Aspirando o PÚBLICO a ser jornal de referência, deve preocupar-se em rectificar os erros factuais que publica
A imagem mostra um matrimónio real, mas o texto fala de outro, onde só o monarca é comum
“Venho dar conhecimento de erros históricos num artigo do PÚBLICO com o nome ‘Henrique VIII casa-se com Catarina de Aragão’ publicado no dia 11 de Junho na pág. 2 do P2”, escreve a leitora Mariana Ferreira, que esclarece: “Não sou nenhuma fanática de Henrique VIII, os erros eram visíveis por qualquer leitor mais atento, pois foram vistos por mim, que sou estudante e menor de idade”.
“O primeiro erro que detectei – prossegue – foi mesmo antes de ler o artigo, pois bastava olhar para a imagem onde se pode ver Henrique VIII com a sua terceira mulher, Jane Seymour, e o seu herdeiro, Eduardo IV. Poderá ser justificado pelo facto de no artigo ser referido o nome desta sua mulher; porém não acho deveras adequada a colocação de uma imagem não referente ao título. Não seria necessário grande conhecimento na história da familia real inglesa para ver que a rainha não era Catarina, pois ela, como está escrito, nunca deu à luz um filho homem que sobrevivesse, ao contrário do que aparece no retrato. Além do mais, com pouco trabalho de pesquisa, era possível descobrir que Catarina de Aragão era morena, não a típica inglesa loira. Deixo uma dica para procurarem ilustrações verdadeiras do casamento de Catarina de Aragão e Henrique, pois existe uma, bastante interessante, onde o pintor desenha também os brasões de cada família. O outro erro, e esse mais grave, é quando [se diz] que Henrique rompeu com o Papa em 1927 [“Em 1927, Henrique decide que o Papa tem de anular o seu casamento”]. Ora, como estamos a falar [de há cerca de 500 anos], o século XX ainda estava longe”.
A questão da gravura, um pequeno problema de edição, poderia ser facilmente solucionada desde que, no texto, se remetesse para essa imagem ao mencionar-se Jane Seymour (esclarecendo-se, já agora, quem era o jovem, de que o artigo não fala), embora, na verdade, como defende a leitora, valesse a pena um esforço adicional de pesquisa para encontrar uma imagem referente ao matrimónio da efeméride.
Quanto à data baralhada, tratando-se de um lapso frequente (pela tendência, devido ao hábito, de escrever os anos de acordo com a época em que vivemos – 1900, 2000...), valeria, por isso mesmo, um esforço redobrado de revisão para evitar o erro (data de 1527 o primeiro pedido de Henrique VIII ao Papa para anular o seu casamento com Catarina de Aragão).
O provedor já se referiu repetidamente a erros idênticos com datas – e, dado que estamos a falar de reis ingleses, vale a pena mencionar mais um (ou um conjunto deles), cometido num texto publicado na mesma secção (“No passado”), em 30 de Janeiro, dedicado à execução de Carlos I (30 de Janeiro de 1649). Alguns leitores ficaram estarrecidos com esta prosa: “Nascido em 1600, Carlos I subiu ao trono em 1625. (...) Entrou em colisão com o Parlamento, que dissolveu em 1929 (...). Em 1940, pressionado pela falta de fundos, voltou a reuni-lo (...). Em 1942, acusa os deputados de traição e rebenta a guerra civil. O monarca acaba por se render em 1646. Julgado e condenado à morte por traição, é executado a 30 de Janeiro de 1649. (...) Em 1860, o filho do rei deposto, Carlos II, inaugura a monarquia parlamentar em Inglaterra”.
Escreveu C. Galvão: “[Na] notícia sobre Carlos I, por sinal pai de Carlos II, que casou com Catarina de Bragança, a única portuguesa rainha de Inglaterra, é lamentável que apareçam quatro datas incorrectas: 1929, 1940, 1942 e 1860, quando se trata da vida de um homem que viveu no século XVII”. “Até dói”, comentou Gabriel Silva ao chamar a atenção para os quatro anos trocados.
Deve salientar-se que neste caso, ao contrário do que sucedeu quanto ao texto sobre Henrique VIII, a redacção teve o cuidado de, logo no dia seguinte, fazer um “O PÚBLICO errou”, onde porém apenas foram corrigidos três anos: disse-se que em vez de 1940, 1942 e 1860 deveria ser (respectivamente, presume-se) 1649, 1642 e 1660. Faltou contudo uma rectificação, pelo que, para efeitos de registo, o infausto monarca dissolveu o parlamento inglês 280 anos depois de ter sido morto.
Por que razão é importante o rigor do PÚBLICO na descrição dos factos históricos (como aliás em tudo o resto, como estabelece logo à partida o seu Estatuto Editorial)? É que este periódico intitula-se e aspira a comportar-se como um “diário de referência”, e por definição os diários de referência são aqueles que fixam para a posteridade o relato exacto dos factos que aconteceram. Se o PÚBLICO comete um erro factual, existe a probabilidade se esse erro vir a ser replicado no futuro por aqueles que o consultarem como fonte de referência (se de facto lhe atribuírem o tal estatuto que o jornal almeja).
Veja-se um exemplo nesta frase saída na pág. 9 do P2 de 7 de Maio de 2008: “Foi no dia da morte de Fernando Pessoa, 30 de Novembro de 1935, que Almada Negreiros fez o retrato do poeta que ilustraria a notícia no Diário de Notícias no dia seguinte”. Acontece que o tal retrato desenhado por Almada não foi publicado no Diário de Notícias, mas sim no Diário de Lisboa (e seis dias após a morte do seu amigo). Porém, semanas depois, o PÚBLICO voltava a divulgar a mesma informação com a mesma mistura de jornais, porque a verdade é que o erro, não tendo sido corrigido, passou já a ter uma espécie de força de lei.
E por vezes nem a correcção é suficiente. É frequente na imprensa fazer-se confusão entre as francesas Simone Weil, escritora e filósofa, e Simone Veil, política, e já uma vez o PÚBLICO imprimiu o retrato de uma quando falava da outra, lapso que imediatamente rectificou. Pois o facto é que ainda recentemente reincidiu, conforme alertou o leitor José Oliveira: “No PÚBLICO de 28 de Maio, na pág. 14 (destaque Europeias 09), a caixa com o título "Simone Veil, a primeira presidente", sobre a antiga figura do Parlamento Europeu Simone Veil [n. 1927], vem ilustrada com uma foto da mística e activista Simone Weil (1909-1943). Ora isto revela ignorância, desleixo e incompetência. Falta de empenho na investigação, no banco de imagens do PÚBLICO, de uma fotografia correcta da pessoa sobre quem se está a escrever”.
Desta vez, o PÚBLICO entendeu não dever rectificar pela segunda vez um erro que já corrigira. O provedor acha que o maior erro está em não se fazer a rectificação, se de facto este jornal pretende defender o estatuto de órgão de referência.
E, já agora, aqui estão alguns outros lapsos recentes que, a benefício da verdade histórica, deviam também ter sido objecto de um “O PÚBLICO errou”: na pág. 6 de 18 de Maio, fala-se do “rei Alfonso de Espanha”, quando, do século XI ao século XX, houve 13 reis Alfonso em Espanha ou nos reinos que a antecederam (tratando-se de um artigo sobre os Ballets Russes, pretender-se-ia referir o último, Afonso XIII, avô do actual Juan Carlos); num artigo sobre o arquitecto Miguel Ventura Terra, publicado na pág. 7 de 25 de Março, refere-se que ele “foi eleito, pelo Partido Republicano Português, vereador da Câmara Municipal de Lisboa” e numa legenda que “foi deputado eleito pelo Partido Republicano Português” (só a primeira é verdadeira); na pág. 4 do P2 de 8 de Fevereiro, grande parte de um perfil de Benjamin Netanyahu, nascido em 1949, baseia-se na sua suposta juventude, escrevendo-se que o actual primeiro-ministro israelita “nasceu em Telavive em 1959”, que não é “um novato – em Outubro completa 50 anos” e que “a tornar-se chefe do Governo [como entretanto aconteceu] é o mais jovem político a assumir o cargo – em 1996 tinha 37 anos” (é preciso acrescentar 10 anos a todas essas asserções).
Que o PÚBLICO não deixe porém de se debruçar sobre a História. Como escreveu a leitora Mariana Ferreira, “aqui vai o meu apoio para continuarem a trabalhar em artigos históricos”.
CAIXA:
Lê-se e não se acredita
“Comunicou com milhões, mantendo a sua áurea marginal” (P2, 22 de Maio, pág. 3) – desconfia-se que fosse “aura”; “Prelúdio à Tarde de um Fauno” (P2, 18 de Maio, duas vezes, págs. 4 e 5) – o título em português da obra de Debussy é Prelúdio à Sesta de um Fauno; “a coisa mais importante é cumprir-mos os princípios (21 de Maio, pág. 16) – sem comentários; “Falámos com vários especialistas sobre o projecto apresentado por Bruno Soares para a Praça do Comércio e ouviu alguns elogios mas também algumas críticas” (entrada de artigo, 12 de Maio, pág. 14) – idem; “são um sinal claro de que a degradação dos valores básicos de civilidade e respeito democrático se estão também a degradar” (editorial, 2 de Maio) – passe a redundãncia; “Todos são unânimes em realçar a importância de Vasco Granja” (5 de Maio, pág. 9) – passe de novo a redundância, totalidade obriga a unanimidade; “Um tiro à queima-roupa, perpetrado de muito perto” (26 de Março, pág. 1) – haverá tiros à queima-roupa de longe?; “as palmeiras e o calor abrasador que se” (últimas palavras da crónica de Kalaf Angelo, P2, 28 de Maio); “Áreas devolutas do Mosteiro de Alcobaça podem ser ocupadas por” (legenda integral de foto, 24 de Maio, pág. 8); “Iniste marcou mesmo no fim e os adeptos festejaram o que já não” (legenda integral de foto, 7 de Maio, pág. 27); “Lopes da Mota foi secretário geral da PGR, no mandado de Souto Moura” (1 de Abril, pág. 6) – pode haver um mandado de captura, mas não de nomeação de um secretário-geral; “transformou-se assim no primeiro português a arrecadar a maior quantia alguma [vez] dada como prémio em salas de casinos nacionais” (24 de Maio, pág. 23) – quer dizer que eram todos estrangeiros os anteriores a arredacarem tal quantia?; “Só nos resta votar Sócrates” (título), “A nós só nos resta não votar no sr. Primeiro” (texto) (P2, 19 de Abril, pág. 2); “João Palma, eleito ontem por mais de 50 por cento dos votos” (entrada de artigo), “Palma, eleito ontem por quase 50 por cento dos votos” (texto) (20/03, pág. 10).
Publicada em 28 de Junho de 2009
domingo, 28 de junho de 2009
Corrigindo a História
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