sábado, 19 de julho de 2008

Quem é o dono da pergunta?

Perguntar não ofende, mas, ao que parece, “mexer” na pergunta sim

Em busca de uma forma diferente de abordar por antecipação o recente debate parlamentar sobre o Estado da Nação, na edição do próprio dia em que teria lugar (10 deste mês), o PÚBLICO concluiu, nas palavras do seu director, que “era mais interessante pedir a um conjunto muito alargado e muito diverso de personalidades portuguesas que formulassem perguntas ao primeiro-ministro do que entregar esse trabalho a jornalistas da casa especializados nas diferentes áreas”.

A ideia, segundo José Manuel Fernandes, “implicava vários riscos”, sendo que “o primeiro era conseguir que um número suficiente e suficientemente diversificado de personalidades acedessem ao nosso convite”. Conclui José Manuel Fernandes: “Essa aposta foi ganha, mas implicou envolvermos na recolha das perguntas 16 jornalistas”.

Um desses jornalistas foi Isabel Coutinho, que em mensagem ao cineasta António-Pedro Vasconcelos explicava: “O PÚBLICO quer registar a pergunta que gostaria de fazer ao primeiro-ministro caso pudesse estar presente no plenário da Assembleia da República (...). Terá de ser curta e directa, embora a possa antecipar com uma breve (400/500 caracteres) justificação dos motivos que o levam a considerar como fundamental”.

António-Pedro Vasconcelos correspondeu à solicitação, avisando porém Isabel Coutinho: “Mesmo depois de muito cortar no texto de introdução, não consigo resumir mais. Sobretudo porque a questão é demasiado genérica para dispensar o preâmbulo”. Isto tinha a ver com o segundo risco apontado por José Manuel Fernandes: “Conseguir que os que convidávamos (...) respeitassem o número de caracteres que lhes havia sido pedido. Isso não foi conseguido, e (...) imaginámos uma forma de paginação com alguma elasticidade e capaz de acomodar textos de diferentes dimensões.”

Mas quando António-Pedro Vasconcelos abriu o PÚBLICO desse dia descobriu que toda a introdução da sua pergunta havia desaparecido. “Não queria acreditar”, escreveu a Isabel Coutinho. “Disse-me que estava tudo bem. O problema é este: tal como saiu, a minha pergunta é de um atrasado mental. E não havia necessidade, como dizia o outro. Bastava deixar-me de fora, em vez de me obrigar a fazer figuras tristes”.

Sem responsabilidades no sucedido, pois limitou-se a reencaminhar a pergunta para a direcção, Isabel Coutinho ainda informou António-Pedro Vasconcelos que as 34 questões recebidas, incluindo a sua, estavam integralmente transcritas no PUBLICO.PT, o que porém foi fraco consolo para o realizador: “Há muita gente, como eu, que continua a preferir o papel”. Além de que haviam sido publicadas pelo jornal perguntas tão extensas como a dele, de José Saramago e Gonçalo M. Tavares – sugerindo, adianta o provedor, que o PÚBLICO deu aqui vantagem aos homens das letras em detrimento dos homens das imagens.

A questão completa dirigida por António-Pedro Vasconcelos a José Sócrates (em que a introdução tinha uns 300 caracteres a mais do que o pedido) era esta: “Parece uma evidência que o mundo está sem resposta para a profunda crise económica e social que aí vem. Não há medidas reformistas que travem a explosão dos preços, a escassez dos recursos e a escalada de protestos. A proletarização das classes médias vai agravar-se. O recurso ao roubo, à fraude, à fuga dos compromissos com o crédito, vai aumentar. Já não temos o recurso da guerra nem dos regimes duros para mascarar as crises. Há o risco sério de o Estado baquear, de o poder cair na rua e de o caos se instalar. Portugal é o elo mais fraco da UE. Nestas circunstâncias, as oposições não vão perder nenhuma oportunidade para criticar o governo por tudo o que acontecer. E, se as coisas azedarem, o PM não pode esperar, como já se percebeu, a solidariedade do PR. Num mundo globalizado, numa Europa enfraquecida, o que acha que pode prometer ainda aos portugueses?”

Na edição em papel, surgiu apenas a última frase. Reacção do autor junto da jornalista: “Não estou para passar impunemente por um imbecil. (...) Exijo ser tratado com correcção. Não fui eu que pedi para fazer uma pergunta ao Sócrates. E tive a precaução de pedir que me ligasse se houvesse problema com o tamanho. A ter que cortar, cortava eu [apesar de – note-se – ter antes confessado a sua incapacidade para o fazer]”. E na consequente queixa que fez ao provedor fundamentou ainda António-Pedro Vasconcelos: “Entendo que se trata de um injustificável e inexplicado atentado aos meus direitos. No limite, aceitaria que me dissessem que a minha pergunta estava longa, que havia respostas a mais, tudo menos reduzi-la à sua expressão mais simples, que me faz passar por um idiota”.

O provedor declara desde já entender que a pergunta, tal como saiu, é coerente e não faz de António-Pedro Vasconcelos idiota, imbecil ou atrasado mental. Haverá também quem diga que este caso se trata de uma tempestade num copo de água. Admitiu aliás António-Pedro Vasconcelos a Isabel Coutinho: “Dirá que estou a ferver em pouca água [a do copo?]”. E na sua reclamação reconhece, do mesmo modo: “Dir-me-ão (já me disseram) que o assunto não tem a importância que eu lhe estou a dar”. Mas conclui: “Para mim é uma questão de princípio: se deixamos passar estas coisas, deixamos passar tudo”.

O problema, na verdade, não está em saber se o que saiu desvirtuou a pergunta mas sim em apurar se o jornal pode tomar a iniciativa de mutilar uma colaboração escrita que pediu sem, no mínimo, prevenir o autor e obter o seu acordo.

Nas explicações que o provedor lhe solicitou, José Manuel Fernandes explana o processo de produção das duas páginas com as perguntas solicitadas, invocando ainda um terceiro risco: “Conseguir fechar a horas, isto é, (...) que todos enviassem as suas contribuições em tempo útil. (...) À hora de almoço da véspera da publicação apenas tinham chegado umas 20 contribuições”.

Para o que aqui importa, o director relata: “Dos 34 textos que recebemos, 21 tiveram de ser condensados. (...) Este trabalho de edição levou cerca de cinco horas (...) e obrigou a várias adaptações para ir conseguindo ‘encaixar’ as novas contribuições que iam chegando”. E faz uma comparação talvez devida ao perfil do reclamante: “A opção de reduzir os textos pareceu-nos absolutamente adequada: da mesma forma que um filme ganha ritmo se for limpo de cenas redundantes ou menos importantes, aquele trabalho ficaria virtualmente ilegível. A forma como foi apresentado e, ao mesmo tempo, complementado com a publicação na íntegra dos textos no on-line [cuja remissão José Manuel Fernandes lamenta não ter sido feita no papel, “um erro, motivado pelos atrasos”] fez com que tivéssemos recebido muitos elogios de leitores”.

Quanto ao texto de António-Pedro Vasconcelos, “optou[-se] por deixar apenas a pergunta, que (...) pareceu pertinente”. Mas resta a questão fulcral: a legitimidade para o jornal proceder unilateralmente ao corte. “Em condições ideais o PÚBLICO deveria ter consultado de novo as 21 personalidades cujos textos tiveram de ser adaptados, (...) mas as condições em que se processa o fecho de jornal diário não o permitiriam nunca, sobretudo porque muitas das contribuições chegaram-nos muito tarde”, alega José Manuel Fernandes. “Compreendemos que António-Pedro Vasconcelos possa sentir que o seu texto foi irreparavelmente truncado, mas agimos de absoluta boa-fé”.

É claro que a boa-fé (de que o provedor não duvida no caso) não substitui as regras. Não existe no Livro de Estilo do PÚBLICO uma norma específica para esta situação, mas por analogia entende o provedor que lhe é aplicável a alínea c) do ponto 6 do capítulo “Os factos e a opinião”, que estipula a certa altura: “Toda a intervenção do jornal num texto de opinião só é admissível com prévia autorização do autor”. Esta é a recomendação do provedor na circunstância. À redacção competirá fazer com que tal seja possível.


CAIXA:

Forma e conteúdo

Nas suas reclamações ao provedor, os leitores dividem-se em duas correntes: os que acham as gralhas, discordâncias linguísticas ou erros técnicos questões menores, inevitáveis em artes gráficas, e os que projectam esses acidentes como faceta essencial (da suposta decadência) do PÚBLICO. O provedor acha que não deve tomar posição, competindo-lhe estar atento a essas duas componentes do seu ofício. Ambas concorrem para dar ou retirar consistência ao projecto do PÚBLICO como jornal que se pretende de referência.

Compreende-se assim, por um lado, a argumentação do leitor Carlos Machado Acabado que considera relevante, sim, o facto de na pág. 25 de um recente caderno biográfico dedicado pelo jornal a Fernando Pessoa (distribuído só aos compradores que entregaram o talão da véspera) os norte-americanos Walt Whitman e Edgar Allan Poe tenham sido apresentados como “poetas ingleses” (estaria bem “poetas de língua inglesa”): “Uma gralha ou até mesmo uma ou outra ocasional ‘perturbação’ de concordância e/ou sintaxe são episódios linguísticos e culturais aborrecidos mas seguramente não ‘fatais’ relativamente aos conteúdos que se supõe serem por elas e através delas veiculados – os quais representam, esses sim, a essência verdadeiramente elementar do que está impresso”.

Mas também se entende a perturbação de José Oliveira, ao reclamar por a pág. 38 da edição de 7 de Julho, pertencente à secção de Economia, ter sido também integralmente reproduzida (com a mesma numeração) no lugar da pág. 28, de outra secção, privando os leitores de conhecerem o conteúdo da verdadeira pág. 28: “Quando eu esperava que na edição [seguinte] houvesse um ‘O PÚBLICO errou’ a reconhecer o erro e pedir desculpa aos leitores, exaustos com tanta anarquia, ...nada, silêncio absoluto. Portanto: total falta de respeito do jornal para com os seus leitores pagantes”.

Não é de facto agradável ler, na edição de ontem (19 de Julho), logo em subtítulo da manchete: “Lista foi fornecida à política [em vez de “polícia”] britânica”. Ou uma legenda incompleta na reportagem de Alexandra Lucas Coelho sobre o Afeganistão (pág. 8 do P2): “Como Cabul está entre montanhas, é por elas que a”.

NOTA: Não se publicará a crónica do provedor no próximo domingo.

Publicada em 20 de Julho de 2008

DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:

Mensagem de Isabel Coutinho a António-Pedro Vasconcelos

Na edição de quinta-feira, dia do debate sobre o Estado da Nação, vamos revelar a pergunta que uma lista de personalidades gostaria de fazer ao primeiro-ministro. O único problema é que precisamos de ter a pergunta aqui até amanhã de manhã. Será que tem disponibilidade para me enviar a pequena pergunta e os motivos que a levam a pensar ser fundamental?

A propósito do debate sobre o Estado da Nação, o PÚBLICO quer registar a pergunta que gostaria de fazer ao primeiro-ministro caso pudesse estar presente no plenário da Assembleia da República, na próxima quinta-feira. A pergunta terá de ser curta e directa, embora a possa antecipar com uma breve (400/500 caracteres) justificação dos motivos que o (a) levam a considerar como fundamental. O PÚBLICO agradece a sua colaboração nesta iniciativa.

Isabel Coutinho

Resposta de António-Pedro Vasconcelos a Isabel Coutinho

Mando-he uma pergunta, mas, mesmo depois de muito cortar no texto de introdução, não consigo resumir mais. Sobretudo porque a questão é demasiado genérica para dispensar o preâmbulo. Mas, sinceramente, acho que a rentrée vai ser de tamanha gravidade (não tenho qualquer dúvida que o mundo ocidental que nós conhecemos está à beira da implosão) que qualquer pergunta sectorial (sobre a cultura ou a educação, a agricultura ou as pescas) me pareceu fútil.

A-PV

Mensagem de António-Pedro Vasconcelos a Isabel Coutinho

Abri hoje o PÚBLICO e não queria acreditar. Quero pensar que não foi V. a responsável pela inaceitável mutilação que fizeram à mimha pergunta. Tenho a noção de que a introdução excedia um pouco o número de caracteres que me deu, e disso lhe dava conta. Mas reparei que outros tiveram direito a introduções igualmente longas e mesmo ficcionadas, como é o caso do Gonçalo M. Tavares.

Dei-lhe oportunidade de falarmos para o caso de ser necessário encurtar o texto. Disse-me que estava tudo bem. O problema é este: tal como saiu, a minha pergunta é de um atrasado mental. E não havia necessidade, como dizia o outro. Bastava deixar-me de fora, em vez de me obrigar a fazer figuras tristes.

Agradeço uma explicação ou melhor, uma reparação. Caso contrário, escrevo ao Provedor. Se este não der satisfação, logo verei o que faço. Mas não vou deixar passar este desagradável atentado. Dirá que estou a ferver em pouca água. Mas se deixamos de dar importância a estas "pequenas coisas", deixamos de dar importância ao que é importante.

A-PV

Resposta de Isabel Coutinho a António-Pedro Vasconcelos

Peço-lhe imensa desculpa por esta situação. O que lhe posso dizer é que de facto não fui eu que editei ou paginei as perguntas. Eu limitei-me a fazer o pedido e depois enviei as respostas para a direcção, como lhe disse ontem quando me telefonou.
Foi a direcção que editou o destaque e adaptou as perguntas ao espaço de que dispunha. Se achar necessário, terá que falar directamente com a direcção do jornal.
O que sei é que no PÚBLICO on-line as perguntas estão desde manhã todas na íntegra, o que faltou na edição em papel foi colocar uma chamada de atenção para o facto de as perguntas enviadas pelas personalidades estarem na íntegra na edição on-line.

Pode ir ver através deste morada http://ultimahora.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1335040 ou ir ao PÚBLICO on-line, depois carregar em última hora, depois carregar em Política e depois em 34 perguntas a José Sócrates. Aí tem o contexto da sua pergunta e depois a pergunta. Durante o dia todo também tem estado um topo no PÚBLICO on-line que vai dar directamente a este link.

Isabel

Resposta de António-Pedro Vasconcelos a Isabel Coutinho

Nunca me passou pela cabeça que fosse V. a responsável pela mutilação. Mas a verdade é que há muita gente como eu que continua a preferir o papel. E eu não estou para passar impunemente por um imbecil. Vou mandar um email para o Provedor em que V. não estará em causa, mas a direcção do jornal. Não me move nada contra ninguém, mas exigo ser tratado com correcção. Não fui eu que pedi para fazer uma pergunta ao Sócrates. E tive a precaução de pedir que me ligasse se houvesse problema com o tamanho. A ter que cortar, cortava eu. Ainda por cima, o debate deu-me razão: as oposições vão atacar o governo (e eu não defendo o governo nem deixo de defender: constato) por ser demasiado rígido e por não ser suficientemente firme, como eu dizia. E isso, para mais com um PR fraco e mesmo pusilânime, vai acabar mal. E a minha responsabilidade como intelectual é tentar ver claro e avisar a navegação.
Mas isto são outros quinhentos. Mais uma vez, obrigado pelo esclarecimento, mas segue queixa para o provedor.

A-PV

Mensagem de António-Pedro Vasconcelos ao provedor

Reenvio-te a troca de correspondência com a Isabel Coutinho que, penso, dispensa mais comentários. Mas gostaria de ver este assunto comentado por ti, uma vez que entendo que se trata de um injustificável e inexplicado atentado aos meus direitos. No limite, aceitaria que me dissessem que a minha pergunta estava longa, que havia respostas a mais, tudo menos reduzi-la à sua expressão mais simples, que me faz passar por um idiota. A mutilação parece-me tanto mais injustificada e inadmissível quanto houve perguntas iguais ou maiores que foram publicadas na íntegra e quando eu próprio me disponibilizei para falar sobre o assunto na perspectiva óbvia de ser necessário reduzir a pergunta e que, mesmo depois de eu ter telefonado, me foi dito que "não havia qualquer problema" e que "estava tudo bem"!

Fico à espera de ver reposta alguma ética, mesmo se o mal é irreparável. Dir-me-aão (já me disseram) que o assunto não tem a importância que eu lhe estou a dar. Mas para mim é uma questão de princípio: se deixamos passar estas coisas, deixamos passar tudo.

A-PV

As explicações do director do PÚBLICO

Quando o PÚBLICO decidiu realizar o trabalho em que viria a ser incluída a contribuição de António-Pedro Vasconcelos partiu do princípio de que era mais interessante pedir a um conjunto muito alargado e muito diverso de personalidades portuguesas que formulassem perguntas ao primeiro-ministro do que entregar esse trabalho a jornalistas da casa especializados nas diferentes áreas.

Mas essa ideia implicava vários riscos, que decidimos assumir.

O primeiro era conseguir que um número suficiente e suficientemente diversificado de personalidades acedessem ao nosso convite. Essa aposta foi ganha, mas implicou envolvermos na recolha das perguntas 16 jornalistas.

O segundo era conseguir que os que convidávamos para formularem perguntas respeitassem o número de caracteres que lhes havia sido pedido. Isso não foi conseguido, e por calcularmos que seria impossível de conseguir imaginámos uma forma de paginação com alguma elasticidade e capaz de acomodar textos de diferentes dimensões.

O terceiro era conseguir fechar a horas, isto é, conseguir que todos enviassem as suas contribuições em tempo útil. Também aqui enfrentámos dificuldades naturais, sendo de referir que à hora de almoço da véspera da publicação apenas tinham chegado umas 20 contribuições, sendo que depois foram caindo as restantes até perfazerem um total de 34.

A meio da tarde foi-se tornando claro que seria impossível incluir, na íntegra, todos os textos, razão por que um membro da direcção foi encarregue de, em conjunto com a infografia, reduzir o tamanho de muitas perguntas, condensando-as ou cortando partes menos relevantes. O conjunto dos textos iniciais somavam mais de 23.500 caracteres; o publicado pouco ultrapassava os 15 mil caracteres. Dos 34 textos que recebemos, 21 tiveram de ser condensados. Um dos critérios seguidos foi o de limitar esses textos aos pedaços em que formulavam a pergunta, retirando as introduções de enquadramento. Foi exactamente isso que sucedeu com o texto de António-Pedro Vasconcelos, entre muitos outros.

Este trabalho de edição levou cerca de cinco horas, sob a pressão do fecho do jornal, e obrigou a várias adaptações para ir conseguindo “encaixar” as novas contribuições que iam chegando.

A partir do momento em que se verificou não ser possível publicar os textos na íntegra na infografia que ocupava as páginas 2 e 3 da edição do PÚBLICO editada no dia do debate do Estado da Nação, foi decidido preparar para a internet uma versão diferente, sem cortes, para que os leitores interessados pudessem conhecer a integralidade das diferentes contribuições.

Aqui foi cometido um erro, motivado pelos atrasos induzidos pelo tempo que foi necessário dedicar à edição dos textos: a referência a que os textos estariam na íntegra na internet acabou por não ser incluída na edição em papel, como estava previsto e tinha sido combinado.

De resto, a opção de reduzir os textos pareceu-nos absolutamente adequada: da mesma forma que um filme ganha ritmo se for limpo de cenas redundantes ou menos importantes, aquele trabalho ficaria virtualmente ilegível. A forma como foi apresentado e, ao mesmo tempo, complementado com a publicação na íntegra dos textos no on-line fez com que tivéssemos recebido muitos elogios de leitores.

Falta saber se o comportamento com António-Pedro Vasconcelos foi o adequado.

Em primeiro lugar é necessário esclarecer que a Isabel Coutinho, uma das 16 jornalistas envolvidas na recolha das perguntas, não tem qualquer responsabilidade na edição final.

No mail que enviou a A-PV referia claramente as regras: “A pergunta terá de ser curta e directa, embora a possa antecipar com uma breve (400/500 caracteres) justificação dos motivos”. O texto enviado por A-PV tinha cerca de 800 caracteres.
Por outro lado, este referiu-lhe que não tinha conseguido resumir mais, mesmo referindo no mail do dia seguinte que lhe falara sobre a hipótese de ter de encurtar o texto. A Isabel, à hora a que recebeu o texto e face ao número de respostas que até então tinham chegado, disse-lhe que estaria tudo bem. O problema, de facto, só se viria a colocar mais tarde, em cima do fecho, quando ela já não estava no jornal.

Como se pode ver comparando o que está disponível on-line e o que saiu no jornal, a intervenção do director que editou os textos variou muito de contribuição para contribuição, e o seu único critério não foi medir o tamanho dos textos, antes preocupar-se com a sua coerência. A dificuldade que ele enfrentou ao editar o texto de A-PV é que, ou cortava toda a introdução, ou tinha de retirar parte dessa introdução, o que lendo-a percebe-se ser muito difícil: nenhum pedaço daquele texto vive bem autonomamente. Optou assim por deixar apenas a pergunta – “Num mundo globalizado, numa Europa enfraquecida, o que acha que pode prometer ainda aos portugueses?” –, que lhe pareceu pertinente. Mais: foi exactamente isso que, nesse debate, acabou por se discutir, isto é, o que é que José Sócrates ainda podia prometer aos portugueses. Não lhe pareceu, de forma alguma, que a pergunta fizesse passar por “atrasado mental” o seu autor, ou que o fizesse passar por um idiota.

Em condições ideais, o PÚBLICO deveria ter consultado de novo as 21 personalidades cujos textos tiveram de ser adaptados, cortados ou condensados, mas as condições em que se processa o fecho de um jornal diário não o permitiriam nunca, sobretudo porque muitas das contribuições chegaram-nos muito tarde e, como já referi, os contactos haviam sido feitos por 16 jornalistas diferentes.

Compreendemos que A-PV possa sentir que o seu texto foi irreparavelmente truncado, mas agimos de absoluta boa fé: não só a sua pergunta não surge retirada do contexto (no sentido de significar algo diferente do pretendido pelo autor), como demos aos leitores a possibilidade de julgarem por eles próprios ao disponibilizarmos as versões integrais de todas as contribuições.

José Manuel Fernandes

Como criticar o PÚBLICO

Devo começar por dizer que não sou, por formação, adepto de uma certa "crítica" mais ou menos 'formalista' ou mesmo "marginalista" dessas que incidem, em (quase?) absoluta prioridade, sobre a 'forma das coisas' impressas. Uma gralha ou até mesmo uma ou outra ocasional "perturbação" de concordância e/ou sintaxe são "episódios" linguísticos e culturais aborrecidos mas seguramente não "fatais" relativamente aos conteúdos que se supõe serem por elas e através delas veiculados - os quais representam, esses sim, a essência verdadeiramente elementar do que está impresso.
Essência essa que vejo, porém, com preocupante frequência menosprezada (menos prezada) relativamente a uma espécie de "arianismo" ou "pureza racial" linguísticos cegos, uma linguística formal e "moral" que francamente, como tal, já "não se usam"...

É verdade que, no PÚBLICO, se repetem diariamente as disfunções e as "perturbações" desta natureza, mas eu continuo a pensar que, relativamente a OUTROS aspectos, esse configura um lado secundário que é, no mínimo (e sem prejuízo da conservação e da defesa do escrúpulo linguístico e cultural necessário - para alguma coisa a minha formação académica se situa na área da filologia e da linguística...), perspectivar e enquadrar no tal "outro", em todos os casos.

Constitui, todavia, uma discussão para manter noutro lado, essa que envolve as questões da "correcção" e da "in-correcção", chamemos-lhe assim, "dinâmicas" e "funcionais".

Relevante, sim (no mau sentido), é ver, por exemplo, como o PÚBLICO patrocinou a divulgação de uma colecção de sumaríssimas biografias de portugueses (cuja selecção é, aliás, em si mesma, muito discutível, mas enfim) onde se afirma expressamente (cf. o primeiro volume [distribuído com o PÚBLICO de 8 de Março], dedicado a Fernando Pessoa, pág. 25) que Edgar Poe e Whitman (Walt Whitman) são "poetas ingleses".

Não percebo, francamente, como uma 'gralha' merece "denúncia" acalorada mas um dislate destes parece deixar toda a gente impávida e serena, como se de um disparate imenso (que é importante corrigir, de imediato, já que ninguém se deu ao trabalho de, na revisão, evitá-lo) não se tratasse.

Aí, na tal essência das coisas, deve, a meu ver, incidir, sobretudo, a crítica, sendo todos os aspectos formais enquadráveis desta perspectiva informante.

Carlos Machado Acabado

Parabéns a Cunha Vaz

O senhor António Cunha Vaz está de parabéns. Conseguiu ocupar quase 90 por cento da primeira página do PÚBLICO [28 de Abril], o meu jornal diário. Mais: conseguiu-o com o sugestivo titulo "Quem é este homem?" Mais: conseguiu-o numa foto intimista e de profunda proximidade. Está de parabéns o senhor António Cunha Vaz. Fiquei então a saber, por extensa entrevista, ser este senhor, entre inúmeros afazeres, o mais sério candidato a “rei” do marketing político português. É bom no que faz. Ganhou. Ganhou aos jornalistas de referência. Ganhou notoriedade, pois tomou a primeira página do meu jornal diário, isto é, aquela que me habituei a ler com maior zelo e disciplina, claro está. E note-se a foto, a legenda, a entrevista até têm sentido numa revista, por exemplo a PÚBLICA, que nos dispomos a ler de forma distinta, com maior felxibilidade e menor atenção, quer queiram quer não os senhores jornalistas (pois quanto ao senhor Vaz, não sabe ele outra coisa...). O relevante é que o senhor Vaz apesar de se destacar pelas suas inúmeras funções não é o centro de um qualquer facto político actual de verdadeiro interesse para o leitor de um jornal informativo diário. Pergunto-me se esta página é ou não reveladora de algum servilismo do meu jornal diário. É que os jornalistas que o dirigem parecem mesmo ter-se “curvado”, “ cedido”, “deixado tomar”, seja lá o que queiramos dizer com isto, pelo marketing do senhor António Cunha Vaz. Que o serviram (agora sem aspas), serviram (se não eu nem sabia quem este senhor era).

Júlia Leitão de Barros

NOTA DO PROVEDOR. O provedor entende que, independentemente do destaque que lhe foi dado, a entrevista enquadra-se no estatuto editorial do PÚBLICO e teve interesse jornalístico, como se pode verificar pelas reacções que suscitou.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

O papel e o on-line

Duas notas motivadas pela última crónica do provedor (13 de Julho). E não só, como verá. Quantos milhares de leitores do PÚBLICO (em papel) haverá, como eu, que não têm acesso, nem pretendem ter, ao PÚBLICO on-line? Que nos interessam, então, os disparates e escorregadelas aí acontecidos? Não seria lógico que o Provedor do leitor tratasse só no PÚBLICO on-line os temas só a este respeitantes? Para disparates, a mim, já me bastam as prosas "literárias" que alguns "colunistas espontâneos" gostam de (se) ver escritas nas Cartas ao Director...

Não terá o cidadão-jornalista Provedor do leitor do PÚBLICO, em local diferente da página semanal, a possibilidade de escrever sobre outros temas que não as específicas das funções exercidas? É que escrever na página um comentário como "Provedor dos jornalistas" parece-me descabido. Embora eu concorde com o que escreveu e admita que tenha sido brando... Poderia ter lembrado o verso "Ó glória de mandar, ó vã cobiça". Mas não ali.

José Monteiro

Onde começa a «lei da rolha»?

A nova forma de publicação de comentários dos leitores no PUBLICO.PT alerta para a responsabilidade social do jornal

O provedor já abordou há três meses o tema do fluxo de comentários dos leitores difundidos no PUBLICO.PT, com esta recomendação: “O crescente volume de comentários não deve impedir a aplicação dos princípios de filtragem em vigor. Caso contrário, o PUBLICO.PT arrisca-se a ser vítima do seu próprio sucesso”.

Verificava-se com efeito a dificuldade dos responsáveis do site do PÚBLICO, cada vez mais submergidos pelas opiniões enviadas pelos leitores, na gestão quotidiana desse movimento, por forma a garantir que todos os comentários divulgados obedecessem aos critérios de publicação pré-definidos. Importa que as áreas de comentários on-line – tal como os media em geral – sejam sobretudo espaços de liberdade, mas é também natural que obedeçam ao estatuto editorial de cada órgão de informação, assim como às leis que balizam o direito à liberdade de expressão e informação, e que basicamente têm a ver com a protecção de outros direitos de cidadania.

Havia ocasionais reclamações quanto à divulgação de comentários que supostamente não respeitariam tal normativo, mas na maior parte das queixas os leitores clamavam contra a “censura” sobre os seus próprios comentários. Era habitual esses comentários ficarem retidos a aguardar moderação e os autores perderem-lhes o rasto, não percebendo até que haviam sido já publicados. Explicou o editor do PUBLICO.PT, António Granado, ao provedor no início de Maio: “O atraso na publicação de comentários nada tem a ver com censura, como está explicado nos nossos critérios de publicação dos comentários (...): ‘Os comentários são para nós secundários relativamente às notícias. O PUBLICO.PT tenta publicar os comentários dos leitores quando há questões polémicas em debate na actualidade, mas pode acontecer que não haja disponibilidade de tempo para ler e editar os comentários – uma tarefa lenta e apenas passível de ser executada por um jornalista experiente. Pode acontecer que durante um dia não seja publicado nenhum comentário’.”

Isto era antes. O provedor notou que, nos últimos tempos, a correspondência de leitores relativamente ao tema deixou de incidir na “censura” para se concentrar na denúncia do conteúdo de alguns comentários.

Considerou por exemplo, João Ramires, ainda em Maio: “Sou leitor habitual do PÚBLICO on-line (...). Gostaria de o alertar para alguns comentários (...) que podem ser – em minha opinião – ofensivos para os leitores. É um tema muito sensível limitar a opinião dos outros, mas já que existem regras para a publicação dos comentários poderá verificar se elas estão a ser seguidas”. O leitor transcreve então dois comentários com origem na mesma pessoa (um pseudónimo), um deles imaginando um desastre com um autocarro repleto de crianças, descrito com pormenores que indiciam crueldade e sadismo, e o outro revelando o mesmo tipo de sentimentos no relato muito detalhado de uma situação de natureza pedófila.

É óbvio que este é o tipo de comentários que contrariam um dos critérios de publicação do PÚBLICO: “São inaceitáveis comentários que contenham (...) insultos, linguagem grosseira ou difamatória, (...) incitações ao ódio ou à violência ou que preconizem violações dos direitos humanos”. E no entanto estavam on-line, pelo menos quando o leitor protestou.

Já no mês seguinte, reclamava Ricardo Agostinho: “Como é possível que um jornal que se quer sério e rigoroso (...) permita a publicação na área de comentários de mensagens de natureza obscena e que nada têm a ver com o conteúdo da notícia? Não sou a favor da censura e penso que todos devem ter liberdade e espaço para se exprimirem, mas, quando as regras não são respeitadas e isso coloca em causa a liberdade de opinião de outrem, considero que algo deve ser feito”. O leitor citava a seguir o alvo da sua ira, “não deixando de sublinhar que se trata de uma entre muitas mensagens que poderia eventualmente enviar”. Era como descrevia, com a agravante de difamar o autor de um anterior comentário à mesma notícia.

A propósito de uma notícia sobre a organização separatista basca ETA, Amílcar Lopes António, por seu turno, chamou a atenção para o seu comentário de resposta a um outro (de um anónimo de Santa Cruz do Bispo) fazendo a apologia do terrorismo (“Viva a ETA! Só é pena não haver um movimento desses em Portugal para haver luta armada contra os interesses instalados”). Reagira on-line o leitor: “Quando o PÚBLICO permite que, mesmo apenas na sua edição digital, se escrevam vivas a organizações de Extorsionistas Totalitários e Assassinos, mal vai a imprensa. Que nem tem memória para saber que na região onde predominam estas actividades não existe liberdade de expressão. E onde os jornalistas, sem aspas, pagam com a vida essa ousadia. Este laxismo do PÚBLICO é simplesmente inadmissível!” (O provedor considera, apesar de tudo, que o comentário em causa se situa nos limites do admissível).

Num outro comentário reagindo a uma notícia sobre o presidente Cavaco Silva, o mesmo leitor apontou o dedo ao problema: “E o Livro de Estilo do PÚBLICO? Onde foi parar? Ao Ecoponto? Compreendo que seja difícil moderar centenas de comentários diários. A sua suspensão também não seria uma boa opção, porque não raras vezes estes são mais interessantes e aportam mais informação e veracidade do que a própria notícia. Mas há um mínimo de dignidade. Ou não há? Alguns dos comentários a esta notícia mostram o que em democracia e boa educação merece, no mínimo, a lei da rolha ou da tesoura. Não entendo que um jornal que se tem por sério permita publicar em formato digital o que jamais ousaria publicar em papel. A menos que o civismo seja também já um valor do passado. Espero que não”.

O crescimento do número de comentários controversos no PUBLICO.PT tem porém uma razão, confome revelou António Granado ao provedor: “Houve uma mudança na forma de aprovação dos comentários no site do PÚBLICO, que passaram a ser verificados apenas a posteriori. Esta mudança deveu-se ao crescimento exponencial de comentários dos últimos meses, que estava a tornar ingerível a sua aprovação a priori em tempo útil. Para além disso, o facto de os comentários poderem entrar directamente sem verificação potencia o diálogo entre os leitores e torna a discussão mais viva. O modelo é utilizado em muitos outros sites noticiosos internacionais, com óbvias vantagens. É evidente que, havendo muito mais comentários e comentadores, o sistema pode ser alvo de alguns abusos (...). Os comentários insultuosos, que violam as mais básicas regras de convivência, são imediatamente apagados, mal são detectados por nós ou denunciados pelos nossos leitores. Até agora, o sistema tem estado a correr bem e parece-me que o nível geral da discussão até tem aumentado, não obstante aparecerem mais ‘abusadores’.”

“Os comentários são publicados automaticamente, sendo os leitores responsáveis pelo seu conteúdo”, diz a nova norma. Esta é uma alteração importante na filosofia editorial de um site noticioso. Sobre os próprios leitores (que possuem agora à disposição, no fim da cada reacção on-line, uma funcionalidade que diz “Denunciar este comentário”), passa a recair em grande parte a regulação destas opiniões.

Terá sido o PUBLICO.PT já vítima do seu sucesso? O provedor reconhece ser esta a tendência na internet, mas não pode deixar de alertar para os seus perigos, devido ao afrouxamento do sentido de responsabilidade social do jornal. Mesmo que um comentário ofensivo da reputação de uma pessoa ou instituição ou violador da intimidade de um cidadão esteja on-line apenas por umas horas, não deixou por isso de ir contra as leis que regulam a liberdade de expressão. Estará o PÚBLICO disposto a responder por isso?

CAIXA:

Uma capitis diminutio para os jornalistas

Se a internet democratizou saudavelmente a participação dos cidadãos em geral na troca de informação e ideias no espaço público, vive-se ao mesmo tempo em Portugal uma restrição das formas de praticar o jornalismo. O mais recente constrangimento, cortesia da actual maioria parlamentar e do seu Governo (apesar do veto inicial de Cavaco Silva), foi a entrada em vigor do novo Estatuto do Jornalista, a vários títulos uma aberração quanto ao exercício de um jornalismo livre. Esta semana, foi dada aos jornalistas a possibilidade de elegerem representantes seus para uma comissão que, no âmbito do novo Estatuto do Jornalista, possuirá poderes sancionatórios sobre os profissionais que, no entender da própria comissão, contrariarem um normativo deontológico que ela interpretará. Essas punições irão até 12 meses de suspensão da carteira profissional. Apresentaram-se duas listas, uma patrocinada pelo próprio Sindicato dos Jornalistas e outra por dezenas de conhecidos profissionais. O provedor acha curioso que, mais de três décadas após a extinção da censura em Portugal, surjam tantos jornalistas a quererem policiar jornalistas, desconhecendo ele de onde lhes advém a superioridade moral de que se julgam investidos para impedirem a actividade profissional dos colegas. Que sentido fará, numa sociedade aberta, a existência de uma comissão da iniciativa do Estado e por ele tutelada, onde os eleitos pelos jornalistas estão em minoria (pelo que não se trata de um órgão de auto-regulação), com poderes para decidir quem pode ou não informar? Os limites da liberdade de informação estão previstos nas leis gerais e abrangem da mesma forma (como deve ser) jornalistas e todos os restantes cidadãos. Mas agora a condição de jornalista está afectada por esta capitis diminutio. A um jornalista do PÚBLICO que eventualmente venha a ser assim suspenso, este provedor só pode recomendar que invoque o nº 1 do artigo 37º da Constituição da República Portuguesa (“todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informados, sem impedimentos nem discriminações”) para continuar a exercer a profissão.

Publicada em 13 de Julho de 2008

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Mais separados, menos casados

Hoje (14 de Abril) lê-se em manchete: "Há cada vez MAIS divorciados e viúvos a casar-se pela segunda vez em Portugal". No estudo do ISCTE publicado pelo INE, que é usado na notícia, pode ler-se na conclusão: "...embora as taxas de recasamento de viúvos e divorciados tendam a DIMINUIR tanto em Portugal como nos outros países da Europa...".

O documento está disponível on-line e a citação foi retirada da página 56, primeira frase da conclusão do estudo.

Na realidade, há menos solteiros a casar e há mais divorciados em geral. Assim é bem possível que os divorciados casem menos, mas que o seu peso no número de casamentos aumente - tal como diz a conclusão do estudo.

Citando o estudo, e vou assumir que os autores percebem do assunto: "Esta análise quantitativa do recasamento aponta claramente para a sua afirmação enquanto prática conjugal dos portugueses, muito embora as taxas de recasamento de viúvos e divorciados tendam a diminuir tanto em Portugal como nos outros países da Europa, à semelhança do que acontece na sociedade norte-americana. Note-se que o aumento dos recasamentos decorre de efeitos de estrutura (composição), isto é, o aumento do divórcio faz crescer o número de divorciados e mesmo com uma diminuição das suas taxas de recasamento o crescimento desta subpopulação é suficiente para fazer aumentar o número de recasamentos."

Fazendo um paralelismo ao erro cometido pelo PÚBLICO, eu poderia dizer que "há cada vez mais negros a assaltar pessoas", induzindo os leitores em erro - não porque esta camada da população esteja mais criminosa, mas pura e simplesmente porque o número de imigrantes aumentou.

Miguel Carvalho

Explicações da jornalista autora da notícia:

O leitor tem carradas de razão, mas o título da manchete não foi feito por mim. Tive aliás a preocupação de explicar no texto: "E 'o aumento dos recasamentos decorre de efeitos de estrutura (composição), isto é, o aumento do divórcio faz crescer o número de divorciados e mesmo com uma diminuição das suas taxas de recasamento o crescimento desta subpopulação é suficiente para fazer aumentar o número de recasamentos', ressalva o estudo. Ou seja, o aumento da proporção de casamentos em que pelo menos um dos cônjuges já não era solteiro não traduz uma maior tendência para divorciados e viúvos voltarem a casar-se - as uniões de facto, enquanto 'modo alternativo de viver em conjugalidade a seguir a um divórcio' registam aliás um crescimento 'fortíssimo'."

Não é que os divorciados estejam a casar-se mais (por cada mil); o número de divorciados é que tem aumentado de tal maneira que acaba por ditar inevitavelmente alterações na composição do universo de pessoas que voltam a casar-se. (É exactamente como o exemplo que o leitor dá dos negros a assaltar pessoas).

Tudo isto (o aumento de divorciados) acontece num universo (o dos casamentos em geral) que é cada vez mais reduzido, o que também contribui para o aumento do peso proporcional dos que já não são solteiros quando se casam.

A manchete é da responsabilidade da direcção. Eu não estava na redacção no dia em que o trabalho foi publicado nem vi o jornal no dia seguinte, uma vez que me encontrava fora do país num trabalho.

Bárbara Simões

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Quem conta um conto...

Na edição de quarta-feira, 9 de Julho, no suplemento P2, pág. 14, li, e aprendi, na coluna "Séries", sobre a mini-série Moby Dick, exibida nesse dia na RTP1: "Mini série baseada no conto clássico de Herman Melville". Como não tivesse muito sono nessa noite, fui à estante e encontrei o tal conto; li-o com prazer, todo, e adormeci antes da meia-noite. Hoje, já que gostei da experiência, vou repeti-la, desta vez com outro conto clássico que encontrei no fundo da estante: chama-se Guerra e Paz. Parece bom.

Joaquim Costa

domingo, 6 de julho de 2008

Um carro na garagem e outro a andar

Em jornalismo independente, os factos devem ser descritos de forma equilibrada, isenta e fundamentada

O título, a toda a largura da primeira página do PÚBLICO de 2 de Junho, indicava que alguém gastou dinheiro dos contribuintes em quantidade cinco vezes superior à necessária: no mínimo, uma gestão clamorosamente incompetente; no máximo, aquilo que não se diz mas os leitores imaginam.

Era esta a manchete: “Estado gastou 485 milhões em rede de comunicações que valia um quinto”. Em causa estava a adjudicação de um sistema de comunicações comum aos vários corpos policiais e serviços de emergência médica e protecção civil por um valor inicial global de 538,2 milhões de euros pelo ministro da Administração Interna do anterior Governo, Daniel Sanches, quando o executivo de Santana Lopes já se encontrava demitido, a uma empresa, a Sociedade Lusa de Negócios (SLN), à qual o próprio Daniel Sanches estivera ligado. O tema, já antes noticiado pelo PÚBLICO, não era propriamente novidade: a suspeita de atitude menos clara nesta opção suscitara um inquérito oficial (que o Ministério Público arquivou em Março último, sem concluir nada de irregular) e o sucessor de Daniel Sanches no ministério, António Costa (actual presidente da Câmara de Lisboa), decretara entretanto a nulidade do contrato, tendo-o depois renegociado com a mesma SLN pelo valor apontado no título (após a retirada de certas funcionalidades ao sistema). O que justificava a nova abordagem eram as primeiras declarações públicas que sobre o caso prestava Almiro de Oliveira, o presidente do grupo de trabalho que, em 2001, definiu a estrutura de comunicações a adoptar e a baptizou: Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP). “No nosso relatório prevíamos um investimento inicial entre 100 e 150 milhões de euros”, declarou Almiro de Oliveira ao PÚBLICO. “A isso acrescentávamos dez por cento por ano, que corresponderia ao custo de exploração”. É na comparação com estes dados que o PÚBLICO se baseou para falar (segundo o título no interior da edição) de um “negócio que valia um quinto”.

Daniel Sanches (que não foi ouvido para a notícia) escreveu ao provedor para considerar “absolutamente descabido o título de primeira página, que induz propositadamente os leitores em erro”. Segundo o ex-ministro, a notícia compara verbas que não são comparáveis: “Tendo por base estas declarações [de Almiro de Oliveira], o valor máximo estimado do SIRESP ascenderia a 375 milhões de euros, pois ao valor do investimento inicial devem somar-se os custos de exploração por 15 anos (150 milhões + 225 milhões). O valor mínimo, por sua vez, quedar-se-ia pelos 250 milhões de euros (100 milhões + 150 milhões). Estes são os valores comparáveis com a adjudicação efectuada ou com a anterior, cujo acto foi considerado nulo. O estudo de 2001, como é natural, não contabilizou os custos financeiros, mas mesmo assim a comparação é possível, pois nas parcerias público-privadas é sempre calculado o valor actualizado líquido do contrato, ou seja, o valor do contrato sem custos de natureza financeira. E quais foram esses valores? O da adjudicação, produto de proposta reformulada, cifrou-se em 291,3 milhões de euros e o da adjudicação declarada nula em 340,7 milhões de euros, ou seja, uma e outra situam-se abaixo do valor calculado como valor máximo estimado no relatório de 2001”.

Para Daniel Sanches, há pois “manifesta má-fé e intenção de imprimir cunho sensacionalista à notícia, mesmo que à custa da honra e dignidade de terceiros”. E argumenta: “O que aquele título faz de forma acintosa é comparar dois custos diferentes, de um lado, apenas as despesas de investimento, e, do outro, estas acrescidas de despesas de exploração – a parte mais onerosa do sistema – e de todos os custos de natureza financeira. [É como] comparar o preço de um automóvel pago a pronto pagamento para ficar guardado religiosamente na garagem durante 15 anos sem qualquer utilização com o do mesmo automóvel adquirido através de empréstimo e com todas as despesas incluídas por 15 anos, tais como combustível, manutenção, seguros, portagens, etc.”

No âmbito dos parâmetros jornalísticos do PÚBLICO, levantam-se aqui duas questões essenciais: a do rigor e a da audição dos visados pelas notícias. Quanto à primeira, importa verificar se era possível comparar verbas tão díspares para concluir que o Estado podia gastar cinco vezes menos. O provedor inquiriu tanto a autora da notícia, Mariana Oliveira, como a direcção do PÚBLICO. Mariana Oliveira afirmou ter enviado ao director, “a seu pedido, (...) uma exposição escrita em que referi[u] os vários argumentos que [a] levaram a pensar que os dois valores podiam ser comparáveis, apesar de ter consciência de que se tratavam de realidades muito diferentes” e que tal comparação foi “alicerçada nas declarações de Almiro de Oliveira” (que na notícia não é totalmente explícito quanto à eventual diferença de custos entre os cálculos do seu grupo e o contrato efectuado).

O director adjunto Paulo Ferreira, que respondeu ao provedor em nome da direcção, não menciona a exposição de Mariana Oliveira, admitindo porém: “O que podemos considerar é que se compararam dois sistemas com serviços diferentes e, por isso, custos também diferenciados. Assim, as contas de Daniel Sanches podem fazer sentido numa óptica de custo total para o Estado. Almiro de Oliveira refere-se aos custos que eram apenas imputados à entidade que devia gerir o SIRESP de acordo com o modelo por si proposto, sem contabilizar os encargos de utilização que seriam suportados pelas várias entidades públicas utilizadoras do sistema. Incorporando estes, numa óptica de apuramento de custos totais para o Estado, e tomando como correctos os valores propostos por Daniel Sanches, a proporção de um para cinco deixa, de facto, de fazer sentido por falta de rigor”.

Quanto à ausência de contacto prévio com Daniel Sanches, argumenta Mariana Oliveira: “Ele não foi ouvido, nem na minha óptica deveria ter sido. O que estava aqui em causa não era a sua actuação enquanto ministro, alvo de várias notícias em Março, Abril e meses seguintes de 2005. Nessa altura Daniel Sanches foi contactado para cima de cinco vezes e nunca quis falar. (...) A sua actuação como ministro não é de todo a notícia. A sua participação no SIRESP é apenas contexto desta notícia. Por isso até estranho que Daniel Sanches se queixe desta notícia quando o SIRESP é um caso que sigo há três anos e ele já foi referenciado mais directamente noutros artigos”.

Esta explicação não parece razoável, já que a notícia coloca directamente em causa a adjudicação decidida por Daniel Sanches. Atente-se aliás na resposta do director adjunto: “A estrita questão dos custos é, no entanto, redutora em todo este caso do SIRESP que o PÚBLICO tem investigado. O que está no centro deste tema é a decisão económica de se ter optado por um modelo técnico e financeiro em vez de outro e a forma como foi feita a adjudicação: por um governo que estava já em gestão após as eleições e por um ministro, o próprio Daniel Sanches, que tinha exercido funções no grupo a quem adjudicou esse sistema”. Assim sendo, mais razão haveria para dar a Daniel Sanches a oportunidade de exercer o contraditório, mesmo que, como aparentemente em tentativas anteriores, ele viesse a exercer a prerrogativa de o declinar.

Resta ainda a interpretação de Daniel Sanches: “Desde há mais de três anos que sou objecto das mais torpes insinuações por parte da jornalista que assina esta notícia, pelo que estou convicto de que aquele título não foi inocente, mas antes deliberadamente manipulado para pôr em causa os intervenientes no processo de adjudicação, pelo qual o signatário também foi responsável”. E a resposta de Mariana Oliveira a estas alegações: “Considero-as insultuosas e até passíveis de responsabilização civil e criminal. Apenas me limitei a descrever factos. Talvez esses factos não tenham sido sempre do agrado de Daniel Sanches, mas isso nada tem a ver com o meu trabalho”.

Em jornalismo independente, descrever factos não é suficiente: tem de se fazê-lo de forma equilibrada, isenta e fundamentada.

Recomendação do provedor. É forçoso insistir nos princípios que, aos olhos do provedor, não terão sido respeitados neste caso: as normas genéricas do rigor e recusa do sensacionalismo, parte integrante do Estatuto Editorial do PÚBLICO, e o “princípio da equidade” constante do ponto 15 dos Princípios e Normas de Conduta Profissional do seu Livro de Estilo – “Qualquer informação desfavorável a uma pessoa ou entidade obriga a que se oiça sempre ‘o outro lado’ em pé de igualdade e com franqueza e lealdade”.

CAIXA:

Mistérios da informática

A propósito de um indecifrável texto aparentado ao latim que, no lugar dos textos verdadeiros, por vezes se intromete no PUBLICO.PT, mencionado na anterior crónica do provedor, um leitor aventou a hipótese de se tratar do que se designa por «lorem ipsum», conjunto de frases avulsas retiradas de um livro de Cícero (De Finibus Bonorum et MalorumOs Extremos do Bem e do Mal) que se convencionou usar como texto demonstrativo em artes gráficas. Não é o caso, o que para o efeito pouca importância tem, já que o que conta é que aquele arrazoado não devia estar ali. Curiosamente, mal idêntico e igualmente aberrante (que não é o lorem ipsum apesar da semelhança) atacou parte da edição em papel do PÚBLICO de 26 de Junho, cuja primeira página, na coluna da direita (encimada por “Título notícias pequenas para a primeira página” em vez do verdadeiro título), se apresentava com um incompreensível conjunto de palavras impresso três vezes no lugar das notícias correspondentes. O provedor, que havia adquirido a edição normal, só acreditou quando o leitor Albano Guedes, de Guimarães, lhe enviou fotocópia. Explicação do director: “Parte da edição Porto (uns cinco mil exemplares) foi impressa com o texto em latim [o provedor duvida de que seja latim ou outra língua viva ou morta] utilizado nas pré-paginações, até que os impressores deram pelo erro e a chapa da capa foi substituída. (...) Verificou-se que a falha do sistema informático correspondia a um bug (...). Entretanto, foram alterados procedimentos para garantir que (...) não ocorrerá de novo o mesmo erro”.

Sobre o assinante do PUBLICO.PT que, na mesma crónica, se queixa de não aceder aos suplementos em formato .pdf (fac-simile), tal como o caderno principal e o P2, o provedor foi informado de que isso se deve ao facto de ter optado por uma assinatura de 50 euros anuais, em vez dos 99 euros que permitem receber em .pdf toda a edição do jornal.

Ainda um último esclarecimento acerca do tema de há uma semana: a ausência de certos textos na edição on-line, de que alguns assinantes se queixam, dever-se-á à circunstância de os respectivos editores se esquecerem de colocar os códigos informáticos necessários. Imperdoável.

Publicada em 6 de Julho de 2008

DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:

Carta de Daniel Sanches

O PÚBLICO na edição de 2 de Junho de 2008 insere uma notícia na primeira página com o título “Estado gastou 485 milhões em rede de comunicações que valia um quinto”. A notícia tem depois desenvolvimento nas páginas 4 e 5 da mesma edição.

A base da notícia é um estudo de 2001, elaborado por um grupo de trabalho presidido por Almiro de Oliveira, atribuindo-se a este as seguintes palavras: “No nosso relatório prevíamos um investimento inicial entre 100 e 150 milhões de euros. A isso acrescentávamos dez por cento por ano, que corresponderia ao custo de exploração.”
Tendo por base estas declarações, o valor máximo estimado do SIRESP ascenderia a 375 milhões de euros, pois ao valor do investimento inicial devem somar-se os custos de exploração por 15 anos (150 milhões + 225 milhões = 375 milhões). O valor mínimo, por sua vez, quedar-se-ia pelos 250 milhões de euros (100 milhões + 150 milhões = 250 milhões). Estes são os valores comparáveis com a adjudicação efectuada ou com a anterior, cujo acto foi considerado nulo.

O estudo de 2001, como é natural, não contabilizou os custos financeiros, mas mesmo assim a comparação é possível, pois nas parcerias público-privadas é sempre calculado o valor actualizado líquido do contrato, ou seja, o valor do contrato sem custos de natureza financeira. E quais foram esses valores? O da adjudicação, produto de proposta reformulada, cifrou-se em 291,3 milhões de euros e o da adjudicação declarada nula em 340,7 milhões de euros, ou seja, uma e outra situam-se abaixo do valor calculado como valor máximo estimado no relatório de 2001.

Porque acreditamos que o responsável pelo título de primeira página compreendeu o teor do estudo e a explicação do presidente do grupo de trabalho que o elaborou, só podemos concluir ter agido com manifesta má-fé e intenção de imprimir cunho sensacionalista à notícia, mesmo que à custa da honra e dignidade de terceiros. O que aquele título faz de forma acintosa é comparar dois custos diferentes, de um lado, apenas as despesas de investimento e, do outro, estas, acrescidas de despesas de exploração – a parte mais onerosa do sistema – e de todos os custos de natureza financeira. Um exemplo mais próximo do dia-a-dia poderá ajudar a explicar o que parece elementar. O que o título da notícia faz é comparar o preço de um automóvel pago a pronto pagamento para ficar guardado religiosamente na garagem durante 15 anos sem qualquer utilização com o do mesmo automóvel adquirido através de empréstimo e com todas as despesas incluídas por 15 anos, tais como combustível, manutenção, seguros, portagens, etc.

O SIRESP não foi adjudicado para ficar encaixotado sem qualquer tipo de utilização, mas antes para ser posto ao serviço de múltiplas entidades, designadamente as com atribuições no âmbito da emergência e da segurança. A adjudicação representa não apenas o investimento, mas também e principalmente todas as despesas de exploração ao longo de 15 anos e os custos inerentes ao modelo financeiro escolhido aquando do lançamento do concurso.

Mas na prática tanto a adjudicação de 2005, considerada nula, como a de 2006 se situam no espaço da estimativa de custo inicial realizada em 2001 pelo grupo de trabalho. Parece por isso absolutamente descabido o título de primeira página, que induz propositadamente os leitores em erro e acaba por atingir a honra e consideração das pessoas envolvidas no processo de adjudicação.

Adivinho que me será explicado que o jornalista autor da notícia não é responsável pelos títulos e que quem os faz tem apenas em vista a chamada de atenção para os principais temas da edição.

De qualquer modo, gostaria de conhecer o entendimento do Senhor Provedor dos leitores relativamente àquele título, designadamente se o mesmo se coaduna com a política editorial do PÚBLICO e com os princípios deontológicos e éticos dos seus jornalistas.

Desde há mais de três anos que sou objecto das mais torpes insinuações por parte da jornalista que assina esta notícia, pelo que estou convicto de que aquele título não foi inocente, mas antes deliberadamente manipulado para pôr em causa os intervenientes no processo de adjudicação, pelo qual o signatário também foi responsável entre 17 de Julho de 2004 e 12 de Março de 2005.

Daniel Viegas Sanches


As explicações de Mariana Oliveira

A seu pedido [do director do PÚBLICO, José Manuel Fernandes], fiz uma exposição escrita em que referi os vários argumentos que me levaram a pensar que os dois valores podiam ser comparáveis, apesar de ter consciência de que se tratavam de realidades muito diferentes. Esta mesma questão foi levantada directamente ao presidente do Grupo de Trabalho, Almiro de Oliveira, e os argumentos que expliquei foram os que ele me deu na altura. Do ponto de vista formal, a questão não foi colocada, porque ninguém a colocou (no início estava em causa algo chamado SIRESP, no fim foi adjudicado algo também chamado SIRESP, com finalidades e âmbitos de todo semelhantes aos inicialmentre projectados). De qualquer forma, ouvi informalmente algumas pessoas que levantaram esta questão, que considerei pertinente, e, por isso, indaguei sobre ela junto da pessoa que me parecia mais abalizada: um dos autores do estudo, especialista na área dos sistemas de informação e com experiência em outros concursos e procedimentos do género. As respostas pareceram-me satisfatórias e tentei espelhar esta questão, de forma indirecta, no meu texto. De qualquer forma, como dizia antes, formalmente a questão nunca se colocou. Isto porque as várias pessoas ouvidas no âmbito do contraditório (que não chegou a ser publicado devido a um problema técnico) não o levantaram. O Drº. António Costa afirmou desconhecer o relatório e, por isso, não levantou nenhuma questão quanto ao documento. O Ministério da Administração Interna não quis fazer comentários. Quanto ao Drº Daniel Sanches, ele não foi ouvido, nem na minha óptica deveria ter sido. O que estava aqui em causa não era a sua actuação enquanto ministro, alvo de várias notícias em Março, Abril e meses seguintes de 2005. Nessa altura, o Drº Daniel Sanches foi contactado para cima de cinco vezes e nunca quis falar. Preferiu, como a lei lhe permite, usar da palavra para escrever um direito de resposta. Continuámos a tentar contactar com ele, mas o Drº. Daniel Sanches nunca quis falar. O que está aqui em causa não é a sua actuação como ministro. Essa não é de todo a notícia. A sua participação no SIRESP é apenas contexto desta notícia. Por isso até estranho que o Drº Daniel Sanches se queixe desta notícia quando o SIRESP é um caso que sigo há três anos e ele já foi referenciado mais directamente noutros artigos.

Quanto às referências que o Drº. Daniel Sanches faz sobre o meu trabalho, dizendo que é "objecto das mais torpes insinuações" da minha parte, considero-as insultuosas e até passíveis de responsabilização civil e criminal. Apenas me limitei a descrever factos. Talvez esses factos não tenham sido sempre do agrado do Drº Daniel Sanches, mas isso nada tem a ver com o meu trabalho.

Mariana Oliveira


As explicações do director adjunto Paulo Ferreira

A comparação de valores a que Daniel Sanches se refere é alicerçada nas declarações de Almiro de Oliveira, que presidiu ao primeiro grupo de trabalho que estudou essa rede de comunicações, estando, por isso, habilitado a falar sobre o tema.

O título da primeira página, que é o que está em causa, é sustentado pelo teor da notícia quando, logo no primeiro parágrafo, se escreve que o montante que está a ser pago pelo Estado é “cinco vezes mais do que poderia ter gasto se tivesse optado por outro modelo técnico e financeiro”.

O que podemos considerar é que se compararam dois sistemas com serviços diferentes e, por isso, custos também diferenciados. Nesse sentido, as contas de Daniel Sanches podem fazer sentido numa óptica de custo total para o Estado.

Almiro de Oliveira refere-se aos custos que eram apenas imputados à entidade que devia gerir o SIRESP de acordo com o modelo por si proposto, sem contabilizar os encargos de utilização que seriam suportados pelas várias entidades públicas utilizadoras do sistema. Incorporando estes, numa óptica de apuramento de custos totais para o Estado, e tomando como correctos os valores propostos por Daniel Sanches, a proporção de um para cinco deixa, de facto, de fazer sentido por falta de rigor.

A estrita questão dos custos é, no entanto, redutora em todo este caso do SIRESP que o PÚBLICO tem investigado. O que está no centro deste tema é a decisão económica de se ter optado por um modelo técnico e financeiro em vez de outro e a forma como foi feita a adjudicação: por um governo que estava já em gestão após as eleições e por um ministro, o próprio Daniel Sanches, que tinha exercido funções no grupo a quem adjudicou esse sistema.

Paulo Ferreira

terça-feira, 1 de julho de 2008

Uma pré-publicação diferente

A 26 de Maio, vem na página 47 do PÚBLICO um artigo de opinião de José Manuel Durão Barroso. Este artigo, intitulado "Um intelectual indispensável", é um elogio a João Carlos Espada e ao seu livro Liberdade e Responsabilidade Pessoal. Segundo a nota final do artigo, diz-se que o mesmo foi adaptado do prefácio para o dito livro. Ora bem, nisto surgem duas questões principais e algumas outras questões secundárias:

1. Qual a razão para a publicação deste artigo?

Dedica-se o PÚBLICO agora a fazer recensão editorial de livros?
Fá-lo só porque esta foi escrita pelo Presidente da Comissão Europeia (PCE)?
Fá-lo porque o dito PCE é português?
Fá-lo porque o tema, liberalismo, é caro ao director do jornal?
Um pouco de clareza sobre o assunto seria interessante e, creio, fundamental.

2. Se o artigo foi adaptado do prefácio, quem fez a adaptação?

O próprio autor? Nesse caso por que razão não o escreveu de raiz?
Um jornalista ou editor? Se sim, quem?
O director?
Seja quem for o responsável pela edição do prefácio, pergunta-se qual a razão de essa indicação não estar presente no fim do artigo.

3. Por que razão se indica que é um prefácio a um livro e se indica a editora?

Tem o PÚBLICO interesse em publicitar a obra?
Tem o PÚBLICO interesse em publicitar a editora?

O mínimo que se exige neste caso é clareza. Não se entende o interesse na publicação do artigo. Nem é um artigo de opinião original, nem os princípios base de jornalismo parecem estar esclarecidos. Faria bem resolver este assunto, até porque fica a sensação de que terá sido publicado apenas e só porque o director do PÚBLICO concorda com o pensamento do autor do livro. Se o PÚBLICO quer passar a possuir uma linha editorial definida, poderá fazê-lo. Mas nesse caso que mude o seu Livro de Estilo, os seus princípios orientadores e deixe de fazer estas publicidades encapuçadas.

João Sousa André

O provedor pediu esclarecimentos sobre esta questão ao director do PÚBLICO, que enviou a seguinte resposta:

Como o leitor faz muitas perguntas, algumas repetitivas, vou passar a explicar o critério para a publicação daquele texto.

a) O PÚBLICO edita, praticamente todas as semanas, no P2, pré-publicações de livros. Por vezes isso corresponde a solicitações que fazemos às editoras, pois conhecemos os livros, outras vezes são as editoras que enviam livros para que possamos avaliar e escolher, ou não, uma pré-publicação. Sempre que o fazemos indicamos o autor e a editora do livro em causa;

b) Recebemos da Princípia uma proposta de pré-publicação do livro de João Carlos Espada (antigo colunista do jornal) Liberdade e Responsabilidade Pessoal, que incluía textos saídos no PÚBLICO.

c) Ao recebermos o livro verificámos que este continha um conjunto de textos do autor, sobretudo os mais antigos, que seria interessante publicar (designadamente texto sobre o que é ser de esquerda e ser de direita escritos na década de 1980), mas que incluía também um prefácio escrito por José Manuel Durão Barroso.

d) Depois de avaliarmos o que seria mais interessante, chegámos à conclusão de que este último texto, para mais original e escrito por uma figura pública conhecida, era o que poderia ter mais interesse para os leitores. Contudo, tratava-se de um tipo de texto que não se integrava exactamente no espírito das pré-publicações do P2, sobretudo devido à sua carga opinativa.

e) Optou-se então por editar o texto nas páginas de opinião (“Espaço Público”), tendo-se procedido a uma ligeira adaptação, de resto seguindo uma prática habitual em muitas pré-publicações, quer por razões de espaço (para que extractos por vezes demasiado longos caibam no espaço que temos reservado), quer para adaptar, por exemplo, tempos verbais ou, no caso de traduções, seguir as regras de nomenclatura do nosso Livro de Estilo. Essas adaptações são feitas, por regra, na redacção, às vezes já com o texto em página, e foi exactamente o que aconteceu naquele caso.

f) O resultado foi um texto de opinião cujo interesse principal, na análise que foi feita, resultava de existir algum paralelismo nos percursos ideológicos do actual presidente da Comissão Europeia e do autor, paralelismos que suscitavam uma reflexão que não é muito comum, pois raramente políticos e intelectuais assumem com abertura a evolução do seu pensamento.

g) O texto vinha bem identificado e não se prestava a confusões: o PÚBLICO faz recensão editorial de livros, por regra no suplemento Ípsilon, e sempre num espaço próprio devidamente assinalado; um prefácio nunca poderia ser por nós editado como recensão de um livro; um prefácio pode ser editado como qualquer outra parte de um livro, em pré-publicação, desde que isso seja devidamente assinalado, como era o caso, tendo até havido o cuidado de referir que o texto tinha sido adaptado. O carácter muito pontual da adaptação, que o leitor poderá confirmar confrontando com o texto original, pois o livro já está nas livrarias, não justificava qualquer assinatura, pois não tinha carácter autoral nem alterou o conteúdo essencial do texto.

h) Se muitas das perguntas do leitor indicam que este nunca reparou que o PÚBLICO edita com frequência quase semanal pré-publicações sem que isso faça dele uma editora dessas obras ou um promotor das respectivas editoras (que foram muitas e variadas, tendo as pré-publicações abrangido temas muito diversos e incluindo autores com muitas e variadas sensibilidades políticas), o seu comentário final parece mostrar que não distingue a diferença entre textos jornalísticos e textos de opinião e que nunca reparou que nas páginas de opinião do jornal se editam textos que defendem posições muito variadas, porque sempre foi essa a opção do jornal e deste director em particular.

i) A publicação de um texto de opinião, para mais esporádico, não implica a opção por qualquer linha editorial específica, como é fácil verificar todos os dias. Aquele texto não era excepção à regra.

j) O director do PÚBLICO, quando tem de o fazer, não escolhe para as páginas de opinião textos em função de concordar ou não com o pensamento dos respectivos autores, algo que também é muito fácil comprovar. O critério é o da qualidade dos textos e de a resultante assegurar a maior pluralidade possível de pontos de vista. Julgo que Portugal terá tido poucos directores de jornais, se é que teve algum, que abriram tanto as páginas das publicações que dirigem a textos que os criticam abertamente como eu abro, algo que até já foi reconhecido em estudos académicos. Da mesma forma não devo vetar textos interessantes só porque existem neles afinidades com o que penso. A liberdade que aqui existe é para todos.

José Manuel Fernandes

NOTA DO PROVEDOR. Não sendo este um procedimento habitual do PÚBLICO no que respeita a pré-publicações, o provedor não encontra porém qualquer razão para pôr em causa a opção editorial adoptada.