Os erros de informação que deviam ser logo corrigidos, mas por uma ou outra razão algumas rectificações ficam no tinteiro
Os leitores foram mantidos quatro meses na ignorância quanto ao facto de Llosa, afinal, nunca ter ganho o Nobel
Leitores atentos avisam regularmente o provedor para a publicação de certas pérolas de cultura no PÚBLICO. São erros que deviam ser logo corrigidos, mas por uma ou outra razão essas rectificações ficam por vezes no tinteiro.
Entre tais razões figuram circunstâncias que não parecem ao provedor justificáveis. O leitor José P. Costa reclamou por o PÚBLICO ter fornecido diversas datas para a recente morte do antropólogo Claude Lévi-Strauss, sem esclarecer qual era, afinal, a verdadeira: “Em 4 de Novembro, na primeira página, 'C. Lévi-Strauss [...] morreu ontem', na pág. 15, em texto de Clara Barata, é escrito que 'morreu domingo' [1 de Novembro]. A 8 de Novembro, na pág. 8 do P2, Filipe Verde diz que 'morreu em 30 de Outubro' e na pág. 8 da 'Pública' aparece: 'morreu na madrugada de sábado' [31 de Outubro]”.
Qual das quatro versões é a autêntica? Explica Clara Barata: "Só posso responder pelo texto de 4 de Novembro, na pág. 15, em que dizia que morreu no domingo; a chamada à primeira página não fui eu que a fiz e está nitidamente errada. Os outros textos são pequenas variações sobre o mesmo tema, ele terá morrido na madrugada de sábado para domingo, o que daria de 31 para Outubro para 1 de Novembro. Mas a morte dele foi mantida em segredo durante vários dias (...), e por isso mesmo diria que não é de surpreender que surjam algumas ambiguidades".
Quando o provedor perguntou à assistente da direcção coordenadora da publicação das correcções por que não se imprimiu um esclarecimento sobre a matéria, foi-lhe respondido que no dia 3, quando se pensou fazer sair o respectivo “O PÚBLICO errou”, o director de fecho entendeu em sentido contrário, porque para essa edição já estavam previstas três outras rectificações. Não parece ao provedor que seja salutar a imposição de uma quota para o reconhecimento de erros por parte do PÚBLICO: deve-se publicar o necessário para que a reputação e a credibilidade do jornal fiquem asseguradas.
Mais para trás, escreveu-se reiteradamente numa edição do PÚBLICO que o escritor de origem peruana Mario Vargas Llosa era detentor do Prémio Nobel da Literatura, o que colocou o leitor José Monteiro de sobreaviso: “Acalentei a esperança de que, enfim, o PÚBLICO, via Provedor, iria informar os seus leitores de que, de facto, Mario Vargas Llosa não é Prémio Nobel da Literatura, ao contrário do que, por três vezes, se afirma na edição de 31 de Maio, a págs. 19 e 40. Seguramente a correcção não veio no ‘PÚBLICO errou’ do dia seguinte e também nunca a detectei depois. (...) Aliás, creio que, oficialmente, Mario Vargas Llosa deixou de ser peruano... e adquiriu a nacionalidade espanhola. (...) Erro inadmissível em qualquer circunstância, e muito menos no que se diz um jornal de referência”.
O provedor demorou a publicar o reparo, mas ele aqui está: Llosa nunca ganhou o Nobel. Os leitores, porém, só puderam sabê-lo, e indirectamente, em 23 de Setembro, quando o jornal disse na pág. 9 do P2 que “o peruano Mario Vargas Llosa” figurava entre “os nomes de quem mais se fala insistentemente” para o Nobel de 2009 (o qual, mais uma vez, lhe escapou). Esclareça-se já agora que o autor de Conversa na Catedral possui dupla nacionalidade, tendo há anos adquirido a espanhola sem renunciar à de origem.
O leitor João Brandão detectou na edição de 28 de Outubro duas coisas inexistentes: a referência a “20,8 milhões de litros cúbicos” num artigo da pág. 16 sobre acusações da Aministia Internacional a Israel (“santa ignorância – estaremos num espaço a nove dimensões?”) e um título na pág. 8 do P2 dizendo que “Orquestra do Porto vai interpretar a integral das sonatas de Mahler" (tratava-se, evidentemente, das sinfonias do compositor austríaco, como vinha depois no texto – mesmo que ele tivesse composto sonatas, o que não é o caso, essas obras musicais não são tocadas por orquestra, mas em solo ou por conjuntos de câmara).
Notou outro leitor (não identificado) que na “Pública” de 25 de Novembro se mencionava Clara Petacci, a amante do ditador italiano Benito Mussolini, como “a mesma que foi enforcada ao seu lado em Abril de 1945”, acrescentando: “O direito à ignorância também pode ser exercido pelos jornalistas, mas não deve, dado que se considera que devem informar e que eles próprios se arrogam a posição de justiceiros, educadores do povo e outro delírios. E eis como Mussolini e a Claretta de fuzilados passaram a enforcados”. (Talvez o facto de os dois amantes, depois de executados, terem sido pendurados por cordas, de cabeça para baixo, numa praça de Milão tenha levado o jornalista a pensar falsamente em enforcamento).
Protestou José Manuel Beirão em 18 de Novembro: “A jornalista Isabel Coutinho, ontem no P2 [pág. 8], errou com a informação de que haja [em 2009] a primeira exposição na Alemanha ‘dedicada a Sandro Botticelli’. No ano 2000 havia uma exposição em Berlim com 125 obras de Botticelli expostas”. O provedor não encontrou referência a uma exposição em Berlim, em 2000, de 125 obras do pintor renascentista, mas nesse ano houve de facto a apresentação na capital alemã de 92 desenhos coloridos produzidos por Botticelli para ilustrar a Divina Comédia, de Dante. A jornalista não falha inteiramente, porquanto ao falar-se da obra do italiano se pensa imediatamente em quadros a óleo, mas de qualquer modo o texto careceria de um esclarecimento acerca da exposição de 2000.
Por fim, salienta-se a apertura da crónica de Teresa de Sousa na pág. 4 de 8 de Outubro: “Costuma dizer-se que o hábito faz o monge”. O provedor sempre ouviu o contrário: “O hábito não faz o monge”.
CAIXA:
A biografia de um cientista racista
Uma reportagem de Teresa Firmino publicada na pág. 18 de 7 de Novembro, sobre uma conferência dada pelo Nobel da Medicina James Watson, de nacionalidade norte-americana, na Fundação Calouste Gulbenkian, a convite da Fundação Champalimaud, motivou a seguinte reclamação de Jorge Perestrelo Botelheiro: “A noticia (...) é omissa em relação ao afastamento do James Watson de todas as instituições cientificas norte americanas de referência a que esteve associado até Outubro de 2007. As [suas] declarações [que levaram a esse afastamento], facilmente acessiveis numa busca de imprensa, referiam existirem dados cientificos que apontariam para a propensão genética da raça negra para uma menor inteligência. Penso que também deixou nessa altura de receber qualquer financiamento público ou empresarial (em Outubro de 2007 o país de James Watson ainda estava com administração republicana, e ainda não se tinha qualquer indicação segura de que o candidato democrata seria um negro). (...). Possivelmente a Fundação Champalimaud entendeu por bem valorizar as descobertas cientificas relevantes de James Watson e trazê-lo a Portugal, assumindo, por razões ideológicas ou de relacionamento pessoal, um convite que muito provavelmente não teria sido produzido por outra entidade (aliás depreende-se que, estando James Watson afastado da comunidade cientifica, o interesse da iniciativa será essencialmente para um público ‘não-cientifico’), mas o estatuto público da Fundação e a natureza marcante das declarações de James Watson sobre ‘a inteligência da raça negra’ obrigavam o PÚBLICO a um tratamento jornalistico de um elemento relevante do percurso público de James Watson, para já não mencionar a oportunidade de questionar conceitos como ‘raça’.” O mesmo leitor precisaria mais tarde: “A omissão do percurso cientifico recente de James Watson é tão mais relevante quanto se trata não apenas de um palestrante convidado mas do presidente em funçoes da Fundação Champalimaud. O PÚBLICO atribuiu facilmente a eminência cientifica a James Watson, que actualmente apenas parece ser reconhecida pela Administraçao da Fundação Champalimaud”.
Esclarece Teresa Firmino: “As declarações polémicas de James Watson sobre a inteligência dos negros, que levaram ao seu afastamento do conselho de administração do Laboratório de Cold Spring Habor, foram amplamente noticiadas pelo PÚBLICO na altura (por sinal, em artigos da minha autoria). Na pesquisa que fiz, identifiquei cinco peças jornalísticas então publicadas: “O Nobel James Watson diz que os negros são menos inteligentes” (P2, 18 de Outubro de 2007); “Palavras racistas de James Watson recebidas com chuva de críticas” (secção Mundo, 19 de Outubro de 2007); “James Watson foi suspenso do seu laboratório e pediu desculpa por comentários racistas” (Mundo, 20 de Outubro de 2007); “O Nobel James Watson deixa o seu laboratório” (Mundo, 26 de Outubro de 2007); “Afinal, o Nobel James Watson tem genes negros” (Mundo, 11 de Dezembro de 2007). Parece-me que estes artigos esgotaram a polémica. James Watson é um nome incontornável da história da ciência, por ter sido um dos descobridores da estrutura da molécula de ADN. Esse é o seu grande feito, que lhe valeu um Nobel, e é isso que leva muita gente a querer ouvi-lo, como aconteceu aliás agora em Portugal. Estar sempre a relembrar as suas declarações infelizes sobre os negros, ou sobre as mulheres, como também já fez, não me pareceu vir agora a propósito”.
Dado o relevo de tais declarações na recente biografia de James Watson, ao provedor não chocaria, antes pelo contrário, que fossem referidas num entre-virgulas no texto agora publicado.
Publicada em 29 de Novembro de 2009
DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:
Cartas do leitor Jorge Perestrelo Botelheiro
A noticia hoje [7 de Novembro] publicada sobre a deslocação de James D. Watson a Portugal, a convite da Fundação Champalimaud, é omissa em relação ao afastamento do Professor Watson de todas as instituições cientificas norte-americanas de referência a que esteve associado até Outubro de 2007. As [suas] declarações [que levaram a esse afastamento], facilmente acessíveis numa busca de imprensa, referiam existirem dados científicos que apontariam para a propensão genética da raça negra para uma menor inteligência. Penso que também deixou nessa altura de receber qualquer financiamento público, ou empresarial (lembra-se que, em Outubro de 2007, o país do Professor James D. Watson, ainda estava com administração republicana, e ainda não se tinha qualquer indicação segura de que o candidato democrata seria um negro).
Em termos jornalísticos, o tratamento informativo da palestra para um auditório de 700 pessoas do investigador associado à descoberta do DNA omite um outro facto mais actual e relevante, até por ser organizado por uma fundação portuguesa, oriunda de um legado privado mas com estatuto de utilidade publica, e presidida por uma personalidade que procura apresentar um percurso de serviço público.
Possivelmente a Fundação Champalimaud, entendeu por bem valorizar as descobertas científicas relevantes do Professor Watson e trazê-lo a Portugal, assumindo a Fundação Champalimaud, por razões ideológicas ou de relacionamento pessoal, um convite que muito provavelmente não teria sido produzido por outra entidade (aliás depreende-se que estando Watson afastado da comunidade cientifica o interesse da iniciativa seria essencialmente para um público "não-cientifico"), mas o estatuto público da fundação, e a natureza marcante das declarações de Watson sobre "a inteligência da raça negra", obrigavam o PÚBLICO a um tratamento jornalístico de um elemento relevante do percurso público de Watson, para já não mencionar a oportunidade de questionar conceitos como "raça" (Lévi-Strauss, falecido esta semana, escreveu, salvo erro a pedido da UNESCO, Raça e História).
Jorge Perestrelo Botelheiro
A omissão do percurso científico recente de Watson é tão mais relevante quanto se trata não apenas de um palestrante convidado mas do presidente em funçoes da F. Champalimaud.
O PÚBLICO atribuiu facilmente a eminência cientifica a Watson, que actualmente apenas parece ser reconhecida pela administração da F. Champalimaud.
Jorge Perestrelo Botelheiro
terça-feira, 1 de dezembro de 2009
O Nobel de Llosa, as sonatas de Mahler, o homem que morreu quatro vezes e outras ficções
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