Dirijo-me ao provedor por já não saber a quem me devo dirigir para manter o bom nível da língua portuguesa num jornal de referência, como o vosso.
Com efeito, o uso do termo "porque" está já tão enraizado na nossa escrita que ninguém tem a coragem de dizer os disparates que ele contém. Dou dois exemplos, em dias seguidos, para nem ter que ir ver casos anteriores:
1. Ontem (15 de Janeiro de 2009), o jornalista Manuel Carvalho assinava um editorial com o título "Porque errou o patriarca", quando o título deveria ser, em bom português, "Por que errou o patriarca".
2. Hoje, um professor que não quer ser avaliado (e agora percebo bem a razão por que não quer!) assinava um artigo no vosso jornal intitulado "Porque não entregarei os objectivos individuais" quando deveria dizer "Por que não entregarei os objectivos individuais".
Um jornal de referência não se pode dar ao luxo de dar espaço a disparates em língua portuguesa. E estes são disparates. Não sou titular de um curso de Clássicas ou de Filologia Românica, mas não tenho dúvidas em afirmar que estamos perante uma adulteração da língua portuguesa. E se alguém, no PÚBLICO, tem dúvidas, talvez valha a pena consultar especialistas. Se eles me não derem razão, aceito, humildemente, a minha ignorância. Mas duvido que não me dêem razão.
Virgílio Meira Soares
NOTA DO PROVEDOR: O provedor fez um levantamento aleatório de situações em que se manifesta esta discrepância, concluindo por uma frequência preocupante:
Entrada de artigo, 8 de Novembro, pág. 14: “O PÚBLICO foi ver porque razão se deu este repentino silêncio”. (No mesmo dia, na entrada de artigo na Pública, pág. 53, já se escreve: “E percebem de experiência vivida por que era inevitável a queda do Muro”).
Título, 15 de Setembro, pág. 6: “Portas semeia votos entre os agricultores e explica porque ganha o partido dos preguiçosos”.
Texto, 13 de Setembro, pág. 37: “Porque não fazem?”. (No mesmo dia, título na 1ª pág.: “Não sei por que me querem matar”).
Fugas, 1 de Agosto, pág. 32: “Porque continuamos então a prestar pouca atenção às subtilezas e grandezas do Moscatel?”
Título, 9 de Junho, pág. 11: “Porque é que a direita ganhou”.
Entrada de texto, P2, 5 de Julho, pág. 4: “Porque se isolou ele?” (No mesmo texto, já vem: “Não quer saber por que é que eu disse ‘não’?”
Título, 31 de Maio, pág. 1: “Porque chovem críticas sobre Durão e a sua presidência europeia”
Editorial, 9 de Março: “não se percebe porque se entrega a um órgão politizado a tutela sobre a concentração dos media”.
Destaque do editorial, 3 de Março: “Se o Governo está preocupado com o emprego, porque não paga já os milhares de milhões que o estado deve às empresas?”
Texto, 22 de Fevereiro, pág. 37: “Nas próximas linhas explicarei, nos termos mais concisos que puder, porque aceitei o convite”. (Em antetítulo do mesmo texto já se escreve: “Por que aceitei o convite do Bloco de Esquerda...”).
Manchete, 29 de Dezembro de 2008: “Cavaco Silva volta hoje a explicar ao país porque discorda do estatuto dos Açores”. No P2 do mesmo dia, pág. 9: “muita gente pergunta porque é que o Estado há-de ajudar os bancos”.
sábado, 19 de dezembro de 2009
Por que razão "porque"?
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