domingo, 8 de novembro de 2009

Da excepção à regra

Instituiu-se, e não só no PÚBLICO, o vício de não invocar fontes de notícias

“Apurou o PÚBLICO”, sem o atribuir a qualquer fonte, que Ferreira Leite queria “uma renovação profunda” da bancada do PSD

Relatou o provedor na crónica anterior que solicitara ao jornalista António Arnaldo Mesquita explicações sobre duas notícias de primeira página publicadas nos dias 22 e 24 de Outubro, ambas sem imputação da informação a qualquer fonte e sendo a segunda (“Caso Freeport – ingleses ainda não enviaram documentos”) um desmentido da primeira (“Documentos sobre o Freeport pedidos aos ingleses já estão nas mãos dos investigadores”), mas que não recebera resposta (cumprido o prazo de 72 horas previsto para a reacção dos jornalistas às interpelações do provedor).

Já após publicada a crónica, o provedor recebeu de António Arnaldo Mesquita a explicação de que só na altura abrira a sua caixa de correio electrónica, por na semana anterior ter tido “dificuldades informáticas”. Dispôs-se então a responder, e, apesar de diferido no calendário, vale a pena atentar ao que escreveu: “Uma fonte que me pediu o anonimato disse-me que os documentos já tinham chegado e que o oficial de ligação da embaixada lhe tinha dito que vinham a caminho. Um dia depois, alegando dificuldades nos contactos com os magistrados titulares do inquérito Freeport, a mesma fonte disse-me que, afinal, os documentos não tinham sido recebidos no DCIAP [Departamento Central de Investigação e Acção Penal] e que os britânicos alegavam ‘falha informática’ para justificar a suspensão da remessa da documentação. Esta é uma situação limite de uma fonte que já me forneceu dezenas de informações que nunca [palavra sublinhada] foram desmentidas... A lealdade da mesma fonte ficou comprovada no dia seguinte, quando verificou que me tinha induzido em erro. Como na primeira notícia não citei a fonte, pareceu-me que também o não devia fazer na segunda, em que me auto-desmentia”.

Num aparte, o provedor repara que nos tempos actuais, com o advento da tecnologia digital, a informática tem as costas largas. Entendendo evidentemente que a identidade da fonte teria de ser preservada, perguntou a António Arnaldo Mesquita se não seria possível “pelo menos identificar a sua área, tipo ‘fonte judicial’ ou coisa do género”, havendo ainda outras possibilidades: “E por que não, em caso limite, falar em ‘fonte que solicita o anonimato’, ou ‘fonte conhecedora do processo que solicita o anonimato’? No fundo, é isso: se a fonte não conhecesse o processo a notícia seria impossível ou não teria credibilidade. Não se deveria também ter dito que a fonte que desmentiu a informação foi a mesma que antes a fornecera ao PÚBLICO?”

A nova resposta de António Arnaldo Mesquita foi em grande parte, a seu pedido, off the record, pelo que o provedor não a pode citar (não, ele não identificou a fonte!). Mas retira dela esta frase: “Isto neste caso é particularmente sensível e delicado. [Eu] não podia identificar a fonte”. Insatisfeito, dado que o que estava em causa não era identificar a fonte, o provedor insistiu: “Compreendo a delicadeza da situação. A questão é que convinha que os leitores soubessem que havia pelo menos uma fonte”. Replicou o jornalista: “Claro que os leitores deviam saber que havia uma fonte, só que, neste caso concreto, a minha fonte não podia ser identificada, nem eu a devia identificar quando constatei que me tinha induzido em erro. A única solução neste caso era fazer de Egas Moniz e apertar a corda ao pescoço...”

Apreciando o altruísmo do autor, o provedor considera contudo que, na parte publicável desta troca de mensagens, e sem violação da garantia de confidencialidade, António Arnaldo Mesquita já fornece os elementos de informação que, a terem sido publicados na devida altura, permitiriam suprir as falhas detectadas nas duas notícias, designadamente: a) que existiu uma fonte, conhecedora do processo, mas que solicitou o anonimato; b) que se tratou da mesma fonte para ambas as notícias; c) que foi a própria fonte a tomar a iniciativa de rectificar a informação que inicialmente fornecera”.

O que acontece é que se instituiu no jornalismo português (e não só no PÚBLICO) o hábito (ou antes, o vício) de não invocar fontes para a elaboração de muitas notícias (presumindo talvez os autores que dessa forma, mostrando-se dentro de circuitos secretos de informação de que nem podem revelar a origem, valorizam mais o seu trabalho).

Por vezes, os jornalistas lá concedem na fórmula “o PÚBLICO sabe que...” (que nada informa sobre a fonte), mas não mais do que isso. É o caso recorrente de Nuno Simas, na área do jornalismo político: “O PÚBLICO apurou que Manuela Ferreira Leite falou a Portas, seu ex-companheiro no Governo PSD/CDS, sobre Maria José, número quatro na lista de Lisboa” (6 de Agosto, pág. 8); “Ao que o PÚBLICO apurou, o critério de Ferreira Leite para não incluir, por exemplo, Passos Coelho e Miguel Relvas foi a análise da sua atitude, no último ano, relativamente à direcção” (5 de Agosto, pág. 2); “Ao que o PÚBLICO apurou, a causa da ruptura [entre direcção e a distrital de Lisboa do PSD] foi a inclusão, por Ferreira Leite, de alguns nomes em lugar elegível, como António Preto e Helena Lopes da Costa” (4 de Agosto, pág. 6); “Ao que apurou o PÚBLICO, Ferreira Leite quer uma renovação profunda relativamente ao grupo parlamentar escolhido em 2005” (3 de Agosto, pág. 6); “O PÚBLICO sabe que o autarca lisboeta fez uma tentativa de última hora para ainda conseguir um acordo do PS com PCP e BE para o município da capital” (13 de Julho, pág. 6).

O provedor, que não percebe sequer o que há de tão sensível nestas notícias que implique não fazer menção a nenhuma fonte, inquiriu Nuno Simas sobre a pertinência do método, tendo o jornalista começado por invocar o ponto 72 dos “Princípios e Normas de Conduta Profissional” do Livro de Estilo do PÚBLICO: “Quando o jornalista está em condições de assumir a informação – isto é, quando a confirmou junto de várias fontes independentes entre si, embora todas tenham exigido o anonimato – deverá noticiá-la no PÚBLICO sem necessidade de recorrer às habituais, retóricas e desacreditadas fórmulas do género ‘fonte digna de crédito’, ‘fonte segura’ ou ‘fonte próxima de’. As fontes, a sê-lo, devem estar sempre bem colocadas para falar sobre o assunto. (...) Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas”.

Já nesta coluna o provedor alertou para a inconsistência da norma em causa, instando a que fosse repensada numa próxima revisão do Livro de Estilo – e não pretende regressar ao mesmo debate. Mas lamenta que, na revisão de 2005, tenha desaparecido a norma da edição original, mais consentânea com as regras do jornalismo, segundo a qual “nesses casos [não havendo outra forma de obter a informação ou a sua confirmação], e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula [do estilo] ‘uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato’”.

Complementarmente, Nuno Simas invoca o facto de a fórmula “o PÚBLICO apurou” (não contemplada pelo Livro de Estilo, note-se) ser “usada frequentemente nas páginas do jornal”, e contrapõe: “Mas há também exemplos de notícias em que, por exemplo, identifico uma ‘fonte/membro da comissão permanente do PSD’ ou ‘fonte/membro da comissão política nacional do PSD’ – dois níveis de poder diferentes no PSD, por exemplo. Tenho a consciência de que estas são informações que assumo e que me responsabilizo por elas. Por isso não o faço por regra, mas sim como excepção. A regra, claro, é a informação ser atribuída a uma fonte, ‘identificada com a maior precisão possível’ (ponto 68 do Livro de Estilo).

Fica por perceber o critério que leva os jornalistas a invocar ou não as fontes de informação – sendo que a segunda situação parece hoje ao provedor mais regra do que excepção.

CAIXA:

Deve/haver encerrado

Escreveu-se há oito dias nesta página que o director cessante do PÚBLICO só deixara sem resposta três das muitas dezenas de questões que o actual provedor lhe havia endereçado. José Manuel Fernandes fez entretanto questão de prestar esclarecimentos sobre essas questões.

Acerca da circunstância de em tempos não figurar na lista de jornalistas com carteira profissional actualizada, diz José Manuel Fernandes: “Voltei a ter carteira profissional actualizada, depois de um longo contencioso com a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas (CCPJ). Contar toda a história daria, pelo menos, o capítulo de um livro”.

Sabendo embora que a lei impõe a obrigatoriedade de o director de um jornal possuir título de jornalista ou equiparado, o provedor também não insistiu demasiado no assunto (que vem do início do seu mandato, há quase dois anos), por entender que deve prevalecer a universalidade do direito de expressão e informação, que abrange todos os cidadãos, independentemente de possuírem ou não carteira de jornalista. Mas sempre pode adiantar que, tanto quanto sabe, na raiz com conflito de José Manuel Fernandes com a CCPJ estava uma discrepância entre o critério de numeração das carteiras e a antiguidade profissional.

No que respeita à publicação de uma notícia de implicações políticas em dia de reflexão pré-eleitoral, afirma o ex-director que na altura (25 de Setembro) esteve ausente de Lisboa e que solicitou a outro responsável que esclarecesse o assunto – o que não aconteceu.

Quanto à identificação de um crítico como jornalista, José Manuel Fernandes enviou ao provedor os elementos que entretanto havia recolhido, explicando que “a tensão dos últimos dias” o havia impedido de responder antes. O assunto será abordado mais tarde.

Fecha-se assim o deve/haver entre o provedor e José Manuel Fernandes.

Publicada em 8 de Novembro de 2009

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