Repesca-se aqui um dos casos que ficaram para trás, a propósito de uma notícia sobre um documentário que punha em causa as explicações mais consensuais para o actual aquecimento global:
Leio no PÚBLICO de hoje, 22 de Julho de 2008, na pág. 13, numa peça intitulada «Crítica a Gore condenada no Reino Unido», assinada por Joana Azevedo Viana, o seguinte:
"Mas, cientificamente, esta corrente está desacreditada. Tem-se provado que muitos do que a defendem são financiados por grandes empresas petrolíferas".
A corrente que a jornalista considera desacreditada é, segundo ela, que "[O autor do documentário, Martin] Durkin, (...) defende que os efeitos do aquecimento global não são mais do que movimentos de equilíbrio que se repetem de milhares em milhares de anos".
Esquecendo a confusão do texto demonstrativa da pouca segurança com que a jornalista escreve sobre um tema de real importância, saliento aquilo que pode ser considerado uma difamação: "são financiados por grandes empresas petrolíferas", além da frase "cientificamente, esta corrente está desacreditada".
A este propósito escrevi, recentemente, o seguinte texto que se pode ler na íntegra no link http://mitos-climaticos.blogspot.com/2008/07/explicaes-oficiais-confusas.html: "Para concluir, a citação abaixo destina-se àqueles - alguns intitulando-se cientistas ou investigadores - que se referem ao som das caixas registadoras a tilintar com a entrada de dinheiro pago pelas petrolíferas e que estão a esquecer-se muito convenientemente do dinheiro que, à custa dos contribuintes, recebem de políticos ignorantes. Global Warming defenders always follow three methods: a) Never discuss scientific facts, every time these are not in their favour; b) Ignore or marginalize opposition; c) If that does not work attack opponents in persona and try to smear them with everything you've got - ad hominem attacks."
Ou seja, os defensores de uma tese, essa sim, refutável difamam os oponentes com o objectivo de condicionar o cérebro do cidadão comum para que este nem pense que possa haver quem demonstre cientificamente (aqui sim, aplica-se esta palavra!) que eles estão errados.
Deste modo, solicito que indague junto da referida jornalista para obter respostas às seguintes questões:
1) Como é que ela prova que, "cientificamente, esta corrente está desacreditada". Cientificamente? Onde é que ela viu essa prova?
2) Como é que ela demonstra que "tem-se provado que muitos do que a defendem são financiados por grandes empresas petrolíferas." Tem-se provado? Onde é que ela viu essa prova?
Claro que estes desvios em relação a um jornalismo que se pretende sério são possíveis pela falta de abertura do PÚBLICO ao debate sobre este tema de grande relevância. Se tal não acontecesse, a jornalista provavelmente não escreveria o que escreveu. Ela própria pode ser vítima de uma propaganda sem contraditório.
Aproveito a ocasião para sugerir que o PÚBLICO diga a verdade aos seus leitores escrevendo um artigo apoiado no seguinte texto que indico no link:
http://mitos-climaticos.blogspot.com/2008/07/dramtica-confisso-e-em-portugal.html
Rui G. Moura
Resposta da editora Clara Viana, da secção Mundo:
Fui eu que editei a notícia da Joana Azevedo Viana e inseri algumas informações que a tornam mais afirmativa. Infelizmente, era uma notícia pequena, e o tema exigiria talvez mais espaço para se poder explicar o que estava em causa. Assim, não foi possível citar todas as fontes que seria desejável citar, para esclarecer o mais possível os leitores, como seria desejável. No entanto, essas fontes estão amplamente disponíveis, e o PÚBLICO tem noticiado muitos estudos e tendências relevantes ao longo dos anos.
Mando em attachment alguns documentos [não inseridos aqui] que não poderiam ser publicados na íntegra, nem amplamente citados nesta resposta, que pretende apenas ser um apanhado tão incisivo quanto possível do que está em causa. Remeto também para a edição actual da Columbia Jouralism Review (http://www.cjr.org/the_observatory/quashing_climate_dissent.php ), onde se pode encontrar um artigo, um editorial e um comentário desencadeado por um articulista de outra revista, a Slate, precisamente sobre os problemas e desafios de escrever sobre o clima, e que espaço dar aos dissidentes do consenso científico em torno do aquecimento global e das alterações climáticas.
O responsável pela secção de documentários do Channel 4 britânico, Hamish Mykura, é citado pelo jornal The Guardian de 21 de Junho dizendo que o documentário de Martin Durkin foi encomendado "para apresentar o ponto de vista da pequena minoria de cientistas que não acredita que o aquecimento global é causado pela produção de dióxido de carbono de origem antropogénica" [produzido pelo homem]. O organismo regulador do audiovisual britânico concluiu que no documentário o Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), um grupo de milhares de cientistas que trabalham sob a égide da ONU para avaliar o que está a acontecer em termos de aquecimento global e do seu impacto no planeta, "foi tratado de uma forma injusta", bem como o antigo conselheiro para a ciência do Reino Unido, David King, e outro cientista, Carl Wunsch. "O programa fez algumas alegações significativas sem oferecer hipóteses apropriadas e oportunas de resposta", diz o organismo regulador, concluindo que o Channel 4, com a exibição do documentário "The Great Global Warming Swindle", quebrou as regras de imparcialidade em temas "de grande importância política e industrial num tema importante que está em discussão em termos de políticas públicas".
Portanto, o parecer do organismo regulador britânico que é o objecto da notícia e as declarações de responsáveis do Channel 4 reconhecem que o documentário representava uma visão minoritária na comunidade científica. O consenso científico é obtido através da discussão dos melhores especialistas nas várias ciências implicadas no aquecimento global e nas alterações climáticas - nomeadamente, sob a égide do IPCC.
Remeto o leitor para os últimos relatórios do IPC. Foram divulgados em 2007 e estão disponíveis no site www.ippc.ch
O trabalho do IPCC tem sido amplamente divulgado nos meios de comunicação social de todo o mundo, e igualmente no PÚBLICO.
Por outro lado, e isto entronca também com a segunda questão colocada pelo leitor, há bastante investigação e documentação sobre as tácticas usadas pelos cépticos do clima para tentarem desacreditar a ciência (envio documentação em anexo que fala disto [também não inserida aqui]), sobretudo nos Estados Unidos. Assemelham-se aos meios usados por outras correntes de negação da investigação científica, como os criacionistas, que não aceitam a teoria da evolução através da selecção natural, ou até as tácticas usadas pela indústria tabaqueira para, durante anos, negar os efeitos funestos do tabaco sobre a saúde. Por exemplo, um dos lemas dos criacionistas nos EUA é "ensine-se a polémica" nas escolas, quando não há qualquer polémica nem qualquer dúvida entre os biólogos de que a teoria da evolução é a melhor explicação para o que se vê na natureza. Digo a "melhor explicação" e não a explicação definitiva, porque a ciência é assim mesmo: não tem explicações definitivas ou dogmáticas, o consenso científico vai evoluindo, em torno das hipóteses e explicações que melhor descrevem a realidade.
Concretamente quanto à acusação de que muitos dos que defendem o cepticismo sobre o clima são financiados por grandes empresas, remeto o leitor para o relatório da Union of Concerned Scientists sobre o tema, e também para as investigações levadas a cabo nos EUA sobre a interferência na redacção de relatórios sobre temas ambientais (nomeadamente as alterações climáticas) feitas por elementos da administração Bush ligados à indústria petrolífera. Em causa estão, por exemplo, relatórios da Agência de Protecção Ambiental (EPA na sigla em inglês) e dos Centros de Controlo e Prevenção das Doenças (CDC). Estes casos tiveram ampla cobertura nos melhores jornais norte-americanos, como The New York Times e The Washington Post, por exemplo, ou até nas secções de notícias das mais prestigiadas revistas científicas, como a Nature e a Science.
Clara Barata
NOTA DO PROVEDOR. Podendo haver fundamento no que afirma a editora do PÚBLICO, a notícia em causa, na passagem que deu origem à reclamação ("Mas, cientificamente, esta corrente está desacreditada. Tem-se provado que muitos do que a defendem são financiados por grandes empresas petrolíferas."), não cumpre uma das disposições do Livro de Estilo do jornal: a menção das respectivas fontes. Dado, para mais, que se trata de matéria polémica (e que pelo menos a primeira frase é de natureza opinativa, o que segundo o Livro de Estilo implica identificação da fonte), a qual não foi obtida sob garantia de confidencialidade, seria forçoso que a notícia informasse qual a sua origem.
sexta-feira, 7 de novembro de 2008
A fonte do mal
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1 comentário:
Para quem considera o assunto arrumado e posto fora de hipótese para tema de discussão efectiva, mostro deixo um link para um video que mostra parte de um relatório de um especialista da EPA (mencionada pela editora do Público), e abafado por esta mesma instituição, que demonstra factos controversos e contraditórios que acendem ainda mais a discussão.
http://www.youtube.com/watch?v=dtk70oWtJGw
Obrigado pela oportunidade.
Dr. Edgar Fernandes (Biólogo)
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