Muitas vezes não é a notícia que está em causa, mas o tratamento que os jornalistas lhe dão
O fim do julgamento de Névoa é abordado de forma impressiva, enquanto a notícia da sua condenação já obedece às normas
Há leitores que, sem contestarem a veracidade das notícias, questionam porém o tratamento que o PÚBLICO lhes dá.
Exemplo é a carta muito crítica de Luís Filipe Lopes a respeito do texto noticioso “Tentaram ou não corromper o vereador José Sá Fernandes? O veredicto será conhecido hoje”, da autoria de Ana Henriques, publicado na pág. 6 da edição de 23 de Fevereiro, sobre a iminência da leitura da sentença de Domingos Névoa, administrador da empresa Bragaparques, após o seu julgamento em primeira instância pela suspeita enunciada em título. “Foge-lhe o dedo para os juízos de valor e a chacota”, considera o leitor sobre a prosa de Ana Henriques. “Começa por afirmar que, ao tempo da iniciativa judicial daquele vereador de Lisboa, ele ‘ainda não se tinha aliado aos poderosos’. Fiquei perplexo e reli várias vezes. Concluí que os ‘poderosos’ deveriam ser a maioria PS na Câmara Municipal de Lisboa, com a qual Sá Fernandes tem colaborado. Depois, não compreendi o raciocínio de Ana Henriques quando considera que, por Sá Fernandes ser ao tempo ‘defensor (...) dos direitos dos mais fracos’, ‘parecia quase inverosímil’ que tivesse havido tentativa de corrupção por parte do ‘quase obscuro homem de negócios minhoto’. Pelo contrário, parece-me que se Sá Fernandes, em vez de defender ‘os fracos’, com as suas ‘acções populares’ ‘assanhadas’ (mais uma expressão curiosa!), defendesse as Bragaparques, aí, sim, seria inverosímil que tivesse havido tentativa de corrupção. (...) Escreve depois Ana Henriques que as conversas gravadas pelo irmão do vereador ‘soavam a traficâncias’ – mais uma expressão bizarra num texto puramente noticioso. Como o é a forma como, à frente, a jornalista se refere ao vereador e ao seu irmão: ‘Os manos Sá Fernandes’. Ana Henriques ainda esclarece, para quem não tivesse digerido a aliança ‘com os poderosos’, que Sá Fernandes ‘passou de mascote do Bloco de Esquerda a aliado dos socialistas’. Tudo isto, num texto – repito – noticioso. Não é uma crónica de opinião, nem um exercício de humor, tão pouco um depoimento espontâneo recolhido na rua”.
Auscultada pelo provedor, explicou Ana Henriques: “A notícia em causa foi uma tentativa de fugir a um registo jornalístico mais burocrático, cinzento, que infelizmente é o habitual da maioria das coberturas noticiosas dos casos de tribunal. Terá sido excessivamente opinativo, uma vez que não se tratava de uma crónica? Talvez. Quando escrevi a peça interroguei-me sobre o assunto e concluí que não, uma vez que todas as afirmações se baseavam em factos. Os reparos do leitor fizeram-me questionar uma vez mais. Provavelmente explicações mais detalhadas de algumas afirmações, no próprio artigo, teriam justificado melhor algumas frases aparentemente opinativas, contribuindo assim para apagar essa aparente falta de isenção. Mas, além das óbvias limitações de espaço no jornal, o registo em causa, se calhar demasiado próximo de uma crónica de costumes, não dava muita margem para essas explicações. Talvez tenha, de facto, sido esse o erro: sendo um registo mais próximo da crónica, talvez o texto devesse ter sido paginado como tal”.
A jornalista transcreve notícias que sustentariam as considerações contidas no texto, incluindo uma notícia sua, publicada no dia seguinte, já de acordo com os cânones da técnica jornalística, sobre a condenação de Névoa a uma multa de cinco mil euros. Por razões de extensão, o provedor remete esses exemplos para o seu blogue. Mas entende que, de qualquer modo, não alteram a pertinência da crítica do leitor, que aliás Ana Henriques aceita em grande parte – numa atitude que apraz ao provedor registar.
Na realidade, a forma da notícia jornalística encontra-se há muito devidamente codificada, segundo regras que o público se habituou, também há muito, a reconhecer. Se uma notícia é apresentada como tal mas o seu conteúdo foge a esse normativo, não só se provoca confusão na cabeça de quem consome a informação como se viola técnicas básicas do jornalismo. Foi o que sucedeu no caso vertente, como o leitor aponta.
A tentativa de fugir ao estilo convencional do noticiário judicial, invocada por Ana Henriques, pode ser compreensível, mas a verdade é que o jornalismo não tem por onde efectuar essa fuga nem necessita de o fazer, na medida em que os padrões em vigor já foram devidamente testados, não se conhecendo opções alternativas mais eficazes na comunicação da informação.
Isto não quer dizer que a informação não possa ser apresentada de modo diverso – em forma de crónica ou reportagem, por exemplo, como ambicionaria Ana Henriques. Mas, nesse caso, e dado estarmos num jornal de referência, seria necessário, primeiro, que os dados básicos da notícia fossem expostos da forma seca e neutral que é apanágio desse tipo de imprensa, e que só depois se publicasse o texto numa apresentação que graficamente o distinguisse na notícia – o que, como reconhece a jornalista, não se fez na circunstância. Deve-se dizer porém que existiu aqui também uma falha de edição, já que a deficiência deveria ter sido prevenida por algum responsável na redacção.
Outro caso de polémica abordagem da notícia é a manchete de 13 de Março, “Auditor interno da EDP sai contra alegada manipulação dos lucros”, seguida do subtítulo “Em causa está a contabilização de 405 milhões da venda da EDP Renováveis” (o tal auditor não terá concordado com o critério de transformar em lucros os ganhos da empresa na venda de parte do capital da subsidiária).
António Oliveira chamou a atenção para o facto de, no desenvolvimento da notícia (pág. 34), se dizer logo no título de uma caixa: “Cumprimento das normas: Especialistas concordam com método de contabilização do ganho de capital da Renováveis”. O que seria incongruente não só com projecção dada ao caso mas também com o que se dizia na secção “Sobe e desce”, da mesma edição, para colocar o presidente da EDP, António Mexia, a descer: “Quem de direito na empresa – um auditor interno – considera que os 405 milhões (...) não deviam ser contabilizados como lucro”.
Escreveu o leitor: “Quem manipula, o jornalista ou a EDP? Um auditor interno não tem que ter opinião, tem que constatar se o que está a ser feito está de acordo com os procedimentos, e não é claro na peça quais as normas violadas. O que fica claro é que os especialistas contactados pelo PÚBLICO estão todos de acordo com a operação. Porquê então a notícia de primeira página com tanto relevo? Há alguma explicação?”
Responde o director-adjunto Paulo Ferreira, confrontado pelo provedor com a questão: “O caso é de bastante tecnicidade contabilística e divide os especialistas: qual a forma mais correcta de reflectir nas contas da EDP os ganhos referentes à dispersão em bolsa de parte do capital de uma empresa do grupo (...)? A notícia não refere que as contas da EDP estão irregulares. Ela revela que um auditor interno da EDP (...) se demitiu das funções por se recusar a assinar as contas referentes a 2008. A recusa assenta no facto de o auditor discordar dos critérios utilizados na contabilização dessa operação. Porque é que o PÚBLICO considerou este facto notícia? Primeiro, porque a demissão de um auditor interno de uma empresa cotada em bolsa por um motivo como o invocado é extremamente rara. (...) Pessoalmente, não me recordo de alguma vez se ter tido conhecimento público de algo semelhante nas empresas portuguesas cotadas. Depois, porque a própria autoridade do mercado de capitais, a CMVM, se interessou pelo caso e iniciou diligências, o que nos indicia que a posição do auditor poderá ter sustentação técnica. A relevância dada à notícia assenta nestes dados (...). Os responsáveis máximos da empresa e, aparentemente, o auditor externo da EDP aprovam a forma como essa operação foi contabilizada. Aliás, o critério utilizado é público e foi assumido sem qualquer subterfúgio pela empresa. O trabalho do PÚBLICO foi equilibrado, dando voz à empresa (que preferiu não se pronunciar) e indo à procura de opiniões de especialistas, que se pronunciaram a favor da opção contabilística da empresa. O leitor pergunta ‘quem manipula’. Não tem, necessariamente, que haver alguém a manipular. (...) Só a CMVM (...) poderá decidir de que lado está a razão e as melhores práticas contabilísticas”.
Atenta a tal “tecnicidade contabilística” de que fala o jornalista, não deixa de suscitar dúvidas o relevo dado ao tema, conforme contestou o leitor. Mas, sendo a notícia autêntica, trata-se de uma opção legítima do jornal, que apenas importa à relação que este mantém com os seus leitores, os quais podem identificar-se ou não com tal tipo de destaques noticiosos. Disso, contudo, não cuida o provedor.
CAIXA:
Uma surpresa publicitária
O leitor Paulo Trigo Pereira, professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e dirigente da DECO - Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, relata a sua experiência pessoal na manhã de 30 de Março: “Comprei o PÚBLICO a caminho do ISEG. Ao chegar ao bar dos docentes defronto-me com uma primeira página diferente. Ter-me-ão dado o jornal errado? Será que o do bar não é de hoje? Confronto cabeçalhos e logo verifico que são os dois de hoje. E lá vejo no canto direito em letras pequenas a palavra ‘PUBLICIDADE’. Não é a primeira vez que o PÚBLICO sai com um invólucro diferente, mas que me lembre é a primeira vez que sai com um layout exactamente igual à normal capa do jornal. Muitos leitores terão lido as primeiras notícias como verdadeira manchete do PÚBLICO. Estamos dentro dos limites da legalidade? Porventura sim. Nos limites do ética e moralmente defensável? Certamente que não. Aquilo que o PÚBLICO fez hoje, decerto inadvertidamente e por escolha de quem pagou o anúncio, foi publicidade enganosa. Iludiu muitos leitores com a mesma estratégia utilizada na letra miudinha das cláusulas contratuais gerais. Sou de opinião que esta prática é eticamente reprovável e não deveria ser deontologicamente permitida”.
Digamos que se cumpriu a primeira parte de um dos dispositivos do Livro de Estilo do PÚBLICO sobre inserção de publicidade (“o material publicitário vem sempre graficamente assinalado, de forma clara e explícita...”) mas não a segunda (“...que evite confusões ou associações ambíguas à mancha informativa”). Perante a actual crise económica e a diminuição do investimento publicitário, julga o provedor que a decisão de aceitar este anúncio terá sito motivada pelo pragmatismo. Uma vez que a crise vai prolongar-se, é melhor os leitores prepararem-se para outras surpresas do género.
Publicada em 12 de Abril de 2009
DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR
Explicações da jornalista Ana Henriques:
A notícia em causa foi uma tentativa de fugir a um registo jornalístico mais burocrático, cinzento, que infelizmente é o registo habitual da maioria das coberturas noticiosas dos casos de tribunal. Terá sido um registo excessivamente opinativo, uma vez que não se tratava de uma crónica? Talvez. Quando escrevi a peça em questão interroguei-me sobre o assunto e concluí que não, uma vez que todas as afirmações se baseavam em factos. Os reparos do leitor fizeram-me questionar uma vez mais. Provavelmente explicações mais detalhadas de algumas afirmações, no próprio artigo, teriam justificado melhor algumas frases aparentemente opinativas, contribuindo assim para apagar essa aparente falta de isenção. Mas, além das óbvias limitações de espaço no jornal, o registo em causa, se calhar demasiado próximo de uma crónica de costumes, não dava muita margem para essas explicações. Talvez tenha, de facto, sido esse o erro: sendo um registo mais próximo da crónica, talvez o texto devesse ter sido paginado como tal.
Vamos então aos exemplos concretos:
As conversas de Névoa "soavam a traficâncias" - eis as transcrições de partes delas:
Expresso:
Gravações indiciam corrupção e fuga ao Fisco
A Polícia Judiciária registou duas conversas entre o irmão do vereador Sá Fernandes e Domingos Névoa
Ricardo Sá Fernandes e o dono da Bragaparques, Domingos Névoa, encontraram-se por três vezes num hotel em Lisboa. Nas duas últimas, o advogado levava um microfone da Polícia Judiciária. O Ministério Público, com base na escuta, acusou o construtor de tentativa de corrupção: 200 mil euros para que o irmão de Ricardo, o vereador José Sá Fernandes, desistisse da acção popular que impedia a permuta entre os terrenos da Feira Popular e os do Parque Mayer. Névoa apresenta hoje uma queixa-crime contra o advogado por obtenção e utilização de gravações ilícitas e alega ainda que Ricardo Sá Fernandes incorreu em violação de segredo profissional. Além disso, diz que foi Ricardo quem tomou a iniciativa de pedir um financiamento de 500 mil euros para pagar as despesas da campanha do BE.
Eis parte das gravações:
(24/1/06, Hotel Mundial, Lisboa):
Ricardo Sá Fernandes (RSF): Tenho estado a reflectir sobre o que me disse e vou hoje jantar com o meu irmão. E quero ir um bocadinho com as ideias mais arrumadas sobre a sua iniciativa. (...) Diga lá: se o meu irmão estiver disponível para um acordo consigo, como é que iríamos, da forma mais discreta possível, fazer isto?
Domingos Névoa (DN): Sr. dr., eu não converso com o seu irmão, não posso. O sr. conversa com ele. Tem de lhe explicar que realmente nós somos as vítimas.
RSF: Eu tenho a certeza que o meu irmão não o quer prejudicar. Explico-lhe a sua argumentação e também a ideia daquilo que me transmitiu relativamente a uma compensação.
DN: Arrumamos as coisas nós dois. Eu trato tudo consigo.RSF E que declaração pública é que o meu irmão faria?DN Depois de melhor analisar em pormenor o assunto, acha que (...) tudo o que está bem ou está mal é da responsabilidade do município. (...) Acho que realmente estou a penalizar umas pessoas que não devo, ponto final. E você, ó pá, isto custa X.
RSF: E vocês como é que reagiam a isto publicamente?
DN: Zero. Só lhe posso mandar um comunicado a dizer: obrigado, sôtor, caiu na realidade.
RSF: A verba era paga em quê? Notas?
DN: Entrego a si. Você venha ao Minho, está bem? (...) Atenção: fazemos isto em dois ou três pagamentos. Eu hoje tenho uma dificuldade enorme (...) porque não temos verbas sem documentações. Se você me arranjar documentos suporte no escritório, arranjo-lhe na mesma hora. Mas não pode ser.
RSF: Então, como é que vamos fazer isto?DN Arranjo dois, três pagamentos. Diga-me qual é o montante que eu falo com o meu sócio e tratamos da coisa.RSF Que valor é que o sr. tem na cabeça?
DN: Não sei, pá. Acho que 200 mil euros, uma brincadeira destas. Mas é uma conversa que tem de ter com o seu irmão. (...) Se calhar, até 100 mil euros eu tenho lá no cofre. (...) É claro como a água.
RSF: Se for 200 mil, terá de arranjar...
DN: Tenho de tirar, dr. É assim: nas vendas que vou fazendo vou tirando mil, dois mil, mil, dois mil. (...) O que eu assumo com o sr. dr. é o que eu cumpro. Se o sr. dr. tiver dúvidas, ó pá...
RSF: Não, isso...
DN: O mais que eu posso fazer, sr. dr., é o seguinte: fazemos os dois um contrato de promessa de compra e venda de uma habitação aqui na Estefânia e está paga e liquidada e depois eu entrego-lhe e você entrega-me a fracção para eu vender.
RSF: Eu preferia que não houvesse papéis.DN Perfeitamente. Ele dá o destino que bem entender. (...)
(27/1/06, Hotel Mundial, Lisboa):
DN: Eu só falo com o sr. e com uma pessoa que se chama Manuel Rodrigues, que é meu sócio. Mais ninguém. Não sabe a minha mulher, não sabe a mulher dele, não sabe ninguém, ninguém. A gente tem de ter uma conduta estanque, estanque. (...)
RSF: O PS também vai apoiar?
DN: Ó sr. dr., não diz nada.
RSF: O único é o PC?
DN: Ó sr. dr., o PS, o PS foi sempre favorável a isto. No passado, o PC foi sempre favorável a isto, o Bloco de Esquerda votou favorável. (...)
RSF: Quanto ao montante?
DN: O sr. dr. tinha falado em 200 mil euros, mas tinha dito para não dizer... Vale a pena. (...) Acho que 200 mil é ser generoso. Eu tenho um castigo enorme no Parque Mayer, tenho mesmo, pá. (...) Desenvolvi para ali o melhor projecto de Lisboa e não tinha complicado a vida a ninguém. Veio esse sr... Olhe, se calhar, o seu irmão podia pegar nessa.
RSF: Em qual?
DN: Podia mandar uma charutada ao Presidente da República actual. O Parque Mayer, num todo, seria bem melhor, (...) não tinha havido permutas, não tinha havido vendas. Se realmente o PR não tem dito que não... E agora mandou o Casino para a Expo, onde há-de haver imenso turismo. (...)
RSF: Acha que podia aproveitar e mandar uma charutada?
DN: Agradecia, agradecia. (...) Foi o Sampaio que não homologou o Santana Lopes. (...) Não sei o que é que o gajo tinha contra nós. (...) Eu não posso dar porrada nenhuma, ele levou-me em duas ou três comitivas, depois à quarta já não fui. Mas a alguém de fora, como o seu irmão, só fica bem chegar-lhe.
RSF: Então e como é que se fazem as entregas?
DN: Sr. dr., vem cá amanhã e entrego-lhe. Só tenho que dizer ao meu sócio para vir para baixo, mais nada. (...) Portanto, se quiser receber em cheque, pago hoje, não é. Tudo em cheque, documento suporte e tal. Conforme faço uma escriturazinha rapo 2 mil aqui, 10 mil euros acolá. Fica pronto a curto prazo. Ponho lá isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices. Nisto não sou virgem, esteja à vontade.
RSF: Pois, imagino. Mas trazia em notas?
DN: Evidente. Se for em cheque, posso dar-lhe hoje. Mas como não temos sustentabilidade para o cheque...
RSF: Tem que ser em notas.
DN: Muito, muito perigoso. E então eu entrego a si e você fala com o imperceptível e ele dá caminho às coisas. (...)
RSF: O sr. então acha que vai entregar em duas vezes?
DN: Três. Agora e mais duas. Para diluir, sr. dr. Tenho mais alguns compromissos. (...) A mim ensinaram-me que ao padre e advogados é sempre a rodar.
RSF: Portanto 100 mil agora?
DN: Cem e depois 50, 50. O mais rápido possível. Penso que, se calhar, num mês e meio junto.
RSF: Se fosse aqui, onde é que nos encontrávamos?
DN: Você mete o carro neste parque aqui no Martim Moniz (..) e eu meto também. E pomos o carro um ao lado do outro.
DOMINGOS NÉVOA: "Acho que 200 mil é ser generoso" "Nisto não sou virgem, esteja à vontade"" É assim: nas vendas que vou fazendo vou tirando mil, dois mil, mil, dois mil (...) O que eu assumo com o sr. dr. é que eu cumpro" "Conforme faço uma escriturazinha, rapo dois mil aqui, dez mil acolá" "Podia mandar uma charutada no Presidente da República" "Foi o Sampaio que não homologou (...) Não sei o que é que o gajo tinha contra nós"
“Ainda não se tinha aliado aos poderosos” (Sá Fernandes):
Como o próprio leitor deduz, e surge no artigo mais adiante, para que não subsistam equívocos, trata-se, de facto, do PS. Que é maioria na câmara e no Governo, e partido ao qual Sá Fernandes se aliou na autarquia. Foi a partir desta altura que se deu uma mudança significativa no comportamento do vereador, até aí conhecido por defensor das causas populares e dos direitos dos mais fracos – e sobre esta transformação já se escreveu quase até à náusea, inclusive no PÚBLICO. Um dos episódios mais relevantes passa pela solidariedade pública que Sá Fernandes mostrou com uma vereadora socialista, Ana Sara Brito, depois de se ter sabido que ela havia beneficiado durante 20 anos de uma casa camarária no centro da cidade a troco de uma renda quase simbólica. O raciocínio seguinte parece-me óbvio: tentar corromper alguém que sempre até ali se tinha destacado por uma postura “justiceira” e impoluta é quase inverosímil.
“Acções assanhadas”?:
No sentido de aguerridas.
“Mascote do Bloco”?:
Sim, no sentido em que o vereador sempre tinha sido até aí um motivo de orgulho para um partido pequenino, o orgulho de ter um vereador na maior câmara do país, apesar de ele nunca se ter tornado militante do BE.
Não me parece desprimorosa a expressão “os manos Sá Fernandes”. Mais uma vez foi para fugir ao cinzentismo da expressão “os irmãos Sá Fernandes”.
Não era minha intenção fazer chacota, como já se percebeu. Lamento se o texto acabou por ser lido nesse sentido. Também não desprezo os arraiais e as festas de finalistas, mas mesmo assim envio-lhe ainda alguns textos que já publiquei sobre o mesmo julgamento, estes num tom decerto bem menos polémico...
Ana Henriques
Multa de cinco mil euros para construtor que tentou 'comprar' vereador Sá Fernandes
24.02.2009, Ana Henriques
Dirigente da Bragaparques considerado culpado de corrupção activa para acto lícito, crime com moldura penal reduzida e que até 1995 nem era reconhecido pela justiça
Cinco mil euros de multa é quanto os juízes do Tribunal da Boa-Hora entendem que o empresário da construção civil Domingos Névoa deve pagar por ter tentado "comprar" há três anos o vereador José Sá Fernandes no caso da permuta dos terrenos do Parque Mayer pelos da Feira Popular, em Lisboa.
A decisão do colectivo liderado pelo juiz Nuno Coelho foi ontem recebida com alguma surpresa por intervenientes no processo, uma vez que, tendo o crime de corrupção sido provado, acham o castigo leve.
O Ministério Público (MP) havia defendido dois anos e meio de pena suspensa. Acontece que os juízes não conseguiram provar que o empresário quisesse, quando ofereceu 200 mil euros ao então candidato a vereador, fazer com que este praticasse qualquer acto ilegal. Queria que a troco desta maquia o advogado desistisse da acção popular que pusera em tribunal para anular o negócio feito entre a câmara e uma das suas empresas do grupo Bragaparques. E, de caminho, que fizesse algumas declarações públicas explicando que, depois de analisar melhor o processo, já como vereador, tinha chegado à conclusão de que afinal não havia qualquer ilegalidade na permuta de terrenos.
Por isso, em vez de condenar o empresário minhoto por corrupção activa para acto ilícito, como pretendia em primeiro lugar o Ministério Público, os juízes condenaram-no por corrupção activa para acto lícito: não entenderam que tivesse ficado provado que o pagamento tivesse como contrapartida a violação, por Sá Fernandes, dos seus deveres de imparcialidade, lealdade e de obediência ao serviço público a que ficou sujeito como vereador eleito.
E a moldura penal deste último crime não vai além dos seis meses de prisão ou dos 60 dias de multa. Névoa foi multado em 25 dias, o que equivale a cinco mil euros. Se tudo tivesse acontecido até 1995, nem isso teria de desembolsar: até aí, pagar a um detentor de um cargo público por um acto que não fosse ilegal - para acelerar a apreciação de um processo, por exemplo - não era penalizado.
Outra poderia ter sido a sentença dos juízes, caso os tribunais já tivessem chegado a uma conclusão sobre a legalidade da permuta entre Domingos Névoa e a Câmara de Lisboa. Aí seria mais claro se o suborno se destinava de facto à defesa de um negócio lícito ou ilícito. Mas, nas actuais circunstâncias, os magistrados não conseguiram perceber se os objectivos do réu iam além de "um certo condicionamento da vontade política" do autarca, numa tentativa de resolver o impasse criado pela acção popular. Uma acção que, não impedindo o avanço do projecto imobiliário da Bragaparques em Entrecampos, pode levar à reversibilidade da permuta de terrenos.
Insatisfeito com a leveza da pena, Sá Fernandes deverá recorrer da sentença, tal como o próprio arguido. O MP ainda não tomou uma decisão. O juiz aproveitou para recordar que a corrupção é um "flagelo das democracias modernas" e combatê-la é uma "necessidade imperiosa das sociedades". Depois admoestou Névoa: "Estas não são formas de conduzir os seus interesses empresariais."
Uma das principais provas das intenções do empresário foram as suas conversas com o irmão do vereador, o advogado Ricardo Sá Fernandes, que usou como intermediário do suborno. Depois de descoberto, Névoa alegou que tinha sido Ricardo a pedir-lhe os 200mil euros, como financiamento da campanha eleitoral do irmão.
As gravações das conversas que Ricardo Sá Fernandes teve com Névoa revelam que o empresário usava um vocabulário muito próprio.
Como quando sugere que o vereador "mande uma charutada ao Presidente da República", na altura Sampaio, por este não ter autorizado um casino no Parque Mayer. Mas, acima de tudo, era preciso justificar, do ponto de vista contabilístico, os 200 mil euros que lhe iria entregar.
"Nisto não sou virgem", refere a certa altura. "Conforme faço uma escriturazinha rapo 2 mil euros aqui, 10 mil acolá. (...) Ponho isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices."
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Ministério Público pede pena suspensa inferior a dois anos e meio para alegada corrupção a Sá Fernandes
Publicação: PÚBLICO, Edição: 6861, Caderno: Caderno Principal Quarta, 14 de Janeiro de 2009 Pág.6
O Ministério Público pediu ontem uma pena suspensa inferior a dois anos e meio para o empresário Domingos Névoa, acusado de tentar corromper o vereador José Sá Fernandes no caso Bragaparques. O crime de corrupção activa para acto ilícito pode valer até cinco anos de cadeia.
Segundo a acusação do Ministério Público, o sócio do grupo Bragaparques, ligado à construção civil, terá oferecido ao autarca 200 mil euros para este deixar de se opor ao negócio pelo qual a Câmara de Lisboa trocou com aquela empresa parte dos terrenos da Feira Popular pelos do Parque Mayer. Esta tese baseia-se não só no depoimento do irmão do vereador, o advogado Ricardo Sá Fernandes, através do qual Domingos Névoa teria tentado subornar o autarca, como nas gravações que este efectuou das conversas que teve com o homem da Bragaparques. "Se quiser receber em cheque, pago hoje", disse Névoa a Ricardo Sá Fernandes a 27 de Janeiro de 2006, no bar do Hotel Mundial.
"Conforme faço uma escriturazinha rapo dois mil aqui, dez mil euros acolá.
Fica pronto a curto prazo. Ponho lá isto num cofre para a gente ir fazendo umas ratices. Nisto não sou virgem, esteja à vontade." Foram estas gravações que a defesa do empresário da construção civil tentou, até agora sem sucesso, invalidar como prova no julgamento que está a decorrer no Tribunal da Boa-Hora. Ontem foi dia de alegações finais dos advogados das duas partes e do Ministério Público, tendo a leitura da sentença ficado marcada para o próximo dia 13 de Fevereiro - uma sexta-feira, como notou o juiz que preside ao colectivo encarregado de julgar o caso.
Domingos Névoa alega que as suas tentativas de pagamento dos 200 mil euros ao vereador tiveram origem num pedido de financiamento por parte deste, para campanha eleitoral.
Ontem, à saída do tribunal, não se coibiu de qualificar o comportamento do advogado Ricardo Sá Fernandes: "Foi um traidor que me apareceu", observou, numa referência ao facto de já na altura ser cliente do seu escritório de advogados. Uma situação que faz questão em manter: noutros processos que não este, a Bragaparques continua a ser defendida pela advogada Rita Matias, da sociedade Lebre, Sá, Carvalho e Associados.
Apesar de o Tribunal da Relação não lhe ter dado razão quando invocou a violação do segredo profissional por parte de Ricardo Sá Fernandes neste processo, e quando questionou o seu papel como agente encoberto ao gravar as conversas que teve com Névoa, foi nestes argumentos que se escorou a defesa do empresário, dirigida por Artur Marques, para tentar minar a sua credibilidade como testemunha no julgamento.
Já o vereador se mostrou insatisfeito com o pedido do Ministério Público.
José Sá Fernandes quer ver Névoa na cadeia, e não menos do que isso.
Ana Henriques
domingo, 12 de abril de 2009
Notícias nebulosas
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