O jornalista Vítor Belanciano, que assinou a notícia sobre o concerto de Amy Winehouse no Rock in Rio Lisboa analisada na última crónica do provedor, enviou a seguinte réplica:
Venho expressar surpresa perante as conclusões por si efectuadas referente à possível discrepância na caracterização do concerto de Amy Winehouse no evento Rock in Rio, entre a fotolegenda de sábado, 31 de Maio, e o texto saído no domingo, 1 de Junho.
Como referi na resposta ao seu mail, a fotolegenda não pretendia – nem podia ser – uma crítica ao espectáculo. Não faço análises a concertos, nem tiro conclusões definitivas, baseado em poucos minutos de observação dos mesmos. Se o fizesse, o título da fotolegenda não seria certamente “Amy Winehouse provoca enchente”, um título meramente informativo.
Afirmar que fiz “jornalismo prospectivo” e que joguei numa espécie de lotaria é totalmente abusivo. Se tivesse lido textos meus sobre concertos a que assisti da cantora ou à antevisão do mesmo, publicada no próprio dia do espectáculo, percebia-o facilmente.
No dia do concerto foram publicados textos assinados por mim que diziam coisas como: “Da mais polémica figura pop do momento, nunca se sabe o que esperar. É capaz de concertos memoráveis, mas também são inúmeras as histórias de falta de comparência, de abandono a meio ou de grande desencontro entre a cantora e os músicos que estão em palco com ela. Por isso, tudo pode acontecer no Parque da Bela Vista.”
Ou “o seu drama, como tantos outros casos da história da cultura popular, parece ser como encontrar o equilíbrio entre a expressão pessoal e a exposição pública. Até lá vão continuar certamente as especulações, os escândalos quase diários (...)"
Ou ainda: “Os romanos tinham circo, com gladiadores, leões e sangue. Na bancada exultava-se e apostava-se. Nós temos Amy Winehouse. (...) A maior parte esperará apenas que o dinheiro do bilhete tenha sido bem empregue. Mas por alguns deverá perpassar o desejo inconfessável que tropece. Existe até quem faça apostas se virá, até porque é o seu primeiro concerto dos últimos meses, já depois de mais alguns escândalos.”
Parece-lhe que quem escreve isto tem vontade de jogar à lotaria e escrever, antecipadamente, que o concerto foi um êxito?
Dito isto, e como também lhe referi, concordo que a maneira como a fotolegenda está escrita podia ser mais clara. Talvez devesse haver uma menção ao facto de se reportar, apenas, ao início. A mesma resultou, como me foi pedido pelas editorias, de uma comunicação móvel com o editor de fecho, que foi quem redigiu o texto, baseado numa troca de impressões, como também combinado. Não existiu nenhum “envio de informações”, como é sugerido por si.
Mas mesmo assim, nunca é escrito que o concerto foi um êxito, como sugere. Estão lá três ideias: a cantora apareceu, não desiludindo quem por ela esperava; o terceiro tema foi um dos que agarraram o público; e a cantora denotava algum nervosismo, mostrando a fragilidade que revelou, por norma, em mais do que um concerto que presenciei da dita cantora. Foi isto que aconteceu durante os minutos iniciais da sua actuação. Nada disto é uma conclusão ou uma análise sobre a globalidade do concerto.
Citar a Lusa e um texto de um leitor – ambos impressões finais do espectáculo – em contraponto a uma fotolegenda que reporta o início não é compreensível. Se o fizesse em relação ao texto final publicado no dia seguinte, então sim, seria atingível.
Quanto ao acontecimento propriamente dito, depois de finalizado, escrevi o que presenciei e pensava sobre o assunto. Mas esse não era o centro da questão. Como tal, quando lhe respondi, limitei-me a fazer menção ao texto que foi publicado no dia 1 de Junho, onde os acontecimentos relatados pelo leitor são também mencionados, obviamente, por mim.
Por isso, ainda mais estranho se me afigura, que pegue nas considerações do leitor, referentes à globalidade do espectáculo visto através da TV, para demonstrar a sua tese.
As considerações do leitor quando diz que as aclamações do público eram “uma clara tentativa de fazer com que a cantora ‘acordasse’ do estado depressivo em que notoriamente se encontrava” e do provedor quando utiliza expressões como “farrapo humano” ou “se havia alguém ‘agarrado’ era a própria cantora” não as partilho, nem tenho que o fazer. São apenas especulativas.
Também não percebo o “testemunho consensual” das 100 mil pessoas que invoca. Ao contrário do que sugere, notaram-se as reacções mais diversas. A peça da BBC, de 31 de Maio, é apenas um exemplo onde são nítidas diversas reacções: "It took so much time for her to come on - people were getting impatient," agreed Alexandra Marques, 26. "And her voice really wasn't in a good state." Their friend Marta Hugens, 26, was more scathing: "For someone who earns so much money, it shows a lack of respect for the public - although I suppose it was expected she'd make a scene." Other spectators were more accepting. "I think she was how she is normally and that's all," said Anabela Costa, 27.
Como reflecti na peça de 1 de Junho, o que aconteceu foi bem mais contraditório, complexo e, já agora, perturbador. Que tenha existido quem tivesse analisado o que aconteceu de forma, no mínimo, simplista, não me compete a mim ajuizar.
Com tudo isto não estou a “defender” nem a ser “indulgente” com a cantora ou o seu comportamento, como já me foi sugerido, como se não fosse possível relacionarmo-nos com os acontecimentos para além dessa lógica maniqueísta, onde aqueles que não têm uma atitude reflexiva – mas apenas reactiva – nos tendem a colocar.
A mim, compete-me ter distanciamento, um olhar ponderado e analisar a complexidade de relações a que cada acontecimento está ligado. Foi isso que fiz com o concerto do Rock in Rio.
Vítor Belanciano
NOTA DO PROVEDOR. O provedor enviou a Vítor Belenciano a seguinte resposta à sua mensagem: "Ao dizer-se que Amy Winehouse 'não desiludiu quem esteve ontem no parque da Bela Vista' e que 'agarrou o público' está-se não só a transmitir a ideia de que o concerto foi um êxito como a omitir os graves problemas que afectaram a sua actuação. Quanto aos detalhes da produção da legenda, percebo, das suas explicações, que ela foi escrita pelo editor de fecho, mas o facto é que está assinada por si, o que implica uma assunção de responsabilidade própria. Ao falar em consenso entre os presentes, baseio-me nas opiniões entretanto lidas noutros locais, assim como nas reportagens mais desenvolvidas, incluindo a sua, que foram feitas (e nos vídeos no YouTube que acabei por ir procurar, pois não tinha assistido à transmissão do espectáculo). Penso não existirem dúvidas a esse respeito. Eu próprio admito na crónica que, nas condições e no timing existentes, não seria possível dar uma visão global do concerto, pelo que o texto devia ser mais defensivo ou interrogativo, não se criando a ideia daquilo que não foi. Não se esperava uma crítica na fotolegenda, mas sim um relato autêntico do que se passara. Independentemente do que se pensa de Amy Winehouse, quem paga 50 euros por um espectáculo seu esperará pelo menos algum profissionalismo, que nitidamente não existiu - e nesse aspecto acho que o leitor que reclamou tem razão (embora admita que as três canções iniciais não tenham chegado para avaliar - mas deviam pelo menos ter deixado adivinhar). Estou de acordo consigo quanto a dever dizer-se que aquela era a impressão do início do concerto. Mas o jornal quis arriscar transmitindo uma ideia global, e errou".
Como o provedor não procura ficar com a última palavra, aqui fica a tréplica de Vítor Belanciano: "Que o texto deveria ser mais defensivo ou interrogativo, já o expressei, nas duas vezes que me dirigi a si. Mas isso é completamente diferente de, a partir daí, ajuizar que aquilo que foi feito é 'jornalismo prospectivo'. Não foi".
segunda-feira, 9 de junho de 2008
Reacção de Vítor Belanciano
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1 comentário:
Não querendo com o meu comentário alimentar mais trocas de correspondência acerca deste tema, cumpre-me usar da palavra, já que se questinou aqui uma afirmação do leitor (no caso, eu mesmo).
O jornalista Vítor Belanciano refere que quando falo numa "clara tentativa de fazer com que a cantora ‘acordasse’ do estado depressivo em que notoriamente se encontrava" estou a fazer uma afirmação especulativa que - o jornalista - não partilha nem tem que partilhar. Sobre isto cabe-me fazer duas considerações:
1 - admito que a afirmação seja especulativa, pois refere-se a uma opinião própria (foi essa impressão que fiquei pela atitude do público) e que se refere também a experiêcias de concertos anteriores, em que muitas vezes é o próprio público a "puxar" pelo cantor. Sendo um jornalista que se interessa pelo fenómeno musical, já por diversas vezes deve ter assistdo a este tipo de manifestações. De qualquer modo, não deixa de ter o se valor, esta especulação. Como também não deixa de ter valor o facto do jornalista afirmar que o 3º tema foi um dos que agarrou o público, já que isso também pode ser objecto de discussão, já que resulta de uma avaliação própria e naturalmente subjectiva;
2 - Quando li a reportagem do jornalista no Domingo (reportagem essa já bem mais ao encontro da minha opinião sobre o concerto e do próprio fenómeno Amy), tratei logo de enviar um e-mail ao Provedor dando conta da minha concordância com a reportagem, apesar de isso não apagar a má imagem que a capa de Sábado deu ao jornal;
3 - Relativamente às explicações do jornalista, de facto, dadas as condições, era díficil ter feito melhor. Acontece que os leitores não têm culpa disso e, ao pagarem o preço do jornal (no meu caso diariamente) esperam encontrar conteúdos correctos e verdadeiros. O leitor não é responsável pelas condições deficientes de reportagem em que o jornalista se encontrava. E além do mais, o PÚBLICO tem a obrigação de saber dessas condições deficientes e, por isso, saber adaptar as informações dadas, de modo a poder optar por uma capa mais defensiva (co-responsabilidade do jornalista e da edição).
Parece-me, contudo, que o jornalista se está a tentar justificar atribuindo a tudo uma dimensão subjectiva e de múltiplas interpretações, de modo a que ninguém possa ou deva ter ter uma opinião formada e firme sobre o assunto. Quando o que se passou foi simples: o concerto de Amy foi mau, durou pouco tempo, foi pouco profissional, a cantora estava agarrada (isto é um facto, nervosa não será a palavra adequada, "agarrada" - palavras do Provedor - são sem dúvida mais adequadas e não podem ser catalogadas como especulativas e subjectivas).
A capa do PÚBLICO, por seu lado, não documentou a verdade: disse que Amy não desiludiu (quando desiludiu - a palavra desilusão não pode ser apenas referente apenas à aparição da cantora mas também será extensível à sua performance em palco, isso não pode ser escamoteado) e afirmou que ao 3º tema (nome do tema errado) a cantora agarrou o público, quando objectivamente isso não aconteceu, visto que a cantora nunca conseguiu dar uma sequência natural e envolvente ao seu concerto e às suas músicas (isto é um facto, não é especulação).
Daí que o jornalismo tenha sido prospectivo porque pretendeu dar uma ideia geral do que se passou em todo o concerto, quando o jornalista, aquando do fecho da edição, apenas tinha assistido ao início do mesmo.
E imaginemos nós que depois do fecho da edição, tivesse acontecido alguma coisa a Amy ou tivese o concerto acabado logo ali? (acontecimentos possíveis, dado o estado da cantora - especulação ou não, os factos levam-nos a pensar isso mesmo). Provavelmente a reputação do jornal teria ficado ainda num nível pior.
Assim sendo, a comparação ao caso Hugo Chavez aplica-se, pois de indícios iniciais (aparição da cantora, melhor reacção a um certo tema), retiram-se ilações sobre o todo, sobre o cojunto em si, isto é, sobre o concerto inteiro. Do mesmo modo que aconteceu no caso do referendo (de dados e indícios iniciais, retirou-se a ilação do todo: a vitória de Hugo Chávez no referendo).
O jornalista não é o único responsável, é certo. Mas o plano do subjectivo não pode ser usado para tudo, quando o que está em causa é uma capa e toda a credibilidade de um jornal.
Rodrigo de Almada Martins
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