quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Vicente Jorge Silva e José Mário Costa reagem à última crónica do provedor

(Actualizado em 9 de Fevereiro, sábado, com nova carta e nova resposta)

Na sua réplica ao desmentido que lhe enviámos (“A excepção e a regra”, PÚBLICO de 3 de Fevereiro p. p.), Joaquim Vieira (JV) volta a distorcer o que está estabelecido no Livro de Estilo do jornal, tanto na sua 1.ª edição, de que fomos os autores, como na sua actual versão. Escreveu ele o seguinte:

«Existe algo de esquizofrénico num Livro de Estilo que, por um lado, pede a identificação das fontes “com a maior precisão possível” e, por outro lado, apresenta como única alternativa a omissão total de referência a essas mesmas fontes.»

Convenhamos: se verdadeiramente há «algo de esquizofrénico», é a relação do novo provedor com um Livro de Estilo que, enquanto estiver em vigor, constitui a principal referência técnica e ética para os jornalistas do PÚBLICO. Ou será que os jornalistas passarão a ter de enfrentar, esquizofrenicamente, dois critérios contraditórios: os do Livro de Estilo e os de Joaquim Vieira? É imperioso que a direcção editorial do PÚBLICO esclareça esta matéria e também que explique aos leitores e aos jornalistas do PÚBLICO se a relação conflitual do novo provedor com o Livro de Estilo foi previamente discutida com ele. Fará sentido contratar um provedor que discorda de normas importantes do Livro de Estilo? E, sendo assim, fará sentido ele aceitar o cargo? Já nada nos espanta, tendo em conta a velha hostilidade militante do novo provedor à criação deste diário. Ei-lo, 18 anos depois, investido no papel de grande educador da ética e da deontologia dos jornalistas do PÚBLICO. Não será este um sintoma suplementar – e irónico – de esquizofrenia?

Entretanto, somos forçados a voltar ao assunto, esperando que, desta vez, a nossa resposta seja integralmente publicada, ao contrário do que sucedeu na semana passada. Assim,

a) Não é verdade que, nas condições excepcionais das informações confirmadas sob condição de sigilo, o Livro de Estilo «apresente como única alternativa a omissão total de referência a essas (…) fontes». Bastaria a JV um pouco do rigor que costuma exigir aos outros, uma vez mais:

«(…) o sigilo deverá ser admitido apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação ou a sua confirmação. Nesses casos, e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula “uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato” (…). Nos casos excepcionais em que [se] aceita atribuir uma informação não identificada, a despistagem ou protecção do informador deve ser cuidada, mas não enganosa e implica rigor e seriedade.

Rigor: uma fonte não são “fontes”, uma informação prestada pelo dirigente X, pela tendência Y ou pelo MNE não pode ser atribuída indistintamente a “meios clubísticos”, “partidários” ou “diplomáticos” (…).

Seriedade: o leitor tem o direito de saber, por exemplo, que a informação X envolve especificamente a corrente (ou os interesses) Y. Uma declaração ou um comentário nunca devem ser atribuídos a fontes anónimas. (…)

O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte de informação. A protecção das fontes determina uma maior responsabilidade do jornalista naquilo que escreve, e nela se joga boa parte da credibilidade do jornal. (…)

As expressões do tipo “várias fontes” não podem ser utilizadas sem que o jornalista as individualize, na mesma notícia. O jornalista deve quantificar de forma exacta as suas fontes (ex.: “duas fontes disseram ao ‘Público’”; “três fontes reconheceram…”
[págs. 71-72 e 33-34, respectivamente].»

b) O que está em causa nesta matéria – excepcional, repete-se – da confidencialidade das fontes não é, pois, a «ausência de regras», como fica atrás sobejamente demonstrado – e que, só por si, dispensaria JV de mais uma recomendação… gratuita. O que está em causa são as circunstâncias ainda mais especiais em que o simples recurso à fórmula “fonte próxima de” pode denunciar directa ou indirectamente a origem da informação. Por exemplo, uma informação política. Se ela foi obtida, e confirmada junto de um determinado ministro, sob compromisso de absoluto sigilo, acaso seria mais honesto o recurso sugerido por JV do subterfúgio da “fonte partidária” ou da “fonte bem informada”, em vez da sua assunção pelo jornalista, como advoga o Livro de Estilo do jornal?

c) Ou seja (e foi esta a questão final que deixávamos a JV e a que ele evitou responder, não a transcrevendo sequer na nossa anterior resposta): uma notícia não rigorosa ou simplesmente falsa tornar-se-á mais rigorosa ou verdadeira se o seu autor recorrer a qualquer das fórmulas sugeridas por JV? E o autor ficará mais ou menos responsabilizado perante os seus leitores?

José Mário Costa/Vicente Jorge Silva
(autores da 1.ª edição do Livro de Estilo do PÚBLICO)


RESPOSTA DO PROVEDOR:

O provedor está perplexo com esta carta. Não se trata apenas da hostilidade, que chega a ser insultuosa (e, a esse respeito, a carta define quem a escreve). Trata-se sobretudo da total falta de rigor, invocando regras certamente bem intencionadas mas que, na realidade, não fazem parte do actual Livro de Estilo do PÚBLICO (conferir as tais páginas 33-34, citadas pelos subscritores, do Livro de Estilo, 2ª edição, Lisboa, ed. Público, 2005).

É o que acontece com estas passagens:

«(…) Nesses casos, e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula “uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato”.

O leitor tem o direito de saber, por exemplo, que a informação X envolve especificamente a corrente (ou os interesses) Y.

O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte de informação. A protecção das fontes determina uma maior responsabilidade do jornalista naquilo que escreve, e nela se joga boa parte da credibilidade do jornal.»


O provedor ignora onde foram Vicente Jorge Silva e José Mário Costa buscar estas normas, admitindo, como hipótese mais benigna, que possam ter integrado a primeira versão do Livro de Estilo – que porém ele não conhece nem tem de conhecer. Com efeito, o actual provedor do leitor é-o do PÚBLICO de hoje, não do PÚBLICO dos anos 90, pelo que é sua obrigação usar como referência apenas o normativo em vigor no seu mandato. O facto é que tais lapsos (hipótese benigna, de novo) dos subscritores (tal como, já na sua anterior carta, a incorrecta colocação da inexistente palavra «sempre» na norma «uma informação deve ser [sempre] atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível») acabam por destruir pela base a sua argumentação, e vir até – decerto involuntariamente – dar razão às considerações do provedor sobre o que considera ser uma insuficiência do actual Livro de Estilo.

Isto quanto à questão substancial. No que respeita ao resto, valerá apenas responder a estas perguntas suscitadas por Vicente Jorge Silva e José Mário Costa: «Fará sentido contratar um provedor que discorda de normas importantes do Livro de Estilo? E, sendo assim, fará sentido ele aceitar o cargo?» Como o provedor escreveu na sua primeira crónica (publicada em 06/01/08), «recorrerei também a esses normativos [Estatuto Editorial e Livro de Estilo do PÚBLICO e Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses], não me coibindo, se julgar necessário, de apontar aí fragilidades, deficiências ou contradições e, no caso do Livro de Estilo, de fazer sugestões para o seu aperfeiçoamento.» É com efeito entendimento do provedor que o Livro de Estilo não é a Bíblia sagrada, mas um documento dinâmico e evolutivo, que pode e deve ser melhorado com a experiência e a reflexão (já houve uma revisão, é natural que venham a existir outras – até a Constituição norte-americana sofreu, até hoje, 27 emendas, e a portuguesa vai pelo mesmo caminho). É claro que o guia orientador do trabalho dos jornalistas do PÚBLICO é o Livro de Estilo, não as recomendações do provedor, e que os responsáveis do jornal nem sequer têm a obrigação de seguir essas recomendações (o que também era dito na crónica inaugural). Se, contudo, a reflexão efectuada pelo provedor contribuir para o aperfeiçoamento do Livro de Estilo, ele sentirá ter cumprido uma das componentes mais importantes da sua missão.

Esclarecimento final: o corte de que os subscritores se queixam na sua anterior carta foi feito não pelo provedor, como acusam, mas por quem na véspera fechou a edição do PÚBLICO, presumivelmente por falta de espaço. Porém, o provedor acata inteiramente esse corte. Como sabem Vicente Jorge Silva e José Mário Costa, jornalistas com muitos anos de experiência profissional, o espaço de um jornal é limitado, o que implica muitas vezes a redução de documentos e outros textos, embora mantendo-se o essencial do seu conteúdo. Também a crónica do provedor não é elástica. Para obviar a isso, é que a anterior carta, tal como esta, foi publicada aqui na íntegra.


NOVA RÉPLICA DE VICENTE JORGE SILVA E JOSÉ MÁRIO COSTA:

Joaquim Vieira continua a não responder à questão de fundo que nos levou a confrontá-lo desde que entendeu fazer tábua rasa do que está estabelecido no Livro de Estilo do PÚBLICO, desde a sua fundação: uma notícia não rigorosa ou simplesmente falsa não se torna mais rigorosa ou verdadeira mesmo que “sustentada” na estafada fórmula anónima da “fonte próxima de”.

JV não só não responde a esta questão como deturpa por completo o sentido das transcrições que fazíamos propositadamente das duas edições do Livro de Estilo (a 1.ª, de que fomos os autores, e a vigente, que, no essencial, segue a matriz da edição pioneira – nomeadamente na questão em causa das fontes e do tratamento do off-the-record).

Em qualquer delas se atestava a falsidade recorrente de JV, que “descobriu” que o jornal, imagine-se, nestes 18 anos de existência, primava pela «ausência de regras universalmente aceites»!

Numa e noutra edição – na nossa opinião, de forma bem mais clara, até de consulta, na primeira –, a doutrina é a mesma, variando, por vezes, só a formulação.

Daí, propositadamente, as transcrições que fizemos do que está estabelecido desde sempre no jornal – seja na regra geral da identificação das fontes, seja nos casos excepcionais do anonimato e do off-the-record.

a)

«(…) Uma informação deve ser sempre atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível – nome, idade e profissão, cargo ou função. O jornalista deve bater-se sempre por esse nível de identificação. A identificação – e a individualização – da fonte favorece a autoridade e a credibilidade da informação. (…)» [1.ª edição, pág. 69]

«Uma informação deve ser atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível – nome, idade e profissão, cargo ou função. O jornalista deve bater-se sempre por esse nível de identificação. A identificação – e a individualização – da fonte favorece a autoridade e a credibilidade da informação.» [edição vigente, pág.32]

b)

«(…) o sigilo deverá ser admitido apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação ou a sua confirmação. O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte de informação. A protecção das fontes determina uma maior responsabilidade do jornalista naquilo que escreve, e nela se joga boa parte da credibilidade do jornal. (…)» [1.ª edição, pág. 69]

«O anonimato e o off-the-record devem ser considerados excepções e só existem para proteger a integridade e a liberdade das fontes, não são formas de incitamento à irresponsabilidade das fontes. O jornalista deve sempre confrontar a fonte (…)» [edição vigente, pág.33]

«(...) Nesses casos, e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula "uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato".» [1.ª edição, pág. 69]

«As expressões do tipo “várias fontes” não podem ser utilizadas sem que o jornalista as individualize, na mesma notícia. O jornalista deve quantificar de forma exacta as suas fontes (ex.: “duas fontes disseram ao PÚBLICO”; “três fontes reconheceram…”» [edição vigente, pág.33]

Pergunta-se, de novo: o que é que há aqui de «esquizofrénico», como escreveu JV («por um lado, pede[-se] a identificação das fontes “com a maior precisão possível” e, por outro, apresenta[-se] como única alternativa a omissão total de referência a essas mesmas fontes»)?

Só mesmo o provedor do “Público” poderá explicar a sua leitura, ditada por uma lógica, essa, sim, que escapa às «regras universalmente aceites».

Não admira por isso que a publicação desta nossa discordância tenha sido desviada do espaço impresso do jornal, sob o absurdo pretexto invocado por JV.

José Mário Costa/Vicente Jorge Silva


RESPOSTA DO PROVEDOR:

O provedor congratula-se por Vicente Jorge Silva e José Mário Costa reconhecerem finalmente que tresleram o actual Livro de Estilo do PÚBLICO e que aquilo que antes insistiam ser seu articulado afinal não está lá. É particularmente o que se passa com esta norma crucial: “Pode utilizar-se a fórmula ‘uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato’”. Ficamos agora a saber, pela nova carta de ambos, que esta era uma regra constante do Livro de Estilo original, desaparecida com a sua revisão.

E isso faz toda a diferença. A manter-se, esta norma, que faz parte das tais “regras universalmente aceites no jornalismo” aconselhadas pelo provedor, ela permitia a gradação progressiva da referência às fontes entre, por um lado, a identificação total e, por outro, o anonimato total – o qual para o Livro de Estilo pode significar nem sequer mencionar contactos com fontes, o que permite esta terrível frase: “Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas”.

Nesse caso, já não haveria razão para o provedor ter lançado o alerta que desencadeou este debate. Mas, não sendo assim, o provedor insiste que está criado um vazio no Livro de Estilo, que admite só as duas atitudes extremas no que respeita à imputação de informações às fontes, vazio cuja inexistência Vicente Jorge Silva e José Mário Costa, nas citações que têm feito com mais ou menos rigor (que inicialmente não tinham, apesar de o exigirem aos outros) não conseguem provar.

Apesar dos progressos, o provedor sublinha que os seus dois antagonistas continuam a recorrer a raciocínios falaciosos, como por exemplo alegarem que “ele ‘descobriu’ que o jornal, imagine-se, nestes 18 anos de existência, primava pela ‘ausência de regras universalmente aceites’”. Quem ler os textos do provedor sabe que eles se debruçam apenas sobre a prática actual do PÚBLICO, não a do seu passado, e portanto o argumento nem sequer merece resposta.

A Vicente Jorge Silva e José Mário Costa incomoda que o provedor não tenha respondido a esta “questão de fundo” por eles já antes colocada: “Uma notícia não rigorosa ou simplesmente falsa não se torna mais rigorosa ou verdadeira mesmo que ‘sustentada’ na estafada fórmula anónima da ‘fonte próxima de’”. Com toda a sinceridade, o provedor julgava não ter de responder: por um lado, porque a resposta ficou dada logo na primeira crónica que dedicou ao assunto, por outro, porque julgou tratar-se de questão meramente retórica, daquelas para as quais não se espera resposta. Mas, uma vez que insistem (derradeira trincheira argumentativa?), o provedor tem todo o gosto em esclarecer:

Não é a forma de imputação às fontes que torna as notícias mais verdadeiras, é o profissionalismo e a consciência ética do jornalista. A imputação, tão rigorosa e aproximada quanto possível, deve ser feita sobretudo tendo em atenção o destinatário da notícia. Era essa a resposta que o provedor dera na sua primeira crónica sobre a matéria: “Conhecendo a origem das notícias, o público está em melhores condições para avaliar o seu contexto e julgar da sua solidez e fundamentação”. Ou seja, o interesse do público deve estar acima do interesse da fonte, e essa é a razão fundamental para o esforço a fazer por um jornal de referência no sentido de evitar a total ausência de menção das suas fontes, como se elas nem existissem.

As regras de The Washington Post sobre fontes, citações e atribuições, já mencionadas numa das crónicas do provedor, são a este respeito particularmente enfáticas ao estabelecerem exemplos: “Isto significa evitar atribuições a ‘fontes’ ou a ‘fontes informadas’. Em vez disso, devemos tentar fornecer ao leitor algo mais, como ‘fontes conhecedoras do pensamento dos advogados de defesa do processo’, ‘fontes cuja actividade lhes permite contacto com o executivo municipal’ ou ‘fontes no gabinete do governador que discordam da sua política’”. As regras do diário norte-americano nem sequer prevêem formulações do género “o PÚBLICO sabe que”, “segundo o PÚBLICO apurou” ou “segundo informações apuradas pelo PÚBLICO”, tão ao gosto do nosso meio jornalístico.

É claro que o jornalista mais descuidado, não estando obrigado a mencionar fontes, poderá sentir-se dispensado de se sujeitar apenas à informação recebida dessas fontes, entrando facilmente na especulação. Foi isso que o provedor quis mostrar ao lembrar a notícia do PÚBLICO de há três anos intitulada “Cavaco Silva aposta em maioria absoluta do PS”.

O provedor constata que, infelizmente, este não é problema exclusivo do PÚBLICO, tratando-se antes de uma prática expandida pela generalidade do jornalismo português, e sobre a qual não se produz reflexão doutrinária substancial.

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