domingo, 21 de junho de 2009

Reflexão sobre o dia de reflexão

Um cartaz de campanha maltratado recorda que, em véspera de eleições, os media (incluindo o PÚBLICO) são mais papistas do que o papa

A norma da imparciali-dade imporia que a foto do cartaz rasgado de Vital Moreira não fosse publicada


Dois leitores reclamaram contra a publicação, no sábado 6 de Junho – o chamado dia de reflexão, na véspera das eleições europeias –, da foto de um cartaz de propaganda eleitoral ao PS rasgado sobre o rosto do respectivo cabeça de lista, Vital Moreira, a ilustrar a crónica de Vasco Pulido Valente.

“Perante a inacreditável fotografia a ilustrar o texto de Vasco Pulido Valente publicado no dia de reflexão, em que é proibida propaganda eleitoral, e que além do mais (o que não seria justificação) nada tem a ver com o texto”, emite Paulo Paiva “dois desabafos”: “Qual não seria o alarido do jornal se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social ou a Comissão Nacional de Eleições tomassem medidas sobre uma situação que, além de toda a desonestidade e falta das mais elementares regras éticas e deontológicas, é ilegal? No fundo, a imagem publicada não é um cartaz rasgado de Vital Moreira; com pena o digo, e já não é de hoje: é a verdadeira face de José Manuel Fernandes [director do PÚBLICO]”.

“A foto escolhida (pela redacção?) é escandalosa e despudoradamente ofensiva dos mais elementares princípios deontológicos jornalísticos”, protesta por seu lado Teresa Curvelo, sublinhando que se estava em “período de abstinência eleitoral” e considerando “este episódio, de modo algum inocente e irrelevante”, reflexo de “uma ‘deriva’ preocupante em termos de desonestidade intelectual e de isenção no jornal”.

O provedor pediu uma explicação a José Manuel Fernandes, que respondeu: “O texto de Vasco Pulido Valente é, de alguma forma, uma sátira à instituição do chamado dia de reflexão. (...) Ao que apurei a imagem pedida à edição de fotografia era uma imagem tipo ‘fim de festa’ no sentido de ‘fim de campanha eleitoral’. Quem estava a escolher as imagens na edição de fotografia entendeu que um cartaz rasgado era uma boa ilustração (...). Nem ele, nem o editor de opinião, nem o editor que acompanha o fecho da edição, nem o director de serviço naquele dia, viram qualquer intenção subliminar de ‘fazer campanha’ (...). A mim próprio, não tendo participado na escolha, só se me colocou o problema quando, sábado, recebi um SMS de protesto. (...) Admito que a foto possa ter a leitura que os leitores fizeram dela, o que sublinha a delicadeza da escolha de imagens em períodos eleitorais, quando a sensibilidade de quem se envolve mais nas campanhas está à flor da pele. Uma grande imagem, uma excelente fotografia, pode ser interpretada pelos candidatos como integrada numa qualquer campanha. O caso mais famoso será, porventura, o da publicação pelo Expresso de uma extraordinária fotografia, de António Pedro Ferreira, de Mário Soares durante a campanha presidencial de 2006 e que este interpretou como sendo um ataque assassino à sua candidatura. (...) O tipo de cuidado a que me referi aconselharia a procurar outra forma de ilustrar o texto, não porque pessoalmente entenda que ela influenciou o voto de quem quer que seja ou fosse uma peça de contracampanha eleitoral, mas por conhecer a hipersensibilidade existente nestas alturas, em que aquilo que são meros critérios jornalísticos e, no caso das imagens, estéticos, é muitas vezes lido (...) como traduzindo intenções menos nobres. Foi o que sucedeu com estes leitores, que viram intenções que, pelo atrás exposto, não presidiram, de forma alguma, aos critérios seguidos para escolher a imagem”.

O provedor só tem a acrescentar que o Livro de Estilo do PÚBLICO, advogando a imparcialidade, imporia de facto que esta foto não fosse impressa, embora, na verdade, nada impeça os media de publicarem informação relativa à campanha eleitoral no dia de reflexão. Esta, de facto, foi uma ideia que se consagrou ao longo dos tempos em resultado de uma prática consuetudinária, mas que não se encontra prevista na legislação eleitoral (Lei n.º 14/79 de 16 de Maio, sobre as eleições para a Assembleia da República, abrangendo neste aspecto também o escrutínio para o Parlamento Europeu), a qual apenas estabelece: “Aquele que no dia da eleição ou no anterior fizer propaganda eleitoral por qualquer meio será punido com prisão até seis meses e multa (...)”. Ora, informação não é propaganda.

Perante este dado, e porque a tendência dos media será sempre de levar ao limite as imposições legais existentes e comunicarem ao público o máximo de informação possível, o provedor inquiriu José Manuel Fernandes das razões que tolhem o PÚBLICO de transmitir no dia de reflexão notícias sobre as campanhas eleitorais. Revelou o director: “Este ano discutimos se devíamos ou não publicar textos de campanha no sábado. Já alguns jornais o fizeram no passado, e acho que houve um que voltou a fazê-lo agora. Pelo que me disseram a Comissão Nacional de Eleições não tem uma doutrina firme, mas, depois de falar com Francisco Teixeira da Mota [advogado do PÚBLICO para assuntos editoriais], preferimos não publicar campanha. Depois reparei que em Espanha, onde também vigora o ‘dia de reflexão’, os jornais publicam notícias de campanha nesse dia. Pessoalmente acho que devia ser permitido publicar informação da véspera, até para os eleitores reflectirem. É assunto que debateremos talvez de novo, internamente, nas próximas legislativas, eleições que suscitam mais atenção”.

O provedor recebe com regularidade dos leitores reclamações contra o conteúdo de textos de opinião, acerca dos quais não possui competência (nem, na verdade, legitimidade) para se pronunciar. Vale a pena, porém, prestar atenção a certas razões de queixa.

O leitor José Mesquita Alves, por exemplo, comentou sobre a crónica de Vasco Pulido Valente “Uma história portuguesa”, de domingo passado, onde o autor, basicamente, fazia um ajuste de contas com o editor de um dos seus livros: “Gostaria de expressar a minha surpresa pelo teor desta crónica, que nos dá conta de um assunto que apenas ao autor diz respeito (a reedição não autorizada da obra Glória)! Questiono sobre se isto pode ser considerado artigo de opinião. Que temos nós a ver com um assunto pessoal de Vasco Pulido Valente, pelo menos na forma em que o mesmo é apresentado? É este o PÚBLICO que temos de ter?”

O provedor, embora reconhecendo a Vasco Pulido Valente o direito de publicar o que publicou, perguntou a José Manuel Fernandes como encarava a direcção a circunstância de um colunista aproveitar o espaço que o jornal lhe cede e pelo qual lhe paga para dirimir uma questão de natureza pessoal. Resposta do director: “Não vou comentar. O autor escreveu sobre um assunto que é do seu interesse, mas isso em si não tem mal porque ele não o esconde. Por outro lado, sendo pessoal, é... ‘uma história portuguesa’, reveladora dos nossos costumes”. Será? A cada leitor cabe tirar as suas conclusões.

CAIXA:

Religião, liberdade de expressão e bom gosto

A jornalista São José Almeida finalizou assim a sua habitual crónica dos sábados no P2, em 23 de Maio, dedicada às posições do PS e da hierarquia católica quanto à educação sexual dos jovens: “Ou se optará por tentar criar condições reais para combater os números brutais da gravidez, do aborto e da sida entre os jovens, em vez de ceder à pressão dos que ficam felizes em celebrar encontros entre a Nossa Senhora de Fátima e o Cristo-Rei. Encontros esses que, seguramente, não precisam de preservativo”. Alguns leitores não gostaram. “Quero dar conta da minha tristeza por ler coisas que ferem a minha sensibilidade religiosa – o catolicismo”, escreveu António Araújo. “Não quero dizer que não se possam expressar opiniões, as que se quiser, mas que seja de forma séria e conteúdo credível é o mínimo que se deve exigir a quem escreve num órgão de comunicação social de implantação nacional (...). O cinismo pode existir, embora de pouco adiante a quem quer ver os assuntos tratados ou questionados. O que não deve existir é desrespeito e falta de elevação. Assim, a autora do artigo corre o risco de se descredibilizar”. Por sua vez, reclamou António Leite: “Lamentável e insultuoso para a grande maioria dos portugueses o artigo de São José Almeida. (...) Senti-me ofendido pelo estilo brejeiro, dum anticatolicismo primário (...). Esperava mais elevação de quem escreve regularmente no PÚBLICO, independentemente da consciência religiosa de cada um”.

Mais uma vez, o provedor declara que não põe em causa a opinião publicada, mas há aqui uma questão de bom gosto, pela ofensa gratuita dos dogmas de uma religião. Por isso perguntou a José Manuel Fernandes se não há revisão editorial prévia de um texto deste teor, que para mais é de um elemento do quadro redactorial do jornal. “O princípio do PÚBLICO relativamente aos textos de opinião dos colunistas permanentes (...) é que os seus textos só devem ser modificados com o seu acordo”, lembra o director. “Se o jornal entende que um colunista, por um motivo qualquer, não se adequa à filosofia aberta e plural das suas páginas de opinião, não procura corrigir os seus textos, mesmo podendo chamar a atenção para algum pormenor, antes dispensa-o se sentir que isso é necessário. Todos os textos de opinião são revistos, em princípio pelo editor de opinião ou (...) pelo editor da área [correspondente]. No caso em apreço, não está em causa a opinião, sobre a matéria, de São José Almeida. Está em causa uma passagem que pode ser considerada ofensiva ou, no mínimo, de mau gosto. Não fui alertado por ninguém, mas se o tivesse teria sugerido à autora que a alterasse. Fá-lo-ia com o mesmo espírito com que muitas vezes mostro os meus textos e acolho, ou não, sugestões de alteração. O meu argumento teria sido: ‘Essa passagem pode ser ofensiva para a sensibilidade de muitos dos nossos leitores e nada acrescenta ao argumento que desenvolves no texto’. (...) Mas a decisão final seria, naturalmente, da autora. Devo reconhecer porém que figuras de estilo como aquela são frequentes em textos de opinião [fora do PÚBLICO]”.

Publicada em 21 de Junho de 2009

DOCUMENTAÇÂO COMPLEMENTAR

Carta do leitor Paulo Paiva:

É sempre com interesse que leio a secção do Provedor do Leitor, que considero o espaço de maior liberdade e seriedade jornalística do PÚBLICO, e cujas sensatas e corajosas recomendações, infelizmente, têm muito menos eco do que deviam.

Perante a inacreditável fotografia a ilustrar o texto de Vasco Pulido Valente publicado no sábado 6 de Junho, dia de reflexão e em que é proibida propaganda eleitoral, e que além do mais (o que não seria justificação) nem tem nada a ver com o texto, penso que é fundamental saber qual a sua opinião e posição sobre o assunto.

Abstenho-me de comentários, desnecessários, mas permita-me dois desabafos. Qual não seria o alarido do jornal se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social ou a Comissão Nacional de Eleições tomassem medidas sobre uma situação que, além de toda a desonestidade e falta das mais elementares regras éticas e deontológicas, é ilegal? No fundo, a imagem publicada não é um cartaz rasgado de Vital Moreira; com pena o digo e já não é de hoje: é a verdadeira face de José Manuel Fernandes.

Paulo Paiva

Carta da leitora Teresa Curvelo

Sou leitora do PÚBLICO desde o primeiro número. No entanto, nos últimos tempos tem-se registado uma "deriva" preocupante em termos de desonestidade intelectual e de isenção no Jornal. Um dos exemplos mais recentes e que repudio veementemente tem a ver com a edição de sábado 6 de Junho p.p.: na coluna de opinião assinada por Vasco Pulido Valente e intitulada “O dia da reflexão”, publicada já no período de abstinência eleitoral, a foto escolhida (pela redacção?) é escandalosa e despudoradamente ofensiva dos mais elementares princípios deontológicos jornalísticos – um cartaz rasgado de Vital Moreira, não por acaso o candidato do PS!

Gostaria que o Senhor Provedor, com a isenção que o caracteriza e de que tem dado provas nas páginas desse jornal, comentasse este episódio de modo algum inocente e irrelevante.

Teresa Curvelo

Explicações do director do PÚBLICO:

O texto de Vasco Pulido Valente editado a 6 de Junho é, de alguma forma, uma sátira à instituição do chamado dia de reflexão. Não era fácil de ilustrar, mas ao que apurei a imagem pedida à edição de fotografia era uma imagem tipo “fim de festa”, no sentido de “fim de campanha eleitoral”. Quem estava a escolher as imagens na edição de fotografia entendeu que um cartaz rasgado era uma boa ilustração para um texto que presumiu referir-se à desmontagem de um circo. A seguir optou por aquela imagem por razões estéticas: a preto e branco, como são publicadas as imagens que ilustram os textos de opinião, era a mais equilibrada. Nem ele, nem o editor de opinião, nem o editor que acompanha o fecho da edição, nem o director que estava de serviço naquele dia, viram qualquer intenção subliminar de “fazer campanha” com aquela imagem. A mim próprio, que não participei na escolha, só se me colocou o problema quando, sábado, recebi um SMS de protesto. Já tinha lido o jornal e fui buscá-lo outra vez para tentar perceber a razão do protesto.

Feito o balanço, admito que a foto possa ter a leitura que os leitores fizeram dela, o que sublinha a delicadeza da escolha de imagens em períodos eleitorais, quando a sensibilidade de quem se envolve mais nas campanhas está à flor da pele. Uma grande imagem, uma excelente fotografia, pode ser interpretada pelos candidatos como integrada numa qualquer campanha. O caso mais famoso será, porventura, o da publicação pelo Expresso de uma extraordinária fotografia, de António Pedro Ferreira, de Mário Soares durante a campanha presidencial de 2006 e que este interpretou como sendo um ataque assassino à sua candidatura.

Quando se trata de imagens de capa tenho feito questão de participar nas escolhas, porque fiz muitas campanhas e sei como há uma espécie de realidade paralela nas caravanas eleitorais. Recordo-me, por exemplo, de numa determinada eleição ter contrariado a edição de fotografia e escolhido uma fotografia banal de um candidato porque a melhor fotografia podia dar dele uma imagem que na caravana seria lida como uma tentativa de o ridicularizar, mas que era, como foto de reportagem, muito melhor.

Não sendo aquela imagem um foto de capa, mas vindo junto de um texto sempre muito lido e editada na contracapa, o tipo de cuidado a que me referi aconselharia a procurar outra forma de ilustrar o texto, não porque pessoalmente entenda que ela influenciou o voto de quem quer que seja ou fosse uma peça de contracampanha eleitoral, mas por conhecer a hipersensibilidade existente nestas alturas, em que aquilo que são meros critérios jornalísticos e, no caso das imagens, estéticos, é muitas vezes lido por alguns leitores como traduzindo outras intenções menos nobres.

Foi o que sucedeu com este leitor, que viu intenções que, pelo atrás exposto, não presidiram, de forma alguma, aos critérios seguidos para escolher aquela imagem.

Sobre a questão da omissão de noticiário [eleitoral, no dia de reflexão]:

Este ano discutimos se devíamos ou não publicar textos de campanha no sábado. Já alguns jornais o fizeram no passado, e acho que houve um que voltou a fazê-lo agora. Pelo que me disseram a CNE não tem uma doutrina firme, mas depois de falar com o Teixeira da Mota, preferimos não publicar campanha. Depois reparei que em Espanha, onde também vigora o "dia de reflexão", os jornais publicam notícias de campanha.

Pessoalmente acho que devia ser permitido publicar informação da véspera, até para os eleitores reflectirem. É um assunto que, provavelmente, debateremos outra vez internamente nas próximas legislativas, eleições que suscitam mais atenção.

José Manuel Fernandes

Explicações do editor de Opinião do PÚBLICO (já após e recepção da crónica do provedor na redacção):

Versando uma parte da crónica do Provedor desta semana sobre matéria relativa às páginas do Espaço Público, de que sou o editor responsável, parece-me conveniente fazer as seguintes considerações:

1. Quanto à foto que acompanha o texto de VPV de 6 de Junho:

- O pedido feito à secção de fotografia não correspondia à foto publicada, ainda que compreenda a razão do erro. O pedido feito era exactamente este: "Cidadão português reflectindo sobre o sentido da vida e do voto (ou restos de propaganda eleitoral, cartazes rasgados, folhetos pelo chão, etc.) PB [preto e branco]"

- Não vi, neste caso, a fotografia que foi escolhida pela secção de fotografia em resposta ao meu pedido. Isto acontece com frequência. Quando as fotos são colocadas na página mais tardiamente, são vistas apenas pelo editor de fecho e director de fecho. Mas quando existem dúvidas por parte da secção de fotografia quanto ao que o editor da secção pretende, ou quando não é possível satisfazer o seu pedido específico, é costume haver um contacto telefónico directo com o editor da secção. Neste caso não houve qualquer contacto.

- Ainda que tenha a certeza de que não houve a mínima intenção de transmitir qualquer mensagem propagandística subliminar, acho que a foto não deveria ter sido publicada e deveria ter sido substituída.

2. Quanto aos textos de São José Almeida, eles não são editados por mim mas sim pelos editores do suplemento onde são publicados.

3. Estou naturalmente disponível para prestar ao Provedor e aos leitores todas as explicações necessárias relativas às questões sob a minha responsabilidade, como teria feito relativamente às questões acima caso elas me tivessem sido solicitadas.

José Vítor Malheiros

Carta do leitor António Leite:

Lamentável e insultuoso para a grande maioria dos portugueses o artigo de São José Almeida publicado no PÚBLICO de sábado 23 de Maio de 2009. Leitor do jornal há muitos anos, senti-me ofendido pelo estilo brejeiro, dum anticatolicismo primário, ao nível do pior pseudo-humor de alguns programas televisivos. Confesso que esperava mais elevação de quem escreve regularmente no PÚBLICO, independentemente da consciência religiosa de cada um.

António Leite

Carta do leitor António Araújo:

Muito sucintamente apenas quero dar conta da minha tristeza por ler coisas que ferem a minha sensibilidade religiosa - o catolicismo. Não quero dizer que não se possam expressar opiniões, as que se quiser, mas, a fazê-lo, que seja de forma séria e conteúdo credível, é o mínimo que se deve exigir a quem escreve num órgão de comunicação social de implantação nacional, como é o PÚBLICO. O cinismo pode existir, embora de pouco adiante a quem quer ver os assuntos tratados ou questionados. O que não deve existir é desrespeito e falta de elevação. Assim, a autora do dito artigo corre o risco de se descredibilizar, mesmo em matérias que domina e que interessam ao leitor, e é mais um espaço votado a ser ignorado.

António Araújo

Posição do director do PÚBLICO:

O princípio do PÚBLICO relativamente aos textos de opinião dos colunistas permanentes – e São José Almeida, que é redactora principal, tem uma coluna semanal no jornal há vários anos – é que os seus textos só devem ser modificados com o seu acordo. Se o jornal entende que um colunista, por um motivo qualquer, não se adequa à filosofia aberta e plural das suas páginas de opinião, não procura corrigir os seus textos, mesmo podendo chamar a atenção para algum pormenor, antes dispensa-o se sentir que isso é necessário. (Nota: este processo, que não me lembro de alguma vez ter ocorrido, nada tem a ver com a natural rotação dos cronistas e colunistas).
Todos os textos de opinião são revistos, em princípio, pelo editor de opinião ou, situando-se numa área específica do jornal, pelo editor dessa área.

No caso em apreço, não está em causa a opinião, sobre a matéria, de São José Almeida. Está em causa uma passagem que pode ser considerada ofensiva ou, no mínimo, de mau gosto. Não fui alertado por ninguém, mas se o tivesse teria sugerido à autora que a alterasse. Fá-lo-ia com o mesmo espírito com que muitas vezes mostro os meus textos e acolho, ou não, sugestões de alteração. O meu argumento teria sido: "Essa passagem pode ser ofensiva para a sensibilidade de muitos dos nossos leitores e nada acrescenta ao argumento que desenvolves no texto". Ou seja, dir-lhe-ia que a passagem era gratuita, mesmo brejeira, e até poderia prejudicar o resto do texto. Mas a decisão final seria, naturalmente, da autora.

Mas devo reconhecer que figuras de estilo como aquelas são frequentes em textos de opinião, eram até mais frequentes noutros tempos (no final da Monarquia, por exemplo) e comuns noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos, onde o colunista-provocador, quando tem talento, é mesmo uma profissão de sucesso (de Michael Moore a Ann Coulter, para citar dois exemplos com ideias políticas opostas). São textos para convertidos, não para trocar seriamente argumentos.

Desse ponto de vista, como já várias vezes escrevi, no jornalismo, mesmo no jornalismo de opinião, ter bom senso e bom gosto é crucial para se ser eficaz e respeitado. Mas também reconheço que nem sempre isso sucede, mesmo comigo. Daí a regra de que nenhum texto deve ser publicado sem outra leitura, e não só para apanhar eventuais gralhas...

José Manuel Fernandes

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