sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Pontapé na História

Diz o PÚBLICO de 22 de Fevereiro, no artigo "Ala do Museu do Prado reabre com Giordano" (pág. 14 do P2), de Joana Amaral Cardoso, o seguinte:

"A pintura da abóbada representa a glória do império espanhol e foi criada durante o reinado de Carlos II, último representante da Casa de Áustria, mas foi sendo coberta ao longo das décadas por sucessivas remodelações do Casón. No tecto, a Apoteose da Monarquia Espanhola mostra cenas do domínio espanhol no mundo, o seu pendor religioso e a fundação da Ordem del Tóison, uma ordem de cavalaria criada para celebrar o casamento de Felipe II de Espanha com a portuguesa Isabel de Avis."

Ninguém sabe no PÚBLICO que a Ordem del Tóison é a Ordem do Tosão de Ouro? E que não foi fundada por Filipe II, mas sim por Filipe, o Bom, Duque de Borgonha e Conde de Flandres, para celebrar o seu casamento com Isabel de Portugal (filha de D. João I, Mestre de Avis)? A única portuguesa que foi casada com Filipe II foi Maria Manuela de Portugal, filha de D. Manuel.

Paulo Almeida

NOTA DO PROVEDOR. Perante situações destas, nada mais há a fazer que não seja reconhecer o erro. É o que faz a autora da notícia, após consultada pelo provedor: «Houve de facto um erro, que também escapou à edição, pelo qual peço desculpas aos leitores. A pintura representa de facto, entre outros aspectos, a origem da Ordem em causa, mas cuja fundação foi erradamente atribuída a Filipe II de Espanha, quando na verdade se tratava de Filipe III, Duque de Borgonha». Bom seria que falhas deste tipo não existissem, coisa muito facilitada actualmente com os instrumentos de consulta rápida que os jornalistas têm à sua disposição. Aconselha-se o seu uso intensivo e permanente.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Problemas de conversão

Na edição de hoje, 27 de Fevereiro, na pág. 7, no artigo sobre o PCP, lê-se "um milhão de contos (200 mil euros)". Ora, um milhão de contos são aproximadamente cinco milhões de euros e não 200 mil. Um "ligeira" diferença. Isto de tentar ajudar o leitor a perceber o que é um milhão de contos através do parêntesis (um esforço que me parece inútil) e dizer uma grande asneira, mais vale estar quieto.

P. B. Teixeira

Aumento de quê?

Na 1ª página do PÚBLICO de terça, 26 de Fevereiro, por cima da fotografia: «Aumento dos cereais põe em causa ajuda alimentar da ONU». Seria: «Aumento do preço dos cereais põe em causa ajuda alimentar da ONU» (aumento não da quantidade, mas do preço). São pequenissimos detalhes!

Augusto Küttner de Magalhães, Porto

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Esclarecimento do director de comunicação do GES sobre a última crónica do provedor

Li com redobrada atenção a sua última intervenção. E como esta alicia o leitor a concluir que o Grupo Espírito Santo (GES) ou eu, enquanto seu director de Comunicação e Imagem Corporativa e “curiosamente” ex-jornalista do Público tiveram interferência no sumiço de uma notícia do PÚBLICO.PT, atrevo-me a incomodá-lo com alguns elementos que talvez o ajudem a desvendar “O estranho caso da notícia desaparecida”.

No mínimo espero demonstrar-lhe que GES se pauta por uma conduta ética impecável no seu relacionamento com os meios de comunicação social.

1. Na manhã de 18 de Janeiro de 2008, o GES foi confrontado com uma notícia do Rádio Clube Português (RCP) onde se referia que a “família Espírito Santo é a maior proprietária dos terrenos onde vai ser construído o novo aeroporto” e que a mesma “já afirmou que o Estado terá de pagar os terrenos a preço de mercado”. Colados à informaçãom, podiam ouvir-se alguns comentários de “Miguel Espírito Santo”, seu proprietário.

2. Imediatamente procurei confirmar a veracidade da mesma, tendo sido informado que nem o GES nem os membros da família accionistas do Grupo tinham o quer que seja a ver com os tais terrenos, parte da Herdade do Vale Cobrão ou Infantado.

3. Quis saber mais. Quem era Miguel Espírito Santo e se tinha alguma ligação directa ou indirecta ao GES e à família.

4. Soube que o nome completo dos proprietários da Herdade do Vale Cobrão ou Infantado são Miguel Espírito Santo Silva de Mello e Luís Espírito Santo Silva de Mello e que não são accionistas do Grupo Espírito Santo nem integram os seus órgãos sociais e de gestão ou aí desempenham qualquer cargo, apesar de haver uma relação familiar. Para uns remota, para outros mais próxima.

5. Não contente com a informação obtida, contactei Miguel Espírito Santo Silva de Mello, que me assegurou ter fornecido ao jornalista do RCP o seu nome completo, manifestando-se perplexo, se não mesmo estupefacto, pela exclusão do “de Mello”, pela preferência pelo “Espírito Santo” e pelo empolamento à volta da notícia.

6. Disse-me, ainda, que para os que lhe são próximos ou o conhecem, é conhecido apenas e tão só por Miguel de Mello, nunca por Miguel Espírito Santo, como o RCP insistia em repetir. Convenhamos que a diferença é enorme e esta opção editorial cheira a esturro.

7. Todos sabemos como “Espírito Santo” faz manchetes nos jornais, rádios e televisões – ao contrário de “de Mello” –, para mais associada a negócios milionários com terrenos em Alcochete, novo aeroporto, etc. Basta ver a repercussão que a notícia estava a ter nos jornais online.

8. Como a omissão de alguns factos pelo RCP – como por exemplo o apelido completo dos proprietários e o uso abundante, para não dizer abusivo, de “família Espírito Santo” – estava a provocar interpretações impróprias e enviesadas e a prejudicar o bom nome do GES e da família sua accionista, surgiu a ideia de fazer sair um esclarecimento curto, seco e factual.

9. Acresce que se é verdade que em momento algum os jornalistas do RCP referiram o GES como accionista da Herdade do Vale Cobrão ou Infantado, ou que os seus proprietários fossem accionistas do GES, a meio da manhã o RCP colocou no ar declarações do empresário Henrique Neto (defensor da opção OTA) onde este abundantemente e de forma até injuriosa refere o GES, a família Espírito Santo, a Herdade da Comporta e o proveito deste conjunto em que o novo aeroporto fosse para Alcochete. Era a confusão generalizada, alimentada por alguém que debita opinião sobre tema de que é profundamente ignorante, misturando alhos com bugalhos.

10. Começou a ficar clara a necessidade de demarcação imediata da notícia do RCP e das declarações de Henrique Neto, procurando limitar-se os estragos que esta estava a provocar pela sua reprodução em diferentes órgãos de comunicação social. Rapidamente o PUBLICO.PT “canibalizou” a notícia do RCP, aliás como muitos outros órgãos de comunicação social.

11. Decidi então fazer um esclarecimento, e não um desmentido. O RCP, apesar dos meus contactos e dos do senhor Miguel de Mello, continuava a omitir parte do seu apelido e a cavalgar numa notícia com erros graves, da qual só por ingenuidade ou má-fé não se queria ver as consequências para terceiros, no caso o GES e os seus accionistas.

12. Escrevi então o esclarecimento que lhe envio e o aconselho a ler.

13. Nele se explica que o GES não tem nenhum interesse económico naquela propriedade e que as pessoas em causa têm apelido Espírito Santo mas também têm outros, supostamente tão, ou mais, importantes, uma vez que Espírito Santo não era o último apelido e normalmente chama-se as pessoas pelo primeiro e último nome.

14. O esclarecimento foi enviado para todos os órgãos de comunicação social que fazem parte da nossa lista. Nenhum foi privilegiado ou mereceu tratamento de excepção.

15. Nenhum contacto directo ou indirecto foi feito com o PUBLICO.PT visando “apagar” ou “despublicar” o texto online. A única iniciativa foi no sentido de confirmar a recepção do esclarecimento, prática normal e generalizada a todos os meios.

16. Após a saída do esclarecimento o RCP retirou a notícia e corrigiu o texto online. Ao contrário do que afirma em “O estranho caso da notícia desaparecida”, o RCP deu a mão à palmatória, deixando cair o uso generalizado de “família Espírito Santo”, Miguel Espirito Santo passou subitamente a Miguel Espírito Santo Silva de Mello e deixaram de se ouvir as insinuações sem nexo de Henrique Neto.
Posteriormente o PUBLICO.PT fez o mesmo.

17. Ignoro como o PUBLICO.PT funciona em termos de hierarquia.

18. Trabalhei no PÚBLICO, onde desempenhei as funções de grande repórter na secção de Economia, em meados da década de 90, de onde sai faz agora sensivelmente 10 anos.
Tenho estima pessoal e profissional pelo editor António Granado, mas nenhuma memória de relevo para além de nos termos cruzado sem ter dirigido qualquer palavra, certamente vezes sem conta, nas antigas instalações do jornal, na Quinta do Lambert. Admito que ele nem se lembre de mim.

19. Não conheço ninguém na redacção do PUBLICO.PT e não mantenho contacto formal ou informal com jornalistas do PUBLICO.PT.

20. A notícia do RCP “picada” integralmente pelo PUBLICO.PT não era “falsa” mas continha, na minha modesta opinião, falhas graves que suscitavam interpretações insidiosas, como as afirmações de Henrique Neto provam.

21. Resta-me afirmar que o GES não fez nem faz ameaças. Limitou-se a esclarecer através de um banalíssimo comunicado.

22. O GES é um grande grupo económico e financeiro, mas deve ser dos poucos que em Portugal não detêm, nem querem deter, participações accionistas em órgãos de comunicação social. Uma opção que demonstra quão fundamentalista é no respeito pela independência dos meios.

23. Espero tê-lo ajudado a perceber o que se passou deste lado e, repito, também espero ter afastado quaisquer dúvidas que tenha sobre a forma como o GES ou os seus profissionais se relacionam com os diferentes media.

24. Como é evidente, este email serve apenas para o esclarecer e não para alimentar qualquer polémica com o provedor do PÚBLICO, o jornal PÚBLICO, o PUBLICO.PT ou os seus honrados e excelentes profissionais.

Pedro Pinto Fernandes
Director de Comunicação e Imagem Corporativa
Espírito Santo Resources

COMUNICADO ENVIADO PELO DIRECTOR DE COMUNICAÇÂO E IMAGEM CORPORATIVA DO GES ÀS REDACÇÕES EM 18/01/08:

Esclarecimento

Face à notícia do Rádio Clube Português (RCP) onde se refere que a “família Espírito Santo é a maior proprietária dos terrenos onde vai ser construído o novo aeroporto” e que a mesma “já afirmou que o Estado terá de pagar os terrenos a preço de mercado” importa esclarecer:

1. O grupo financeiro e empresarial Espírito Santo (GES) não tem qualquer interesse económico directo ou indirecto nos referidos terrenos (Herdade do Infantado)

2. Os accionistas do GES não têm qualquer interesse económico ou financeiro directo ou indirecto na supradita propriedade.

3. Os proprietários da Herdade em causa, os senhores Miguel Espírito Santo Silva de Mello e Luís Espírito Santo Silva de Mello não são accionistas do Grupo Espírito Santo nem integram os seus órgãos sociais e de gestão ou ai desempenham qualquer cargo.

4. Devido ao Rádio Clube Português ter omitido parte do apelido dos proprietários da Herdade do Infantado produziram-se interpretações enviesadas.

A questão em causa não é do foro familiar da família Espírito Santo, vista no seu todo, mas é sim uma questão do mero foro particular

domingo, 24 de fevereiro de 2008

O estranho caso da notícia desaparecida

O leitor Francisco Falé colocou ao provedor, já há mais de um mês, uma questão bem curiosa:

“Na tarde de sexta-feira 18 [de Janeiro], reparei numa notícia no PÚBLICO online acerca de umas expropriações de terrenos na zona onde será construído o novo aeroporto [de Alcochete]. Referia-se nomeadamente a família Espírito Santo com uma das expropriadas. Algum tempo depois, surgiu um comunicado do Grupo Espírito Santo (GES), curiosamente co-assinado por um ex-jornalista do PÚBLICO, dando conta de que o GES não estava envolvido, mas não negando que havia pessoas de apelido Espírito Santo no lote dos expropriáveis.
Mais tarde, quando procurei a referida notícia, nada, pura e simplesmente desvanecera-se. Ainda pensei que houvesse desenvolvimentos e que se tivesse decidido transferi-la para a edição impressa – mas nada.
Por conseguinte, fui assaltado pela dúvida: por que desapareceu a notícia? Era falsa? Se o era, o jornal deveria assumir o erro e corrigi-lo. Era verdadeira? Se o era, por que desapareceu? O GES exerceu ameaças e os responsáveis do PÚBLICO acataram-nas?
Que sucedeu, afinal? Por mim, e por via das dúvidas, fico a acreditar que há algo que cheira a esturro nesta história. Se estou a ser incorrecto para alguém ou algum grupo, sou-o porque o PÚBLICO não mais me informou, ou se estou a analisar correctamente a situação deixo de ter dados para o fazer porque o PÚBLICO optou por não informar.
Mas que gostava muito de saber o que se passou, lá isso gostava.”

O provedor, que também leu a notícia e esperava vê-la em letra impressa na edição em papel do dia seguinte, achou a história bem intrigante, e de imediato solicitou esclarecimentos ao editor do PÚBLICO.PT, António Granado. Apesar da colaboração que o jornalista foi prestando sobre a matéria, através de vários contactos telefónicos que permitiram ir esclarecendo o enquadramento da questão, a resposta escrita apenas chegaria na semana finda, e por isso só agora se refere o assunto.

Explica Granado: “A notícia em causa foi erradamente ‘despublicada’, contrariando a nossas próprias regras sobre estes casos, na sequência do desmentido do GES. ‘Despublicada’ quer dizer que a notícia continuou na nossa base de dados mas não estava visível para os leitores. Quando nos apercebemos do problema, a notícia foi novamente publicada e está desde então disponível em http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1317047”.

Acontece que o provedor foi verificar o endereço electrónico indicado pelo editor do PÚBLICO.PT e a notícia não estava lá – a página encontrava-se em branco. O que deu para pensar, tal como o leitor, que algo aqui não cheirava bem. Embora não acreditando em bruxas, o provedor possui aquela reserva que em matéria esotérica caracteriza os espanhóis: “Que las hay, las hay”.

Alertado de novo António Granado, que desconhece as causas da segunda desaparição da notícia, esta foi finalmente colocada, ontem, sábado, ao princípio da tarde, em http://economia.publico.clix.pt/noticia.aspx?id=1320588, onde o provedor espera que o leitor interessado possa vir a encontrá-la.

O GES é um poderoso e influente grupo económico português que já em tempos retaliou contra um semanário retirando-lhe toda a publicidade por discordância com o seu conteúdo editorial. Não querendo embarcar em teorias da conspiração, o provedor confessa que este episódio aflora inevitavelmente à mente perante o caso agora relatado. O PÚBLICO teria pois todo o interesse em que o mistério fosse cabalmente esclarecido.

Que foi possível apurar? Que a notícia original foi difundida aos microfones do Rádio Clube Português (RCP), tendo o PÚBLICO repegado daí a informação. Que a notícia do PÚBLICO.PT desapareceu ao fim de pouco tempo, na sequência do desmentido do GES, apesar de o RCP ter reafirmado algumas horas depois o conteúdo da sua primeira informação. Que os responsáveis do site só se aperceberam do sucedido pelo menos 48 horas depois, precisamente devido ao pedido de esclarecimento do provedor. Que, segundo garantem, terão recolocado a notícia online, se bem que tivesse de novo desaparecido, e só ontem, à terceira tentativa, tenha ficado disponível na rede.

A ocorrência revela, em primeiro lugar, que o PÚBLICO online se encontra sujeito a intervenções alheias à sua hierarquia editorial, assunto que porém o provedor não está em condições de desenvolver, porquanto Granado assume, em última análise, toda a responsabilidade pelo acto.

Em segundo lugar, o caso impõe a necessidade de afinar procedimentos quanto à intervenção da redacção em notícias já antes colocadas na internet. Este é um dos novos desafios e problemas – designadamente no campo da ética – que o ciberespaço coloca ao jornalismo, suscitando questões perante as quais ainda não existe normativo consensual.

O Livro de Estilo do PÚBLICO retoma para a página online do jornal, basicamente, os pontos do estatuto editorial da edição em papel, considerando que o novo meio ainda está em evolução e será prematuro fixar princípios sujeitos a súbitas adaptações. Mas internamente o PÚBLICO.PT possui regras para as necessidades de intervenção posterior em notícias, previstas em dois distintos cenários: “Há casos em que, quando se identifica uma incorrecção numa notícia, se deve proceder à correcção dos factos, mantendo a publicação da notícia corrigida. Há outros casos, porém, em que se constata que uma notícia já publicada é totalmente incorrecta ou descabida, e ela deve pura e simplesmente ser retirada. Nestes casos, quando a notícia original já foi publicada online, deve-se seguir o seguinte procedimento: 1. Retirar a notícia anulada despublicando-a. Ou seja: a notícia não deve ser apagada da base de dados, mas apenas retirada do servidor web, de forma a evitar novos acessos através da internet. (...) 2. Publicar uma nova notícia, com o título: ‘Anulação da notícia com o título ‘[Título da notícia anulada]’’. 3. Escrever no corpo do texto da notícia de anulação uma explicação sucinta mas clara das razões da anulação, quando elas existam. 4. A notícia de anulação não deve ser nunca despublicada.”

Ao contrário do jornalismo impresso, em que a informação é definitiva ao sair da tipografia, o jornalismo online assenta num fluxo noticioso contínuo e sujeito a desenvolvimentos e aperfeiçoamentos constantes. Mas a verdade é que, também aí, uma notícia difundida, por escasso tempo que seja, passa logo a pertencer ao espaço público, como explicam as regras internas do PÚBLICO.PT: “Estes procedimentos devem-se ao facto de não ser tecnicamente possível para nenhum editor, na internet, evitar a difusão de uma notícia que esteve publicada num servidor web. Ou seja: a notícia anulada, mesmo que seja retirada do servidor web, já pode ter sido copiada milhares de vezes para outros tantos servidores da web e mantém uma vida própria.”

Acontece porém que, para o editor do PÚBLICO.PT, “no caso concreto da notícia do GES” a “despublicação” foi errada por não dizer respeito a “notícias falsas” (e, se o fosse, seria “obrigatório publicar uma ‘anulação de notícia’”). Esta era antes uma situação em que, ainda segundo Granado, “os desmentidos feitos pela entidade A ou B devem ser tratados como uma outra notícia e nunca dar origem à ‘despublicação’ da notícia original”.

O erro foi assumido, mas em volta de toda esta história ficou um enigma por desfazer.

Recomendação do provedor. Seria aconselhável que o jornal fornecesse uma explicação aos leitores do PÚBLICO.PT, site que deve estar sujeito a rigorosos padrões de intervenção em matéria já publicada, sob supervisão da respectiva hierarquia.

Publicada em 24 de Fevereiro de 2008

Documentação adicional.

REGRAS DO PÚBLICO.PT PARA ANULAÇÃO DE UMA NOTÍCIA ONLINE:

Circunstâncias
Há casos em que, quando se identifica uma incorrecção numa notícia, se deve proceder à correcção dos factos, mantendo a publicação da notícia corrigida.

Há outros casos, porém, em que se constata que uma notícia já publicada é totalmente incorrecta ou descabida e ela deve pura e simplesmente ser retirada.

Isto acontece por vezes por iniciativa das agências noticiosas, que anulam uma notícia já distribuída pelas redacções através de um novo despacho com a menção ANULAÇÃO ou ANULAÇÃO DE NOTÍCIA.

Procedimento
Nestes casos, quando a notícia original já foi publicada online, deve-se seguir o seguinte procedimento:

Retirar a notícia anulada despublicando-a. Ou seja: a notícia não deve ser apagada da base de dados mas apenas retirada do servidor Web, de forma a evitar novos acessos através da Internet. Apesar de ela não ser disponibilizada é conveniente guardar a notícia anulada por razões históricas e devido a eventuais conveniências legais.
Publicar uma nova notícia, com o título: “Anulação da notícia com o título “[Título da notícia anulada]”
Escrever no corpo do texto da notícia de anulação uma explicação sucinta mas clara das razões da anulação, quando elas existam.
A notícia de anulação não deve ser nunca despublicada.

Razões do procedimento
Estes procedimentos devem-se ao facto de não ser tecnicamente possível para nenhum editor, na Internet, evitar a difusão de uma notícia que esteve publicada num servidor Web.

Ou seja: a notícia anulada, mesmo que seja retirada do servidor Web, já pode ter sido copiada milhares de vezes para outros tantos servidores da Web e mantém uma vida própria. É altamente provável, nomeadamente, que ela tenha sido copiada pelos robôs dos motores de pesquisa para os seus próprios servidores e apareça nos resultados de pesquisa. É também altamente provável que ela tenha sido copiada para proxy servers e caches de servidores (ou de computadores pessoais), a partir de onde pode ser difundida.

Isto significa que, dentro de dias ou de anos, a notícia anulada pode aparecer no resultado de uma pesquisa, sem que seja possível ao leitor aperceber-se das incorrecções que contenha.

A existência de uma notícia de anulação torna provável que ela apareça nos eventuais resultados de pesquisa que devolvam a notícia anulada e ao lado desta (devido ao uso dos mesmos termos no seu título). O leitor pode assim aceder à notícia anulada, à notícia com a anulação da notícia anterior e, no melhor dos casos, a notícias correctas sobre o mesmo tema.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

A voz dos leitores: comentários à última crónica do provedor

Em relação ao seu artigo de 17 de Fevereiro, venho juntar o meu apoio e concordância com a investigação realizada. Embora, como diz, as notícias não se façam por referendo, vêmo-nos hoje, novamente, na necessidade de defender a liberdade de expressão e o dever do conhecimento (algo que em verdadeira democracia nunca se questionaria).
Joaquim Santos

Finalmente, resolveu o provedor, na sua página de 17 de Fevereiro, dar notícia das muitas cartas que recebeu "condenando" o PÚBLICO pela "pseudo-investigação" de JAC (QUANTOS CORRUPTOS JÁ DENUNCIOU?) em relação à actividade profissional de José Sócrates há cerca de 25 anos!... Ora, tendo focado a proporção dos desalinhados com os alinhados (20 para 1), não deixou, porém, de considerar justificada aquela proporção, ainda que mais valera que tivesse comparado a proporção de cartas de leitores sobre o assunto publicadas em apoio e desapoio para tirar conclusões sobre a imparcialidade do jornal! Pois...
Doutro lado, as justificações de JMF e JAC são primárias e
pífias (o que revela má consciência), em especial as do segundo (pese embora a "insuspeita” São José Almeida o reclamar de profissional prestigiado com décadas (!) de "investigação"), que reconhece que apenas desde 1995 é que se dedica à "área da investigação" (quando, como diz, o PS chegou ao poder no Governo e na Câmara de Lisboa, como se não houvesse mais centenas de câmaras no País). Pois!...
Não há pachorra para ressabiados e desonestos!
Sérgio Brito, Lisboa

Considerei do máximo interesse para o PÚBLICO e para os seus leitores a última sua crónica, baseada em comentários destes últimos, entre os quais me incluo, já que, se bem que nunca acreditei nem acredito na mínima influência do eng. Belmiro de Azevedo no PÚBLICO face à OPA, achei aquelas “histórias de J. Sócrates” notícias sensacionalistas, de 1ª página, que não se coadunam com a referência e a qualidade do jornal. Julgo que isso foi mais ou menos compreendido por JMF, e não sei se aceite!
Continuo a considerar da máxima relevância o lugar de provedor, dado fazer chegar ao director este tipo de comentários, o que o comum do leitor - o que lê o PUBLICO - não consegue fazer.
Pelo que em Fevereiro o trabalho do provedor, com início em Janeiro, é de muito mérito, e por certo assim vai continuar.
Augusto Küttner de Magalhães, Porto

A propósito do tema em causa, venho fazer algumas considerações que acho oportunas. Assim:
1. Este Governo entrou forte no que diz respeito à marcação e condução da agenda politica junto da sociedade em geral e em particular na comunicação social. Os resultados têm sido positivos para ele (Governo). Os exemplos são multiplos, embora alguns de carácter caricato e demagógico. É o caso, por exemplo, da promessa das creches que já tinham sido prometidas. Mas desde o princípio o PÚBLICO não alinhou na onda da propaganda. Este facto tem causado muitos engulhos à máquina de propaganda, tornando-se mais evidente no panorama nacional dos media pelo facto de ser quase o único orgão de informação que não está às ordens do poder político. Os efeitos começam a surgir. “As campanhas pessoais contra o PM e outras do estilo”. Assim dizem eles. As vítimas!
2. A tese da “operação revanchista” da Sonae tem aspectos interessantes. Se assim fosse, então finalmente o PS estava a assumir o que sempre negou – a interferência do Governo num acto puramente da esfera privada. Por outro lado, quem atribui acções deste tipo ao patrão da Sonae ou não o conhece ou tem andado a dormir ao longo destes anos e não acompanhou as “guerras” que ele tem travado com os diversos governos e entidades politicas.
3. Até agora parece que ninguém veio a desmentir os factos relatados nas notícias do jornal. Porque, se são falsas, processam-se o jornal e o jornalista, se são verdadeiras, assumem-se sem meias mentiras ou inverdades.
4. Faltava a cereja para rematar o bolo. Mas já não falta. A desorientação que grassa na classe política foi explicitada e objectivada pelo sr. presidente da CML, e desta forma encerrou por completo a discussão que vinha ocorrendo. São todos uns mauzões… os do PÚBLICO. E nós (os bons) as vítimas!
António Carvalho, Lisboa

Leitor que sou desde o 1º número do PÚBLICO, devo dizer que é um jornal imprescendível. Quero com isto dizer que a minha qualidade de vida também tem a ver com a qualidade dos artigos que adquiro, e, apesar de não poder adquirir o jornal diariamente, diariamente leio a edição on-line, e se o jornal fechasse ficaria triste. Triste, repito! Só hoje pude ler a edição de domingo, 17 de Fevereiro, e fiquei bastante atónito com as críticas feitas pelos socialistas e não só ao facto de o jornal andar a publicar artigos que não abonam em nada a favor do sr. primeiro-ministro. Devo dizer que concordo perfeitamente com a frase com que o provedor fecha o artigo, de que os políticos maduros e responsáveis devem saber conviver com a crítica. Mas, por diversos exemplos já dados, parece que os nosso políticos querem ficar impunes às asneiras que cometem, responsabilizando os jornalistas pelos ataques (?) que lhes são feitos. Será que merecemos os políticos que temos? Ao jornalistas e ao jornal devo dar os parabéns por fazerem notícia de forma independente e séria de coisas que realmente interessam aos portugueses. A liberdade, seriedade e honestidade de informação passa pelo PÚBLICO.
Pedro Carneiro, Ermesinde

Li com todo o interesse e atenção o seu artigo publicado na edição de domingo, 17 de Fevereiro. Quero dizer-lhe que subscrevo inteiramente as opiniões expressas por António Costa. Não é de agora que, segundo minha opinião, o PÚBLICO não é isento. Para que Joaquim Vieira veja que a minha opinião não está a reboque de qualquer actualidade, peço-lhe que leia a carta que enviei ao director desse jornal em 4 de Abril de 2002. Há quase seis anos. Tudo o que lá escrevi mantenho, sem alterar uma vírgula. Queria estar enganado, e, infelizmente, não me sinto tal.
Repito a ideia de que os governos e os governantes não podem e não devem estar isentos de críticas quando for caso disso, mas criticar não é assassínio de carácter, como por exemplo o sr. Cerejo, em catilinárias freudianas, fez a João Soares enquanto presidente da CML e à família Soares em geral. Recordo-me que, na véspera das eleições autárquicas, ganhas (formalmente) por Santana Lopes, o dito sr. Cerejo publicou um artigo terraplanando João Soares. Mas que isenção, sr. Vieira!
O meu estado de alma em relação ao PÚBLICO não ficaria completo sem lhe dizer que os jornalistas no geral, e este jornal em particular, têm bem contribuído para apresentar o País como um recanto miserável, de políticos corruptos e incompetentes e com um povo acéfalo. Têm promovido o espírito tão "tuga" do nacional-lamurianismo, do "esgarçadinho" que só sabe dizer mal e lamuriar-se. Creio mesmo, mas desejo estar enganado, estar a ser seguida uma linha editorial ao estilo Paulo Portas, que agora parece aquele caçador histérico e inexperiente que dispara na direcção de quaisquer arbustos que mexam.
Ainda quero dizer-lhe que não são publicadas notícias agradáveis, positivas. Não é laudar uma acção governativa só para escrever bonito. Não confunda, por favor. Trata-se, sim, de fazer algo para tirar este povo da capadócica lamúria já referida. Se o PÚBLICO não for a versão séria do Jornal do Crime é já uma grande ajuda. Só negativo corrói, destrói, caustica e estigmatiza.
A qualidade é difícil, mas ainda não deixei de comprar o PÚBLICO, embora já o tenha equacionado algumas vezes, porque não perdi a esperança de o ver transformado em El País, que leio diáriamente em versão internet e que considero um paradigma de como se faz jornalismo. Nunca lá vi, de Aznar a Rajoy ou de Gonzalez a Zapatero e respectivas hostes, qualquer tipo de carta como esta que lhe escrevo questionando a isenção do jornal.
Para o caso de o Vieira já não se lembrar, termino com uma notável citação do eng. Torres Campos, Comissário-Geral da Expo 98: "Perante um monumento, aos jornalistas só interessa se existem pregos tortos".
José Manuel Faustino

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Comentários

O provedor comunica que a caixa de comentários deste blogue já está a funcionar. Serão bem vindos, e desde já se agradece a participação dos leitores.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

O direito de questionar

Dois dias consecutivos de notícias na primeira página do PÚBLICO desfavoráveis à imagem do primeiro-ministro puseram os cabelos em pé a muita gente (incluindo ao próprio chefe do Governo). A 1 deste mês, o jornal titulava que “José Sócrates assinou projectos que não eram seus nos anos 80”, no âmbito da sua actividade como engenheiro técnico (mas já dirigente socialista local). Na edição seguinte o jornal regressava à antiga vida profissional do líder do PS, que em certo período terá coincidido com a sua actividade como parlamentar (impeditiva de outro tipo de remuneração), colocando em manchete que o “deputado Sócrates exerceu funções privadas enquanto recebia subsídio de exclusividade”.

Ao provedor chegou ampla correspondência motivada pelos dois textos, na proporção de 20 mensagens condenando o jornal (geralmente em tom colérico e hostil) contra apenas uma apoiando a investigação realizada. Como as notícias não se fazem por referendo, teremos de encarar esta reacção como normal, já que em tais circunstâncias quem protesta é sempre mais activo do que quem aceita – e o provedor existe, aliás, para atender reclamações, não para ouvir elogios ao PÚBLICO.

Na substância, as críticas recebidas dividiam-se invariavelmente em três categorias: a) os temas são irrelevantes, e o PÚBLICO, ao destacá-los, está a desencadear uma campanha contra o primeiro-ministro sob as instruções do seu director, José Manuel Fernandes (JMF), apostado em assassinar politicamente o chefe do Executivo; b) o grupo Sonae, proprietário deste jornal, perdeu há menos de um ano uma oferta pública de aquisição (OPA) sobre a PT, e o PÚBLICO desenvolve uma operação revanchista contra Sócrates às ordens do presidente do grupo, Belmiro de Azevedo, que acusa o Governo de responsabilidade no fracasso; c) o jornal entrou em deriva sensacionalista, numa tentativa de aumentar as vendas. Parte dos contestatários ameaçavam deixar de comprar ou de ler este diário.

Nenhuma das críticas punha em causa os procedimentos jornalísticos adoptados na pesquisa ou na escrita e apresentação dos dois casos – e, na verdade, analisando ambas as notícias, verifica-se que estão apoiadas em fontes e documentos devidamente referenciados e que Sócrates é ouvido previamente, pelo que nada de negativo há a referir quanto à sua elaboração. Por outro lado, o provedor não pode efectuar julgamentos com base em teorias da conspiração não comprovadas (como os dois primeiros tipos de reparos, sendo que em particular não se conhece qualquer traço de interferência dos donos do jornal no seu conteúdo editorial).

No que respeita às acusações de sensacionalismo, importa referir que as facetas da anterior actividade profissional de Sócrates trazidas a público, cuja legalidade tem sido disputada do ponto de vista jurídico, ajudam a completar o retrato de um primeiro-ministro que faz do rigor e da exigência uma bandeira da sua governação (tal como já acontecera quanto à questão da sua licenciatura, levantada também pelo PÚBLICO a quebrar um silêncio ensurdecedor da imprensa, depois de o assunto há muito circular na internet). Este tipo de escrutínio dos titulares dos poderes públicos, que pode contribuir para escolhas mais informadas e conscientes dos eleitores sobre quem os deve governar, é tradicionalmente destacado como um dos apanágios mais nobres do jornalismo, pelo que releva mais da imprensa de referência, imbuída de forte componente de serviço público, do que da tablóide. Mesmo que tudo fosse transparente na actividade do engenheiro técnico José Sócrates, só o facto de ter assinado os projectos revelados pela pesquisa jornalística seria suficiente para questionar se é esse o padrão estético com que o primeiro-ministro olha para o Portugal do presente e do futuro.

O próprio Sócrates tem sido muito cauteloso nas palavras que usa para “desmentir” o PÚBLICO (em particular quanto à primeira notícia). Nunca garantiu, por exemplo, ter elaborado os projectos em causa, mas sim que os perfilhava. “Assumo a autoria e responsabilidade dos projectos que assinei”, disse ao diário, sendo ainda mais evasivo quando questionado sobre o assunto esta semana em S. Bento: "Nunca assinei nenhum projecto que não fosse da minha responsabilidade”. O que mostra que o jornal pode ter tocado numa corda sensível do seu passado profissional.

A parada subiu porém com as acusações lançadas contra o PÚBLICO, há uma semana, aos microfones do Rádio Clube Português, por António Costa, ex-nº 2 do Governo de Sócrates e actual presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Costa retomou a tese da retaliação pela OPA perdida, declarando que “o PÚBLICO é um jornal hoje indigno, que comporta-se de uma forma inqualificável, numa cruzada de ataque pessoal à figura do eng. José Sócrates” e denunciando o autor das notícias, o jornalista José António Cerejo (JAC), como “o sr. Cerejo, que é especialista em perseguir e investigar, agora quase que até à infância, (...) dirigentes do PS”, e JMF: “Faz sobre mim uma campanha de carácter há anos. Porque é uma pessoa efectivamente desqualificada para o exercício da função que exerce”. O essencial da queixa do dirigente socialista parece residir na escolha de “alvos” por parte do PÚBLICO: “Há tanta gente na vida política portuguesa, porquê só socialistas? É uma coisa absolutamente misteriosa. É indigno num jornal, que pretende ser um jornal de referência, fazer campanhas de carácter sobre pessoas”.

Colocada a questão assim na praça pública, o provedor sentiu-se no dever de inquirir JAC e JMF acerca de um ponto crucial: há uma orientação no jornal para investigar exclusivamente os notáveis do PS, ou até, mais especificamente, uma operação ad hominem para pôr em causa o primeiro-ministro? Como é hábito, o leitor poderá ler as respostas integrais no blogue do provedor. Fica aqui o essencial dos esclarecimentos (sendo que a direcção do PÚBLICO já havia defendido a actuação do jornal em editorial a acompanhar a segunda notícia).

Após mencionar casos que tem pesquisado envolvendo figuras partidárias do PCP ao CDS/PP, JAC não hesita em admitir onde recai a maioria das suas investigações: “Reconheço uma evidência: tenho escrito muito mais sobre pessoas do PS do que, provavelmente, sobre pessoas de outros partidos. E então? Será que o dr. Costa quer aplicar aos jornalistas uma espécie de quota relativa aos assuntos que podem tratar? X PS, Y PSD e por aí fora? Sucede ainda, que, desde 1990, data da criação do PÚBLICO, o PS tem muito mais anos de maioria na CML, sobre a qual incide grande parte do trabalho que tenho produzido neste domínio, do que qualquer outro partido. E o mesmo sucede com as maiorias governamentais do PS no mesmo período. Acresce que a minha dedicação a este género de trabalho, por razões que não vêm ao caso, se intensificou a partir de 1995, restando 12 anos em que as maiorias PS são, provavelmente, ainda mais notórias. E é sobre quem tem o poder, como é sabido, que estes trabalhos incidem mais frequente e justificadamente.”

Nas suas explicações, JMF destaca que “não há nenhuma campanha ad hominem, há investigações sobre factos [estes e outros relacionados com Sócrates] que chegaram ao conhecimento do jornal”, as quais “justificavam-se pois ou incidiam sobre actos cometidos como membro do Governo ou actos profissionais realizados quando já era dirigente político, ou levantavam a suspeita de ter beneficiado de uma situação de favor.” O director defende a imparcialidade do jornal mesmo a nível dos seus editoriais: “Sendo certo que muitos editoriais do PÚBLICO foram críticos das políticas de Sócrates, outros saudaram medidas por ele tomadas e que eram muito polémicas (...). O meu estilo pessoal como editorialista pode ser contestado, mas todos os líderes políticos recentes têm, digamos assim, razões de queixa. É verdade que considerei, depois de uma entrevista que deu ao Expresso, que Sócrates era um ‘político de plástico’. Mas também acusei Paulo Portas de populismo a raiar a xenofobia, Durão Barroso de ser tão fraco que ‘nunca chegaria a primeiro-ministro’, Santana Lopes de irresponsabilidade, Marcelo Rebelo de Sousa de não ter resistido à tentação do lacrau, Alberto João Jardim de ser um tiranete. E por aí adiante. Fi-lo quando entendia que isso se justificava, e o único que fez queixa-crime foi Jardim, tendo eu sido absolvido. (...) Os políticos, todos eles, têm de se habituar à crítica e ao escrutínio público. Mesmo a críticas eventualmente injustas e erradas. Responder-lhes com declarações de guerra é, a meu ver, intolerável, por visar coagir os jornalistas e isolar as vozes críticas.”

Não publicar uma investigação porque a anterior visava a mesma entidade, ser “politicamente correcto” ao ponto de meter notícias na gaveta porque é a vez de pôr outros em causa, significa perder a independência. O jornalismo não se substitui à justiça, mas deve ser tão cego quanto ela. Saber conviver com isso é, para os detentores de cargos públicos, uma prova de maturidade democrática.

Publicada em 17 de Fevereiro de 2008

Documentação complementar

Excertos das declarações de António Costa no programa Mesa para 4, do RCP, em 9 de Fevereiro (ouvir gravação):

"O PÚBLICO é um jornal hoje indigno, que comporta-se de uma forma inqualificável, numa cruzada de ataque pessoal à figura do eng. José Sócrates, e aliás, devo dizer-lhe, coincidentemente com o facto de o seu proprietário ter passado a achar que era por culpa do Governo que tinha perdido uma OPA onde se lançou. O que é gravíssimo é o que se passa com esse jornal. Primeiro, há um jornalista, que é o sr. Cerejo, que é especialista em perseguir e investigar, agora quase que até à infância, (...) dirigentes do PS. Começou com António Vitorino, depois teve uma longa obsessão com o dr. João Soares, agora é o eng. José Sócrates. Bom, há tanta gente na vida política portuguesa, porquê só socialistas? É uma coisa absolutamente misteriosa. E que é indigno num jornal, que se pretende ser um jornal de referência, fazer campanhas de carácter sobre pessoas. Eu digo isto porque eles fazem. O José Manuel Fernandes faz sobre mim uma campanha de carácter há anos. Porque é uma pessoa efectivamente desqualificada para o exercício da função que exerce. (...) Eu limitei-me a registar a coincidência, que a partir do momento em que o eng. Belmiro perdeu a OPA o PÚBLICO desencadeou uma campanha de carácter relativamente ao primeiro-ministro. Isto é a sequência dos factos. Agora, se foi por ordem dele, se não foi por ordem dele, se foi o outro que é mais papista do que o papa, não sei, é capaz disso, mas olhe, não sei. Agora, que esta coincidência existe, existe, pronto, ponto final."

Explicações de José António Cerejo ao provedor:

A acusação é velha e relha, mas não faz qualquer sentido. Sabe o dr. António Costa e sabe a generalidade dos seus camaradas de aparelho que eu já publiquei muitos e extensos trabalhos jornalísticos sobre indícios de práticas ilegais, ou pelo menos contrárias à mais elementar ética política, da responsabilidade de responsáveis do PSD, do CDS/PP e do PCP. Prova disso é, por exemplo, uma brochura editada em 2006 pela Juventude Socialista de Oeiras, no âmbito da campanha eleitoral para as autárquicas desse ano, com o título “Livro Negro do Verbo Isaltinar” e com o subtítulo “A batalha da Informação Independente”. O opúsculo reproduz em fac simile dezena e meia de artigos de jornal sobre as suspeitas de ilegalidades que incidem sobre o ex-ministro do PSD Isaltino Morais, e metade deles são da minha autoria e foram editados pelo PÚBLICO. Mas, para além de Isaltino, escrevi abundantemente sobre situações do mesmo género de que foi responsável um antigo presidente da Câmara de Sintra eleito pelo PSD, João Justino, e sobre casos duvidosos que envolveram José Luís Arnaut, como secretário-geral do PSD, Rui Gomes da Silva, ex-ministro do PSD, e David Justino, igualmente ex-ministro do PSD. Para não falar no caso Universidade Moderna, que na prática foi desencadeado por mim na imprensa e onde Paulo Portas e Santana Lopes também aparecem em papéis nem sempre confortáveis. Já no ano passado, durante três ou quatro meses, escrevi mais de uma dezena de desenvolvidos artigos sobre um conjunto de graves atropelos à ética e de actuações de legalidade muito questionável que tiveram como protagonistas vários responsáveis comunistas da Câmara da Moita, incluindo o seu presidente, João Lobo. Se achasse que se justificasse, e não é esse o caso, tal a natureza da acusação, encontraria nos arquivos de 18 anos de PÚBLICO muitos mais exemplos da sua falta de fundamento. Mas sempre acrescento que reconheço uma evidência: tenho escrito muito mais sobre pessoas do PS do que, provavelmente, sobre pessoas de outros partidos. E então? Será que o dr. Costa quer aplicar aos jornalistas uma espécie de quota relativa aos assuntos de que podem tratar? X PS, Y PSD e por aí fora? Sucede ainda, que, desde 1990, data da criação do PÚBLICO, o PS tem muito mais anos de maioria na Câmara de Lisboa, sobre a qual incide uma grande parte do trabalho que tenho produzido neste domínio, do que qualquer outro partido. E o mesmo sucede com as maiorias governamentais do PS no mesmo período. Acresce que a minha dedicação a este género de trabalho, por razões que não vêm ao caso, se intensificou a partir de 1995, restando 12 anos em que as maiorias PS são, provavelmente, ainda mais notórias. E é sobre quem tem o poder, como é sabido, que estes trabalhos incidem mais frequente e justificadamente. Para terminar direi ainda que falta saber se há partidos e organizações mais permeáveis à falta de transparência, ao abuso de poder, ao tráfico de influências e à corrupção. Mas a isso eu não sei responder. É assunto para sociólogos e não para jornalistas.

Explicações de José Manuel Fernandes ao Provedor:

O essencial está explicado no editorial publicado no dia seguinte. Mesmo assim:
a) Não há nenhuma campanha ad hominem. Há investigações sobre factos que chegaram ao conhecimento do jornal (no caso concreto de Sócrates, JAC já investigou um subsídio dado à DECO em condições estranhas, umas escutas telefónicas suspeitas que obteve quando consultou o processo de Luís Monterroso, ex-presidente da Câmara da Nazaré, uma parte da investigação sobre a licenciatura e, agora, nas condições conhecidas, as casas que projectou).
b) Todas essas investigações justificavam-se, pois ou incidiam sobre actos cometidos como membro do Governo ou actos profissionais realizados numa altura em que já era dirigente político, ou levantavam a suspeita de ter beneficiado de uma situação de favor.
c) Foram investigados outros casos relacionados com decisões políticas que não levaram a parte nenhuma e, por isso, não foram publicados.
d) Sendo certo que muitos editoriais do PÚBLICO foram críticos das políticas de Sócrates, outros saudaram medidas por ele tomadas e que eram muito polémicas (como algumas na educação, na saúde e no domínio das finanças públicas).
e) O único perfil de fôlego realizado no PÚBLICO foi escrito pelo mesmo jornalista que investigou o caso da licenciatura, e, na altura, alguns comentadores da blogosfera consideraram-no “hagiográfico”.
f) Há muito mais exemplos, mas seriam redundantes.

A forma como Sócrates e Costa reagiram às revelações do PÚBLICO é nova em Portugal mas habitual noutros países. De uma forma geral, visa intimidar os jornalistas e fazê-los quase sentirem-se culpados antes de publicarem o que quer que seja. Desta vez aquelas reacções foram acompanhadas por dezenas de mails, a esmagadora maioria deles anónimos, quase todos escritos no mesmo tom e utilizando os mesmos argumentos, que foram enviados para a jornal, incluindo para um endereço que os faz chegar a todos os jornalistas.

Nesta campanha foi sistematicamente utilizado um argumento que os próprios sabem ser falso – que tudo seria uma consequência de a Sonaecom ter perdido a OPA sobre a PT –, como me foi reconhecido pessoalmente por um deles. Isso não inibiu os seus assessores de telefonarem para as redacções dos jornais, rádios e televisões nos termos que foram descritos pelo Expresso por ocasião da licenciatura.

O meu estilo pessoal como editorialista pode ser contestado, mas todos os líderes políticos recentes têm, digamos assim, razões de queixa. É verdade que considerei, depois de uma entrevista que deu ao Expresso, que Sócrates era um “político de plástico”. Mas também acusei Paulo Portas de populismo a raiar a xenofobia, Durão Barroso de ser tão fraco que “nunca chegaria a primeiro-ministro”, Santana Lopes de irresponsabilidade, Marcelo Rebelo de Sousa de não ter resistido à tentação do lacrau, Alberto João Jardim de ser um tiranete e por aí adiante. Fi-lo quando entendia que isso se justificava, e o único que fez queixa-crime foi Alberto João Jardim, tendo eu sido absorvido.

Os políticos, todos eles, têm de se habituar à crítica e ao escrutínio público. Mesmo a críticas eventualmente injustas e erradas. Responder-lhes com declarações de guerra é, a meu ver, intolerável por visar coagir os jornalistas e isolar as vozes críticas.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

O PÚBLICO e o privado

Na madrugada do último Natal, um habitante de Alijó (distrito de Vila Real) foi surpreendido pela aparição, à porta da sua casa, do padre da terra, António Aires, vestindo apenas as cuecas, exibindo escoriações pelo corpo e pedindo auxílio para sair de tão insólita quanto embaraçosa situação. Cerca de uma hora antes, após o sacerdote ter assegurado a Missa da Consoada em Sanfins do Douro, e quando se dirigia à sede do concelho para celebrar a Missa do Galo, o seu Mercedes desportivo de dois lugares foi interceptado por desconhecidos, que o retiraram da viatura, o despiram, tê-lo-ão amarrado a uma árvore e levaram-lhe as roupas, sem lhe roubarem nada mais. As autoridades abriram logo investigações, mas não puderam contar com a colaboração do padre, que recusou prestar quaisquer dados sobre os agressores, levando o processo ao impasse.

No dia 26 de Dezembro, a notícia estava em todos os meios de comunicação nacionais, mas o PÚBLICO ia mais longe, apontando para a forte probabilidade de se ter tratado de “um caso com origem passional”. “No concelho, até era comentada publicamente a existência de alegados relacionamentos amorosos com paroquianas”, adiantava o jornal, sublinhando elementos dedutivos como a aparente intenção de humilhar António Aires por quem lhe tirou a roupa ou a sua misteriosa recusa em fornecer informações às forças policiais. Na edição seguinte, o PÚBLICO reincidia: “A pista mais forte aponta para um móbil de natureza passional”. E a 28, no caderno P2, sob o título “António Aires: O padre-treinador a quem sempre ‘puxou a raça’ para as raparigas”, era publicado um perfil de página inteira deste “moderno” sacerdote pós-Vaticano II, amante de carros e futebol, que aí se autodefine deste modo: “Dentro da igreja, sou padre. Cá fora, sou um homem igual aos outros.”

A cobertura do PÚBLICO, a cargo dos jornalistas António Garcias e Pedro Garcias, chocou pelo menos dois leitores, que se sentiram no dever de transmitir a sua indignação ao provedor. Susana Borges foi sintética: “A qualidade das peças deixa muito a desejar, sendo que os senhores Pedro e António Garcias se limitam à emissão de juízos de valor completamente despropositados. Do PÚBLICO esperava um pouco mais de rigor e outro tipo de jornalismo.” E Rui Vilão, assumindo-se como “amigo de familiares do Sr. Pe. Aires de Sousa”, aprofundou as razões da queixa perante esta “excepção relevante” na “sobriedade com que a notícia tem sido tratada: até jornais tidos como populistas e sensacionalistas se têm praticamente limitado à matéria de facto”. O leitor acusa o PÚBLICO de tentar “construir uma teoria baseada nas lucubrações edipianas que ocorrem a qualquer ‘bom cristão’ ciente do preceito disciplinar conhecido por ‘celibato eclesiástico’”, explicitando: “Nada tenho contra a investigação jornalística, claro está, e estou ciente de que este é um assunto difícil, do ponto de vista jornalístico (noticiar o quê, se a vítima não fala?). Mas sucede que a leitura [desses] nacos de prosa (...) me sugere serem estes baseados sobretudo nas convicções íntimas do jornalista. Dizem pois mais sobre a psique de quem escreve do que de quem é retratado e, parece-me, trata-se de matéria mais psicanalítica do que jornalística.” A carta pede assim parecer sobre a “abordagem de folhetim camiliano/freudiano que o PÚBLICO tem adoptado em relação a este assunto”, alegando “que se ultrapassou de forma inaceitável uma barreira que deve ser mantida por qualquer jornal de boa-fé, publicando meras suposições e mexericos, atentatórios do bom nome da vítima (...), e que são vulgarmente designados por calúnias.”

As questões suscitadas pelos leitores são, à partida, pertinentes, na medida em que foi invadida a esfera íntima de um cidadão, o que não só é impedido pelo Estatuto Editorial deste jornal (“O PÚBLICO reconhece como seu único limite o espaço privado dos cidadãos”) como envolve até responsabilidades legais (Art. 192º do Código Penal, sobre a “devassa da vida privada”, concretamente a “intimidade da vida familiar ou sexual”).

No inquérito que, em consequência, o provedor fez sobre estas notícias, apuraram-se algumas daquelas circunstâncias curiosas que fazem com que muitas vezes o jornalismo seja também fruto de uma acumulação de acasos: António e Pedro Garcias não só são irmãos (sendo o primeiro correspondente do PÚBLICO em Vila Real), como, à semelhança do padre Aires, nasceram em Alijó, e encontravam-se na altura a passar o Natal na vila, o que acabou por dar vantagem competitiva ao jornal na cobertura do acontecimento. Explicou Pedro ao provedor que ele e o irmão até conhecem há muito o sacerdote: “Nada tenho contra ele, e durante algum tempo fiz parte da uma tertúlia de amigos em que ele também participava.” Claro que um terreno já frequentado abre portas à pesquisa jornalística: “Com base no conhecimento que ambos tínhamos dele, da existência de informações sobre ameaças que existiam contra ele relacionadas com um alegado envolvimento amoroso com uma mulher da freguesia de Carlão, onde também era pároco, e também do conhecimento directo que pessoas que me são próximas tinham desse relacionamento, tentámos interpretar o sucedido. Antes de escrevermos, contactei com uma fonte da Polícia Judiciária de Vila Real, que também associou imediatamente o caso a razões passionais.”

Não há dúvidas, por outro lado, de que, ao contrário da alegação do leitor quanto a tratar-se de “convicções íntimas do jornalista”, a hipótese apresentada sobre o móbil da agressão está escorada na consulta a fontes locais, não só referidas nos textos como até identificadas. Embora na primeira notícia se diga apenas que “a tese geral aponta para um caso de origem passional” envolvendo um “padre jovem e algo boémio”, na edição seguinte escreve-se que “a pista mais forte aponta para um móbil de natureza passional”, com base nomeadamente em “várias pessoas [de Carlão, que] comentavam ontem que se trata de um ‘assunto de saias’”, e na terceira abordagem cita-se o habitante António Lourenço garantindo tratar-se de “um assunto de mulheres” ou António Heleno, ex-presidente da Junta de Freguesia de Carlão: “Ele gosta de botar a mão no pescoço das meninas. (...) Se calhar, haverá mulheres que, além de padre, o vêem como um homem normal, e sabe como é...”

Não foi feito o contraditório directo com o visado, já que recusou prestar declarações (atitude que não deverá impedir um jornalista de cumprir a sua missão), mas ouviu-se um amigo a declarar que “não acredita que [os incidentes] possam ter tido origem num alegado relacionamento amoroso com alguma paroquiana”.

Resta a sensível questão da intromissão na vida íntima do padre Aires. Apesar das limitações já referidas nesta área, importa sublinhar a admissão de excepções, segundo o Livro de Estilo do PÚBLICO em “situações em que a prática de uma individualidade contradiga frontalmente as suas proclamações públicas ou, tratando-se de titulares de cargos ou responsabilidades públicas, possa vir a ter implicações negativas no respectivo desempenho.” O próprio Art. 192º do Código Penal admite essa possibilidade ao estabelecer que o anúncio público de factos da vida privada de uma pessoa “não é punível quando for praticado como meio adequado para realizar um interesse público legítimo e relevante”.

Como líder espiritual de uma comunidade, o sacerdote António Aires não é um cidadão anónimo, mas alguém com responsabilidades públicas e, logo, sujeito a um maior grau de exposição à curiosidade dos cidadãos e ao seu escrutínio. Sendo do âmbito da sua esfera íntima, um eventual envolvimento amoroso põe em causa o juramento profissional que fez e com base no qual desempenha as suas funções públicas (que incluem o ensino da disciplina de Educação Moral, Religiosa e Católica na escola básica de Alijó). Aos paroquianos assiste o direito de decidir se uma eventual quebra do voto de castidade do seu padre põe ou não em causa a relação de confiança que com ele estabeleceram. Aliás, nesta matéria, a própria Igreja Católica não separa, nos seus clérigos, a vida pública da vida privada, fazendo depender uma coisa da outra. Por outro lado, a agressão e sequestro de que o sacerdote foi vítima terão causado natural alarme entre a população, sendo do interesse geral o apuramento da verdade dos factos, que de resto constituem crime público.
O provedor entende assim que as notícias saídas no PÚBLICO sobre o caso do padre Aires possuem toda a legitimidade, por se incluírem nas excepções previstas quanto à preservação da vida íntima. Não quer isto dizer que o PÚBLICO revelou a verdade definitiva sobre o assunto, mas sim que foi até onde pôde com base nas informações recolhidas pelos seus jornalistas e sem violar nenhum princípio.

NOTA: A propósito da prática de imputação de notícias às fontes, que ocupou as duas anteriores crónicas desta secção, os jornalistas Vicente Jorge Silva e José Mário Costa voltaram a replicar ao provedor. Dado que a polémica assumiu um tom demasiado especializado, que pode interessar aos profissionais mas menos ao público em geral, o provedor decidiu que ela deveria prosseguir no seu blogue (http://provedordoleitordopublico.blogspot.com), libertando esta página para a abordagem de outros temas.

Publicada em 10 de Fevereiro de 2008

Documentação complementar

Cartas dos leitores:

Peço-lhe que atente nas notícias relativas à agressão de que foi vitima o Pe. Aires no concelho de Alijó na noite de Natal. Permita-me dizer-lhe que a qualidade das peças deixa muito a desejar, sendo que os senhores Pedro e António Garcias se limitam à emissão de juizos de valor completamente desprositados. Do PÚBLICO esperava um pouco mais de rigor e outro tipo de jornalismo.

Susana Borges

Enquanto amigo de familiares do Sr. Pe. Aires de Sousa, não pude deixar de me interessar pelo recente caso de agressão de que foi alvo. Esse interesse é extensivo também ao tratamento noticioso que foi dado ao acontecimento, dificultado, como se sabe, pela dificuldade em obter matéria de facto, dado o black-out por que optou o sacerdote.

Este black-out teria como consequência, como seria fácil de antever, a proliferação de mexericos de toda a natureza sobre as razões da agressão. Para um leitor médio como eu, tal seria uma forma de aferir a idoneidade e a seriedade com que os diferentes meios de informação tratam as notícias, em situações de dificuldade de obter matéria jornalística.

Devo confessar que fiquei muito espantado, pela positiva, com a sobriedade com que a notícia tem sido tratada. Até jornais tidos como populistas e sensacionalistas se têm praticamente limitado à matéria de facto, mesmo quando irrelevante (segundo o meu critério, claro está).

Com uma excepção relevante: há um periódico que se tem destacado pela "investigação jornalística", tentando construir uma teoria baseada nas lucubrações edipianas que ocorrem a qualquer "bom cristão" ciente do preceito disciplinar conhecido por "celibato eclesiástico". Trata-se do PÚBLICO. Nada tenho contra a investigação jornalística, claro está, e estou ciente de que este é um assunto difícil, do ponto de vista jornalístico (noticiar o quê, se a vítima não fala?). Mas sucede que a leitura dos nacos de prosa publicados nos dias 26, 27 e 28 de Dezembro (culminando no artigo com o pitoresco título: "António Aires: O padre-treinador a quem sempre "puxou a raça" para as raparigas") me sugere serem estes baseados sobretudo nas convicções íntimas do jornalista. Dizem pois mais sobre a psique de quem escreve do que de quem é retratado e, parece-me, trata-se de matéria mais psicanalítica do que jornalística.

Venho assim perguntar ao Sr. Director e ao Sr. Provedor em que medida subscrevem esta abordagem de folhetim camiliano/freudiano que o PÚBLICO tem adoptado em relação a este assunto e se não lhes parece, como a mim, que se ultrapassou de forma inaceitável uma barreira que deve ser mantida por qualquer jornal de boa-fé, publicando meras suposições e mexericos, atentatórios do bom nome da vítima (a propósito, também se aplica às vítimas a presunção de inocência?), e que são vulgarmente designados por calúnias.

Rui Vilão

Explicações do jornalista Pedro Garcias:

Este trabalho, que não se tratou de nenhuma história de investigação, foi muito complicado, pelo melindre da questão. Acontece que perante a informação de que o dito padre, quando se deslocava de Sanfins do Douro para Alijó a fim de ir rezar a Missa do Galo, foi agredido, despido e preso a uma árvore, tanto eu como o António Garcias, que é meu irmão e é desde há pouco tempo correspondente do PÚBLICO em Vila Real, decidimos que o assunto tinha relevância pública e que, por isso, devíamos fazer uma notícia. Por acaso, nesse dia, estávamos ambos em Alijó, de onde somos naturais, tal como o padre, que conhecemos há muito tempo. Nada tenho contra ele, e durante algum tempo fiz parte da uma tertúlia de amigos em que ele também participava.

Perante aquela informação, veiculada pelos Bombeiros de Alijó, procurámos averiguar sobre o que se tinha passado. E com base no conhecimento que ambos tínhamos dele, da existência de informações sobre ameaças que existiam contra ele relacionadas com um alegado envolvimento amoroso com uma mulher da freguesia de Carlão, onde também era pároco, e também do conhecimento directo que pessoas que me são próximas tinham desse relacionamento, tentámos interpretar o sucedido. Antes de escrevermos, contactei com uma fonte da PJ de Vila Real, que também associou imediatamente o caso a razões passionais.

O que estava em causa: um padre tinha sido arrancado do seu automóvel, agredido, despido e preso a uma árvore. No mínimo, estávamos perante um crime de agressão e de sequestro, e só a possibilidade de poder ter ocorrido um sequestro, pela sua gravidade, obrigava-nos a fazer a notícia. Tratava-se de um caso grave, com grande impacte na sociedade, e, no entanto, o padre, a própria vítima, não apresentou queixa. O facto de ter aparecido despido indiciava que alguém o quis humilhar e dava ainda mais crédito à tese de que o móbil era de origem passional.

Pela sua posição na sociedade e pela gravidade do caso, o padre tinha o dever de contar às autoridades o que se passou. Mais: enquanto vítima, o padre é também testemunha e, à luz do Códido do Processo Penal, está obrigado a dizer a verdade. Não o fazendo, pode ser constituído arguido. E então, como arguido, pode recusar-se a falar. E nunca ninguém saberá o que aconteceu. Foi exactamente o que aconteceu.

O PÚBLICO podia ter optado pela posição mais fácil, que era dizer que o padre tinho sido vítima de agressões, despido e sequestrado, desconhecendo-se autores e os motivos. Foi isso que a maioria dos jornais fez. Nós fomos mais longe, correndo riscos, é verdade, mas baseados em dados que os outros jornalistas não tinham. Entre não escrever mais nada ou procurar uma causa para o sucedido, assumindo-a, optámos pela segunda. E fizemo-lo também porque amigos e familiares do padre fizeram passar imediatamente a tese de que o padre não falava porque os seus agressores o tinham ameaçado de que se falasse as próximas vítimas seriam a irmã e o pai. E relacionavam essas ameaças com a comissão fabriqueira de Sanfins do Douro, que não estaria contente com a forma como o padre andava a investigar as contas daquela entidade. Ora, como apurámos, isso não era verdade; e, se não tivéssemos avançado com nenhuma tese, as dúvidas recairiam injustamente sobre aquela comissão fabriqueira. Como é dos livros e da própria memória da sociedade transmontana, um problema daquela natureza não suscita uma reacção que leve os agressores a despirem o padre. Quem quer despir o padre é porque tenciona humilhá-lo e expôr a sua parte mais intima perante todos. E comportamentos destes, como explica a ciência forense, têm sempre uma razão passional por trás.

E se a verdade for outra? Nesse caso, o PÚBLICO errou. E perante esse erro, teríamos que assumir as nossas responsabilidades. Mas todos os dados de que dispúnhamos apontavam e continuam a apontar para um crime de origem passional. E tanto eu como o meu irmão escrevemos de boa fé e na convicção de que estávamos a contar a verdade. E o silêncio do padre só nos dá razão.

Sobre o perfil que tráçámos para o P2, julgo que o seu teor é inquestionável. Tentámos fazer um retrato do padre, sublinhando alguns aspectos que na nossa opinião são relevantes, como o facto de ele gostar de carros de alta cilindrada (na noite do crime, seguia num Mercedes desportivo de dois lugares), de ser treinador de futebol e de futsal. E apontámos também contradições (a questão dos carros colide com a moral católica, que apela ao despojamento de bens materiais), como o facto de gostar de bares e discotecas e ter proibido bailes populares durante o dia de festa numa das freguesias onde é pároco.

(...) O padre continua a não querer falar, e como não fala não há vítimas, pelo que a PJ passou o caso para o Ministério Público. Uma vez que havia a suspeita de ter havido um sequestro e sendo este um crime público, é possível que MP venha a constituir o padre como arguido. Mas a tese da PJ, com base na expoeriência adquirida, é a de que o caso vai ser arquivado. Porque no momento em que o padre for constituído arguido, por se recusar a colaborar com a Justiça enquanto testemunha do que aconteceu, ele deixará de estar obrigado a falar. Ou seja: nunca se saberá o que aconteceu. E é exactamente isso o que o padre quer. Ele tem o direito de se remeter ao silêncio, mas, na minha opinião, pela gravidade do que aconteceu e uma vez que a população ficou perturbada, ele tinha obrigação de falar. E, se tivesse sido ameaçado, então ainda mais obrigação tinha. Se o padre se deixa calar por ameaças, que fará o povo? Obviamente que ele não quer falar porque teria que tornar pública uma situação do seu foro íntimo que poderia colocar em risco a sua carreira de padre e o seu nome. Se não é nada disto, então só tinha uma coisa a fazer: contar a verdade e processar o PÚBLICO.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Vicente Jorge Silva e José Mário Costa reagem à última crónica do provedor

(Actualizado em 9 de Fevereiro, sábado, com nova carta e nova resposta)

Na sua réplica ao desmentido que lhe enviámos (“A excepção e a regra”, PÚBLICO de 3 de Fevereiro p. p.), Joaquim Vieira (JV) volta a distorcer o que está estabelecido no Livro de Estilo do jornal, tanto na sua 1.ª edição, de que fomos os autores, como na sua actual versão. Escreveu ele o seguinte:

«Existe algo de esquizofrénico num Livro de Estilo que, por um lado, pede a identificação das fontes “com a maior precisão possível” e, por outro lado, apresenta como única alternativa a omissão total de referência a essas mesmas fontes.»

Convenhamos: se verdadeiramente há «algo de esquizofrénico», é a relação do novo provedor com um Livro de Estilo que, enquanto estiver em vigor, constitui a principal referência técnica e ética para os jornalistas do PÚBLICO. Ou será que os jornalistas passarão a ter de enfrentar, esquizofrenicamente, dois critérios contraditórios: os do Livro de Estilo e os de Joaquim Vieira? É imperioso que a direcção editorial do PÚBLICO esclareça esta matéria e também que explique aos leitores e aos jornalistas do PÚBLICO se a relação conflitual do novo provedor com o Livro de Estilo foi previamente discutida com ele. Fará sentido contratar um provedor que discorda de normas importantes do Livro de Estilo? E, sendo assim, fará sentido ele aceitar o cargo? Já nada nos espanta, tendo em conta a velha hostilidade militante do novo provedor à criação deste diário. Ei-lo, 18 anos depois, investido no papel de grande educador da ética e da deontologia dos jornalistas do PÚBLICO. Não será este um sintoma suplementar – e irónico – de esquizofrenia?

Entretanto, somos forçados a voltar ao assunto, esperando que, desta vez, a nossa resposta seja integralmente publicada, ao contrário do que sucedeu na semana passada. Assim,

a) Não é verdade que, nas condições excepcionais das informações confirmadas sob condição de sigilo, o Livro de Estilo «apresente como única alternativa a omissão total de referência a essas (…) fontes». Bastaria a JV um pouco do rigor que costuma exigir aos outros, uma vez mais:

«(…) o sigilo deverá ser admitido apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação ou a sua confirmação. Nesses casos, e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula “uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato” (…). Nos casos excepcionais em que [se] aceita atribuir uma informação não identificada, a despistagem ou protecção do informador deve ser cuidada, mas não enganosa e implica rigor e seriedade.

Rigor: uma fonte não são “fontes”, uma informação prestada pelo dirigente X, pela tendência Y ou pelo MNE não pode ser atribuída indistintamente a “meios clubísticos”, “partidários” ou “diplomáticos” (…).

Seriedade: o leitor tem o direito de saber, por exemplo, que a informação X envolve especificamente a corrente (ou os interesses) Y. Uma declaração ou um comentário nunca devem ser atribuídos a fontes anónimas. (…)

O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte de informação. A protecção das fontes determina uma maior responsabilidade do jornalista naquilo que escreve, e nela se joga boa parte da credibilidade do jornal. (…)

As expressões do tipo “várias fontes” não podem ser utilizadas sem que o jornalista as individualize, na mesma notícia. O jornalista deve quantificar de forma exacta as suas fontes (ex.: “duas fontes disseram ao ‘Público’”; “três fontes reconheceram…”
[págs. 71-72 e 33-34, respectivamente].»

b) O que está em causa nesta matéria – excepcional, repete-se – da confidencialidade das fontes não é, pois, a «ausência de regras», como fica atrás sobejamente demonstrado – e que, só por si, dispensaria JV de mais uma recomendação… gratuita. O que está em causa são as circunstâncias ainda mais especiais em que o simples recurso à fórmula “fonte próxima de” pode denunciar directa ou indirectamente a origem da informação. Por exemplo, uma informação política. Se ela foi obtida, e confirmada junto de um determinado ministro, sob compromisso de absoluto sigilo, acaso seria mais honesto o recurso sugerido por JV do subterfúgio da “fonte partidária” ou da “fonte bem informada”, em vez da sua assunção pelo jornalista, como advoga o Livro de Estilo do jornal?

c) Ou seja (e foi esta a questão final que deixávamos a JV e a que ele evitou responder, não a transcrevendo sequer na nossa anterior resposta): uma notícia não rigorosa ou simplesmente falsa tornar-se-á mais rigorosa ou verdadeira se o seu autor recorrer a qualquer das fórmulas sugeridas por JV? E o autor ficará mais ou menos responsabilizado perante os seus leitores?

José Mário Costa/Vicente Jorge Silva
(autores da 1.ª edição do Livro de Estilo do PÚBLICO)


RESPOSTA DO PROVEDOR:

O provedor está perplexo com esta carta. Não se trata apenas da hostilidade, que chega a ser insultuosa (e, a esse respeito, a carta define quem a escreve). Trata-se sobretudo da total falta de rigor, invocando regras certamente bem intencionadas mas que, na realidade, não fazem parte do actual Livro de Estilo do PÚBLICO (conferir as tais páginas 33-34, citadas pelos subscritores, do Livro de Estilo, 2ª edição, Lisboa, ed. Público, 2005).

É o que acontece com estas passagens:

«(…) Nesses casos, e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula “uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato”.

O leitor tem o direito de saber, por exemplo, que a informação X envolve especificamente a corrente (ou os interesses) Y.

O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte de informação. A protecção das fontes determina uma maior responsabilidade do jornalista naquilo que escreve, e nela se joga boa parte da credibilidade do jornal.»


O provedor ignora onde foram Vicente Jorge Silva e José Mário Costa buscar estas normas, admitindo, como hipótese mais benigna, que possam ter integrado a primeira versão do Livro de Estilo – que porém ele não conhece nem tem de conhecer. Com efeito, o actual provedor do leitor é-o do PÚBLICO de hoje, não do PÚBLICO dos anos 90, pelo que é sua obrigação usar como referência apenas o normativo em vigor no seu mandato. O facto é que tais lapsos (hipótese benigna, de novo) dos subscritores (tal como, já na sua anterior carta, a incorrecta colocação da inexistente palavra «sempre» na norma «uma informação deve ser [sempre] atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível») acabam por destruir pela base a sua argumentação, e vir até – decerto involuntariamente – dar razão às considerações do provedor sobre o que considera ser uma insuficiência do actual Livro de Estilo.

Isto quanto à questão substancial. No que respeita ao resto, valerá apenas responder a estas perguntas suscitadas por Vicente Jorge Silva e José Mário Costa: «Fará sentido contratar um provedor que discorda de normas importantes do Livro de Estilo? E, sendo assim, fará sentido ele aceitar o cargo?» Como o provedor escreveu na sua primeira crónica (publicada em 06/01/08), «recorrerei também a esses normativos [Estatuto Editorial e Livro de Estilo do PÚBLICO e Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses], não me coibindo, se julgar necessário, de apontar aí fragilidades, deficiências ou contradições e, no caso do Livro de Estilo, de fazer sugestões para o seu aperfeiçoamento.» É com efeito entendimento do provedor que o Livro de Estilo não é a Bíblia sagrada, mas um documento dinâmico e evolutivo, que pode e deve ser melhorado com a experiência e a reflexão (já houve uma revisão, é natural que venham a existir outras – até a Constituição norte-americana sofreu, até hoje, 27 emendas, e a portuguesa vai pelo mesmo caminho). É claro que o guia orientador do trabalho dos jornalistas do PÚBLICO é o Livro de Estilo, não as recomendações do provedor, e que os responsáveis do jornal nem sequer têm a obrigação de seguir essas recomendações (o que também era dito na crónica inaugural). Se, contudo, a reflexão efectuada pelo provedor contribuir para o aperfeiçoamento do Livro de Estilo, ele sentirá ter cumprido uma das componentes mais importantes da sua missão.

Esclarecimento final: o corte de que os subscritores se queixam na sua anterior carta foi feito não pelo provedor, como acusam, mas por quem na véspera fechou a edição do PÚBLICO, presumivelmente por falta de espaço. Porém, o provedor acata inteiramente esse corte. Como sabem Vicente Jorge Silva e José Mário Costa, jornalistas com muitos anos de experiência profissional, o espaço de um jornal é limitado, o que implica muitas vezes a redução de documentos e outros textos, embora mantendo-se o essencial do seu conteúdo. Também a crónica do provedor não é elástica. Para obviar a isso, é que a anterior carta, tal como esta, foi publicada aqui na íntegra.


NOVA RÉPLICA DE VICENTE JORGE SILVA E JOSÉ MÁRIO COSTA:

Joaquim Vieira continua a não responder à questão de fundo que nos levou a confrontá-lo desde que entendeu fazer tábua rasa do que está estabelecido no Livro de Estilo do PÚBLICO, desde a sua fundação: uma notícia não rigorosa ou simplesmente falsa não se torna mais rigorosa ou verdadeira mesmo que “sustentada” na estafada fórmula anónima da “fonte próxima de”.

JV não só não responde a esta questão como deturpa por completo o sentido das transcrições que fazíamos propositadamente das duas edições do Livro de Estilo (a 1.ª, de que fomos os autores, e a vigente, que, no essencial, segue a matriz da edição pioneira – nomeadamente na questão em causa das fontes e do tratamento do off-the-record).

Em qualquer delas se atestava a falsidade recorrente de JV, que “descobriu” que o jornal, imagine-se, nestes 18 anos de existência, primava pela «ausência de regras universalmente aceites»!

Numa e noutra edição – na nossa opinião, de forma bem mais clara, até de consulta, na primeira –, a doutrina é a mesma, variando, por vezes, só a formulação.

Daí, propositadamente, as transcrições que fizemos do que está estabelecido desde sempre no jornal – seja na regra geral da identificação das fontes, seja nos casos excepcionais do anonimato e do off-the-record.

a)

«(…) Uma informação deve ser sempre atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível – nome, idade e profissão, cargo ou função. O jornalista deve bater-se sempre por esse nível de identificação. A identificação – e a individualização – da fonte favorece a autoridade e a credibilidade da informação. (…)» [1.ª edição, pág. 69]

«Uma informação deve ser atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível – nome, idade e profissão, cargo ou função. O jornalista deve bater-se sempre por esse nível de identificação. A identificação – e a individualização – da fonte favorece a autoridade e a credibilidade da informação.» [edição vigente, pág.32]

b)

«(…) o sigilo deverá ser admitido apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação ou a sua confirmação. O sigilo deve ser sempre justificado, de modo a não ser pretexto fácil de desresponsabilização do autor ou da fonte de informação. A protecção das fontes determina uma maior responsabilidade do jornalista naquilo que escreve, e nela se joga boa parte da credibilidade do jornal. (…)» [1.ª edição, pág. 69]

«O anonimato e o off-the-record devem ser considerados excepções e só existem para proteger a integridade e a liberdade das fontes, não são formas de incitamento à irresponsabilidade das fontes. O jornalista deve sempre confrontar a fonte (…)» [edição vigente, pág.33]

«(...) Nesses casos, e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula "uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato".» [1.ª edição, pág. 69]

«As expressões do tipo “várias fontes” não podem ser utilizadas sem que o jornalista as individualize, na mesma notícia. O jornalista deve quantificar de forma exacta as suas fontes (ex.: “duas fontes disseram ao PÚBLICO”; “três fontes reconheceram…”» [edição vigente, pág.33]

Pergunta-se, de novo: o que é que há aqui de «esquizofrénico», como escreveu JV («por um lado, pede[-se] a identificação das fontes “com a maior precisão possível” e, por outro, apresenta[-se] como única alternativa a omissão total de referência a essas mesmas fontes»)?

Só mesmo o provedor do “Público” poderá explicar a sua leitura, ditada por uma lógica, essa, sim, que escapa às «regras universalmente aceites».

Não admira por isso que a publicação desta nossa discordância tenha sido desviada do espaço impresso do jornal, sob o absurdo pretexto invocado por JV.

José Mário Costa/Vicente Jorge Silva


RESPOSTA DO PROVEDOR:

O provedor congratula-se por Vicente Jorge Silva e José Mário Costa reconhecerem finalmente que tresleram o actual Livro de Estilo do PÚBLICO e que aquilo que antes insistiam ser seu articulado afinal não está lá. É particularmente o que se passa com esta norma crucial: “Pode utilizar-se a fórmula ‘uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato’”. Ficamos agora a saber, pela nova carta de ambos, que esta era uma regra constante do Livro de Estilo original, desaparecida com a sua revisão.

E isso faz toda a diferença. A manter-se, esta norma, que faz parte das tais “regras universalmente aceites no jornalismo” aconselhadas pelo provedor, ela permitia a gradação progressiva da referência às fontes entre, por um lado, a identificação total e, por outro, o anonimato total – o qual para o Livro de Estilo pode significar nem sequer mencionar contactos com fontes, o que permite esta terrível frase: “Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas”.

Nesse caso, já não haveria razão para o provedor ter lançado o alerta que desencadeou este debate. Mas, não sendo assim, o provedor insiste que está criado um vazio no Livro de Estilo, que admite só as duas atitudes extremas no que respeita à imputação de informações às fontes, vazio cuja inexistência Vicente Jorge Silva e José Mário Costa, nas citações que têm feito com mais ou menos rigor (que inicialmente não tinham, apesar de o exigirem aos outros) não conseguem provar.

Apesar dos progressos, o provedor sublinha que os seus dois antagonistas continuam a recorrer a raciocínios falaciosos, como por exemplo alegarem que “ele ‘descobriu’ que o jornal, imagine-se, nestes 18 anos de existência, primava pela ‘ausência de regras universalmente aceites’”. Quem ler os textos do provedor sabe que eles se debruçam apenas sobre a prática actual do PÚBLICO, não a do seu passado, e portanto o argumento nem sequer merece resposta.

A Vicente Jorge Silva e José Mário Costa incomoda que o provedor não tenha respondido a esta “questão de fundo” por eles já antes colocada: “Uma notícia não rigorosa ou simplesmente falsa não se torna mais rigorosa ou verdadeira mesmo que ‘sustentada’ na estafada fórmula anónima da ‘fonte próxima de’”. Com toda a sinceridade, o provedor julgava não ter de responder: por um lado, porque a resposta ficou dada logo na primeira crónica que dedicou ao assunto, por outro, porque julgou tratar-se de questão meramente retórica, daquelas para as quais não se espera resposta. Mas, uma vez que insistem (derradeira trincheira argumentativa?), o provedor tem todo o gosto em esclarecer:

Não é a forma de imputação às fontes que torna as notícias mais verdadeiras, é o profissionalismo e a consciência ética do jornalista. A imputação, tão rigorosa e aproximada quanto possível, deve ser feita sobretudo tendo em atenção o destinatário da notícia. Era essa a resposta que o provedor dera na sua primeira crónica sobre a matéria: “Conhecendo a origem das notícias, o público está em melhores condições para avaliar o seu contexto e julgar da sua solidez e fundamentação”. Ou seja, o interesse do público deve estar acima do interesse da fonte, e essa é a razão fundamental para o esforço a fazer por um jornal de referência no sentido de evitar a total ausência de menção das suas fontes, como se elas nem existissem.

As regras de The Washington Post sobre fontes, citações e atribuições, já mencionadas numa das crónicas do provedor, são a este respeito particularmente enfáticas ao estabelecerem exemplos: “Isto significa evitar atribuições a ‘fontes’ ou a ‘fontes informadas’. Em vez disso, devemos tentar fornecer ao leitor algo mais, como ‘fontes conhecedoras do pensamento dos advogados de defesa do processo’, ‘fontes cuja actividade lhes permite contacto com o executivo municipal’ ou ‘fontes no gabinete do governador que discordam da sua política’”. As regras do diário norte-americano nem sequer prevêem formulações do género “o PÚBLICO sabe que”, “segundo o PÚBLICO apurou” ou “segundo informações apuradas pelo PÚBLICO”, tão ao gosto do nosso meio jornalístico.

É claro que o jornalista mais descuidado, não estando obrigado a mencionar fontes, poderá sentir-se dispensado de se sujeitar apenas à informação recebida dessas fontes, entrando facilmente na especulação. Foi isso que o provedor quis mostrar ao lembrar a notícia do PÚBLICO de há três anos intitulada “Cavaco Silva aposta em maioria absoluta do PS”.

O provedor constata que, infelizmente, este não é problema exclusivo do PÚBLICO, tratando-se antes de uma prática expandida pela generalidade do jornalismo português, e sobre a qual não se produz reflexão doutrinária substancial.

Mais mil milhões, menos mil milhões

Acabei de ler o artigo (escrito por Rosa Soares) sobre o último orçamento norte-americano no PÚBLICO do dia 5 de Fevereiro ["Bush apresenta despesa recorde e défices ultrapassam 400 mil milhões de dólares", pg. 31] e não consigo deixar de estar estupefacto com os erros em relação aos números apresentados. As minhas suspeitas de que algo estaria errado surgiram com a referência feita a milhões de milhões quando se fala em biliões: "Bush apresentou um plano de despesas que ultrapassa pela primeira vez os três biliões de dólares (milhões de milhões)." Esperava que os jornalistas do PÚBLICO soubessem que para os norte-americanos um bilião é um milhar de milhões e não um milhão de milhões. Em seguida, fiz uma pesquisa rápida na internet e facilmente encontrei toda a informação na página oficial da Casa Branca (http://www.whitehouse.gov/omb/budget/fy2008/summarytables.html). Comecei a comparar números e cheguei a conclusão de que são raros os números iguais no artigo e na página. Esperava uma maior qualidade na redacção dos artigos no PÚBLICO. Depois disto, vai ser muito difícil para mim acreditar nos números que possam aparecer em artigos no vosso jornal.

Nuno Curado

RESPOSTA. Por solicitação do provedor, a jornalista Rosa Soares produziu o seguinte esclarecimento:

O leitor tem toda a razão em relação à questão de os biliões, para os norte-americanos, serem milhares de milhões e não milhões de milhões. O próprio Livro de Estilo do PÚBLICO tem essa informação. Não serve de desculpa, mas gostaria apenas de dizer que a primeira informação que li sobre a matéria falava em triliões. Acabei por utilizar a informação de várias agências internacionais que referiam biliões, tendo sido traída pela primeira referência. A notícia foi construída com base em informação difundida por agências de informação internacionais (Reuters, AFP) e não por consulta directa à informação oficial, o que evitaria o erro. Peço desculpa aos leitores do PÚBLICO e agradeço a chamada de atenção de Nuno Curado.

Escrito subscrito sobre o sobrescrito

A propósito de um texto publicado hoje, 6 de Fevereiro, venho apenas chamar a atenção para alguma falta de cuidado na redacção e revisão (será que existe?) das notícias. No artigo "Hospital cobra 152 euros em casos de violência doméstica" [pg. 2], lê-se, a dada altura, uma frase que se inicia por "no mesmo subscrito". Ora, se nem o jornalista nem o revisor sabem como se deve escrever a palavra "sobrescrito", existem por aí muitos dicionários que os poderiam auxiliar. O que não me parece correcto, e muito menos didáctico, é que se utilize uma palavra que, além de mal escrita, tem um significado completamente diferente. Mais valia ter escolhido o tão mais simples "envelope".

Ana Manso

P.S. - Não quero com isto parecer "picuinhas" em relação à escrita. No entanto, numa época em que, cada vez mais, as pessoas tomam como lei aquilo que vêem escrito na comunicação social, parece-me necessário chamar a atenção para este tipo de situações.

NOTA DO PROVEDOR. Os puristas dizem que "envelope" é um galicismo desnecessário. Mas que toda gente o usa, isso é verdade.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Detalhes que contam

Na edição de 20 de Janeiro, deparei com algumas anomalias em textos insertos nas rubricas "Destaque" e "Portugal":

Texto de Fernando Sousa (pág. 2, 1ª coluna): "e só 17 por cento conheceu o capitalismo"; "Candidatou-se, pois sem esse requesito"; "foram fartos de rumores, o mais insistente que estava à morte."; 2ª coluna: uma construção que se não é totalmente anfibológica também não é explícita, "Se não for confirmado no cargo, como alguns dirigentes desejam, como o presidente da ANPP, Ricardo Alarcón, que no mês passado disse sobre Fidel que "seria o melhor candidato para presidir ao país"; pág. 3, 3ª coluna: "Cinquenta por cento dos concorrentes saem da escolha de Fevereiro-Março. Os restantes pelos sindicatos e 'organizações de massas'".

Texto de Filomena Fontes e Lurdes Ferreira (pág. 4, 2ª coluna): não haveria forma mais imediatamente descodificável de nos dizer o que é causa (e de quê) e consequência (e de quê) do esta construção: "Sócrates reafirmou, por outro lado, que não haverá quaisquer atrasos no calendário das ligações de comboio de alta velocidade (TGV) entre Portugal e Espanha, em resposta às dúvidas sobre eventuais atrasos na ligação Lisboa-Madrid, prevista para 2013, por causa da construção da terceira travessia do Tejo que vai apoiar o futuro aeroporto no campo de tiro de Alcochete."? Talvez a mudança de alguns constituintes frásicos ajudasse (por exemplo: "Sócrates reafirmou, por outro lado, em resposta às dúvidas sobre eventuais atrasos na ligação Lisboa-Madrid, prevista para 2013, que não haverá quaisquer atrasos no calendário das ligações de comboio de alta velocidade (TGV) entre Portugal e Espanha por causa da construção da terceira travessia do Tejo que vai apoiar o futuro aeroporto no campo de tiro de Alcochete.").

Texto de Filomena Fontes (pág. 5, 3ª coluna): "de utilizar o acombate (sic) ao terrorismo do Governo socialista"; há, de facto, governos cuja actuação mais parece terrorismo puro, mas, na situação em causa, se o combate fosse do "Governo socialista ao terrorismo" não "disfarçaria" mais?

Mário Pinto

Anglicismo

Desagrada-me cada vez mais encontrar frequentemente inglesismos e outros estrangeirismos nas notícias do PÚBLICO, quando existem termos portugueses para o efeito. Vem a propósito da palavra ranking, que abusivamente se utiliza, sem todavia esclarecerem os simples ignorantes como eu do que ela significa. Fui aos dicionários Novo Michaelis, 1974, v. I, inglês-português, pg. 768; Inglês-Português do P.e Júlio Albino Ferreira, 1935, pg. 567; Webster's Third New International Dictionary, pg. 1881. No de língua portuguesa a palavra não consta e neste de língua inglesa só existe ranking bar; ranking jumper, ranking member. The Heritage Illustrated Dictionary of the English Language de 1975 é o único que tem a palavra (pg. 1081), mas com o significado: of the highest rank e pre-eminent. Naqueles dicionários a palavra rank significa "classificar", "ordenar", etc. É óbvio que o ranking que aparece no PÚBLICO quer dizer outra coisa, pois, se assim fosse, utilizariam as palavras portuguesas. Agradeço-lhe que me informe qual o significado verdadeiro de ranking nas várias notícias que aparecem no jornal.

António Serralheiro

NOTA DO PROVEDOR. A palavra "ranking", que já aparece no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, embora em itálico (significando tratar-se de um estrangeirismo), é daqueles anglicismos que, à força da repetição, acabarão mesmo por ser incorporados na língua poruguesa. O significado que o Houaiss lhe dá é "classificação". A língua é uma realidade dinâmica, que não pode ser contrariada por decreto. Nada a fazer.

ACTUALIZAÇÂO:
Quer dizer que temos que admitir o termo "ranking"? Então por que não o escrevem "rânquingue", de acordo com a índole do idioma?

A. Serralheiro

RESPOSTA DO PROVEDOR:
A ortografia é um dos poucos aspectos da língua que ainda podem ser impostos por decreto. Mas, para chegarmos à grafia sugerida pelo leitor, temos de esperar que os linguistas se pronunciem oficialmente. Até lá, será melhor ir escrevendo a palavra à inglesa, em itálico.

Contra a discriminação animal

Hoje [30/01/08] comprei o PÚBLICO mas estou arrependido. Na capa tinham o título "Conheça os 10 anfíbios mais estranhos (e nojentos) do mundo". Por que razão é que os anfíbios são nojentos? Já viu algum anfíbio "nojento"? Eu estudei-os ao longo de diversos anos e nunca nenhum deles me meteu qualquer género de asco, como certos mamíferos, nomeadamente algumas pessoas com cheiro a suor ou urina ou cães com um cheiro intenso, peladas, babados e por aí fora. Estou muito triste porque o meu jornal favorito, que leio desde criança, se deixou levar por um cliché - ainda por cima na capa! - tão estúpido quanto desinformado, pois aposto que quem o escreveu não conhece bem o que é um anfíbio. Eu conheço-os. Este género de títulos, além de desnecessários, podem levar as pessoas a maltratar estes animais, pois afinal são apenas animais "nojentos" dos quais nos devemos livrar. Os anfíbios são o mais ameaçado de todos os grupos animais, com mais de um terço das espécies em risco de extinção, e são absolutamente indispensáveis na cadeia alimentar, pois são predados em massa por aves, répteis e mamíferos. Assim, despertar ódios face a um grupo animal fulcral, além de odioso e absolutamente gratuito, é também irresponsável.

Nuno Baptista
ex-herpetólogo da Unidade de Biologia da Conservação da Universidade de Évora

A excepção e a regra

A anterior crónica do provedor, sobre a ausência de imputação de notícias a fontes de informação, suscitou reacções de quem teve e de quem tem grande relevo na produção deste jornal, pelo que vale a pena regressar hoje ao assunto, tanto mais que é ponto fulcral na prática do jornalismo.

Dois dos fundadores do PÚBLICO, Vicente Jorge Silva (VJS), seu primeiro director, e José Mário Costa (JMC), escreveram ao provedor acusando-o de, no texto de há uma semana, “distorcer por completo o que nessa matéria está estabelecido no Livro de Estilo (LE) do jornal”:

“Não é verdade que o LE ‘aconselhe’ a não imputação das fontes – antes pelo contrário! Nem é verdade, tão-pouco, que a ressalva aí referida sobre as condições excepcionais do sigilo profissional (é disso que se trata, e não de ‘norma’ nenhuma) ‘desobriga o jornalista de reproduzir com rigor as informações recolhidas junto das fontes, abrindo o caminho à especulação e à fantasia’.

Bastava a JV [o provedor] um pouco mais de rigor, não se limitando a truncar a frase citada, descontextualizando-a de todo o respectivo capítulo de 10 pormenorizadas páginas especialmente dedicadas ao tema das fontes e do sigilo profissional – seja na 1.ª edição do LE (da nossa inteira responsabilidade), seja na sua posterior e mais aligeirada (e confusa) versão actual. Numa e noutra, está prescrito, sem qualquer margem de ambiguidade: ‘Uma informação deve ser sempre atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível – nome, idade e profissão, cargo ou função. O jornalista deve bater-se sempre por esse nível de identificação. A identificação – e a individualização – da fonte favorece a autoridade e a credibilidade da informação.’ E vem agora JV recomendar, ex cathedra, ‘a adopção [em próxima revisão do LE] das regras universalmente aceites quanto à invocação das fontes para fundamento das notícias’!...

O que JV escamoteia é que nessas ‘regras universalmente aceites’ há também as situações-limite do anonimato e do off-the-record. No que o LE ‘inovou’ – como depreciativamente lhe chama JV – foi na dissuasão do uso e do abuso das fontes anónimas, quantas vezes enganosas e perfeitamente fantasmas, sem o mínimo de rigor e seriedade, nomeadamente quando está em causa informação sigilosa.

É nestas condições excepcionais de preservação da confidencialidade de uma ou mais fontes (‘circunstâncias especiais justificam, por vezes, a não identificação das fontes de informação’), admitidas ‘apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação’, que o LE advoga – e bem – a responsabilização acrescida do jornalista e do jornal. Na seguinte alínea, que JV deturpou: ‘Quando o jornalista está em condições de assumir a informação – i. e., quando a confirmou junto de fontes independentes entre si, embora todas tenham exigido o anonimato – deverá noticiá-la no PÚBLICO sem necessidade de recorrer às habituais, retóricas e desacreditadas fórmulas do género fonte digna de crédito, fonte segura ou fonte próxima de. As fontes, a sê-lo, devem estar sempre bem colocadas para falar sobre o assunto. Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas.’

O que se passou com as seis notícias citadas por JV é que qualquer delas veio a revelar-se falsa ou de duvidosa fiabilidade. Ou seja, nunca deviam ter sido publicadas. Ou será que ganhariam um grama que fosse de credibilidade se os seus autores tivessem recorrido ao subterfúgio comum nestes casos (...). E os respectivos autores acaso ficariam mais desresponsabilizados aos olhos dos seus leitores?”

Por seu turno, o actual director do PÚBLICO remeteu também ao provedor alguns considerandos sobre o texto de domingo passado. Começa José Manuel Fernandes (JMF) pela “matéria de facto”:

“Pareceu-me incorrecto misturar uma infeliz manchete de há mais de três anos, formalmente desmentida pelo protagonista, com manchetes que não foram desmentidas, tendo podido sê-lo, ou foram mesmo confirmadas no conteúdo essencial da sua informação. A manchete de há três anos foi objecto de uma análise interna longa e profunda e, para além da Nota de Direcção que motivou, o Conselho de Redacção considerou-a um ‘erro indesculpável’ (...).

Quanto às notícias que suscitaram o comentário importa referir que as duas relativas às alterações de posição do primeiro-ministro eram verdadeiras, como resultou claro para quem acompanhou o debate quinzenal na AR realizado depois da sua publicação. A não identificação das fontes, mesmo de forma indirecta, não foi feita pois permitiria identificar a origem da informação. Eu próprio acompanhei o caso, fiz contactos e, como se clarifica na nova versão do LE, discuti com eles a identidade e fiabilidade das fontes que sustentaram a notícia. Também a notícia sobre o financiamento pela CGD de accionistas do BCP estava correcta, com excepção da confusão feita entre Armando Vara ter o pelouro do crédito e ter aprovado os empréstimos como membro da comissão de crédito do banco público. Foi uma falha num detalhe importante mas que não anula o título principal da notícia nem a sua relevância pública. Mais uma vez o jornal, em nome da protecção das suas fontes, não as identificou, nem indirectamente.”

JMF passa depois à “matéria de doutrina”, dizendo que releu as normas de jornais como Le Monde, The New York Times e The Washington Post e encontrou aí os mesmos princípios do LE, “com formulações e desenvolvimentos distintos”:

“A saber: o ideal é poder citar abertamente todas as fontes; quando isso não é possível, deve-se identificar a fonte o mais correctamente possível mas sem a denunciar; quando também isso não é possível, deve-se cruzar a informação com diferentes fontes, também anónimas ou formais, e assumir a informação quando se está suficientemente seguro de que é verdadeira. Nestes casos foi exactamente isso que sucedeu.”

Ao contrário do que estes comentários possam sugerir, a veracidade das manchetes analisadas na semana passada nunca foi posta em causa pelo provedor, como avisava logo no primeiro parágrafo. O que apenas se questionava era a forma como os jornalistas comunicavam a informação ao público, sem menção às fontes contactadas. Ao contrário do que consideram VJS e JMC, para o provedor o que está em questão não é pois a “falsa ou duvidosa fiabilidade” dessas manchetes (que não desmonstram). Quanto ao título de há três anos (que não era manchete), ele não foi analisado (nem podia sê-lo, por estar fora do alcance temporal do mandato do actual provedor), mas referido como exemplo extremo de um jornalismo que dispensa mencionar as suas fontes. O facto de o jornal ter feito a sua autocrítica não apaga esse texto da história do PÚBLICO.

As cinco manchetes analisadas pelo provedor baseavam-se em presumíveis fontes de natureza confidencial – como JMF agora confirma –, pelo que não se aplicava na circunstância o ponto do LE recomendando que “uma informação deve ser atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível” (o “sempre” da citação desta norma feita por VJS e JMC não consta da versão em vigor). O que, à luz do LE, deixava como única opção possível, a esse respeito, a outra norma citada por VJS e JMC, autorizando o jornalista a não fazer qualquer menção às suas fontes “quando está em condições de assumir a informação”. O LE não faz depender este expediente de circunstâncias excepcionais (o que só é mencionado no subcapítulo seguinte do documento), tornando-o por isso um refúgio acessível e frequente dos jornalistas, como sabe quem lê o PÚBLICO.

Existe algo de esquizofrénico num LE que, por um lado, pede a identificação das fontes “com a maior precisão possível – nome, idade e profissão, cargo ou função” (prática aliás raramente seguida no PÚBLICO) e, por outro, apresenta como única alternativa a omissão total de referência a essas mesmas fontes. É aqui que o provedor entende haver ausência de regras universalmente aceites. As quais, apresentando desculpas a VJS e a JMC por nova atitude ex cathedra, resume do seguinte modo:

O jornalista deve revelar ao público o máximo de dados sobre a origem da informação que leva ao seu conhecimento. Quando as fontes reclamam o anonimato, o jornalista deve bater-se por situar da maneira mais rigorosa e aproximada possível a posição dessas fontes (inclusive negociando com elas a forma autorizada de o fazer). Uma fórmula como “fonte próxima de”, à falta de outra mais exacta, não é desacreditada, mas um modo legítimo de identificar a área onde foi recolhida a informação (ao contrário das expressões “o PÚBLICO sabe que”, “segundo o PÚBLICO apurou” ou “segundo informações apuradas pelo PÚBLICO”, que proliferam e que o LE não proíbe).

A protecção da confidencialidade das fontes não tem de ser considerada acto excepcional, mas sim método comum num jornalismo que se queira independente. Sem esse princípio, um órgão de informação não passaria de veículo para press-releases e declarações oficiais ou oficiosas. A confidencialidade não desobriga porém o jornalista de comunicar ao público que tipo de fontes contactou e se só falam sob anonimato (havendo algum mal nas fontes confidenciais, o problema não são elas, mas o crédito que o jornalista lhes possa dar). Como estabeleceu The Washington Post há quatro anos, ao definir normas internas sobre fontes e imputação de notícias, ”queremos que o nosso relato jornalístico seja tão transparente quanto possível aos olhos dos leitores, de forma a que eles possam saber como e onde obtivemos a informação.”

Publicada em 03 de Fevereiro de 2008

Documentação complementar:

Carta de Vicente Jorge Silva e José Mário Costa:

Na sua última crónica enquanto provedor do leitor (“Para onde foram as fontes?”, de 27/01/2008), Joaquim Vieira (JV) aproveitou cinco recentes manchetes do PÚBLICO e um outro título de 1.ª página mais antigo, deficientemente sustentados ou que vieram a revelar-se pura e simplesmente falsos, para distorcer por completo o que nessa matéria está estabelecido no Livro de Estilo do jornal, desde a sua fundação.

Não é verdade que o Livro de Estilo «aconselhe» a não imputação das fontes – antes pelo contrário! Nem é verdade, tão-pouco, que a ressalva aí referida sobre as condições excepcionais do sigilo profissional (é disso que se trata, e não de “norma” nenhuma) «desobriga o jornalista de reproduzir com rigor as informações recolhidas junto das fontes, abrindo o caminho à especulação e à fantasia».

Bastava a JV um pouco mais de rigor, não se limitando a truncar a frase citada, descontextualizando-a de todo o respectivo capítulo de 10 pormenorizadas páginas especialmente dedicadas ao tema das fontes e do sigilo profissional – seja na 1.ª edição do Livro de Estilo do PÚBLICO (da nossa inteira responsabilidade), seja na sua posterior e mais aligeirada (e confusa) versão actual.

Numa e noutra das duas edições do Livro de Estilo do PÚBLICO está lá prescrito, sem qualquer margem de ambiguidade: «Uma informação deve ser sempre atribuída à fonte de origem, identificada com a maior precisão possível – nome, idade e profissão, cargo ou função. O jornalista deve bater-se sempre por esse nível de identificação. A identificação – e a individualização – da fonte favorece a autoridade e a credibilidade da informação [págs. 69 e 32, respectivamente].»

E vem agora JV recomendar, ex cathedra, «a adopção [em próxima revisão do Livro de Estilo do PÚBLICO] das regras universalmente aceites quanto à invocação das fontes para fundamento das notícias»!...

O que JV escamoteia é que nessas «regras universalmente aceites» há também as situações-limite do anonimato e do off-the-record. No que o Livro de Estilo do PÚBLICO «inovou» – como depreciativamente lhe chama JV – foi na dissuasão do uso e do abuso das fontes anónimas, quantas vezes enganosas e perfeitamente fantasmas, sem o mínimo de rigor e seriedade, nomeadamente quando está em causa informação sigilosa.

É nestas condições excepcionais de preservação da confidencialidade de uma ou mais fontes («circunstâncias especiais justificam, por vezes, a não identificação das fontes de informação», págs. 71 e 33), admitidas «apenas em último recurso e só quando não há outra forma de obter a informação» [ibidem], que o Livro de Estilo advoga – e bem – a responsabilização acrescida do jornalista e do jornal. Na seguinte alínea, que JV deturpou:

«Quando o jornalista está em condições de assumir a informação – i. e., quando a confirmou junto de fontes independentes entre si, embora todas tenham exigido o anonimato – e noticiá-la no PÚBLICO, não tem necessidade de recorrer às habituais, retóricas e desacreditadas fórmulas do género “fonte digna de crédito”, “fonte segura” ou “fonte próxima de”. As fontes, a sê-lo, devem estar sempre bem colocadas para falar sobre o assunto. Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas (…) [págs. 70-71 e 33].»

O que se passou com as seis notícias citadas por JV é que qualquer delas veio a revelar-se falsa ou de duvidosa fiabilidade. Ou seja, nunca deviam ter sido publicadas.

Ou será que elas ganhariam um grama que fosse de credibilidade, se os seus autores tivessem recorrido ao subterfúgio comum nestes casos (do tipo: “fonte digna de crédito”, “fonte segura”ou “fonte próxima de”)?

Já agora: e os respectivos autores acaso ficariam mais desresponsabilizados aos olhos dos seus leitores?