domingo, 20 de dezembro de 2009

Ter ou não ter (carteira profissional)

É jornalista quem vive da produção regular de informação noticiosa. O resto é burocracia


É mais inócuo ser pago para escrever sobre o Festival de Avignon do que sobre um campeonato de póquer


Considerou um leitor identificado, mas sob anonimato: “Muito me espanta (...) que o Ípsilon de 7 de Agosto tivesse apresentado várias páginas sobre o Festival de Avignon assinadas por Tiago Bartolomeu Costa e com a seguinte referência: ‘O jornalista viajou a convite do Festival de Avignon’. Julgo que a pessoa em causa não é jornalista: apenas a leio quando escreve críticas a obras de dança. Procurei no site da carteira Profissional de Jornalista e não encontrei o seu nome. Pode o PÚBLICO manter esta ambiguidade sobre quem é ou não jornalista? E a ética? E os deveres profissionais dos jornalistas? Qualquer um assina artigos no PÚBLICO? Como sei se estou a ler opinião ou artigos imparciais?”

O provedor pediu explicação ao então director do PÚBLICO, mas dado que entretanto se formalizou a sua saída não houve resposta formal. Ao abandonar o cargo, José Manuel Fernandes enviou porém a correspondência interna trocada sobre o tema, permitindo a sua abordagem.

A nota sobre o convite seguiu a regra de sempre revelar quando uma reportagem se faz a convite e não por iniciativa do jornal. É uma atitude a favor da transparência (nem sempre praticada noutros media), mas, a latere, o provedor reitera que acha preocupante o crescimento na imprensa portuguesa de reportagens “pagas”, que nunca existiriam por não integrarem as prioridades editoriais dos respectivos periódicos, mas que se elaboram de bom grado como oferta de quem quer conquistar espaço e referências em jornais e revistas de forma muito mais eficaz do que a simples colocação de anúncios. Quem não reparou já na recente divulgação do póquer nas páginas da nossa imprensa (incluindo o PÚBLICO), com a cobertura de campeonatos internacionais por repórteres da escrita e da fotografia? Todas essas viagens (algumas a Las Vegas, que não ficam propriamente por uma pechincha) têm sido suportadas por uma empresa promotora da modalidade, que espera lucrar na tentativa de conquistar mais pessoas para gastarem o seu dinheiro em apostas no jogo. E os jornalistas cumprem ordeiramente o objectivo. Na semana que passou, um elemento de uma empresa multinacional de comunicação e marketing revelou ao provedor que, de todos os periódicos portugueses de expansão nacional, apenas um (não obviamente o PÚBLICO) recusa o pagamento alheio de viagens aos seus jornalistas – e é crucial que o público esteja disso avisado, para não consumir gato por lebre.

Mas relativizemos: escrever sobre um certame cultural como um reputado festival internacional de teatro é mais inócuo do que apresentar uma prova de póquer como evento global. Além do mais, não constituirá falta particularmente grave cair-se no automatismo de dizer que “o jornalista viajou a convite de...” quando Tiago Bartolomeu Costa não possui carteira de jornalista e tem intervindo nas páginas do PÚBLICO sobretudo como crítico. Aliás, o provedor foi informado de que não está registada a profissão de crítico, apesar de a Associação Internacional de Críticos de Teatro atribuir aos membros cartões identificativos, assinalados até com a palavra “PRESS”. Tiago Bartolomeu Costa possuirá esse cartão há cinco anos, assim como, desde a mesma ocasião, o do próprio PÚBLICO.

Acresce ainda que, além de críticas e outros texto de opinião, Tiago Bartolomeu Costa tem também assinado reportagens e entrevistas, pelo que é reconhecida pelos responsáveis do PÚBLICO a sua capacidade jornalística (incluindo o cumprimento das respectivas normas éticas e profissionais). O jornal podia aliás ter já promovido a sua inscrição na comissão da carteira de jornalista, e só não o terá feito por inércia. O provedor considera, de resto, que essa inscrição é apenas um formalismo que não transforma por artes mágicas o detentor do título profissional no jornalista que antes não era. Diz a Constituição portuguesa que o direito a informar é universal, não dependendo pois da posse de carteira profissional. É jornalista todo aquele que vive da produção regular de informação difundida através de um órgão de comunicação social, possua ou não o correspondente certificado. O resto é mera burocracia.

Na anterior crónica, o provedor considerou “um excesso” ter a notícia relativa à manchete de 6 de Novembro (“Refer deixou prescrever acção contra empresário do Face Oculta”) falado em prescrição. Não encontrou na notícia, baseada num acórdão do Tribunal da Relação do Porto, uma citação da sentença falando em prescrição, tendo assim alegado “alguma falta de rigor” num texto que no resto julgou correcto. Mas afinal a falta de rigor foi sua, já que, conforme o alerta que recebeu depois, o acórdão conclui precisamente pela ideia da prescrição. Aliás, no direito de resposta da Refer saído no PÚBLICO em 11 do mesmo mês, reconhece-se que a decisão judicial tem “fundamento em prescrição” (que a empresa contesta).

Assim sendo, nenhuma objecção existe quanto à notícia em causa, não tem fundamento o direito de resposta exercido pela Refer (a não ser para esclarecer que apresentou recurso do acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça) e são desprovidas de sustentação, neste particular, as críticas dos dois leitores que diziam constituir esse direito de resposta um desmentido cabal ao que o jornal publicara. Por essa razão, cumpre ao provedor pedir desculpa aos autores da notícia, António Arnaldo Mesquita e Luísa Pinto.

Este é o problema da direito de resposta tal como está regulamentado, conforme aliás já salientara a directora do PÚBLICO, solicitada a comentar tais situações: a imprensa é obrigada a publicá-lo sempre que “qualquer pessoa singular ou colectiva, organização, serviço ou organismo público, bem como o titular de qualquer órgão ou responsável por estabelecimento público, (...) tiver sido objecto de referências, ainda que indirectas, que possam afectar a sua reputação e boa fama”, independentemente do fundamento das respectivas notícias. Como escreveu também o provedor quanto a este caso, o jornal adicionou ao direito de resposta uma nota esclarecendo que a notícia se baseara no acórdão da Relação, mas sem rebater a Refer. Porém, o PÚBLICO devia ser mais afirmativo na defesa dos seus créditos, para evitar ambiguidades como a que levou à queixa dos leitores.

A história não acaba aqui. A Refer enviara um primeiro direito de resposta, assinado pelo seu director de Comunicação, que a direcção do PÚBLICO rejeitou, não reconhecendo ao autor capacidade de representação da sociedade. Queixou-se desse facto ao provedor a administração da empresa, e nesse ponto com razão: é um excesso de zelo, revelando má vontade na publicação do direito de resposta, considerar que o responsável de comunicação de uma instituição não está mandatado para responder à imprensa.

Na mesma queixa, a empresa pública que explora a infra-estrutura ferroviária reclamava por ter sido contactada para comentar a manchete de 6 de Novembro apenas às 17h23 da véspera, através de um e-mail de Luísa Pinto em que se “agradecia a celeridade da resposta” mas sem se dizer que a notícia sairia no dia seguinte. Também este procedimento não parece correcto ao provedor, já que pode ser entendido no sentido de fugir à publicação de uma reacção da empresa, permitindo escrever, como se fez na notícia, que “o PÚBLICO não conseguiu obter por parte da actual administração da Refer uma justificação”. Um contacto atempado esclareceria que a Refer recorrera do acórdão da Relação e esvaziaria o recurso ao direito de resposta.

CAIXA:

Os que sobem e os que descem

À beira do fim do mandato (não renovável), o provedor apresenta algumas contas finais de dois anos de “Sobe e desce”, dado que, como já antes considerou, esta secção pode reflectir alguma orientação editorial não assumida por parte do jornal.

O campeão de referências é Teixeira dos Santos, com 67 setas. O ministro das Finanças foi porém alvo de 37 setas negativas e apenas 11 apontando para cima (sendo as restantes 19 para o lado, que não aquecem nem arrefecem). A seguir, com menos uma seta no total, vem José Sócrates (que estava à frente quando o provedor fez a mesma estatística em Maio passado), mas o primeiro-ministro é também imolado com 35 setas para baixo e apenas 15 positivas. Aliás, esse é o percurso global do seu governo de maioria absoluta, de que alguns dos membros foram dos mais referidos: Alberto Costa (quatro para cima e 14 para baixo), Ana Jorge (11-18), Jaime Silva (0-15), Manuel Pinho (2-17), Maria de Lurdes Rodrigues (3-28), Mário Lino (3-22), Rui Pereira (1-19). O facto é que Sócrates remodelou cinco deles.

Em contrapartida, das 45 referências a Cavaco Silva, 24 foram abonatórias e nove críticas, não se alterando um milímetro, apesar da crise das “escutas de Belém” (iniciada neste jornal), a proporção que o Presidente já tinha em Maio (16-6). A mais recente líder da oposição, Manuela Ferreira Leite, com 12-18, apresenta por seu turno um balanço negativo, mas melhor que Sócrates.

O terceiro lugar da classificação geral cabe porém a Barack Obama, com 60 menções. O presidente dos EUA esteve em estado de graça no PÚBLICO (como junto da opinião pública mundial), com 48 setas positivas e apenas sete negativas. Já o seu antecessor, George W. Bush, recolheu um score de 2-21. Se este jornal publicou editoriais a apoiar a invasão do Iraque e outras tropelias neoconservadoras, tal ousadia não teve acolhimento no “Sobe e desce”. Outros líderes além-fronteiras mais referidos foram Ahmadinejad (2-18), Berlusconi (1-24), Durão Barroso (12-4), Gordon Brown (10-22), Mugabe (0-19) e Sarkozy (10-17).

De resto, com idêntica quantidade de presenças, apenas Vítor Constâncio (11-10) e três figuras do desporto: Cristiano Ronaldo (20-2), Jesualdo Ferreira (30-5) e Paulo Bento (16-15). Jorge Jesus está com 11-1, mas já pontuava positivamente quando era treinador do Sp. Braga.

Refira-se que compensa ser cronista do PÚBLICO: Vital Moreira e Pacheco Pereira surgiram este ano na tabela com 3-0 e 2-0 respectivamente, apesar de as suas recentes intervenções políticas não terem sido um sucesso.

Conclusões? Cabe ao leitor tirá-las.

Publicada em 20 de Dezembro de 2009

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