Os leitores reclamam contra falhas que abalam a confiança por eles concedida ao jornal. É o seu direito
"Há a legenda: ‘A gorila Mouila, das terras baixas ocidentais australianas, segura a sua cria’. Não deveria ter maior destaque a descoberta duma população de gorilas na Oceânia?"
Não se deve ignorar as minudências de um jornal, que reflectem o seu rigor e a consideração que tem pelos leitores. Leitores que por vezes se sentem traídos pelas falhas soltas ocorridas aqui e ali, abalando a confiança que concederam ao periódico. E por isso reclamam. Eis alguns dos mais recentes protestos relativos ao PÚBLICO:
Reparou o leitor Albano Nogueira Guedes em 26 de Setembro: “Hoje, na primeira página, é feita uma chamada de atenção ao ‘colapso financeiro’ escrevendo-se no título: ‘Reunião na Casa Branca acaba sem acordo’. Porém, na coluna ‘Sobe e desce’ (pág. 44), uma seta em sentido ascendente diz que se ‘conseguiu ontem um acordo de princípio’. Em que ficamos: ‘não houve acordo’ ou ‘conseguiu-se acordo’? Naturalmente que estas contradições causam embaraço e dúvida a quem, como eu, compra diariamente o jornal e começa a duvidar se tudo o que lê está correcto. Não se trata de erros ‘de informática’, mas sim de falta de cuidado na revisão”.
Outra incongruência foi detectada por José Oliveira, na edição de 27 de Agosto: “No canto inferior direito da primeira pág., chamada com o título ‘Criminalidade - Cinco assaltos à mão armada na Grande Lisboa’. Vai-se a ler o curto texto e, mesmo sendo burro em matemática como sou, consigo concluir que: dois postos de abastecimento de combustíveis, uma estação dos CTT e três bancos dão um total de seis estabelecimentos”.
Os erros de natureza enciclopédica irritam particularmente os leitores, o que é natural, dado que se trata de matéria em que um jornal de referência deveria ser inatacável. Pedro Freira de Almeida observou o seguinte em 28 de Agosto: “Na edição on-line de hoje, há uma foto interessante com a seguinte legenda: ‘A gorila Mouila, das terras baixas ocidentais australianas, segura a sua nova cria, Mahale, no jardim zoológico de Taronga, em Sydney’. ‘Das terras baixas ocidentais australianas”?! Não deveria ter maior destaque a descoberta duma população de gorilas na Oceânia?” Certamente que sim.
Outro caso, comunicado pelo leitor João M. em 26 de Setembro: “No mapa do 3º poster temático da Enciclopédia do Estudante publicado hoje nas páginas centrais do PÚBLICO, a Argélia está identificada como Mali!”
Mantendo-nos na cartografia, Miguel Direito, ao mesmo tempo que elogia o trabalho de Rita Siza na cobertura da campanha eleitoral nos EUA, alerta sobre a edição de 13 de Setembro: “Só é pena que o mapa dos EUA (pág. 3) tenha saído com três gralhas incompreensíveis: na verdade, o Oklahoma, o Tenesse e a Virgínia Ocidental são estados totalmente republicanos, red states, pelo que não se percebe que tenham sido pintados a azul democrata... A credibilidade é o vosso maior capital, não o percam nos pormenores”.
Também relacionado com o escrutínio presidencial norte-americano, o leitor C. M. Carvalho fez algumas contas após ler a notícia intitulada “Filha adolescente de Sarah Palin está grávida”, no PUBLICO.PT de 1 de Setembro: “No segundo parágrafo lê-se: ‘...[d]o seu [de Sarah Palin] último filho, agora com sete meses’; e no penúltimo: ‘... foi mãe em Maio de um bebé’. Em que ficamos?” Seria de facto difícil, apesar da sua posição “pró-vida”, que a candidata republicana a vice-presidente tivesse dado à luz em Fevereiro e de novo em Maio.
Recuando na História, Francisco Miranda Duarte comenta a legenda da pág. 2 do P2 8 de Setembro: “Referem o filme Olympia, realizado por Leni Riefenstahl, como um documentário sobre as ‘Olimpíadas de Munique’. O filme é, obviamente, um documentário sobre os Jogos Olímpicos (e não Olimpíadas [Nota do provedor: Olimpíada é o período de quatro anos entre duas edições dos Jogos Olímpicos]) de Berlim (e não de Munique). Tenho a noção de que este tipo de imprecisões tem vindo a aparecer com cada vez mais frequência no PÚBLICO, o que é uma pena, dado tratar-se indiscutivelmente do diário de referência em Portugal”.
E, regressando à geografia (agora doméstica), não deixou o leitor Júlio de Oliveira Saramago de assinalar: “No suplemento ‘Economia’ de 2 de Maio, na notícia intitulada ‘Os dólares alentejanos’ (págs. 4-5), lê-se em subtítulo: ‘No recatado concelho de Relíquias, Odemira’. Creio que não são precisos comentários, a não ser, talvez, que haverá mais um distrito em Portugal, o de Odemira”. Será que o redactor, impressionado com a dimensão do concelho de Odemira (o maior do país em área), o tenho de facto confundido com um distrito?
Acerca da notícia “Portugal sem qualquer direito ao espólio da nau quinhentista afundada ao largo da Namíbia”, publicada na pág. 14, de 10 de Outubro, segundo o autor com base em informação disponibilizada pelo Ministério da Cultura, um leitor enviou tal quantidade de rectificações que se tornou em fonte privilegiada do PÚBLICO para futuros textos sobre o mesmo tema. Mas já antes, a propósito do título de 1ª pág. “Caravela com 500 anos em risco de ser submersa na Namíbia”, outro leitor, não identificado, criticara: “Grave que a direcção do PÚBLICO faça manchete com uma caravela portuguesa que corre o risco de ser soterrada na Namíbia quando depois se vê que o texto fala de uma nau. É confundir um automóvel ligeiro com um camião, um F-16 com um avião comercial. É desvirtuar completamente o rigor e a qualidade da informação histórica”. E outro, também anónimo, refere que, uma vez que se “noticiou recentemente que na nau da Namíbia foram encontradas moedas de meados do século XVI, isso exclui a nau de Bartolomeu Dias, que encaixam no vosso artigo”. Com efeito, o português que dobrou o Cabo das Tormentas morreu aí perto, de naufrágio, mas em 1500, o último ano do século XV.
E depois há ainda os tratos de polé dados à língua portuguesa, talvez o que mais ofende os leitores. Vários deles reclamaram com veemência junto do provedor ao lerem em destaque, na pág. 54 da “Pública” de 5 de Outubro, a frase: “Se pudessem casar com pessoas do mesmo sexo, Paulo Côrte-Real e Elisabete Pereira fariam-no”. “Desta vez, parece-me um pouco excessivo”, comenta Pedro Guedes de Oliveira. “Não lêem ou não sabem?” Um anónimo afirma: “Temos que concordar com a dimensão distinta desta bacorada, pela simplicidade que exibe”. E a professora Isabel Semedo ironiza: ”Suponho que a responsabilidade (ou mesmo a culpa!) não seja da própria autora do texto, nem do editor, nem do revisor, muito menos do director... Deve ser mesmo dos professores!”
Vejamos outro caso, na pág. 16 da edição de 27 de Setembro, também alvo da reclamação de vários leitores, como Lídia Martins: “Temos esta jóia como título: ‘Caso Esmeralda – Pai processa Estado, se não reaver filha’. Como conjugam alguns jornalistas o verbo haver? E como não conseguem raciocinar e concluir que reaver é um composto de haver?” Poderá não soar tão bem a quem escreveu, mas a formulação correcta é, de facto, “reouver”. “Dispenso-me de comentários, mas como quem está em idade de aprender parece-me que já não lê jornais...!”, suspira Abílio Nunes.
Merece também menção o “camião com muito mau feitio”, segundo Jorge Cardoso, ao ler na pág. 14 do PÚBLICO de 23 de Setembro a notícia "Dirigentes paquistaneses escaparam a atentado": “Pouco antes de um camião com uma bomba de 600 kg se fazer explodir à entrada do estacionamento do hotel...”
Por seu turno, Carlos Cardoso chama a atenção: “Na pág. 12 do suplemento ‘Economia’ de 19 de Setembro, (...) a autora do artigo escreve com grande fluência e em estilo agradável, mostrando óptimo domínio da língua portuguesa, e nada deixaria antever o uso de uma palavra totalmente disparatada: ‘torrefador’! Se a autora quer significar a entidade que torrou o café (empresa, fábrica), terá de usar a palavra ‘torrefactor’. Se quer significar a máquina onde o café é torrado, o termo é ‘torrador’, também utilizado para designar o operário encarregado da torrefacção”.
E que dizer do título “Os furacões mais intensos estão a tornar-se cada vez mais fortes”, no PÚBLICO de 4 de Setembro? Trata-se do “uso discutível de palavras com ‘intensidades’ semelhantes”, sublinha Sílvia Alves, que preconiza outras hipóteses: “’Os furacões mais fortes estão a ganhar mais força’, e por aí adiante. O desenvolvimento da notícia também não melhora”.
Por fim, uma sugestão apresentada por Augusto Küttner de Magalhães acerca do título “Investigadores descobrem mecanismo que promove leucemias infantis”, na pág. 13 da edição de 2 de Outubro. É certo que, em linguagem científica, o verbo estará correcto. Mas, a bem do esclarecimento do público, o leitor apresenta alternativas: “Investigadores descobrem mecanismo que desenvolve leucemias infantis”; “...que acciona leucemias infantis”; “...que adianta leucemias infantis”. Talvez. O certo é que o esclarecimento do público, sem haver lugar a ambiguidades, deve ser uma preocupação constante do bom jornalismo.
CAIXA:
Porque a vida é um jogo
Já não é a primeira vez que o leitor Jorge Rino reclama quanto à apresentação das palavras cruzadas: “Houve erro grosseiro no problema 6737 (versão com casas pretas) do PÚBLICO de 10 de Setembro” (a grelha não corresponde ao enunciado). Também as falhas na secção de bridge têm suscitado protestos, como o de J. Pessoa e Costa em 14 deste mês: “O problema de hoje é igual ao de ontem e já foi publicado pelo menos mais duas vezes. O mesmo aconteceu já com outros problemas. Esta situação seria ridícula se não representasse uma falta de respeito clara para com o leitor”. Quanto ao soduku (de que o PÚBLICO foi pioneiro na imprensa portuguesa), questiona Carlos Cardoso: “Começa a tornar-se bastante frustrante que todos os dias um dos dois problemas seja ‘fácil’ e o outro a maior parte das vezes ‘médio’. Difícil ou muito difícil haverá uns três ou quatro por semana num total de 14. Será que devo concluir que o leitor tipo do PÚBLICO tem fraca capacidade de raciocínio?” O provedor acha que não, e por isso apela para que seja dada a devida consideração aos leitores para quem um jogo faz parte da vida.
(Publicada em 19 de Outubro de 2008)
domingo, 19 de outubro de 2008
Minudências maiores
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