Uma carta de um leitor anónimo, datada de 4 de Junho mas actual:
Em 8 de Abril, na pág. 13, o PÚBLICO divulgou uma notícia sobre a visita do ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, ao sultanato do Omã, que, segundo informava, era um "país do Golfo Pérsico onde são mais visíveis os traços da presença portuguesa (...), com dezenas de fortes ao longo da costa".
Porém, a realidade é bem diferente, desde logo porque o Omã NÃO É UM PAÍS DO GOLFO PÉRSICO, situando-se sim na costa do Oceano Índico da Península Arábica, e o pequeno e quase inacessível enclave do Cabo Musandam, que delimita, a sul, o Estreito de Ormuz, não justifica, de nenhuma forma, aquela designação.
Depois, porque na costa em causa os portugueses, na época em questão, apenas recensearam 11 (e não dezenas de!) fortificações, e, nesse conjunto, quatro delas – Quelba (Kalba), Libédia (Bydiyah), Corfacão (Khor Fakkan) e Doba – situam-se na costa do Índico dos Emirados Árabes Unidos, nomeadamente no Fujairah, e Mada (Mada), também encravada nesse emirado, uma pequena povoação, é considerada como fazendo parte do Omã, e, portanto, mais uma vez não é verdadeiro aquilo que foi afirmado.
O que torna inevitável a conclusão de que aquela notícia fala de Omã com tanto rigor como se falasse da Lua ou de Marte, o que não deixa de ser surpreendente, atendendo a que estamos no séc. XXI.
Por outro lado, acontece ainda que, das referidas 11 fortificações, a maior parte foi apenas ocupada pelos portugueses, e, por isso, não se trata de "fortes portugueses", mas sim de construções árabes temporariamente utilizadas pelos portugueses.
Os textos da época são bem claros e esclarecem que Curiate "fizeram mouros", Sibo era um forte "já antigo, feito pelos arábios", etc., e, na realidade, apenas as construções de Mascate são da inteira responsabilidade dos portugueses. Mas nesta cidade a diplomacia portuguesa irá chegar (quando chegar!) com inultrapassável atraso, porque em 1983 o sultão mandou demolir totalmente as muralhas que defendiam o perímetro urbano e que estavam relacionadas com a ocupação portuguesa, para as substituir por umas "novas", todas "bonitinhas" e acabadas de fazer, assim um pouco como o actual "Portão dos Varadouros" da cidade do Funchal. [A notícia fala de um "programa de inventariação, conservação e reabilitação da presença portuguesa"].
Sucedendo também que, com respeito ao património português no Omã, circula na internet o apelo de um arqueólogo (fvcastro@tamu.edu) relativamente ao espólio de navios portugueses naufragados nas costas desse país no séc. XVII, que, provavelmente, irá ser explorado por "caçadores de tesouros" com objectivos meramente comerciais.
Depois destes esclarecimentos, nota-se que o Sr. ministro dos Negócios Estrangeiros declarou com a natural pompa e circunstância: "Quero anunciar o lançamento de um programa de inventariação, conservação e reabilitação do património da presença portuguesa no Mundo". Mas parece ter esquecido que, a partir de Setembro do ano passado, a Fundação Calouste Gulbenkian iniciou um inventário com esse objectivo, sob a coordenação do historiador José Mattoso e a óbvia cooperação com o governo do Sr. ministro, e, por isso, não se percebe como é que irá surgir um novo "inventário", a não ser que a palavra seja vista em relação com a sua origem, ou seja, se trate de uma "invenção" governativa…
Além disso, vinda de um ministro dos Negócios Estrangeiros, era um bocado estranha a afirmação de que o Governo português tem um programa de "reabilitação" desse património, porque o mesmo se situa em países soberanos, e, portanto, para que seja possível fazer o que quer que seja, será primeiramente imprescindível negociar com os governos desses países, não fazendo qualquer sentido um anúncio que não tem essa realidade em conta.
Sem se pretender aprofundar afirmações que têm a ver com outro tipo de matérias, que não se dominam, não deixa de parecer estranha a afirmação de que a visita de Luís Amado seria a primeira da diplomacia portuguesa ao Omã, dado que o Presidente da República Mário Soares (só podia ser ele…) já pernoitou nesse país, na sua qualidade de Chefe de Estado português e acompanhado de numerosa comitiva nacional em representação do País.
Independentemente deste aspecto, que é totalmente marginal ao assunto que se pretendeu abordar, seria bom que a nossa comunicação social dedicasse maior atenção quanto à localização do Golfo Pérsico e aos vestígios da presença portuguesa naquela zona do globo, não sendo de mais recordar que o Barem restaurou a sua "Fortaleza Portuguesa" sem qualquer interligação com os responsáveis do nosso País e que, ainda em Dezembro do ano passado, um importante encontro internacional que aí foi realizado e onde "brilhou" essa fortaleza não teve qualquer representação nacional.
Tudo leva a crer que o ministro dos Negócios Estrangeiros não terá responsabilidade nos erros inicialmente referidos na imprensa, mas pode-se colocar a dúvida se estará devidamente informado quanto à importância dos vestígios portugueses na Península Arábica e Golfo Pérsico.
NOTA DO PROVEDOR: Eis uma boa matéria para questionar as autoridades portuguesas e pôr em causa as notícias oficiais, o que parece não ter acontecido da parte de nenhum jornalista.
sábado, 29 de novembro de 2008
Confusão histórico-geográfica
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