domingo, 26 de abril de 2009

O que escrever em título

Ser apelativo, sintético e exacto nos títulos é um dos desafios que se colocam a qualquer jornalista, e nem todos o superam



Queixa-se a leitora de não estar no texto o que diz o título: que os ciganos “aleluia” se julgam melhores

“Parlamento Europeu aprovou alargamento dos direitos dos artistas de 50 para 70 anos”, dizia o título principal da pág. 19 do PÚBLICO da passada sexta-feira. Afinal, conforme a noticia, tratava-se apenas dos direitos dos músicos, que assim ficavam equiparados aos dos restantes artistas (há muito abrangidos pela lei dos 70 anos).

Quantas vezes não lemos já notícias que não correspondem ao que se anuncia nos títulos? É uma queixa recorrente ao provedor, e um sintoma do rigor praticado pelas redacções. Ser apelativo, sintético e exacto nos títulos é um dos desafios que se colocam aos jornalistas, e nem todos o superam. Para complicar, muitas vezes quem produz o título não é quem elabora a notícia, aumentando-se a probabilidade de erro.

Reclamou o leitor J.P. Oliveira: “Manifesto tristeza pelo título irresponsável ‘Álcool e drogas - estudantes portugueses portam-se bem’ que o PÚBLICO publicou a 27 de Março na primeira página. Perante tema tão delicado (nos EUA, por exemplo, é um dos maiores problemas de saúde pública que as autoridades enfrentam), como é possível utilizar a expressão ‘portam-se bem’? Foi algum estagiário que o escreveu? E, em caso afirmativo, não há um editor que reveja os conteúdos antes de publicados? Dentro da notícia, felizmente, já há um bocadinho mais de rigor e ética no tratamento do assunto”. O panorama descrito na notícia, baseada num estudo de âmbito europeu, é com efeito demasiado alarmante para se poder dizer que os estudantes portugueses se portam bem, o que é de resto logo contrariado pelo título no interior (pág. 6) – “Aumentou [em Portugal] o número de estudantes de 15 e 16 anos a beber muito em pouco tempo” –, assim como por uma das passagens do texto: “O consumo de grande quantidade de álcool num curto espaço de tempo aumentou em mais de metade dos países, especialmente entre as raparigas (...). ‘O aumento mais pronunciado ocorreu em Portugal entre 2003 e 2007, onde o número de estudantes que relata episódios de consumo excessivo (...) nos 30 dias anteriores passou de 25 para 56 por cento’.” É isto um atestado de bom comportamento?

Segundo o estudo em questão, Portugal situa-se abaixo das médias europeias em consumo de tabaco, álcool e drogas, mas só por si isso não é necessariamente um panorama animador, ao contrário do que se infere de um título longe de reflectir a realidade e a própria notícia.

Observou por outro lado a socióloga Ana Cruz, a propósito da reportagem de Bárbara Wong intitulada “Os ciganos aleluia acreditam que são melhores do que os outros”, publicada nas págs. 6-7 do P2 de 23 de Março: “Fiquei muito surpreendida com o título (...). Em nenhuma parte do texto se pode tirar tal conclusão. E sendo assim não se percebe como se chegou a essa conclusão. Trabalho há anos na zona das Galinheiras/Ameixoeira [área da capital onde se realizou a reportagem] e conheço bem os ciganos frequentadores do culto [da Igreja Evangélica Filadélfia”, ou “aleluia”]. Não partilho dessa conclusão, e caso tenha sido afirmado, por que não está referenciado na notícia?”

De facto assim é: mesmo que o pensem (como sucede com a maioria das confissões religiosas), nenhum dos entrevistados se declara melhor do que os não pertencentes ao seu culto. “Não era título, mas esta ideia estava na entrada e foi puxada para título, com o meu conhecimento”, explica Bárbara Wong, por solicitação do provedor. “Ao longo do texto, pela voz de dois pastores da Igreja Filadélfia, ficamos a saber que os seus crentes abdicam de alguns costumes e práticas, como beber nos casamentos ou mentir quando negoceiam. Também o modo como festejam ou resolvem as contendas entre famílias mudou. Não vendem contrafacção, garante o pastor Sidnei. ‘Quem não é cigano ainda nos vê da mesma maneira, mas quem nos conhece sabe que há diferenças entre os que andam na Igreja e os outros’, acrescenta. Uma vez que procuram cumprir os dez mandamentos, alguns dos quais estão plasmados nas leis da maior parte dos países, creio que não é um abuso dizer que estes ciganos acreditam que são melhores que os outros”.

O provedor julga procedente a queixa da leitora, já que um título de notícia ou reportagem não deve dizer outra coisa que não esteja contida no texto que lhe corresponde nem adiantar interpretações desse texto. A propósito, a reportagem (objecto também de um pedido de esclarecimento entretanto já publicado a 6 de Abril) tende a fazer uma divisão entre ciganos que se portam bem (para recorrer a outro título antes aqui mencionado), os quais seriam os do grupo “aleluia”, e os restantes, praticando “tradições (...) que lhes dão má fama” (segundo se escreve na entrada), as quais têm a ver, por exemplo, com “mentir quando negoceiam” ou vender “contrafacção” . Ora, podem existir nesta simplificação conotações racistas, já que ser membro (não aleluia) da comunidade cignada não implica forçosamente ser criminoso. Há quem não seja nem uma coisa nem outra (como em qualquer outra enia). Vale a pena evocar aqui o ponto 6 dos “Princípios e normas de conduta profissional” contidos no Livro de Estilo deste jornal: “O jornalista do PÚBLICO recusa todos os preconceitos e estereótipos de linguagem que firam a sensibilidade comum em assuntos que envolvem idade, etnia, origem nacional, religião, opção ideológica, orientação sexual ou sexo”.

Por fim, uma notícia onde o problema, segundo Belarmino Craveiro Bolito, não residiria apenas no título (“Especialistas de energia denunciam ‘embuste’ na visita de [José] Sócrates e [Manuel] Pinho à Energie”, pág. 27 de 24 de Março com chamada à primeira pág.), mas no próprio conteúdo, escrito por Lurdes Ferreira, onde em resumo se sugeria que a ida do chefe do Governo e do seu ministro da Economia à empresa citada, numa acção destinada a apoiar o consumo de energia solar, seria enganadora, na medida em que a tecnologia das chamadas bombas de calor aí produzidas “não é solar, mas sim de base eléctrica”. Escreve o leitor: “Saberá o PÚBLICO, por acaso, o que são ‘bombas de calor’? É que, pela leitura do artigo, se fica a saber que o seu autor não sabe, nem se preocupou em saber (...). Saberá, por acaso, o que são ‘painéis solares térmicos’? Claro que, como toda a gente, a jornalista já os terá visto nos telhados de algumas casas, mas, também, à semelhança da maioria das pessoas, não sabe mais nada (...). Pois é: ‘Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão’? ‘Painéis solares térmicos’ são simples e simpáticos permutadores de calor de origem solar, integrados num sistema de aquecimento ou consumo, em que normalmente não são a única fonte de calor (complementada habitualmente por electricidade). ‘Bombas de calor’ são simpáticos sistemas permutadores de calor de origem diversa (entre elas a mais comum é a solar) (...) integrados em outros sistemas de aquecimento ou consumo, em que normalmente não são a única fonte de calor (complementada habitualmente por electricidade). Qual dos dois sistemas é mais ecológico? Qual é mais eficaz? Em qual devemos apostar (se é que faz sentido esta pergunta)? O que sem dúvida podemos afirmar é que qualquer deles não garante a autonomia energética num sistema de aquecimento. Mais: à partida, parece ser mais certo dizer que uma bem escolhida ‘bomba de calor’ é a que mais autonomia garante (...). Não se percebe de todo esta animosidade do PÚBLICO para com a ‘bomba de calor’.”

Numa detalhada resposta (que pela sua extensão se remete para o blogue do provedor, juntamente com as interpretações políticas feitas pelo leitor), Lurdes Ferreira justifica em síntese: “O PÚBLICO consultou informação sobre a matéria e também opinião junto de peritos e instituições, (...) Tanto os designados painéis solares termodinâmicos vendidos pela Energie como os colectores solares térmicos são sistemas termodinâmicos, porque ambos funcionam segundo o princípio da troca de calor com o ambiente externo (...). A diferença (...) tem a ver com a forma como cada um deles usa a energia solar e a energia eléctrica. (...) Para os primeiros, o sol é a sua energia principal, para os segundos, é subsidiária. Digo no meu texto que os cálculos técnicos existentes indicam que o designado sistema termodinâmico consome 10 vezes mais energia eléctrica do que um colector solar térmico quando este recorre à energia eléctrica como energia de apoio para os momentos em que não há sol ou este é insuficiente”.

Considera o provedor que a jornalista procurou ir mais longe do que o mero registo de um acto oficial, investigando junto de fontes credíveis, questionando o que estava por detrás das aparências e prestando por isso um serviço mais completo aos leitores. Não encontra pois razões para julgar fundamentada a crítica recebida.

Para tornar a notícia mais equilibrada, Lurdes Ferreira poderia, é certo, tentar confrontar Sócrates ou Pinho com os dados que apurou (mesmo que não quisessem responder), mas sobre isso não reclamou o leitor.


CAIXA:

Veja as diferenças

Na sua anterior crónica, o provedor discorreu (pela segunda vez) acerca de uma queixa relativa ao PÚBLICO de 30 de Março, por conter uma falsa primeira página com um anúncio que, apesar da menção “PUBLICIDADE”, possuía um grafismo idêntico ao das verdadeiras primeiras páginas do jornal. Para os leitores perceberem do que se falava, solicitou o provedor ao responsável pela maquetagem que publicasse as duas primeiras páginas, juntas com este destaque: “A imagem da falsa primeira página não é em tudo similar à autêntica: um segundo olhar dissipará a ambiguidade”. Devido ao que – tudo o indica – consistiu num erro de comunicação, surgiram de facto duas primeiras páginas, uma editorial e uma de publicidade, mas nenhuma publicada na data em causa. Para que os leitores não julguem que alguém os tenta ludibriar, publicam-se aqui as duas páginas da polémica. [imagens a colocar on-line brevemente]

Publicada em 26 de Abril de 2009

domingo, 19 de abril de 2009

Jornalismo e pragmatismo

Lembrando Darwin, também os media habitam uma ecologia onde só sobrevivem os mais aptos

A imagem da falsa primeira página não é em tudo similar à autêntica: um segundo olhar dissipará a ambiguidade

A anterior crónica do provedor motivou uma carta de Manuel Pinto (M.P.), professor de Ciências da Comunicação de Universidade do Minho, que suscita questões sobre o exercício deste cargo e sobre a defesa dos princípios do jornalismo, pelo que vale a pena regressar aos temas abordados.

A carta debruça-se sobre duas ocorrências que o provedor analisou mas sobre as quais não emitiu parecer ou recomendação. Uma delas foi a aparente desproporção dada à notícia “Auditor interno da EDP sai contra alegada manipulação dos lucros”, manchete de 13 de Março. Observava o provedor: “Não deixa de suscitar dúvidas o relevo dado ao tema (...). Mas, sendo a notícia autêntica, trata-se de uma opção legítima do jornal, que apenas importa à relação que este mantém com os seus leitores, os quais podem identificar-se ou não com tal tipo de destaques noticiosos. Disso, contudo, não cuida o provedor." Comentaria M.P.: “Disso não cuida o provedor?, pergunto eu. Para mim não é nada claro que o destaque dos assuntos não seja matéria do âmbito das competências do provedor. Não será que um jornal pode enviesar profundamente a cobertura da actualidade mediante a enfatização desequilibrada em torno de um determinado assunto? Deverá essa matéria ficar apenas remetida ao gosto ou adesão dos leitores?”

Desde início deixou o provedor claro que não procurava – nem possuía esse direito – condicionar ou interferir na liberdade de escolha do jornal quanto às suas opções noticiosas, a não ser que esteja em causa a violação de um pequeno núcleo de valores essenciais do jornalismo enumerados no Estatuto Editorial do PÚBLICO, como sejam o rigor, a independência, o sensacionalismo ou a “exploração mercantil da matéria informativa”. Não foi o que o provedor concluiu do caso vertente. A informação foi apresentada com rigor, que ninguém pôs em causa, e com isenção, ouvindo-se as “partes com interesses atendíveis no caso” (para usar uma expressão do Código Deontológicos dos Jornbalistas Portugueses), e dificilmente se poderá considerar sensacionalista ou mercantilmente oportunista a notícia da demissão do auditor de uma empresa.

O provedor aceita a razão do leitor ao considerar que um jornal (ou qualquer outro órgão de informação) pode distorcer a importância de um tema da actualidade aumentando ou diminuindo o relevo que lhe atribui, mas em regra essa intenção só é detectável ao longo de várias edições, para se concluir se existe ou não um espírito de campanha em volta do assunto em causa. Pontualmente, é difícil ou impossível extrair esse tipo de conclusões, porque os critérios de projecção dada a uma notícia isolada contêm sempre elementos de interpretação subjectiva, quando não são resultantes de factores ocasionais (no caso, pode ter acontecido que o dia tenha sido “fraco” e a redacção não fosse capaz de produzir uma notícia considerada mais importante para manchete). Por conseguinte, mesmo que possa não estar de acordo com a hierarquização de certas informações, o provedor deve ter o cuidado de não exercer qualquer tipo de constrangimento numa competência que o conceito de liberdade de informação atribui integralmente aos jornalistas.

Quanto à sua alusão ao “gosto ou adesão dos leitores”, entende o provedor que, mesmo que não faça disso razão de existência, nenhum projecto comunicacional pode alhear-se da receptividade do público – e essa será certamente uma ponderação a ter em conta ao elaborar-se a primeira página de um jornal. Qualquer órgão de informação se compõe de notícias de que o público precisa e de notícias que o público quer. Não procurado esse equilíbrio, pode-se estar a caminhar para a irrelevância ou o olvido, com graves consequências para esse projecto.

A outra ocorrência que o provedor se limitou a constatar consistiu na produção de uma falsa capa do PÚBLICO na edição de 30 de Março, constando de publicidade redigida e arranjada graficamente de modo a parecer-se com as habituais primeiras páginas do jornal. Criticou M.P.: “Relativamente à queixa de um outro leitor por o PÚBLICO ter feito uma capa toda de publicidade, criando confusão nos leitores (ainda que assinalando o facto de se tratar de publicidade), conclui o provedor: ‘Perante a actual crise económica e a diminuição do investimento publicitário, julga o provedor que a decisão de aceitar este anúncio terá sido motivada pelo pragmatismo. Uma vez que a crise vai prolongar-se, é melhor os leitores prepararem-se para outras surpresas do género’. O seu comentário não será, ele também, excessivamente ‘pragmático’? Não querendo ser idealista em excesso, temo pela teoria subjacente: a crise autoriza práticas pouco éticas. Como quem diz: ‘Em tempo de guerra não se limpam armas’. Mesmo admitindo que há aqui um terreno ambivalente, em que se confrontam juízos de valor e ponderações de natureza diversa, não seria de esperar de um jornal como o PÚBLICO que, ao menos, falasse connosco, dando conta dos critérios e motivações que estão por detrás da opção tomada? Até por causa da tal segunda parte na norma que cita (‘... que evite confusões ou associações ambíguas à mancha informativa’). De outro modo, o provedor deveria recomendar que se acrescentasse às normas internas do jornal algo como: ‘Esta norma pode ser flexibilizada em tempos de crise económica’.”

Este provedor, tendo já exercido funções de responsabilidade noutros órgãos de imprensa, de que foi forçado a demitir-se ou de que foi mesmo despedido por, em certos momentos, entre o interesse jornalístico e o interesse do respectivo grupo empresarial ou do seu proprietário, ter dado prioridade ao primeiro, não se considera contudo um fundamentalista, muito menos um talibã do jornalismo. Pelo contrário, defende, desde que se preserve o tal núcleo de valores essenciais da actividade, a necessidade do mencionado pragmatismo nas escolhas e orientações a que um órgão de informação deve sujeitar-se, pois muitas muitas vezes pode estar em causa a sua própria viabilidade, e os jornalistas (sobretudo os que têm responsabilidades numa redacção) são também em certa medida gestores, já que administram os seus próprios recursos e distribuem, na tábua rasa posta à sua disposição, a matéria que produzem ou lhes chega às mãos. Podem os jornalistas de um extinto periódico ficarem de bem com a sua consciência por não terem cedido em certos aspectos. E depois? Ganharam eles e o público com isso, se por acaso uma maior flexibilidade em questões não capitais tivesse permitido manter a publicação?

Agora que se comemora Darwin, é bom lembrar que os media também habitam uma ecologia onde só sobrevivem os mais aptos, aqueles que evoluem sabendo adaptar-se às novas condições, extinguindo-se os restantes, muitas vezes por não terem sabido praticar o mesmo jogo de cintura.

A atitude do provedor perante o caso da capa publicitária teve em linha de conta este enquadramento. Estava salvaguardado o princípio que em seu entender não admitia recuo – a devida menção com a palavra “Publicidade” (e cuja obrigatoriedade em idêntica circunstância já há cerca de um ano havia recomendado, perante a sua ausência pura e simples) –, pelo que a questão da eventual confusão gráfica, de carácter mais subjectivo, lhe pareceu secundária. Aliás, já na edição de 10 de Outubro último ocorrera situação semelhante, sem que tivesse suscitado reclamações. E deve também pormenorizar-se que a imagem dessas falsas primeiras páginas não é em tudo similar às autênticas (sendo por exemplo diferentes o tipo e corpo de letra em títulos e textos), pelo que um segundo olhar, mais atento, permitirá dissipar a ambiguidade intencionalmente pretendida pelos publicitários.

A simples menção a tal tipo de situações constitui, já em si, uma chamada de atenção, não julgando o provedor necessário, pela avaliação efectuada nesses casos, ir mais longe. Reservemo-nos para o que é realmente crucial e constitui a matriz da filosofia editorial do PÚBLICO.

CAIXA:

Matéria de facto e matéria de interpretação

Critica o leitor Vasco Almeida: “Se a manchete da edição do PÚBLICO de 10 de Abril, ‘Socialistas subscrevem apelo que lança avisos à política do Governo’, se destinava a sensibilizar os transeuntes que dos jornais apenas lêem os títulos à vista nas bancas, não há dúvida de que foi atingido mais um objectivo da cruzada desse jornal. Nesse caso, ficam perplexos os leitores que compraram o jornal para também lerem o título e o desenvolvimento da ‘notícia’ na pág. 7, tão óbvia é a desafinação entre aquele e este. Não foi a primeira, não será a última, nem terá sido esta a ocorrência mais bombástica da referida cruzada: um empreendimento desta envergadura, mesmo vigiado talvez pela veneração a Teilhard de Chardin, está sempre sujeito ao pecado da insinuação. Mas esse jornal é suposto reger-se por um Livro de Estilo (...). Se a resposta à crise implica a adopção de ‘novos paradigmas comportamentais’, qual é a resposta desse jornal no que concerne a sua própria legislação: mandar às urtigas o Livro? Ou o Estilo? Ou devolver os dois ao sr. Vicente Jorge Silva [co-fundador e primeiro director do PÚBLICO], em correio normal sem aviso de recepção?”

O apelo em causa é aquele que convocou a tradicional manifestação do 25 de Abril em Lisboa, e na verdade, como dizia a notícia, “não aponta directamente as opções governamentais, mas é marcadamente crítico quanto à situação económica no mundo e em Portugal”. Pelo que a referência aos “avisos à política do Governo” é matéria de interpretação e não de facto, sendo, em termos de rigor, usada abusivamente na manchete. Mas também é um facto que o manifesto aposta intencionalmente na ambiguidade e que no espírito dos seus redactores pudessem estar os tais “avisos”. Essa circunstância poderia ser relevada, mas não da forma categórica em que a manchete o faz. O provedor não infere porém daqui ou de outras notícias (que o leitor não especifica) a existência de uma cruzada. Também neste aspecto estamos perante matéria de interpretação, não de facto.

Publicada em 19 de Abril de 2009

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Mais palmatoadas

São constantes, como muitos leitores têm assinalado, os erros de português indesculpáveis. Na edição-Porto do dia 13 de Abril, lá vem mais um. Na página 16, sobre a Linha de Leixões, numa caixa com o título "Era a vapor...", pode ler-se: "(...) em comboios que nada terão a haver com (...).
Perdoar-me-á, mas este é de palmatória!

José António Ribeiro da Cunha

domingo, 12 de abril de 2009

Notícias nebulosas

Muitas vezes não é a notícia que está em causa, mas o tratamento que os jornalistas lhe dão



O fim do julgamento de Névoa é abordado de forma impressiva, enquanto a notícia da sua condenação já obedece às normas

Há leitores que, sem contestarem a veracidade das notícias, questionam porém o tratamento que o PÚBLICO lhes dá.

Exemplo é a carta muito crítica de Luís Filipe Lopes a respeito do texto noticioso “Tentaram ou não corromper o vereador José Sá Fernandes? O veredicto será conhecido hoje”, da autoria de Ana Henriques, publicado na pág. 6 da edição de 23 de Fevereiro, sobre a iminência da leitura da sentença de Domingos Névoa, administrador da empresa Bragaparques, após o seu julgamento em primeira instância pela suspeita enunciada em título. “Foge-lhe o dedo para os juízos de valor e a chacota”, considera o leitor sobre a prosa de Ana Henriques. “Começa por afirmar que, ao tempo da iniciativa judicial daquele vereador de Lisboa, ele ‘ainda não se tinha aliado aos poderosos’. Fiquei perplexo e reli várias vezes. Concluí que os ‘poderosos’ deveriam ser a maioria PS na Câmara Municipal de Lisboa, com a qual Sá Fernandes tem colaborado. Depois, não compreendi o raciocínio de Ana Henriques quando considera que, por Sá Fernandes ser ao tempo ‘defensor (...) dos direitos dos mais fracos’, ‘parecia quase inverosímil’ que tivesse havido tentativa de corrupção por parte do ‘quase obscuro homem de negócios minhoto’. Pelo contrário, parece-me que se Sá Fernandes, em vez de defender ‘os fracos’, com as suas ‘acções populares’ ‘assanhadas’ (mais uma expressão curiosa!), defendesse as Bragaparques, aí, sim, seria inverosímil que tivesse havido tentativa de corrupção. (...) Escreve depois Ana Henriques que as conversas gravadas pelo irmão do vereador ‘soavam a traficâncias’ – mais uma expressão bizarra num texto puramente noticioso. Como o é a forma como, à frente, a jornalista se refere ao vereador e ao seu irmão: ‘Os manos Sá Fernandes’. Ana Henriques ainda esclarece, para quem não tivesse digerido a aliança ‘com os poderosos’, que Sá Fernandes ‘passou de mascote do Bloco de Esquerda a aliado dos socialistas’. Tudo isto, num texto – repito – noticioso. Não é uma crónica de opinião, nem um exercício de humor, tão pouco um depoimento espontâneo recolhido na rua”.

Auscultada pelo provedor, explicou Ana Henriques: “A notícia em causa foi uma tentativa de fugir a um registo jornalístico mais burocrático, cinzento, que infelizmente é o habitual da maioria das coberturas noticiosas dos casos de tribunal. Terá sido excessivamente opinativo, uma vez que não se tratava de uma crónica? Talvez. Quando escrevi a peça interroguei-me sobre o assunto e concluí que não, uma vez que todas as afirmações se baseavam em factos. Os reparos do leitor fizeram-me questionar uma vez mais. Provavelmente explicações mais detalhadas de algumas afirmações, no próprio artigo, teriam justificado melhor algumas frases aparentemente opinativas, contribuindo assim para apagar essa aparente falta de isenção. Mas, além das óbvias limitações de espaço no jornal, o registo em causa, se calhar demasiado próximo de uma crónica de costumes, não dava muita margem para essas explicações. Talvez tenha, de facto, sido esse o erro: sendo um registo mais próximo da crónica, talvez o texto devesse ter sido paginado como tal”.

A jornalista transcreve notícias que sustentariam as considerações contidas no texto, incluindo uma notícia sua, publicada no dia seguinte, já de acordo com os cânones da técnica jornalística, sobre a condenação de Névoa a uma multa de cinco mil euros. Por razões de extensão, o provedor remete esses exemplos para o seu blogue. Mas entende que, de qualquer modo, não alteram a pertinência da crítica do leitor, que aliás Ana Henriques aceita em grande parte – numa atitude que apraz ao provedor registar.

Na realidade, a forma da notícia jornalística encontra-se há muito devidamente codificada, segundo regras que o público se habituou, também há muito, a reconhecer. Se uma notícia é apresentada como tal mas o seu conteúdo foge a esse normativo, não só se provoca confusão na cabeça de quem consome a informação como se viola técnicas básicas do jornalismo. Foi o que sucedeu no caso vertente, como o leitor aponta.

A tentativa de fugir ao estilo convencional do noticiário judicial, invocada por Ana Henriques, pode ser compreensível, mas a verdade é que o jornalismo não tem por onde efectuar essa fuga nem necessita de o fazer, na medida em que os padrões em vigor já foram devidamente testados, não se conhecendo opções alternativas mais eficazes na comunicação da informação.

Isto não quer dizer que a informação não possa ser apresentada de modo diverso – em forma de crónica ou reportagem, por exemplo, como ambicionaria Ana Henriques. Mas, nesse caso, e dado estarmos num jornal de referência, seria necessário, primeiro, que os dados básicos da notícia fossem expostos da forma seca e neutral que é apanágio desse tipo de imprensa, e que só depois se publicasse o texto numa apresentação que graficamente o distinguisse na notícia – o que, como reconhece a jornalista, não se fez na circunstância. Deve-se dizer porém que existiu aqui também uma falha de edição, já que a deficiência deveria ter sido prevenida por algum responsável na redacção.

Outro caso de polémica abordagem da notícia é a manchete de 13 de Março, “Auditor interno da EDP sai contra alegada manipulação dos lucros”, seguida do subtítulo “Em causa está a contabilização de 405 milhões da venda da EDP Renováveis” (o tal auditor não terá concordado com o critério de transformar em lucros os ganhos da empresa na venda de parte do capital da subsidiária).

António Oliveira chamou a atenção para o facto de, no desenvolvimento da notícia (pág. 34), se dizer logo no título de uma caixa: “Cumprimento das normas: Especialistas concordam com método de contabilização do ganho de capital da Renováveis”. O que seria incongruente não só com projecção dada ao caso mas também com o que se dizia na secção “Sobe e desce”, da mesma edição, para colocar o presidente da EDP, António Mexia, a descer: “Quem de direito na empresa – um auditor interno – considera que os 405 milhões (...) não deviam ser contabilizados como lucro”.

Escreveu o leitor: “Quem manipula, o jornalista ou a EDP? Um auditor interno não tem que ter opinião, tem que constatar se o que está a ser feito está de acordo com os procedimentos, e não é claro na peça quais as normas violadas. O que fica claro é que os especialistas contactados pelo PÚBLICO estão todos de acordo com a operação. Porquê então a notícia de primeira página com tanto relevo? Há alguma explicação?”

Responde o director-adjunto Paulo Ferreira, confrontado pelo provedor com a questão: “O caso é de bastante tecnicidade contabilística e divide os especialistas: qual a forma mais correcta de reflectir nas contas da EDP os ganhos referentes à dispersão em bolsa de parte do capital de uma empresa do grupo (...)? A notícia não refere que as contas da EDP estão irregulares. Ela revela que um auditor interno da EDP (...) se demitiu das funções por se recusar a assinar as contas referentes a 2008. A recusa assenta no facto de o auditor discordar dos critérios utilizados na contabilização dessa operação. Porque é que o PÚBLICO considerou este facto notícia? Primeiro, porque a demissão de um auditor interno de uma empresa cotada em bolsa por um motivo como o invocado é extremamente rara. (...) Pessoalmente, não me recordo de alguma vez se ter tido conhecimento público de algo semelhante nas empresas portuguesas cotadas. Depois, porque a própria autoridade do mercado de capitais, a CMVM, se interessou pelo caso e iniciou diligências, o que nos indicia que a posição do auditor poderá ter sustentação técnica. A relevância dada à notícia assenta nestes dados (...). Os responsáveis máximos da empresa e, aparentemente, o auditor externo da EDP aprovam a forma como essa operação foi contabilizada. Aliás, o critério utilizado é público e foi assumido sem qualquer subterfúgio pela empresa. O trabalho do PÚBLICO foi equilibrado, dando voz à empresa (que preferiu não se pronunciar) e indo à procura de opiniões de especialistas, que se pronunciaram a favor da opção contabilística da empresa. O leitor pergunta ‘quem manipula’. Não tem, necessariamente, que haver alguém a manipular. (...) Só a CMVM (...) poderá decidir de que lado está a razão e as melhores práticas contabilísticas”.

Atenta a tal “tecnicidade contabilística” de que fala o jornalista, não deixa de suscitar dúvidas o relevo dado ao tema, conforme contestou o leitor. Mas, sendo a notícia autêntica, trata-se de uma opção legítima do jornal, que apenas importa à relação que este mantém com os seus leitores, os quais podem identificar-se ou não com tal tipo de destaques noticiosos. Disso, contudo, não cuida o provedor.

CAIXA:

Uma surpresa publicitária

O leitor Paulo Trigo Pereira, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e dirigente da DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, relata a sua experiência pessoal na manhã de 30 de Março: “Comprei o PÚBLICO a caminho do ISEG. Ao chegar ao bar dos docentes defronto-me com uma primeira página diferente. Ter-me-ão dado o jornal errado? Será que o do bar não é de hoje? Confronto cabeçalhos e logo verifico que são os dois de hoje. E lá vejo no canto direito em letras pequenas a palavra ‘PUBLICIDADE’. Não é a primeira vez que o PÚBLICO sai com um invólucro diferente, mas que me lembre é a primeira vez que sai com um layout exactamente igual à normal capa do jornal. Muitos leitores terão lido as primeiras notícias como verdadeira manchete do PÚBLICO. Estamos dentro dos limites da legalidade? Porventura sim. Nos limites do ética e moralmente defensável? Certamente que não. Aquilo que o PÚBLICO fez hoje, decerto inadvertidamente e por escolha de quem pagou o anúncio, foi publicidade enganosa. Iludiu muitos leitores com a mesma estratégia utilizada na letra miudinha das cláusulas contratuais gerais. Sou de opinião que esta prática é eticamente reprovável e não deveria ser deontologicamente permitida”.

Digamos que se cumpriu a primeira parte de um dos dispositivos do Livro de Estilo do PÚBLICO sobre inserção de publicidade (“o material publicitário vem sempre graficamente assinalado, de forma clara e explícita...”) mas não a segunda (“...que evite confusões ou associações ambíguas à mancha informativa”). Perante a actual crise económica e a diminuição do investimento publicitário, julga o provedor que a decisão de aceitar este anúncio terá sito motivada pelo pragmatismo. Uma vez que a crise vai prolongar-se, é melhor os leitores prepararem-se para outras surpresas do género.

Publicada em 12 de Abril de 2009

DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR

Explicações da jornalista Ana Henriques:

A notícia em causa foi uma tentativa de fugir a um registo jornalístico mais burocrático, cinzento, que infelizmente é o registo habitual da maioria das coberturas noticiosas dos casos de tribunal. Terá sido um registo excessivamente opinativo, uma vez que não se tratava de uma crónica? Talvez. Quando escrevi a peça em questão interroguei-me sobre o assunto e concluí que não, uma vez que todas as afirmações se baseavam em factos. Os reparos do leitor fizeram-me questionar uma vez mais. Provavelmente explicações mais detalhadas de algumas afirmações, no próprio artigo, teriam justificado melhor algumas frases aparentemente opinativas, contribuindo assim para apagar essa aparente falta de isenção. Mas, além das óbvias limitações de espaço no jornal, o registo em causa, se calhar demasiado próximo de uma crónica de costumes, não dava muita margem para essas explicações. Talvez tenha, de facto, sido esse o erro: sendo um registo mais próximo da crónica, talvez o texto devesse ter sido paginado como tal.

Vamos então aos exemplos concretos:

As conversas de Névoa "soavam a traficâncias" - eis as transcrições de partes delas:

Expresso:
Gravações indiciam corrupção e fuga ao Fisco

A Polícia Judiciária registou duas conversas entre o irmão do vereador Sá Fernandes e Domingos Névoa

Ricardo Sá Fernandes e o dono da Bragaparques, Domingos Névoa, encontraram-se por três vezes num hotel em Lisboa. Nas duas últimas, o advogado levava um microfone da Polícia Judiciária. O Ministério Público, com base na escuta, acusou o construtor de tentativa de corrupção: 200 mil euros para que o irmão de Ricardo, o vereador José Sá Fernandes, desistisse da acção popular que impedia a permuta entre os terrenos da Feira Popular e os do Parque Mayer. Névoa apresenta hoje uma queixa-crime contra o advogado por obtenção e utilização de gravações ilícitas e alega ainda que Ricardo Sá Fernandes incorreu em violação de segredo profissional. Além disso, diz que foi Ricardo quem tomou a iniciativa de pedir um financiamento de 500 mil euros para pagar as despesas da campanha do BE.

Eis parte das gravações:

(24/1/06, Hotel Mundial, Lisboa):
Ricardo Sá Fernandes (RSF): Tenho estado a reflectir sobre o que me disse e vou hoje jantar com o meu irmão. E quero ir um bocadinho com as ideias mais arrumadas sobre a sua iniciativa. (...) Diga lá: se o meu irmão estiver disponível para um acordo consigo, como é que iríamos, da forma mais discreta possível, fazer isto?
Domingos Névoa (DN): Sr. dr., eu não converso com o seu irmão, não posso. O sr. conversa com ele. Tem de lhe explicar que realmente nós somos as vítimas.
RSF: Eu tenho a certeza que o meu irmão não o quer prejudicar. Explico-lhe a sua argumentação e também a ideia daquilo que me transmitiu relativamente a uma compensação.
DN: Arrumamos as coisas nós dois. Eu trato tudo consigo.RSF E que declaração pública é que o meu irmão faria?DN Depois de melhor analisar em pormenor o assunto, acha que (...) tudo o que está bem ou está mal é da responsabilidade do município. (...) Acho que realmente estou a penalizar umas pessoas que não devo, ponto final. E você, ó pá, isto custa X.
RSF: E vocês como é que reagiam a isto publicamente?
DN: Zero. Só lhe posso mandar um comunicado a dizer: obrigado, sôtor, caiu na realidade.
RSF: A verba era paga em quê? Notas?
DN: Entrego a si. Você venha ao Minho, está bem? (...) Atenção: fazemos isto em dois ou três pagamentos. Eu hoje tenho uma dificuldade enorme (...) porque não temos verbas sem documentações. Se você me arranjar documentos suporte no escritório, arranjo-lhe na mesma hora. Mas não pode ser.
RSF: Então, como é que vamos fazer isto?DN Arranjo dois, três pagamentos. Diga-me qual é o montante que eu falo com o meu sócio e tratamos da coisa.RSF Que valor é que o sr. tem na cabeça?
DN: Não sei, pá. Acho que 200 mil euros, uma brincadeira destas. Mas é uma conversa que tem de ter com o seu irmão. (...) Se calhar, até 100 mil euros eu tenho lá no cofre. (...) É claro como a água.
RSF: Se for 200 mil, terá de arranjar...
DN: Tenho de tirar, dr. É assim: nas vendas que vou fazendo vou tirando mil, dois mil, mil, dois mil. (...) O que eu assumo com o sr. dr. é o que eu cumpro. Se o sr. dr. tiver dúvidas, ó pá...
RSF: Não, isso...
DN: O mais que eu posso fazer, sr. dr., é o seguinte: fazemos os dois um contrato de promessa de compra e venda de uma habitação aqui na Estefânia e está paga e liquidada e depois eu entrego-lhe e você entrega-me a fracção para eu vender.
RSF: Eu preferia que não houvesse papéis.DN Perfeitamente. Ele dá o destino que bem entender. (...)

(27/1/06, Hotel Mundial, Lisboa):
DN: Eu só falo com o sr. e com uma pessoa que se chama Manuel Rodrigues, que é meu sócio. Mais ninguém. Não sabe a minha mulher, não sabe a mulher dele, não sabe ninguém, ninguém. A gente tem de ter uma conduta estanque, estanque. (...)
RSF: O PS também vai apoiar?
DN: Ó sr. dr., não diz nada.
RSF: O único é o PC?
DN: Ó sr. dr., o PS, o PS foi sempre favorável a isto. No passado, o PC foi sempre favorável a isto, o Bloco de Esquerda votou favorável. (...)
RSF: Quanto ao montante?
DN: O sr. dr. tinha falado em 200 mil euros, mas tinha dito para não dizer... Vale a pena. (...) Acho que 200 mil é ser generoso. Eu tenho um castigo enorme no Parque Mayer, tenho mesmo, pá. (...) Desenvolvi para ali o melhor projecto de Lisboa e não tinha complicado a vida a ninguém. Veio esse sr... Olhe, se calhar, o seu irmão podia pegar nessa.
RSF: Em qual?
DN: Podia mandar uma charutada ao Presidente da República actual. O Parque Mayer, num todo, seria bem melhor, (...) não tinha havido permutas, não tinha havido vendas. Se realmente o PR não tem dito que não... E agora mandou o Casino para a Expo, onde há-de haver imenso turismo. (...)
RSF: Acha que podia aproveitar e mandar uma charutada?
DN: Agradecia, agradecia. (...) Foi o Sampaio que não homologou o Santana Lopes. (...) Não sei o que é que o gajo tinha contra nós. (...) Eu não posso dar porrada nenhuma, ele levou-me em duas ou três comitivas, depois à quarta já não fui. Mas a alguém de fora, como o seu irmão, só fica bem chegar-lhe.
RSF: Então e como é que se fazem as entregas?
DN: Sr. dr., vem cá amanhã e entrego-lhe. Só tenho que dizer ao meu sócio para vir para baixo, mais nada. (...) Portanto, se quiser receber em cheque, pago hoje, não é. Tudo em cheque, documento suporte e tal. Conforme faço uma escriturazinha rapo 2 mil aqui, 10 mil euros acolá. Fica pronto a curto prazo. Ponho lá isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices. Nisto não sou virgem, esteja à vontade.
RSF: Pois, imagino. Mas trazia em notas?
DN: Evidente. Se for em cheque, posso dar-lhe hoje. Mas como não temos sustentabilidade para o cheque...
RSF: Tem que ser em notas.
DN: Muito, muito perigoso. E então eu entrego a si e você fala com o imperceptível e ele dá caminho às coisas. (...)
RSF: O sr. então acha que vai entregar em duas vezes?
DN: Três. Agora e mais duas. Para diluir, sr. dr. Tenho mais alguns compromissos. (...) A mim ensinaram-me que ao padre e advogados é sempre a rodar.
RSF: Portanto 100 mil agora?
DN: Cem e depois 50, 50. O mais rápido possível. Penso que, se calhar, num mês e meio junto.
RSF: Se fosse aqui, onde é que nos encontrávamos?
DN: Você mete o carro neste parque aqui no Martim Moniz (..) e eu meto também. E pomos o carro um ao lado do outro.

DOMINGOS NÉVOA: "Acho que 200 mil é ser generoso" "Nisto não sou virgem, esteja à vontade"" É assim: nas vendas que vou fazendo vou tirando mil, dois mil, mil, dois mil (...) O que eu assumo com o sr. dr. é que eu cumpro" "Conforme faço uma escriturazinha, rapo dois mil aqui, dez mil acolá" "Podia mandar uma charutada no Presidente da República" "Foi o Sampaio que não homologou (...) Não sei o que é que o gajo tinha contra nós"

“Ainda não se tinha aliado aos poderosos” (Sá Fernandes):
Como o próprio leitor deduz, e surge no artigo mais adiante, para que não subsistam equívocos, trata-se, de facto, do PS. Que é maioria na câmara e no Governo, e partido ao qual Sá Fernandes se aliou na autarquia. Foi a partir desta altura que se deu uma mudança significativa no comportamento do vereador, até aí conhecido por defensor das causas populares e dos direitos dos mais fracos – e sobre esta transformação já se escreveu quase até à náusea, inclusive no PÚBLICO. Um dos episódios mais relevantes passa pela solidariedade pública que Sá Fernandes mostrou com uma vereadora socialista, Ana Sara Brito, depois de se ter sabido que ela havia beneficiado durante 20 anos de uma casa camarária no centro da cidade a troco de uma renda quase simbólica. O raciocínio seguinte parece-me óbvio: tentar corromper alguém que sempre até ali se tinha destacado por uma postura “justiceira” e impoluta é quase inverosímil.

“Acções assanhadas”?:
No sentido de aguerridas.

“Mascote do Bloco”?:
Sim, no sentido em que o vereador sempre tinha sido até aí um motivo de orgulho para um partido pequenino, o orgulho de ter um vereador na maior câmara do país, apesar de ele nunca se ter tornado militante do BE.

Não me parece desprimorosa a expressão “os manos Sá Fernandes”. Mais uma vez foi para fugir ao cinzentismo da expressão “os irmãos Sá Fernandes”.

Não era minha intenção fazer chacota, como já se percebeu. Lamento se o texto acabou por ser lido nesse sentido. Também não desprezo os arraiais e as festas de finalistas, mas mesmo assim envio-lhe ainda alguns textos que já publiquei sobre o mesmo julgamento, estes num tom decerto bem menos polémico...

Ana Henriques

Multa de cinco mil euros para construtor que tentou 'comprar' vereador Sá Fernandes

24.02.2009, Ana Henriques

Dirigente da Bragaparques considerado culpado de corrupção activa para acto lícito, crime com moldura penal reduzida e que até 1995 nem era reconhecido pela justiça

Cinco mil euros de multa é quanto os juízes do Tribunal da Boa-Hora entendem que o empresário da construção civil Domingos Névoa deve pagar por ter tentado "comprar" há três anos o vereador José Sá Fernandes no caso da permuta dos terrenos do Parque Mayer pelos da Feira Popular, em Lisboa.

A decisão do colectivo liderado pelo juiz Nuno Coelho foi ontem recebida com alguma surpresa por intervenientes no processo, uma vez que, tendo o crime de corrupção sido provado, acham o castigo leve.

O Ministério Público (MP) havia defendido dois anos e meio de pena suspensa. Acontece que os juízes não conseguiram provar que o empresário quisesse, quando ofereceu 200 mil euros ao então candidato a vereador, fazer com que este praticasse qualquer acto ilegal. Queria que a troco desta maquia o advogado desistisse da acção popular que pusera em tribunal para anular o negócio feito entre a câmara e uma das suas empresas do grupo Bragaparques. E, de caminho, que fizesse algumas declarações públicas explicando que, depois de analisar melhor o processo, já como vereador, tinha chegado à conclusão de que afinal não havia qualquer ilegalidade na permuta de terrenos.

Por isso, em vez de condenar o empresário minhoto por corrupção activa para acto ilícito, como pretendia em primeiro lugar o Ministério Público, os juízes condenaram-no por corrupção activa para acto lícito: não entenderam que tivesse ficado provado que o pagamento tivesse como contrapartida a violação, por Sá Fernandes, dos seus deveres de imparcialidade, lealdade e de obediência ao serviço público a que ficou sujeito como vereador eleito.

E a moldura penal deste último crime não vai além dos seis meses de prisão ou dos 60 dias de multa. Névoa foi multado em 25 dias, o que equivale a cinco mil euros. Se tudo tivesse acontecido até 1995, nem isso teria de desembolsar: até aí, pagar a um detentor de um cargo público por um acto que não fosse ilegal - para acelerar a apreciação de um processo, por exemplo - não era penalizado.

Outra poderia ter sido a sentença dos juízes, caso os tribunais já tivessem chegado a uma conclusão sobre a legalidade da permuta entre Domingos Névoa e a Câmara de Lisboa. Aí seria mais claro se o suborno se destinava de facto à defesa de um negócio lícito ou ilícito. Mas, nas actuais circunstâncias, os magistrados não conseguiram perceber se os objectivos do réu iam além de "um certo condicionamento da vontade política" do autarca, numa tentativa de resolver o impasse criado pela acção popular. Uma acção que, não impedindo o avanço do projecto imobiliário da Bragaparques em Entrecampos, pode levar à reversibilidade da permuta de terrenos.

Insatisfeito com a leveza da pena, Sá Fernandes deverá recorrer da sentença, tal como o próprio arguido. O MP ainda não tomou uma decisão. O juiz aproveitou para recordar que a corrupção é um "flagelo das democracias modernas" e combatê-la é uma "necessidade imperiosa das sociedades". Depois admoestou Névoa: "Estas não são formas de conduzir os seus interesses empresariais."

Uma das principais provas das intenções do empresário foram as suas conversas com o irmão do vereador, o advogado Ricardo Sá Fernandes, que usou como intermediário do suborno. Depois de descoberto, Névoa alegou que tinha sido Ricardo a pedir-lhe os 200mil euros, como financiamento da campanha eleitoral do irmão.

As gravações das conversas que Ricardo Sá Fernandes teve com Névoa revelam que o empresário usava um vocabulário muito próprio.

Como quando sugere que o vereador "mande uma charutada ao Presidente da República", na altura Sampaio, por este não ter autorizado um casino no Parque Mayer. Mas, acima de tudo, era preciso justificar, do ponto de vista contabilístico, os 200 mil euros que lhe iria entregar.

"Nisto não sou virgem", refere a certa altura. "Conforme faço uma escriturazinha rapo 2 mil euros aqui, 10 mil acolá. (...) Ponho isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices."

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Ministério Público pede pena suspensa inferior a dois anos e meio para alegada corrupção a Sá Fernandes
Publicação: PÚBLICO, Edição: 6861, Caderno: Caderno Principal Quarta, 14 de Janeiro de 2009 Pág.6

O Ministério Público pediu ontem uma pena suspensa inferior a dois anos e meio para o empresário Domingos Névoa, acusado de tentar corromper o vereador José Sá Fernandes no caso Bragaparques. O crime de corrupção activa para acto ilícito pode valer até cinco anos de cadeia.

Segundo a acusação do Ministério Público, o sócio do grupo Bragaparques, ligado à construção civil, terá oferecido ao autarca 200 mil euros para este deixar de se opor ao negócio pelo qual a Câmara de Lisboa trocou com aquela empresa parte dos terrenos da Feira Popular pelos do Parque Mayer. Esta tese baseia-se não só no depoimento do irmão do vereador, o advogado Ricardo Sá Fernandes, através do qual Domingos Névoa teria tentado subornar o autarca, como nas gravações que este efectuou das conversas que teve com o homem da Bragaparques. "Se quiser receber em cheque, pago hoje", disse Névoa a Ricardo Sá Fernandes a 27 de Janeiro de 2006, no bar do Hotel Mundial.

"Conforme faço uma escriturazinha rapo dois mil aqui, dez mil euros acolá.

Fica pronto a curto prazo. Ponho lá isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices. Nisto não sou virgem, esteja à vontade." Foram estas gravações que a defesa do empresário da construção civil tentou, até agora sem sucesso, invalidar como prova no julgamento que está a decorrer no Tribunal da Boa-Hora. Ontem foi dia de alegações finais dos advogados das duas partes e do Ministério Público, tendo a leitura da sentença ficado marcada para o próximo dia 13 de Fevereiro - uma sexta-feira, como notou o juiz que preside ao colectivo encarregado de julgar o caso.

Domingos Névoa alega que as suas tentativas de pagamento dos 200 mil euros ao vereador tiveram origem num pedido de financiamento por parte deste, para campanha eleitoral.

Ontem, à saída do tribunal, não se coibiu de qualificar o comportamento do advogado Ricardo Sá Fernandes: "Foi um traidor que me apareceu", observou, numa referência ao facto de já na altura ser cliente do seu escritório de advogados. Uma situação que faz questão em manter: noutros processos que não este, a Bragaparques continua a ser defendida pela advogada Rita Matias, da sociedade Lebre, Sá, Carvalho e Associados.

Apesar de o Tribunal da Relação não lhe ter dado razão quando invocou a violação do segredo profissional por parte de Ricardo Sá Fernandes neste processo, e quando questionou o seu papel como agente encoberto ao gravar as conversas que teve com Névoa, foi nestes argumentos que se escorou a defesa do empresário, dirigida por Artur Marques, para tentar minar a sua credibilidade como testemunha no julgamento.

Já o vereador se mostrou insatisfeito com o pedido do Ministério Público.

José Sá Fernandes quer ver Névoa na cadeia, e não menos do que isso.

Ana Henriques

sexta-feira, 10 de abril de 2009

De palmatória

Professor efectivo (aposentado) de Inglês e Português, leitor habitual do PÚBLICO impresso e ex-colaborador regular da edição online, não sou (e, por mais de uma vez, o declarei expressamente) propriamente um "fundamentalista" daquelas formas de "correcção" linguística a que poderíamos, com admissível propriedade, chamar "descontextualizada" ou "exaustivamente formal".

As minhas concepções nessa matéria são distintas (francamente mais "liberais" e mais funcionais) e por diversas vezes dadas a conhecer em artigos incluidos em publicações da especialidade, designadamente na revista O Professor.

Com alguma frequência deparo (sobretudo no PÚBLICO, que é, de resto, o único diário que leio) com incorrecções formais diversas, algumas de inegável gravidade, que, todavia, entendo não valorar de modo especial, relevando, ao invés, sobretudo, o conteúdo das notícias a um ou outro "deslize" formal mais ou menos "avulso" nelas contido.

O erro crasso que detectei, porém, na edição de 8 de Abril, num texto de Joana Amaral Cardoso ("Wolverine faz a sua primeira vítima: um crítico de cinema da Fox News", P", pág. 8) não me permite, em consciência, que me cale. É o caso de a jornalista ter escrito, a dado passo, que "X-Men Origins: Wolverine chegou HÁ Internet a 31 de Março [...]"

"HÁ Internet"?! Francamente! Esta é de mais...

Se fosse numa aula minha (mesmo considerando o baixíssimo nível a que se chegou nas nossas escolas públicas...) dava-lhe zero! Quero dizer: dava-lhe zero se os membros do "sindicato" local de alunos me deixassem, claro, e a sra. ministra não me desse, ela própria, logo a seguir outro (dos muitos que ela e a equipa dela têm para oferecer aos professores que uns - o Ministério - vão fingindo que tutelam e os outros - os tais "sindicatos" - tutelam mesmo...).

Carlos Machado Acabado

Na edição de 17 Dezembro de 2008, pág. 34, artigo "Clientes do Banco Espírito Santo em risco de perder 15 milhões em fundos Maddoff", último parágrafo, lê-se: "Maddoff manteve em Londres, até à poucos dias, uma sociedade financeira". É óbvio que não é gralha, nem distracção. Antes do mais, falta de gramática e, depois, de revisão.

F. Lopes Pereira

Estão ou é como se estivessem?

Na edição do PÚBLICO de 9 de Abril, na pág. 13 (secção "Mundo") surge uma notícia, assinada por Jorge Heitor, com o título "Os desalojados pelo sismo de L'Aquila estão a fazer 'campismo', segundo Berlusconi". Já no texto em si surge a passagem "(...) Silvio Berlusconi (...) [disse] que os habitantes da cidade de L'Aquila vítimas do sismo de segunda-feira devem encarar a experiência 'como se fosse um fim-de-semana de campismo'", o que é algo diferente do título em si. Num caso diz-se que os desalojados estão a fazer campismo, afirmação claríssima. Noutro diz-se que devem encarar a experiência como se fosse um fim-de-semana da campismo, uma afirmação mais relativa e delimitada temporalmente. Um pouco mais à frente, o jornalista escreve: "[Berlusconi] afirmou (...) que os habitantes do Abruzzo 'têm tudo do que necessitam. Cuidados médicos, comida quente... Claro que os alojamentos actuais são um pouco temporários. Mas devem ver isso como se estivessem a fazer campismo'". Sendo que a citação de Berlusconi vem entre aspas, assume-se que é verbatim do que disse. Infelizmente, também na passagem anterior que refiro surge uma afirmação entre aspas que deveria ser verbatim mas é diferente desta última.

Ou seja, temos um título que dá a ideia de uma citação diferente daquela que terá sido proferida, o que é um erro, e há depois discordância entre duas citações supostamente verbatim, o que é outro erro (a não ser que Berlusconi se tenha repetido, o que deveria vir referido na notícia). Atendendo ainda a que a citação original apresente um período delimitado no tempo e que refere a situação como uma relativização da situação dos desalojados de L'Aquila, a sensação que dá é que o jornalista terá tentado colocar um peso negativo ainda maior nas afirmações de Berlusconi, o que é mau.

Não sou, de todo, um admirador de Berlusconi, note-se. Ainda assim, não me parece que seja função do jornalista, ao noticiar algo, tentar induzir um juízo de opinião ao leitor. Por isso este comentário.

João Sousa André

PS - No passado escrevi ao Provedor a referir a questão da escrita de nomes estrangeiros, nomeadamente de nomes que usam símbolos diferentes dos portugueses ou alfabetos diferentes dos latinos. No caso referi-me aos nomes sérvios e russos. Na sua coluna dos domingos, o Provedor concordou comigo e deu recomendação nesse sentido. Noto, passados estes meses, que a mesma recomendação não foi seguida. Mesmo sabendo que uma recomendação do Provedor do Leitor não tem força executiva, pergunto se não terá havido receptividade por parte da Direcção do PÚBLICO ao assunto.

PPS - Ainda na sequência do que escrevi acima, noto que o Director do Público, José Manuel Fernandes (JMF), escreve frequentemente o nome do Presidente dos EUA como "Barak Obama". Considerando que o site da Casa Branca escreve o nome como "Barack Obama" e que nas notícias do jornal é assim que o nome surge escrito, pergunto se saberá qual a razão para tão bizarra escolha. Mesmo que JMF optasse por uma escrita mais fonética, seria mais natural, parece-me, escrever "Baraque Obama". Da forma que surge é um pouco estranho.

NOTA DO PROVEDOR: Dentro das regras de simplificação de títulos sem atraiçoar o conteúdo dos textos respectivos, julga o provedor que a formulação aí usada no caso referido é aceitável. Já quanto à discrepância na citação de Berlusconi, parece-lhe pertinente a crítica do leitor.

País positivo?

Foi uma surpresa muito desagradável para um leitor atento do PÚBLICO de 3 de Abril de 2009, neste caso uma leitora, que, tendo lido e aprovado vivamente o editorial do director intitulado 'O país onde o crime compensa e a Justiça ajuda', que tece ásperas críticas aos "malabarismos jurídicos" e à desmemória do eleitorado, destacando o triste exemplo do autarca de Oeiras, folheia distraidamente a revista de nome Pais Positívo, que, supostamente, traz informação sobre personalidades e projectos de excelência, para servirem de exemplo e edificação aos leitores, e nos oferece, na página 17, um retrato elogióso dessa mesma triste figura política que o editorialista tão duramente critica.

Isto é realmente uma informação em que a mão direita não sabe, nem quer saber, aquilo que faz ou escreve a mão esquerda. Embora tendo perfeita consciência de que a dita revista tem redacção e administração próprias, independentes do PÚBLICO, exige-se um mínimo de coerência e rigor na linha editorial, mesmo no que se refere a suplementos de um jornal que, regularmente, nos presenteia com editoriais que professam tais valores. Não seria de reconsiderar se, realmente, o PÚBLICO deve dar boleia e caução a uma revista que, em constraste tão flagrante com as opiniões expressas pelo seu director, considera tais figuras como fazendo parte integral de um "País Positivo"?

Ruth Huber

terça-feira, 7 de abril de 2009

O trauma dos números

Novamente números no PÚBLICO. No P2 de 5 de Abril de 2009, na pág. 2, sob o título "Começa o cerco a Sarajevo", segundo parágrafo: "... Morreram mais de 10 mil pessoas apenas na cidade de Sarejavo - incluindo 15 mil crianças." Será que o autor leu o que escreveu? Por isso insisto: se quiser saber quantos morreram tenho de ir a outro lado.

João Brandão

Na página 2 do P2 de 5 de Abril de 2009, a meio do texto referente a “Começa o cerco a Sarajevo” escreve-se que “morreram mais de 10 mil pessoas apenas no cidade de Sarajevo – incluindo 15 mil crianças”. Como é? 15 mil incluídas nas 10 mil? Ou 15 mil mais 10 mil? Terão sido 25 mil? Seria conveniente um esclarecimento e mais cuidado do autor do texto (que não vem identificado).

Albano Nogueira Guedes

domingo, 5 de abril de 2009

Sobre pressões

Os jornalistas sabem por vezes muito mais do que reportam, mas podem não estar em condições de tudo publicar

A crítica à antiga referência, a propósito do Freeport, feita pelo PÚBLICO a Lopes da Mota faz hoje sorrir

Será dado assente, comprovado e incontroverso que existiram pressões sobre os procuradores do caso Freeport para arquivar o processo? A avaliar por certos títulos do PÚBLICO acerca do tema político/judicial da semana, assim parece: “Magistrados recorrem a Cavaco para falar das pressões sobre investigação do Freeport” (31 de Março, manchete); “Magistrados ignoram PGR [procurador-geral da República] e contam pressões ao Presidente” (idem, pág. 4); “Pressões sobre magistrados vão ter inquérito” (ontem, 4 de Abril, 1ª pág.). Em nenhum destes e outros títulos idênticos se indica que a existência dessas pressões seja algo ainda por apurar, nem em alguns dos respectivos textos, como neste exemplo: “Objectivo: dar conta a Cavaco Silva das pressões que têm sido exercidas sobre os magistrados” (31 de Março, 1ª pág.).

O PÚBLICO, porém, tem sido mais dubitativo (e cauteloso) noutras referências ao assunto: “PCP e Bloco insatisfeitos com explicações do procurador sobre alegadas pressões a magistrados” (título do PUBLICO.PT, 31 de Março); “O PGR tentou ontem encontrar uma saída airosa para o caso das alegadas pressões sobre os dois magistrados” (2 de Abril, pág. 6); “As pressões, supostamente, tinham em vista o arquivamento da parte do processo relativa a José Sócrates” (4 de Abril, pág. 8).

Em que ficamos? As pressões pertencem ao domínio dos factos ou não passam, por ora, de conjecturas, hipóteses, possibilidades? Pelo que se sabe, encontramo-nos ainda perante uma suposição que carece de ser confirmada por fontes independentes das que terão transmitido a informação – os magistrados em causa e o sindicato que os representa – ou pelo inquérito oficial a realizar. Trata-se portanto de alegações cuja não confirmação teria de ser relevada em todas as notícias. É o que determinam as regras do bom jornalismo: a não ser que se encontre corroborada de forma factualmente irrefutável, qualquer menção a uma prática ilícita ou ilegal deve ser apresentada em modo condicional. E não vale neste caso invocar a necessidade de simplificação dos títulos. Bastaria colocar a palavra “pressão” entre aspas para que tudo obedecesse às regras de isenção e rigor que são apanágio deste jornal.

O assunto suscita uma questão já antes abordada pelo provedor: serão estas falhas uma manifestação inconsciente de um eventual desejo do PÚBLICO na culpabilização do actual primeiro-ministro no caso Freeport? Se sim, esse desejo não deveria existir e muito menos subverter as boas práticas jornalísticas preconizadas no estatuto editorial do PÚBLICO. Este jornal, que tem tido destacado protagonismo na abordagem do processo de licenciamento do outlet de Alcochete, está obrigado a abordar o tema com pinças, não só para defender a sua credibilidade e independência mas também por estar em causa uma alta figura da hierarquia do Estado, cuja probidade não deveria ser questionada de ânimo leve pela imprensa de referência. Acresce que é imperioso manter a cabeça fria e não perder o Norte (isto é, o rumo editorial) perante provocações como a que Sócrates lançou ao PÚBLICO no recente Congresso do PS ou processos judiciais que o chefe do Governo decida interpor contra jornalistas deste periódico, conforme agora anunciado.

A propósito, houve leitores que voltaram a levantar reservas relacionadas com o artigo “O mundo pequeno do caso Freeport”, de Clara Viana, publicado nas págs. 8/9 da edição de 14 de Fevereiro, acerca do percurso profissional de vários magistrados que se têm cruzado com o polémico processo – artigo sobre o qual o provedor já disse nada encontrar de questionável.

Sérgio Brito contesta o conteúdo da notícia que a 15 de Março dava conta do falecimento de um desses magistrados (“Morreu Santos Alves”, pág. 9): “Mesmo quando uma pessoa morre – e ainda por cima novo e inesperadamente! –, nem o respeito pelos mortos e sua família é praticado pelo PÚBLICO! Lá vem a notícia a ligar uma carreira de muitos anos apenas ao caso Freeport (omitindo ainda convenientemente que o cargo ocupado no Eurojust era de nomeação do [então primeiro-ministro] Durão Barroso)!” O tom ordinário e insultuoso praticado por este leitor impede a reprodução do resto da sua carta, mas, de qualquer modo, o provedor não encontra fundamento para a queixa: a notícia, sintética, é meramente factual, não fala apenas do cargo ocupado pelo magistrado no organismo europeu de coordenação judiciária e dá sequência lógica ao artigo de Clara Viana.

Já Rui Vilhena faz uma crítica mais substancial, começando por “citar o jornalista José Vitor Malheiros, que escreveu no PÚBLICO de 1 de Fevereiro de 2005 uma nota brilhante sobre ‘a insinuação’, onde diz: ‘A insinuação é uma arma retórica de grande peso, pois permite dizer sem dizer e, principalmente, dar a entender que se diz sem se ter dito e sem ter provas do que se diz. É um ataque que não exige coragem (...), nem tem defesa. A insinuação é o grau zero da dignidade do discurso, uma espécie de fogo de vista ao contrário, que cria do nada uma girândola de imundície’.”

A seguir o leitor aplica a ideia ao artigo de Clara Viana: “Isto não é notícia, não é nada. É insinuação pura, nada mais, procurando, nomeadamente, pôr em causa a isenção dos magistrados. Veja, por exemplo, o que vem dito a propósito do magistrado Lopes da Mota: que foi suspeito de ter protegido Fátima Felgueiras, foi alvo de inquérito e, por isso, não foi escolhido para procurador-geral. (...) O que Clara Viana deveria ter dito claramente era que o PÚBLICO lançou a suspeita, que era falsa, e que, por via disso, impediu que Lopes da Mota fosse escolhido para PGR. Ou seja: fez um serviço a alguém. Porque é que o não confessou? Mais ainda: o magistrado foi ‘alvo de inquérito’ porque ele mesmo o exigiu! E mais: não se provou porque nunca se pode provar o que não existe! A senhora jornalista também deveria saber que esse magistrado (pessoa de superior competência e integridade à prova de bala) foi nomeado [para o Eurojust] por Martins da Cruz, MNE (ministro dos Negócios Estrangeiros) do Governo Barroso (...). Fico desiludido ao ver tratar de forma inaceitável coisas e pessoas que conheço bem...”

O provedor solicitou a Clara Viana uma reacção a esta crítica, que ela elaborou de forma seca e factual: “Como jornalista, compete-me averiguar da veracidade dos factos noticiados e não comentar as interpretações feitas sobre eles. Mas deixo aqui algumas precisões quanto aos factos alegados pelo leitor: o Eurojust foi criado em 2002 (...); o magistrado Lopes da Mota integrou este organismo a partir de (...) 6 de Março de 2002 (ainda com o Governo de António Guterres em funções), tendo esta designação só sido alvo de um despacho publicado um ano depois, já com o Governo de Durão Barroso, (...) ‘com efeitos a partir de 6 de Março de 2002’; os magistrados no Eurojust estão em comissão de serviço, devendo esta ser renovada por proposta da PGR e mediante despacho conjunto do MNE e do ministro da Justiça – foi o que aconteceu em 2004 e em 2007 (...)”.

Conhecendo-se o que se conhece hoje acerca da suposta responsabilidade de Lopes da Mota nas tais pressões sobre os magistrados do Freeport, a reclamação deste leitor, datada de 9 de Março, não deixa da fazer sorrir. Pela sua pretérita experiência profissional, o provedor garante que, nas redacções, os jornalistas sabem por vezes muito mais do que reportam, mas podem não estar em condições de tudo publicar por não conseguirem preencher as regras básicas de comprovação dos factos. Desconhece se foi esse o caso de Clara Viana, mas de qualquer modo o texto da jornalista era uma descrição de carreira meramente factual que, aos olhos do provedor, não insinuava o que o leitor viu como insinuação (a qual pode muitas vezes estar mais na mente de quem lê). Quanto à questão de Felgueiras (sobre a qual teria sido interessante, mas não essencial, sublinhar o papel do PÚBLICO na sua divulgação), a verdade é que foi realizado um inquérito à actuação de Lopes da Mota – e há uma diferença entre provar-se ou não e existir ou não. Seja como for, independentemente de vir a apurar-se se Lopes da Mota foi agente das famigeradas pressões, o tempo demonstrou a pertinência do artigo elaborado pela jornalista.

CAIXA:

Pensões a prazo

“Corte nas pensões da segurança social é o maior da União Europeia” – anunciava a manchete de 16 de Março. Mais uma “ataque” a Sócrates? Assim o pensou pelo menos o leitor Adérito Tavares: “Que o PÚBLICO tem uma posição ultracrítica em relação ao actual Governo e, muito particularmente, em relação ao primeiro-ministro, já não oferece dúvidas (...). Embora no subtítulo se diga que isso só acontecerá depois de 2046, a utilização do presente do indicativo – ‘é’ – ilude o leitor apressado (ou aquele que apenas lê os títulos no quiosque), levando-o a pensar que isso vai acontecer já amanhã e que ele próprio irá ser uma das vítimas. É óbvio que o título deveria utilizar a forma verbal ‘será’.” E Belarmino Craveiro Bolito acentua: “O título (...) é uma ofensa, ou mesmo um insulto, aos leitores. (...) Fica-se, mais uma vez, com a muito desagradável ‘leitura’ de que um assunto de menor importância, no contexto do momento, é levado à superior evidência do dia por razões que nada têm a ver com o que o título indica. Os leitores do jornal esperam deste seriedade jornalística, posta em causa (...) com um título muito manhoso, muito ‘chico esperto’. (...) Entra pelos olhos dentro que o que é importante para o jornal evidenciar não é a notícia do corte nas pensões da segurança social, mas sim que esse corte é o maior da UE (...)”.

“Os dois leitores não têm razão quanto à substância das questões que levantam”, defende o director do PÚBLICO, a solicitação do provedor. “Aquele título traduz de forma correcta, mesmo que sintética, o conteúdo de um estudo da UE. E esse estudo mostrava que a recente alteração do sistema de cálculo das pensões se traduzirá, para os pensionistas do futuro, num corte nos montantes a receber que, proporcionalmente ao que resultava da fórmula em vigor, é o maior entre os países da UE que realizaram reformas semelhantes. (...) Podemos referir o corte no presente, pois foi nesta legislatura que foi decidido (...). O assunto não é menor, pois a reforma da Segurança Social é uma das de que este Governo se orgulha e que muitos, mesmo parte dos que não são da cor do Governo, elogiam”.

O subtítulo da manchete, falando no “horizonte de 2046”, salva-a in extremis de uma formulação que poderia ser de facto, na perspectiva do provedor, enganadora. Quanto ao resto da polémica entre os leitores e José Manuel Fernandes, que é longa e substancial, o provedor remete para o seu blogue.

Publicada em 5 de Abril de 2009

DOCUMENTAÇÂO COMPLEMENTAR

Excerto de carta do leitor Sérgio Brito:

Com o título “Morreu Santos Alves”, escreveu o PÚBLICO um epitáfio à sua medida (só falta ser assinado pelo José António Cerejo, que gostava de referenciar a vida do procurador nos últimos anos!)!

Mesmo quando uma pessoa morre - e ainda por cima morre novo e inesperadamente! - nem o respeito pelos mortos e sua família é praticado pelo PÚBLICO! Lá vem a notícia a ligar uma carreira de muitos anos apenas ao caso Freeport (omitindo ainda convenientemente que o cargo ocupado no Eurojust era de nomeação de Durão Barroso)!

Isto não é "cultura do contra" que José Manuel Fernandes abusivamente remete para Vicente Jorge Silva (era bom ouvir este sobre a linha editorial do jornal e se se revê na mesma). Isto não é jornalismo (liberdade mas também verdade e responsabilidade) (...)

Sérgio Brito

Carta do leitor Rui Vilhena:

A propósito do artigo da jornalista Clara Viana "O pequeno mundo do caso Freeport" (14-02-2008) apetece citar o jornalista José Vitor Malheiros, que escreveu no PÚBLICO de 01.02.2005 uma nota brilhante sobre "a insinuação", onde diz: "A insinuação é uma arma retórica de grande peso, pois permite dizer sem dizer e, principalmente, dar a entender que se diz sem se ter dito e sem ter provas do que se diz. É um ataque que não exige coragem (leia-se: cobarde, acrescento eu), nem tem defesa. A insinuação é o grau zero da dignidade do discurso, uma espécie de fogo de vista ao contrário, que cria do nada uma girândola de imundície". É isto mesmo, senhor Provedor, num jornal que se tem como sério e respeitador da deontologia. Uma pena! Afinal, o mesmo lixo jornalístico em todo o lado. Gostaria muito de ouvir o seu comentário a propósito daquele "trabalho" jornalístico. Isto não é notícia, não é nada. É insinuação pura, nada mais, procurando, nomeadamente, pôr em causa a isenção dos magistrados. Veja, por exemplo, o que vem dito a propósito do magistrado Lopes da Mota: que foi suspeito de ter protegido Fátima Felgueiras, foi alvo de inquérito e, por isso, não foi escolhido para procurador-geral. Sabe quem lançou a suspeita? O PÚBLICO, exactamente. O que a jornalista Clara Viana deveria ter dito claramente era que o PÚBLICO lançou a suspeita, que era falsa, e que, por via disso, impediu que Lopes da Mota fosse escolhido para PGR. Ou seja: fez um serviço a alguém. Porque é que o não confessou? Mais ainda: o magistrado foi "alvo de inquérito" porque ele mesmo o exigiu! E mais: não se provou porque nunca se pode provar o que não existe! A senhora jornalista também deveria saber que esse magistrado (uma pessoa de superior competência e integridade à prova de bala) foi nomeado por Martins da Cruz, MNE do Governo Barroso, e que foi nomeado para o lugar do Eurojust criado em 2004 pelas ministras da Justiça e dos Negócios Estrangeiros Celeste Cardona e Teresa Patrício Gouveia. Enfim, o texto jornalístico fala por si. Muito haveria a comentar e a acrescentar, mas é melhor ficar por aqui. E notar que idoneidade é coisa que não abunda nos senhores jornalistas. Mas, no fim, resta ao leitor que conhece as coisas um direito inalienável: o de não comprar o jornal. Grato pela atenção. Tenho pena porque sou leitor assíduo do PÚBLICO e fico desiludido ao ver tratar de forma inaceitável coisas e pessoas que conheço bem...

Rui Vilhena

Resposta da jornalista Clara Viana

Como jornalista compete-me averiguar da veracidade dos factos noticiados e não comentar as interpretações feitas sobre eles. Mas deixo aqui algumas precisões quanto aos factos alegados pelo leitor:

- O Eurojust foi criado em 2002.

- O magistrado Lopes da Mota integrou este organismo a partir de 2002, conforme consta no seu curriculum vitae patente no site da Procuradoria Geral da República.

- Mais concretamente, o magistrado Lopes da Mota (que integrou o grupo de trabalho na base do Eurojust) passou a integrar a equipa do Eurojust a 6 de Março de 2002 (ainda com o Governo de António Guterres em funções), tendo esta designação só sido alvo de um despacho publicado um ano depois, já com o Governo de Durão Barroso. Neste despacho, datado de Março de 2003 e assinado pelo então MNE, Martins da Cruz, estipula-se, sobre Lopes da Mota: ”indo ocupar, com efeitos a partir de 6 de Março de 2002, a vaga...”

- Os magistrados no Eurojust estão em comissão de serviço, devendo esta ser renovada por proposta da PGR e mediante despacho conjunto do MNE e do MJ. Foi o que aconteceu em 2004 e em 2007.

Clara Viana

Carta do leitor Adérito Tavares:

Que o PÚBLICO tem uma posição ultra-crítica em relação ao actual governo e, muito particularmente, em relação ao primeiro-ministro, já não oferece dúvidas a qualquer leitor. (...) Eis mais um caso flagrante de manipulação do principal título da 1.ª página, no dia 16-03-2009: “Corte nas pensões da Segurança Social é o maior da União Europeia”. Embora, no subtítulo, se diga que isso só acontecerá depois de 2046, a utilização do presente do indicativo – “é” – ilude o leitor apressado (ou aquele que apenas lê os títulos no quiosque), levando-o a pensar que isso vai acontecer já amanhã e que ele próprio irá ser uma das vítimas. É óbvio que o título deveria utilizar a forma verbal “será”. Tanto mais que, no desenvolvimento da notícia (pág. 26), o jornalista já utiliza um título correcto: “Comissão Europeia estima que Portugal terá o maior corte da EU nas pensões” (sublinhados meus).

Adérito Tavares

Carta do leitor Belarmino Craveiro Bolito:

O título principal da 1ª página do PÚBLICO de 16-03-2009 é uma ofensa, ou mesmo um insulto, aos seus leitores, partindo do princípio de que estes são intelectualmente adultos.

É que, nos tempos que correm, o leitor do jornal tem dificuldade em perceber a razão de dar a importância de 1º página a um assunto absolutamente secundário. E, em relação a este título, há uma peculiariedade que nos faz talvez perceber a razão da sua escolha para a 1ª página, mas que é também, ao mesmo tempo, uma ofensa à idoneidade intelectual dos leitores: trata-se da inclusão da adjectivação de "maior" ao "corte".

Sinceramente, fica-se, mais uma vez, com a muito desagradável "leitura" de que um assunto de menor importância, no contexto do momento, é levado à superior evidência do dia por razões que nada têm a ver com o assunto que o título indica. De facto, os leitores do jornal esperam deste seriedade jornalística, e esta é posta em causa com este assunto posto na primeira página com um título muito manhoso, muito "chico esperto".

Compreendam, senhores responsáveis do PÚBLICO: muitos dos vossos leitores não aprenderam só a ler, também aprenderam a pensar.

Entra pelos olhos dentro que o que é importante para o jornal evidenciar não é a notícia do CORTE nas pensões da segurança social, mas sim que esse CORTE é o MAIOR da União Europeia. Se este MAIOR foi determinante para colocar o assunto em título maior de 1º página, é porque tem uma importância que está para além da que é possível dar ao assunto que o título refere.

É assim que o jornal trata os seus leitores? Como se fossem menores mentais? Como se fossem incapazes de ler um texto no seu contexto? Como se fôssemos tão inocentes para não desconfiar de outros objectivos que nada têm a ver com informação honesta? Não sabem que já fomos "carneiros" as vezes suficientes para não querermos aceitar qualquer outro cajado?

Não acham, senhores responsáveis do PÚBLICO, que tenho todo o direito, como leitor de há muitos anos, de reclamar ser tratado com um mínimo de dignidade, para não dizer consideração ou cortesia?

Não será tempo de o Senhor Director se preocupar mais com a (in)formação dos leitores (clientes) do jornal e menos com outras estratégias? Por que será que os editoriais do Senhor Director fedem tanto? É que o homem não consegue dissimular o seu ódio, a sua intolerância, com linguagem e juízos desbragados. Com isso só se denuncia e, ao mesmo tempo, ofende os leitores e suja o jornal. Pelo que vemos nas televisões, parece ser um tanto comum aceitar, ou talvez mesmo apreciar, a boçalidade, a banalidade, a mediocridade. Desgosta-me que este jornal esteja no mesmo caminho. O Senhor Director até faz lembrar Catão com "Cartago delenda est"...

Desculpe mais este desabafo, senhor Provedor, mas acontece que ainda não desisti de viver e de ser tratado decentemente.

Este país precisa de sorte...? Não só...! Mas dizem que a sorte também se faz...!

Belarmino Craveiro Bolito

Resposta do director do PÚBLICO:

Julgo que os dois leitores não têm razão quanto à substância das questões que levantam.

Primeiro, porque aquele título traduz de forma correcta, mesmo que sintética, o conteúdo de um estudo da União Europeia. E esse estudo mostrava que a recente alteração do sistema de cálculo das pensões se traduzirá, para os pensionistas do futuro, num corte nos montantes a receber que, proporcionalmente ao que resultava da fórmula em vigor, é o maior entre os países da União Europeia que realizaram reformas semelhantes.

Segundo, trata-se de um cálculo feito hoje projectando no futuro o que os pensionistas receberiam, exactamente o tipo de cálculo que presidiu aos diferentes cenários estudados pelo Governo. Nesse sentido podemos referir o corte no presente, pois foi nesta legislatura que foi decidido, mesmo que só entre em efeito de forma gradual.

Terceiro, o assunto não é menor, pois a reforma da Segurança Social é uma das de que este Governo se orgulha e que muitos, mesmo parte dos que não são da cor do Governo, elogiam. Acontece porém que essa reforma conseguiu a sustentabilidade do sistema a médio/longo prazo introduzindo modificações nas regras actuais, desde a relativa à idade da reforma até à fórmula de cálculo das pensões. Qualquer cidadão tem facilidade em perceber uma mudança na idade da reforma, poucos são capazes de realizar uma estimativa sobre a pensão a que teriam direito com as regras antigas e aquela a que terão direito com as regras novas. De uma forma geral, todos perceberam que iriam receber menos e mais tarde. A novidade do relatório que sustentava a manchete é que calculou quanto menos iriam receber e comparou os cortes com outros países. Entendemos pois que se tratava de uma informação relevante para todos os portugueses.

Quarto, não é líquido que só se possa fazer a leitura negativa dos termos da manchete formulada por estes leitores. Por três razões. Por um lado, não tem faltado quem se indigne com as "reformas milionárias" e, por isso, possa ter lido de forma positiva a manchete; por outro lado, são muitos os que temem nem sequer vir a receber reforma, pelo que saberem que o corte, por ser grande, lhes garante apesar de tudo um mínimo até é uma boa notícia; por fim, todos os que, estando dentro do sistema, sabem como será difícil financiá-lo no futuro podiam olhar para a manchete e elogiar a coragem do Governo.

Para além de tudo isto, e do julgamento de valor que possa ser feito, o essencial é que aquele estudo era notícia e, mais do que isso, era notícia relevante (todos somos ou seremos pensionistas se não morrermos antes). Sendo o título fiel às conclusões do estudo, só pondo em causa essas conclusões (o que era possível mas questionável tratando-se de um estudo da União Europeia) é que seria razoável defender que o tema não merecia o destaque que teve na primeira página e no interior do jornal.

Quanto às opiniões do leitor sobre os meus editoriais, tem direito a elas. Como eu às minhas. Neste caso, se sentisse necessidade de escrever sobre um tema que já analisei várias vezes não me distanciaria do que há muito defendo: a necessidade de trabalhar mais anos e a necessidade de acabar com um sistema de cálculo das pensões financeiramente incomportável. Aí sempre apoiei as opções deste Governo. Mas também aí não apoiei todas as opções da nova lei; contudo, nenhum dos pontos em que defendi soluções diferentes se relacionava directamente com o tema da manchete. O que significa que, seguindo o raciocínio maniqueísta do "jornalismo de conspiração", terei dado, nesse dia, um tiro no pé, pois teria feito uma manchete "contra" as minhas opiniões. Como não é por esse tipo de critério que escolhemos as manchetes, antes pela sua relevância, não achei, quando vi o jornal, que o meu colega que escolheu a formulação final do título o tenha feito para me passar uma rasteira. Fê-lo apenas porque achou que assim conseguia transmitir de forma sintética e correcta o conteúdo de um estudo importante. O nosso mundo não é, ao contrário do que se quer fazer crer, um mundo feito de conspirações, apenas de procura do rigor e equilíbrio.

José Manuel Fernandes