A secção “O PÚBLICO errou” omite muitos lapsos que aí deveriam figurar, a bem do rigor preconizado pelo jornal
Como o provedor já declarou, um dos seus alvos é a disconcordância entre sujeito e predicado quando o primeiro é o pronome relativo “que”, vinculando o verbo que se lhe segue. O exemplo clássico que usou foi extraído de Os Lusíadas, onde Camões escreveu “Era este Catual um dos que estavam corruptos” e não – como muitos suporiam – “Era este Catual um dos que estava corrupto”. Chamemos-lhe pois a “praga de Catual”, que hoje alastra por todo o português escrito e falado, apesar de aquela personagem, pouco recomendável embora aos olhos do bardo, estar ilibada de qualquer responsabilidade histórica no assunto.
A melhor forma de a combater é a denúncia das frases incorrectas, que o provedor vai anotando ao ritmo da leitura, diária mas genérica, do PÚBLICO. São casos como estes: “Uma das personagens que mais me persegue desde a infância” (P2, 08 de Junho, pág. 12); “Uma das partes da América que se foi mais abaixo com a Grande Depressão” (P2, 28 de Maio, pág. 5); “Matar animais pequenos era um[a] das brincadeiras que mais gozo lhe dava” (P2, 27 de Maio, pág. 12); «Um dos investigadores que tem trabalhado na edição crítica da obra do poeta» (26 de Maio, pág. 6); “Tarantino é daqueles que quando descobre um cineasta através de um filme precisa de ‘ver todos os filmes desse cineasta, de acentada’” (P2, 26 de Maio, pág. 4 – também com erro em “acentada”, que é “assentada”); “Um dos falsos trailers que acompanhou a sessão dupla” (mesmo artigo); “Foi um dos golos que mais gozo me deu marcar” (“Pública”, 25 de Maio, pág. 46); e “Um dos vários livros que preserva frases dessa época” (P2, 10 de Maio, pág. 5).
Nesta luta, o provedor tem contado com a atenta observação dos leitores, que por vezes lhe enviam o seu próprio registo de anomalias. Como o tradutor Francisco Agarez (FA): “Estou solidário consigo ‘na sua permanente luta contra a praga da discordância verbal em frases contendo como sujeito o pronome relativo que”. Peço-lhe que não esmoreça nessa luta, embora receie que o assaltem com frequência sentimentos de desânimo, tão frequentes e desenfreados são os ataques dessa praga no PÚBLICO. (...) [A 23 de Maio], na secção de recensões de livros do ‘Ípsilon’, vamos encontrar a praga à solta no artigo de Mário Santos [MS] sobre o livro de Julio Cortázar O Jogo do Mundo [pág. 52]. A meio do primeiro parágrafo, lê-se: ‘... nem é só um dos livros que, entre Pedro Páramo (...) e Cem Anos de Solidão (...), ajudou decisivamente...’; e (...) mais adiante: ‘...um dos romances que mais experimentou e que conseguiu...’ Percebe-se assim melhor o critério de um recenseador de livros que considera ‘pormenores que não desluzem uma tradução competente’ estas três pérolas de sintaxe: ‘um corredor onde haviam muitas portas’, ‘duas linhas de baldes afim de completar’ e ‘tratam-se de títulos de revistas’. Cinco estrelas para MS (tantas quantas ele atribui ao livro recenseado)!”
À ironia responde MS no mesmo tom (o que o provedor enaltece): “1) No melhor pano cai a nódoa, valha-me a auto-ironia! 2) Ler e recensear a mata-cavalos, o ritmo que nos é imposto (sendo a tarefa mediocremente remunerada, aliás), tem alguns inconvenientes. Eu mal tempo tenho para ler, quanto mais para rever o que escrevo. 3) Se houvesse a ‘jusante’ uma revisão competente, pelo menos... 4) Eventuais atenuantes não invalidam o erro. Tem o sr. tradutor FA razão. Errei clamorosamente. Resta-me seguir o alto exemplo do sr. primeiro-ministro José Sócrates. Peço desculpa aos portugueses leitores e prometo não voltar a prevaricar”.
Entre aspectos preocupantes que MS suscita mas estão fora da alçada do provedor (a “tarefa mediocremente remunerada”, por exemplo), um deles já aqui foi sublinhado: a questão da revisão – fulcral num diário de referência fazendo gala no rigor do seu jornalismo e na correcção dos seus erros –, que o provedor não sabe se é incompetente ou inexistente.
Muitas outras falhas de concordância entre sujeito e predicado, em circunstâncias diferentes, deveriam também ser prevenidas ao nível da revisão. Como exemplos recentes (alguns detectados por leitores), o provedor anota os seguintes: ”A redução das portagens de mercadorias vão vigorar apenas durante meio ano e são apenas aplicadas aos utilizadores da Via Verde e do Via Card" (destaque de artigo, 13 de Junho, pág. 4); “Os países onde a imprensa é mais livre, mais madura e apresenta maior diversidade e capacidade de investigação não conta com nada disto” (3 de Junho, pág. 43); “A conjuntura política e a crise que já está a desenhar-se e que parece inevitável vai exigir uma conjugação de esforços” (P2, 31 de Maio, pág. 3); “CRISE ACABOU: remessa de (2) emigrantes superam verbas do QREN” (título de primeira página do ‘Inimigo Público’, 30 de Maio); “Mexer nos impostos sobre gasolina nunca impediriam a sua contínua subida” (30 de Maio, pág. 51); “Investir na casa e nos apetrechos que lhe permitem melhorar a sua condição física justificam-se” (Pública, 25 de Maio, pág. 45); "O aumento anormal dos preços no consumo estão a levar muitos portugueses a optar pelos supermercados mais baratos" (25 de Maio, pág. 1); “Quebra dos níveis de confiança na indústria, construção e comércio a retalho contribuíram para este abrandamento” (entrada de artigo, 24 de Maio, pág. 40); “A táctica de Uribe em organizar fugas para a imprensa (...) não tinham conseguido que Caracas e Quito cortassem relações com as FARC” (17 de Maio, pág. 18); “O reverso da medalha, da moeda boa ou má, só deverá ser mostrada quando receber os partidos” (14 de Abril, pág. 11); “Nem o facto de ter sido condenado em Fevereiro a uma pena de prisão suspensa (...), pela prática de dois crimes de peculato e um de falsificação de documentos (...), o inibiram” (9 de Abril, pág. 9); “É um título cujos custos de edição ‘(...) é muito acessível’” (4 de Abril, pág. 10).
Já agora, é importante que se esclareça a discordância existente no título a quatro colunas “Ricardo e Quim, os ‘yes man’ de Scolari”, inserido na pág. 33 da edição de 27 de Abril. Sendo que o plural da palavra inglesa man (homem) é men, a formulação correcta seria “Ricardo e Quim, os ‘yes men’ de Scolari”.
O que, tudo somado, torna pertinente a sugestão de FA em post scriptum ao seu protesto: “Seria descabido que o PÚBLICO passasse a inserir (semanalmente?) uma coluna do tipo ‘O PÚBLICO errou’ dedicada exclusivamente aos pontapés na gramática?”
Por falar disso, o provedor acharia interessante incluir também nessa secção os pontapés na ortografia. Que dizer, na realidade, da inopinada aparição da letra h em circunstâncias tão estranhas como “O meu interesse pela selecção Portuguesa não se compara há minha paixão pelo FCPorto” (P2, 9 de Junho, pág. 2) ou “No PSD houve-se uma multidão” (P2, 6 de Abril, pág. 3)?
Recomendação do provedor. Independentemente das chamadas de atenção para o rigor, habituais nesta coluna, e tendo em conta que nenhum destes erros foi corrigido, sublinha-se que pelo menos os lapsos com números aqui mencionados (e outros que venham a ocorrer) deveriam ser rectificados em “O PÚBLICO errou”.
CAIXA
Uma relação difícil
Quem faz o PÚBLICO tem por vezes dificuldade com números, e em particular com datas. Esta semana registou-se até um engano no cabeçalho da edição em papel de quarta-feira, 11 de Junho, que vinha datada como “Ter 11 Jun”. Houve logo quem alertasse o provedor. “Bem pode o Presidente da República pedir aos Portugueses para serem exigentes e rigorosos consigo próprios”, comentou a leitora Arie Somsen. “No PÚBLICO não se liga muito”. A data da edição, a primeira coisa que aparece ao cimo da primeira página do PÚBLICO, é entendida como marca sagrada em cada periódico e mais lida do que se pensa.
“Toda a gente sabe perfeitamente que Jerusalém-Leste foi ocupada em 1867”, escrevia-se a 5 deste mês na pág. 21. O provedor não sabia, pensava que fora em 1967.
“A selecção de râguebi da África do Sul (...) pediu aos seus compatriotas que ‘redescubram a espírito da reconciliação’ que se verificou em 1974, depois de terminado o período do apartheid”, dizia-se por outro lado na pág. 17 em 24 de Maio. Também aqui se antecipou a História: o apartheid só terminou duas décadas mais tarde (em 1974 Nelson Mandela ainda teria mais 16 anos de prisão).
“O escritor italiano Curzio Malaparte (...) chamava-se no dia em que nasceu, a 9 de Junho de 1957, Kurt Erich Suckert”, dizia-se na 2ª pág. do P2 de 9 de Junho, acrescentando-se: “Mas em 1925 passou a usar um pseudónimo: Curzio Malaparte”. Não se explicava como é que Malaparte mudara de nome 32 anos antes de nascer, porque na verdade havia-se baralhado as datas do seu nascimento (9 de Junho de 1898) e da sua morte (19 de Julho de 1957). Vários leitores reagiram indignados. Judite Castro foi branda: “Só chamo a atenção, não comento”. Mas João Vasconcelos Costa abriu as hostilidades: “Coisas destas não se podem desculpar como pequenos erros naturais. Trata-se de grosseira negligência profissional, com que cada vez mais frequentemente o jornal brinda os seus leitores”. E Artur Lopes Cardoso, que diz aguardar “explicação científica para tanta actividade intelectual antes do nascimento”, rematou: “E é isto um jornal de referência? Tenham dó! Um pouco de cuidado na edição nunca fez mal a ninguém”.
“É muito provável que o Presidente da República marque eleições conjuntas para o Parlamento e para as câmaras mais cedo do que se pensava: talvez Junho ou Julho de 2909”, aparecia escrito na crónica de Vasco Pulido Valente (VPV) em 30 de Março. Como não estamos em Angola (onde aliás até se promete eleições para breve), é muito provável que seja ainda um pouco mais cedo.
E era também VPV que escrevia a 1 deste mês, a propósito das últimas eleições presidenciais: “Na euforia da época, quase ninguém notou que, na segunda volta, o dr. Cavaco pouco excedeu os 50 por cento”. Na euforia do fecho da edição, ninguém notou que, nas presidenciais de 2006, não houve segunda volta.
Publicada em 15 de Junho de 2008
domingo, 15 de junho de 2008
A luta continua
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