domingo, 10 de maio de 2009

Heróis e vilões

Prossegue a análise da secção “Sobe e desce”, ficando as conclusões para apresentar em próxima crónica



O PÚBLICO mudou de herói: Obama teve 34 setas ascendentes e só quatro negativas, enquanto Bush perdeu por 2-21

Se este jornal já em tempos foi conhecido por incensar George W. Bush, essa época há muito terminou, com a sua queda em desgraça (do Iraque). É o que mostra o balanço de notas da secção “Sobe e desce” desde que este provedor assumiu funções (início de 2008): ao anterior presidente dos EUA foram atribuídas, nos últimos 16 meses, 21 setas para baixo e apenas duas para cima (e duas neutras). O PÚBLICO mudou de herói americano, que agora se chama Barack Obama: o sucessor de Bush obteve no mesmo período 34 setas ascendentes e apenas quatro negativas (mais duas laterais). A onda democrata que varreu a América alastrou à secção com mais três referências positivas ao vice-presidente de Obama, Joe Biden, e duas a Nancy Pelosi, a speaker da Casa dos Representantes (ambos sem negativas). Hillary Clinton, a rival democrata de Obama nas primárias e sua secretária de Estado, teve seis setas a favor e cinco contra, enquanto o possível culpado de tudo, o ex-vice-presidente Dick Cheney, apenas sofreu uma nota negativa (vantagem das eminências pardas). Do massacre livraram-se o candidato republicano batido por Obama, John McCain (sete a favor e três contra) e a ex-secretária de Estado Condoleezza Rice (3-1), mas não a candidata a vice com McCain, Sarah Palin (1-5). Até a nova primeira dama, Michelle, já subiu uma vez, enquanto o actual secretário do Tesouro, Timothy Geithner, apesar de uma actuação nada auspiciosa, está a beneficiar do efeito Obama, ganhando por 2-1.

No “Sobe e desce”, cuja análise o provedor iniciou na crónica anterior, importa também verificar como são vistos os protagonistas europeus. Aquele que obtém mais notoriedade é Nicholas Sarkozy, com 28 notas, mas 13 delas são negativas, só nove lhe sendo favoráveis. Também perdem no balanço Gordon Brown (8 setas para cima e 9 para baixo), Angela Merkel (2-3), Bertie Ahern (0-2), Costas Karamanlis (0-1) e sobretudo Silvio Berlusconi (1-13). Bem visto, só José Luis Zapatero (7-4).

Curiosamente, o primeiro-ministro cessante da República Checa, Mirek Topolánek, apesar da actual desastrada presidência da União Europeia, teve balanço positivo (1-0) (o ónus ficou para Vaclav Klaus, o presidente do país: 0-1). Quanto ao grande vizinho do leste, as suspeitas são enormes: Vladimir Putin perde por 2-7 e Dmitri Medvedev por 0-8. E os vizinhos não se portam melhor, sejam Mikhail Saakashvili, da Geórgia (0-5), Viktor Iuschenko, da Ucrânia (0-3) ou Alexander Lukachenko, da Bielorússia (0-1).

A secção não aprecia particularmente ditadores, chamem-se eles Robert Mugabe (o pior, com 19 notas negativas, mais uma para a mulher, Grace, e nenhuma positiva, conseguindo o líder da oposição no Zimbabwe, Morgan Tsvangirai, três postivas), Hu Jintao (três positivas e 10 negativas), Kim Jong Il (0-8), Mahmud Ahmedinejad (1-6), Omar al-Bashir (0-4), Than Shwe (0-2), Muammar Kadhafi (0-2) ou Fidel Castro (0-2). Porém, o irmão deste, Raul, tem sido visto com melhores olhos desde que lhe sucedeu: 4-0.

No Médio Oriente, Ehud Olmert, o primeiro-ministro israelita há pouco afastado, era mesmo o mau da fita (0-9), mas do sucessor, Benjamin Netanyahu, não cuidou o “Sobe e desce”, optando antes por se pronunciar – negativamente – sobre o seu ministro do Negócios Estrangeiros, Avigdor Lieberman (0-2), e – positivamente – sobre a líder da oposição, Tzipi Livni (2-0). Do lado palestiniano, má nota para os rivais Mahmoud Abbas, primeiro-ministro, e Ismail Haniyah, do Hamas, ambos com uma seta para baixo, mas boa para a organização deste último (uma para cima) (a propósito de organizações violentas, as FARC, com uma negativa, e a ETA, com duas, não são apreciadas).

Nem o turco Recip Erdogan (1-2), nem o anterior presidente paquistanês, Pervez Musharraf (0-5), nem o afegão Hamid Karzai (0-2) são bem vistos, só se aproveitando o iraquiano Nouri al-Maliki (1-0).

Na América Latina, Lula da Silva (4-2) fica muito melhor do que Evo Morales (0-3), Cristina Kirchner (0-4) ou Hugo Chávez (2-5). E, em África, José Eduardo dos Santos (0-5) andou em baixa com Thabo Mbeki (0-3), mas o sucessor deste, Jacob Zuma, entrou com o pé direito (1-0).

Figura que não se ousa pôr em causa é o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon (4-0). O Papa Bento XVI obtém 8-3 e o Dalai Lama 1-0. No campo da Igreja Católica, apenas o integrista Richard Williamson, que ousou desafiar o Vaticano, foi alvo de setas negativas (0-2). Os prelados portugueses também têm classificação cima da linha de água: José Policarpo (1-0), Carlos Azevedo (idem) e sobretudo Manuel Clemente (3-0).

Em Portugal, a maioria dos protagonistas dos casos de justiça recebem apreciações negativas, sejam eles magistrados como Pinto Monteiro (1-4), Souto de Moura (0-1), Cândida de Almeida (0-1) ou Maria José Morgado (0-1), polícias como Orlando Romano (0-1), Alípio Ribeiro (0-1), Almeida Rodrigues (0-1) ou Gonçalo Amaral (0-1) ou ainda os grandes suspeitos disto ou daquilo: José Oliveira e Costa (0-6), João Rendeiro (0-5), Manuel Dias Loureiro (0-6), Fátima Felgueiras (0-4), Avelino Ferreira Torres (0-3), Isaltino Morais (0-2), Valentim Loureiro (0-4), João Vale e Azevedo (0-3) ou António Preto (0-1). Se o pai de Maddie, Gerry McCann, também teve nota baixa (0-1), o casal McCann obteve uma referência positiva. Para Lopes da Mota, o magistrado suspeito de pressões na investigação do caso Freeport, apenas um seta para o lado, mas o actual bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, tem sofrido má apreciação (0-5). A própria justiça portuguesa como instituição tem também sido alvo de setas: seis, e todas a descer. Pode-se dizer que no sector só resiste Nascimento Rodrigues (3-0), que parece condenado à pena perpétua de Provedor de Justiça.

Na área económica e financeira, só um banqueiro, Ricardo Salgado (4-0), tem boa nota, destacando-se os maus resultados de Faria de Oliveira (1-4), Jardim Gonçalves (0-2), Filipe Pinhal (0-2) e Horácio Roque (0-1), e ficando Fernando Ulrich e Santos Ferreira em posição neutra (2-2 para cada). O mesmo sucede com certos empresários e gestores: sim para Américo Amorim (1-0), Alexandre Soares dos Santos (1-0), Almerindo Marques (1-0) e Zeinal Bava (1-0), não para António Mexia (0-4), Cardoso dos Reis (0-3), Fernando Pinto (2-3), Guilherme Costa (0-1), Joe Berardo (0-2), Mário Assis Ferreira (0-2) e Stanley Ho (0-1) (Pais do Amaral fica neutro: 2-2). Manuel Sebastião, o responsável pela Autoridade da Concorrência, é mal visto (1-4); o contrário sucede com Guilherme Oliveira Martins, presidente do Tribunal de Contas (3-0).

No domínio da cultura, a secção não é muito assídua, limitando-se a assinalar nota positiva a quem recebe um prémio, estreia um filme, lança um livro, abre uma exposição ou vai a um certame internacional. A excepção foi Carlos Fragateiro, que devido aos casos relacionados com a sua anterior gestão do Teatro Nacional D. Maria II sofreu duas setas descendentes.

O mesmo sucede nas modalidades desportivas, assinalando-se sobretudo quem ganhou – e mais raramente quem perdeu. Os mais assíduos foram Michael Phelps (6-0), Michelle de Brito, Sébastien Loeb e Lewis Hamilton (5-0), Frederico Gil (5-1), Rafael Nadal e Naide Gomes (4-0).

O futebol é um caso à parte, dominando a secção juntamente com a política. O herói chama-se Cristiano Ronaldo (17-2), enquanto José Mourinho pode ganhar este ano o campeonato italiano, mas só está em 4-1. Dos treinadores das principais equipas nacionais, Jesualdo Ferreira é justificadamente o mais bem classificado (20-4), seguindo-se Paulo Bento (14-10), Jorge Jesus (4-0) e José Mota (2-0). Quanto a Quique Flores, está empatado (7-7), muito acima das expectativas para a sua equipa (tendo o antecessor, José Antonio Camacho, ficado em 1-2). O estado de Carlos Queiroz (2-3) está mais de acordo com o estado da selecção nacional (e Scolari, que não foi feliz em Londres, ficou em 2-6). Entre os jogadores da I Liga, Liedson (3-0) é o mais considerado. Quanto aos dirigentes desportivos, Luís Filipe Vieira disputa a notoriedade a Pinto da Costa, mas enquanto o presidente do Benfica apresenta um desastroso score de 0-8, o do FC Porto tem um balanço positivo de 6-4. Soares Franco, esse, fica a um nível inferior (1-2).

Na próxima crónica o provedor tirará as suas ilações destes números.

NOTA: Sob o título “Camilo, um naufrágio, uma cozinheira e uma paixão”, publicou o provedor na crónica anterior uma rectificação de um leitor, na presunção de que o jornal não o havia feito. Ora, o director adjunto Manuel Carvalho informou o provedor de que tal rectificação saiu sim, mas apenas na secção Local da Edição Porto. Solução lógica, uma vez que o texto original fora também publicado nessa secção. O provedor, que vive na capital e lê habitualmente a Edição Lisboa, errou e penitencia-se do facto.

CAIXA:

Princípio a nunca esquecer

A propósito da notícia “Moradores da Bela Vista apedrejam esquadra e PSP dispara para ‘acalmar os ânimos’”, inserida na pág. 10 do PÚBLICO de 8 de Maio, escreve o leitor Walter Correia: “A abrir, uma classificação estonteante: ‘Depois do funeral do assaltante de 20 anos...’. Assaltante? Quem disse? Condenado em que processo de que tribunal? Julgo que falta esta informação para esclarecer o leitor. Qualquer coisa do género ‘O assaltante, condenado no ano tal pelo crime de tal’. Mas não. Porque, continua a jornalista, o assaltante foi morto a tiro durante uma perseguição policial. Os populares que apedrejaram a esquadra ‘levavam camisolas com o nome do rapaz - Toninho - que participou num assalto a uma caixa multibanco do Hospital Particular do Algarve’, continua a prosa. Pobre Toninho que já não está entre nós para ensinar aos jornalistas que se é inocente até prova em contrário e que essa prova deve ser feita em tribunal”.

O princípio está na Constituição da República e no Código Deontológico dos Jornalistas – e o Livro de Estilo deste jornal enuncia-o assim: “O direito ao bom nome e a presunção da inocência até condenação em tribunal são escrupulosamente garantidos nas páginas do PÚBLICO”. É algo que os jornalistas por vezes têm tendência para ignorar (como neste caso), mas que tinham a obrigação de ter sempre presente, mesmo quando, aparentemente, se está perante situações de flagrante delito.

Publicada em 10 de Maio de 2009

DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR

Carta do leitor Walter Correia

Escrevo-lhe um tanto ou quanto indignado com a notícia "Moradores da Bela Vista apedrejam esquadra e PSP dispara para 'acalmar os ânimos'", na página 10 do PÚBLICO de hoje, dia 8 de Maio.

A abrir a notícia, uma classificação estonteante: "Depois do funeral do assaltante de 20 anos...". Assaltante? Quem disse? Condenado em que processo de que tribunal? Julgo que falta esta informação para esclarecer o leitor. Qualquer coisa do género "O assaltante, condenado no ano tal pelo crime de tal". Mas não. Porque, continua a jornalista, o assaltante foi morto a tiro durante uma perseguição policial. Os populares que apedrejaram a esquadra "levavam camisolas com o nome do rapaz - Toninho - que participou num assalto a uma caixa multibanco do Hospital Particular do Algarve", continua a prosa. Pobre Toninho, que já não está entre nós para ensinar aos jornalistas que se é inocente até prova em contrário e que essa prova deve ser feita em tribunal.

E pobre Toninho, que devia ser mesmo pobre, porque se fosse rico seria alvo de "denúncia" e teria direito ao "alegadamente" e ao uso dos verbos no futuro do presente, como aliás acontece com Joãozinho, mais conhecido por João Rendeiro, na mesma edição do PÚBLICO, página 34. Embora o título seja afirmativo "Rendeiro pagou despesas suas com dinheiro de offshore do BPP", o ínício da notícia não o chama de ladrão, como a outra chamou assaltante ao Toninho, e o primeiro parágrafo usa devidamente o "terá pago despesas pessoais"... segundo uma denúncia da Deloitte.
Talvez a informação sobre o Toninho ter participado num assalto devesse ser acompanhada da frase "segundo a denúncia da polícia".

Talvez seja uma questão de este ou aquele jornalista ter ou não mais presente a deontologia ou talvez seja puro e simples facilitismo: o Toninho não vai processar o PÚBLICO. A família do Toninho provavelmente não lê o PÚBLICO. O Joãozinho, sim, provavelmente lê o PÚBLICO.

Mas o que se pede ao PÚBLICO também é simples: respeito!

Walter Correia

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