistas.

É considerada uma empresa participada e não uma subsidiária: embora tenha uma maioria de capital estrangeiro, do grupo aeroespacial espanhol Deimos, tem também a participação de capital português. Segundo o director da Deimos Engenharia, Nuno Ávila Martins, o capital português atinge os dois dígitos.

Em organizações internacionais, como a Agência Espacial Europeia (ESA), a Deimos Engenharia é identificada como uma empresa portuguesa.

Por fim, também não digo que a empresa portuguesa é a proprietária do satélite. Digo que se encontra entre – e sublinho a palavra “entre” – os seus proprietários, por ter precisamente uma participação de capital espanhol. E, para que não restassem dúvidas, procurei logo na primeira frase da notícia deixar claro que a Deimos Engenharia faz parte do grupo espanhol Deimos.

Portanto, a notícia não contém “falsidades”, nem é “publicidade gratuita”, como sou acusada de ter feito.

Teresa Firmino