domingo, 18 de janeiro de 2009

Esse espectro chamado plágio

Terá a nova ecologia comunicacional do século XXI abolido a regra contra a apropriação do trabalho intelectual alheio?

O vídeo-chat junta-se ao telemóveis, às sms, ao messenger, ao Facebook ou ao Skype com símbolos de uma nova geração que dois autores invocam em simultâneo

A queixa vem hoje de um jornalista, Hugo Gonçalves, acerca de uma colaboração que fez para a edição de Janeiro do Lux Frágil, mensário gratuito editado por uma discoteca de Lisboa:

”No dia 27 de Novembro enviei um texto por email, com o título ‘O Elogio da Crise’, ao editor do jornal do Lux, Pedro Fradique. O editor resolveu mostrá-lo a alguns amigos e colegas de profissão - entre eles estava o jornalista do PÚBLICO Vítor Belanciano. (…) Queria, segundo me disse, partilhar o artigo e saber as opiniões dos seus colaboradores e amigos sobre o mesmo.

No dia 13 de Dezembro, uma crónica na pág. 3 do P2, escrita por Vítor Belanciano [‘Larguem o ecrã’], começava assim: ’Somos a geração pós-revolução. Não estamos no top de preferências dos que lutaram pela liberdade. Não temos ideais, dizem-nos. Somos os doutores que queriam que fôssemos, replicamos. Deram-nos TV a cores e jogos de computador. Nunca estamos sozinhos. Ele é telemóveis, SMS ou Skype. (...) Somos guardiões do lema pensar global, agir local’.

Um dos parágrafos do meu texto: ’Nós, os que nascemos depois do 25 de Abril, nunca tivemos uma causa geracional, metemos nojo aos colunistas que lutaram pela liberdade, somos os doutores e engenheiros que queriam que fôssemos. (...) Nós, os filhos da pós-revolução, crescemos com televisões a cores, com jogos de computador, com os vídeoclips da MTV a açucarar-nos a vida. Nunca estamos sozinhos – os telemóveis, as sms, o messenger, o facebook. Recebemos o conforto que faltou aos nossos pais. (...) Queremos ser intérpretes do aforismo moderno: pensa globalmente, actua localmente.’

(…) Sim, somos vulneráveis às palavras e às ideias que absorvemos e digerimos e processamos. Porém, e ainda que os textos abordem claramente temas distintos, no caso do parágrafo em questão não se trata de vulnerabilidade, mas de cópia: a cadência, a ordem das palavras, a ideia subjacente e até as imagens usadas para ilustrar tal ideia. Não esquecendo que Vítor Belanciano recebeu o meu texto (…) dias antes de publicar a sua crónica”.

Hugo Gonçalves esclarece que, duas semanas antes de escrever ao provedor, reclamara junto do director do PÚBLICO acerca deste alegado plágio de um escrito seu, mas sem qualquer reacção. E conclui:

“O meu texto foi publicado após a crónica de Vítor Belanciano No entanto, tenho testemunhas e emails que provam que o meu artigo foi escrito muito antes do texto do PÚBLICO. Não gostaria que os leitores pensassem que fiz um exercício de copy/paste [copiar/colar no computador]. É desagradável. Lamento que o PÚBLICO não se tenha preocupado em esclarecer este problema”.

O provedor solicitou esclarecimentos a Vítor Belanciano, perguntando-lhe preliminarmente se confirmava a leitura prévia do texto de Hugo Gonçalves, o que assumiu:

“Nunca fugi – nem ninguém deste jornal – a esta questão. Claro que li o texto de Hugo Gonçalves. Mais: instiguei à sua publicação a quem me pediu opinião. Por isso, recuso insinuações que poderia passar-me pela cabeça dizer que não li o referido texto”.

O provedor nada insinuou a esse respeito, apenas perguntou, no exercício normal de funções, pelo que desconhece a quem Vítor Belanciano possa referir-se. Quanto à explicação da similitude entre o seu texto e o outro, Vítor Belanciano adianta:

“A ideia, o conceito, a essência, dos dois textos é totalmente diferente. O meu reflecte sobre a retórica tecnológica, como se fosse a única imagem de um futuro possível. Algumas influências na sua feitura foram teorias de Zygmunt Bauman (a geração do ‘ter’ e não do ‘ser’), análises de James Howard Kundler (a confiança cega na tecnologia e o estilo de vida ocidental ter que mudar face à escassez de recursos energéticos) e texto de Simon Jenkins sobre haver cada vez mais pessoas a consumirem espectáculos ao vivo, porque não há comunidades virtuais que os substituam. O texto de Hugo Gonçalves é sobre o estado de Portugal e como a crise pode ser, afinal, a salvação.

A minha crónica está escrita num registo formal que é o meu: conciso, directo, frases curtas, dinâmico, cadenciado.

Isso não significa que não existam cinco frases no princípio da minha crónica com semelhanças a frases do outro texto, que, em alguns casos, na sua declaração, Hugo Gonçalves tira de contexto, recorrendo a parêntesis. Adiante. Não vou estar a discutir ‘vírgulas’, que é o que, nestes casos, pode suceder.

Digo, frontalmente, que sim, é plausível que a leitura, alguns dias antes, do texto de Hugo Gonçalves possa ter sugestionado essas minhas frases. Fui um pouco incauto? Talvez.”

E depois, à guisa de doutrina para um gesto que olha com aparente displicência, Vítor Belanciano elabora uma tese justificativa:

“De qualquer forma, a ideia que atribui forma a essas frases está banalizada e é do senso comum. (…)

Eu próprio, em crónicas anteriores, utilizei alusões parecidas para reflectir o mesmo: ‘Podemos recorrer a astúcias e pequenos gestos quando estamos entre desconhecidos sinalizando a intenção de permanecermos afastados, como a utilização indiscriminada do telemóvel – como se através dele obtivéssemos consolo de estar em comunicação, sem o desconforto que o verdadeiro contacto reserva’. (‘Viver por opção no gueto’, 13-08-07); ’Fazer parte de comunidades ou universos virtuais como o Second Life, de dia, ou passear no Chiado de iPhone no ouvido, à noite. Cada um pode criar o seu mundo artificial’. (‘Coexistir’, 20-07-08).

Sei perfeitamente que existem sensibilidades diferentes para conviver com estas questões. Entendo a susceptibilidade de Hugo Gonçalves. Muitos outros partilham do mesmo, certamente. Respeito-o. (…) Essa não é a minha visão, no entanto. (…) Enquanto alguém que pensa sobre estes factos, queria deixar apenas a seguinte observação:

Nenhum texto, ou obra, é puramente original, feito exclusivamente por um sujeito, livre das interferências de outras produções. Citações, referências, alusões, apropriações e ecos – conscientes ou inconscientes – encontram-se, cada vez mais, num mundo intrincado de signos. Mais do que isso, são a própria condição do acto criativo. Ter uma voz singular implica adoptar e abraçar filiações, comunidades, discursos. Inventar não é criar do nada, mas do caos.

Todos o sabem, poucos o aceitam. Tenho a sensação de que hoje grassa uma espécie de arrogância cultural, e uma hipocrisia que lhe está subjacente, quando se fala nestes assuntos. Com o fluxo ininterrupto de informação vinda de todos os lados, estas questões são – e serão ainda mais no futuro – relevantes, implicando rever as formas pelas quais nos relacionamos com elas”.

Por louvável que seja a franqueza de V.B. ao admitir influências do texto de Hugo Gonçalves, é muito mais problemático que o encare como natural. Vítor Belanciano constatava na crónica em causa haver quem acusasse a sua geração (de que se assume como porta-voz) de já não ter ideais. O provedor, que não sabe se é isso que ele próprio pensa, entende de forma diferente – que continua a haver ideais, mas não necessariamente coincidentes com os das gerações anteriores. Em todo o caso, estava convencido de que a não apropriação do trabalho intelectual alheio, mais conhecida como recusa do plágio, permanecia como ideal transmitido de geração para geração.

Conviria a Vítor Belanciano ter a consciência de que o código deontológico da sua profissão estipula que “o jornalista deve combater (…) o plágio como grave falta profissional” e de que trabalha para um jornal cujo Livro de Estilo é taxativo a este respeito: “O plágio é terminantemente proibido no PÚBLICO”.

Poder-se-ia pensar que a proximidade de ideias, a semelhança da exposição e a coincidência de vocábulos entre Hugo Gonçalves e Vítor Belanciano não teriam passado de uma bizarra coincidência em milhões de diferentes combinações lexicais à volta do mesmo tema – certamente mais rara do que ganhar o Euromilhões. Mas, tendo lido o outro texto antes de escrever o seu, a Vítor Belanciano não poderá ter escapado tudo isso, pelo que lhe competiria fugir à inevitável comparação entre dois discursos tão concordantes.

Sendo certo que a nova ecologia comunicacional poderá obrigar a repensar o conceito de direito de autor, como alega em sua defesa, Vítor Belanciano estava a escrever, com a sua própria assinatura, para um órgão de informação tradicional, onde ainda imperam (e imperarão) os velhos valores que obrigam a atribuir devidamente às respectivas fontes todas as informações e expressões recolhidas algures.

Remata o jornalista:

”Alguém me perguntava: ‘E se fosse ao contrário?’ Respondi – com exagero, decerto – que todas as semanas vejo isso acontecer com textos meus. (…) Todos são bem vindos às minhas considerações e histórias. No limite, elas nunca foram apenas minhas, em primeiro lugar, façam favor de fazer delas o que quiserem”.

Sendo estimável, a generosidade de Vítor Belanciano não o autoriza a abusar da generosidade dos outros.

CAIXA:

Onde estão as católicas?


Caso evidente de plágio é o dos vários leitores que enviaram ao provedor a mesma mensagem reclamando contra a reportagem que, na pág. 1 do PÚBLICO da passada quinta-feira, possuía uma chamada em fotolegenda com o título "Há católicas felizes com maridos muçulmanos". Outros dirão tratar-se de campanha ou de abaixo-assinado não assumido, mas ao provedor pouco importa, tanto mais que julga haver pertinência no protesto. A reportagem, desenvolvida nas págs. 2 a 4 dessa edição, destinava-se a fazer contraponto às polémicas declarações do patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, dois dias antes, quando resolveu fugir ao politicamente correcto e alertar as mulheres do seu país: “Pensem duas vezes em casar com um muçulmano (…). É meter-se num monte de sarilhos”.

O provedor sintetiza o sentido das reclamações a partir do texto de um leitor que não fez copy/paste, Gabriel Silva: “Dos quatro exemplos (…) com que o jornal queria ilustrar as ditas ‘católicas felizes com maridos muçulmanos’, constata-se que: uma, não sendo casada, ‘não é praticamente de nenhuma religião, embora em sua casa se faça tudo de forma a não chocar com as regras do islão’; e, nos outros três casos apontados, afinal tratam-se de muçulmanas convertidas (antes ou durante o casamento). Cadê, afinal, as tais ‘católicas felizes’? Aceita-se em teoria que existam. O PÚBLICO é que enganou os leitores”.

Com efeito, o jornal foi infeliz ao referir-se às inexistentes “católicas”. E nem era preciso: segundo todas as notícias, o cardeal não se referia a elas, mas sim às “jovens portuguesas”.

Publicada em 18 de Janeiro de 2009

DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:

Carta de Hugo Gonçalves

No dia 27 de Novembro enviei um texto por email, com o título "O Elogio da Crise", ao editor do jornal do Lux, Pedro Fradique. O editor resolveu mostrá-lo a alguns amigos e colegas de profissão - entre eles estava o jornalista do PÚBLICO Vítor Belanciano. Quando enviou o texto a esse grupo de pessoas, que colaboram com o jornal do Lux, o editor queria, segundo me disse, partilhar o artigo e saber as opiniões dos seus colaboradores e amigos sobre o mesmo.

No dia 13 de Dezembro, uma crónica na pág. 3 do suplemento P2, escrita pelo jornalista Vítor Belanciano começava assim:

"Somos a geração pós-revolução. Não estamos no top de preferências dos que lutaram pela liberdade. Não temos ideais, dizem-nos. Somos os doutores que queriam que fôssemos, replicamos. Deram-nos TV a cores e jogos de computador. Nunca estamos sozinhos. Ele é telemóveis, SMS ou Skype. (...) Somos guardiões do lema 'pensar global, agir local'."

Um dos parágrafos do meu texto:

"Nós, os que nascemos depois do 25 de Abril, nunca tivemos uma causa geracional, metemos nojo aos colunistas que lutaram pela liberdade, somos os doutores e engenheiros que queriam que fôssemos (...) Nós, os filhos da pós-revolução, crescemos com televisões a cores, com jogos de computador, com os vídeoclips da MTV a açucarar-nos a vida. Nunca estamos sozinhos - os telemóveis, as sms, o messenger, o facebook. Recebemos o conforto que faltou aos nossos pais (...) Queremos ser intérpretes do aforismo moderno: pensa globalmente, actua localmente."

Sou jornalista. Sei que é possível ser influenciado por tudo o que lemos e relemos durante um dia de trabalho. Sim, somos vulneráveis às palavras e às ideias que absorvemos e digerimos e processamos. Porém, e ainda que os textos abordem claramente temas distintos, no caso do parágrafo em questão não se trata de vulnerabilidade mas de cópia: a cadência, a ordem das palavras, a ideia subjacente, e atá as imagens usadas para ilustrar tal ideia. Não esquecendo que Vítor Belanciano recebeu o meu texto, por email, quando ainda estava por publicar, dias antes de publicar a sua crónica no PÚBLICO.

O que escrevi até agora neste email foi praticamente o mesmo que escrevi num email dirigido ao director do PÚBLICO, no dia 26 de Dezembro, depois de ter falado com a secretária da direcção sobre o tema. Sem qualquer resposta, voltei a falar no dia 6 de Janeiro com a secretária da direcção, que me sugeriu enviar o mesmo email para a sua caixa de correio, informando-me que alertaria o director do jornal para o assunto. Desde o primeiro email passaram-se 14 dias. E nada. Nenhuma resposta.

O meu texto foi publicado após a crónica do jornalista Vítor Belanciano. No entanto, tenho testemunhas e emails que provam que o meu artigo foi escrito muito antes do texto do PÚBLICO. Não gostaria que os leitores pensassem que fiz um exercício de copy/paste. É desagradável. Lamento que o jornal PÚBLICO não se tenha preocupado em esclarecer este problema.

Hugo Gonçalves

Explicações do jornalista Vítor Belanciano

Gostava que ficasse claro que nunca fugi – nem ninguém deste jornal – a esta questão. Claro que li o texto de Hugo Gonçalves. Mais: instiguei à sua publicação a quem me pediu opinião. Por isso, recuso insinuações que poderia passar-me pela cabeça dizer que não li o referido texto.

A ideia, o conceito, a essência, dos dois textos é totalmente diferente. O meu reflecte sobre a retórica tecnológica, como se fosse a única imagem de um futuro possível.

Algumas influências na sua feitura foram teorias de Zygmunt Bauman (a geração do “ter” e não do “ser”), análises de James Howard Kundler (a confiança cega na tecnologia e o estilo de vida Ocidental ter que mudar face à escassez de recursos energéticos) e texto de Simon Jenkins sobre haver cada vez mais pessoas a consumirem espectáculos ao vivo, porque não há comunidades virtuais que os substituam. O texto de Hugo Gonçalves é sobre o estado de Portugal e como a crise pode ser, afinal, a salvação.

A minha crónica está escrita num registo formal que é o meu: conciso, directo, frases curtas, dinâmico, cadenciado.

Isso não significa que não existam cinco frases no princípio da minha crónica com semelhanças a frases do outro texto que, em alguns casos, na sua declaração, Hugo Gonçalves tira de contexto, recorrendo a parêntesis. Adiante. Não vou estar a discutir "vírgulas", que é o que, nestes casos, pode suceder.

Digo, frontalmente, que sim, é plausível que a leitura, alguns dias antes, do texto de Hugo Gonçalves possa ter sugestionado essas minhas frases. Fui um pouco incauto? Talvez.

De qualquer forma, a ideia que atribui forma a essas frases está banalizada e é do senso comum. Trata-se de reflectir que há uma geração que caracteriza outra como sendo pouco idealista, consumista, acomodada, tecnologicamente dependente para se relacionar.

Eu próprio, em crónicas anteriores, utilizei alusões parecidas para reflectir o mesmo: “Podemos recorrer a astúcias e pequenos gestos quando estamos entre desconhecidos sinalizando a intenção de permanecermos afastados, como a utilização indiscriminada do telemóvel – como se através dele obtivéssemos consolo de estar em comunicação, sem o desconforto que o verdadeiro contacto reserva (“Viver por opção no gueto”, 13-08-07); “Fazer parte de comunidades ou universos virtuais como o Second Life, de dia, ou passear no Chiado de iPhone no ouvido, à noite. Cada um pode criar o seu mundo artificial.” (“Coexistir”, 20-07-08)

Sei perfeitamente que existem sensibilidades diferentes para conviver com estas questões. Entendo a susceptibilidade de Hugo Gonçalves. Muito outros partilham do mesmo, certamente. Respeito-o. Sem retirar uma vírgula ao que disse, queria dizer que essa não é a minha visão, no entanto. Este não é o contexto para me expressar sobre isso de forma aprofundada. Mas enquanto alguém que pensa sobre estes factos queria deixar apenas esta observação:

Nenhum texto, ou obra, é puramente original, feito exclusivamente por um sujeito, livre das interferências de outras produções. Citações, referências, alusões, apropriações e ecos – conscientes ou inconscientes – encontram-se, cada vez mais, num mundo intrincado de signos. Mais do que isso, são a própria condição do acto criativo. Ter uma voz singular implica adoptar e abraçar filiações, comunidades, discursos. Inventar não é criar do nada, mas do caos.

Todos o sabem, poucos o aceitam. Tenho a sensação de que hoje grassa uma espécie de arrogância cultural, e uma hipocrisia que lhe está subjacente, quando se fala nestes assuntos. Com o fluxo ininterrupto de informação vinda de todos os lados, estas questões são – e serão ainda mais no futuro – relevantes, implicando rever as formas pelas quais nos relacionamos com elas. Por tudo, e por nada, fazem-se as mais diversas acusações, de forma nivelada.

Ontem alguém me perguntava: “E se fosse ao contrário?”. Respondi – com exagero, decerto – que todas as semanas vejo isso acontecer com textos meus. Como jornalista ou crítico sou apenas uma pontinha no meio de um oceano de histórias. Um dia destes vou-me. Por enquanto, agradeço estar por aqui. A única coisa que posso fazer é agradecer aos que me lêem. Todos são bem-vindos às minhas considerações e histórias. No limite, elas nunca foram apenas minhas, em primeiro lugar, façam favor de fazer delas o que quiserem.

Vítor Belanciano

Carta do leitor Gabriel Silva

Achei enternecedor o destaque hoje da capa do PÚBLICO, que titulava assim: "Polémica: Há católicas felizes com maridos muçulmanos".

Embora ninguém, que eu tenha visto, tenha afirmado o seu contrário (não se vendo grande razão para o destaque de "polémica"), o PÚBLICO entendeu anunciar essa boa nova. Fica registado.

Lá dentro, o PÚBLICO reserva três páginas para tratar o assunto. No entanto, a sua leitura reduz a zero, ou mesmo a um embuste, o título de capa.

É que dos quatro exemplos de casamentos entre alegadas católicas e muçulmanos com que o jornal queria ilustrar as ditas "católicas felizes com maridos muçulmanos" constata-se que:

Uma, não sendo casada, tão pouco é "praticamente de nenhuma religião,
embora em sua casa se faça tudo para não chocar com as regras do
islão"; e nos outros três casos apontados afinal tratam-se de muçulmanas
convertidas (antes ou durante o casamento).

Cadê afinal as tais "católicas felizes"?

Aceita-se em teoria que existam. O PÚBLICO é que enganou os leitores com o título de capa.

Gabriel Silva

Carta do leitor Francisco Pereira

Com parangonas de primeira página, dá conta o PÚBLICO de que há uma "polémica" e que há católicas que são felizes sendo casadas com muçulmanos. Isto a propósito, já se \vê, das recentes declarações de Sua Eminência o Cardeal Patriarca de Lisboa.

É evidente que a frase escolhida para encimar a fotografia que se publica nada tem que ver com as declarações do Senhor Patriarca. Houve quem assinalasse a impertinência das palavras do Senhor Dom José, o que se aceita. Porém, não será já aceitável que delas se extraiam conclusões que nelas não têm qualquer arrimo. Não tenho ideia de ter o Senhor Cardeal dito que quem casasse com muçulmanos seria infeliz para toda a vida. Não terá sido isso que foi dito.

Contudo, mais estranheza ainda resulta do relato de vida das pretensas católicas casadas com muçulmanos, na pág. 3, em baixo. Bem lidas as coisas, a primeira nem sequer é casada e reconhece não praticar qualquer religião. Os restantes três exemplos referem-se a pessoas que se converteram ao Islão, o que, a menos que esteja eu a ser precipitado, impede de as considerarmos católicas.

Dito isto, reafirmo: há seguramente católicas casadas com muçulmanos que são muito felizes. Há com toda a certeza. Não são é as que são referidas no jornal. E há certamente muitas católicas que, estando casadas com católicos, são infelicíssimas. Apesar de tudo, uma e outra conclusão nada têm que ver com as declarações do Senhor Dom José, e, infelizmente, em assunto tão delicado, melhor fora que um jornal com a credibilidade como aquele de que é Provedor não cedesse aos soundbytes do momento e não contribuísse, para mais sem qualquer razão, para o acicatar de sentimentos de intolerância.

Francisco Pereira
Fátima

NOTA DO PROVEDOR: Foram recebidas de outros leitores mais duas cartas iguais.

Carta do leitor Francisco Crispim

Porque se trata de um assunto sério, que joga com a credibilidade do jornal e a possibilidade de eu continuar a comprá-lo e a lê-lo, agradeço que, na próxima crónica na edição impressa, trate do assunto a que se refere este post do blog 31 da Armada:

ceci n'est pas une pipe

O Público de hoje dá destaque à “polémica” causada pelas palavras do Cardeal Patriarca sobre o casamento de católicas com muçulmanos.
Sem pretender discutir a pertinência do que o Senhor D. José Policarpo afirmou, não posso deixar de lamentar a miserável cobertura que o jornal faz hoje das suas repercussões. Desconheço se foram os jornalistas, António Marujo e Alexandra Prado Coelho, que escolheram o título e o enquadramento, mas a verdade é que a edição de hoje do Público deveria ser utilizada, por todos aqueles que ensinam em escolas de jornalismo, como um exemplo do que não deve, nem pode, ser a informação.
Sem dispensar a leitura do jornal, faço aqui um resumo. Com uma chamada de atenção à 1.ª página, com uma fotografia de uma suposta católica com os seus 4 filhos, que ocupa quase meia página, podemos ler “Polémica Há católicas felizes com maridos muçulmanos”. Só por si, esta afirmação é patética. Tão absurda como a que assegurasse haver católicas infelicíssimas com maridos também eles católicos.
Lá dentro, o Público gasta 3 páginas (as primeiras 3) com o assunto. No entanto, quando lemos a notícia, constatamos que o texto em nada corresponde com o título da 1.ª página.
Com efeito, dos 4 exemplos de casamentos entre alegadas católicas e muçulmanos, percebemos, afinal, que (i) uma delas, a da fotografia, para além de não ser casada, “não é praticamente de nenhuma religião, embora em sua casa se faça tudo para não chocar com as regras do islão”; (ii) os restantes 3 exemplos retratam casos em que as não muçulmanas, com o casamento ou depois dele, converteram-se ao islão.
Bem sei que, nos dias de hoje, as agendas de alguns jornalistas pressupõem um grau elevado de anticlericalismo (essencialmente de cariz católico), mas os excessos são de evitar. Para obviar ao ridículo.
Nota adicional: os exemplos trazidos pelo Público não só não contradizem o afirmado pelo Cardeal Patriarca, como o confirmam. Se o jornal fosse sério, amanhã retractava-se.
(publicado por Rui Castro)

Francisco Crispim

1 comentário:

Anónimo disse...

Sim, senhor, mas que grande jornalista nos saiu o sr. Belanciano. Aí está: Clara Barata a fazer escola no "P"!

P.S. - Sobre o plágio de Barata, vale a pena (re)ler o blog do então Provedor do Leitor do "Público", Rui Araújo. Estava-se em Janeiro de 2007. Aqui.