terça-feira, 6 de maio de 2008

O paralelismo petróleo/combustíveis

O PÚBLICO refere com chamada de primeira página da edição de 1 de Maio ["Combustíveis sobem menos que o petróleo no curto prazo, mas sobem mais no longo prazo", de Lurdes Ferreira, pg. 38] uma comparação entre os preços dos combustíveis e o do petróleo brent, onde é dito que os primeiros subiram menos que o segundo (em termos percentuais) desde o início do ano.

1. A comparação que é feita não faz qualquer sentido - e este é um erro que ultimamente tem sido frequente na imprensa, com o pão por exemplo - porque o preço do brent não é o único factor a determinar o preço dos combustíveis. Há os preços de transporte do petróleo, de refinação, da distribuição dos combustíveis, de funcionamento das bombas, de mão-de-obra, impostos não-proporcionais, etc.. etc.. etc.. Isto é, nem seria sequer de esperar que a variação do preço fosse a
mesma.

2. A comparação que é feita não faz qualquer sentido porque o petróleo negociado hoje não é o combustível vendido amanhã. O preço negociado não são preços para entregas imediatas, há depois o transporte, há depois a refinação, há depois a distribuição. Não sei qual o tamanho exacto deste hiato temporal (alguns meses provavelmente), mas não será certamente zero. Isto é, deveria comparar-se os preços do combustível com o brent de uns meses atrás.

3. Por fim, um enorme disparate, que cheira a intenção política: "Consoante a perspectiva e os números usados, os portugueses têm e não têm razão de queixa, havendo apenas dois pontos sem discussão:(...) segundo, a carga fiscal, sobretudo com o aumento do IVA de 19 para 21 por cento, ajudou muito". Quando o aumento em causa é de 100% no gasóleo e 61% (desde 2000), insistir neste aumento do IVA (eu até me lembro de dois aumentos do IVA, mas a Lurdes Ferreira lá sabe porque será que só um é que conta), que levou a um aumento de 1,7% no preço ao consumidor, é ridículo.

Miguel Carvalho

O provedor solicitou esclarecimento à autora do texto, que escreveu o seguinte:

O artigo em questão partiu da alegação frequente, nos últimos meses, segundo a qual o preço da gasolina/gasóleo está a aumentar mais do que o do petróleo e que as petrolíferas estão a repercutir esse aumento de forma imediata e ignorando a diferença euro/dólar. Na quarta-feira, as reclamações ouvidas eram ainda mais frequentes, inclusive na redacção do jornal, face à reacção das petrolíferas assim que o petróleo (WTI) tocou no patamar dos 120 dólares. O artigo pretendeu mostrar se a ligação percepcionada se manifestava ou não nos números no curto e no longo prazo: um objectivo muito definido e limitado.

Primeiro passo, a lista mais recente de aumentos de preços dos combustíveis, em euros. Apesar de, durante todo o dia de quarta-feira, se ter afirmado que tinha havido 14 aumentos de preço e três descidas desde o início de Janeiro, o PÚBLICO, que teve acesso à lista, verificou que ela começava a 31 de Janeiro, e não no dia 1. Foi essa lista que usou e com essa explicitação no texto.

Segundo passo, os preços do brent, em euros. Para o efeito, o PÚBLICO utilizou os preços do fecho do mercado do brent entre um a três dias anteriores aos dos aumentos dos combustíveis (consoante os dias disponíveis das bolsas, por causa dos fins-de-semana). Este pormenor poderia ter constado de uma nota de rodapé no quadro. O resultado da comparação é descrito no texto. Findo o regime administrativo de preços máximos (31 de Dezembro de 2003), que impunha uma fórmula de cálculo que fazia com que os preços em Portugal diferissem em cerca de três semanas em relação aos europeus, as petrolíferas transferem agora mais rapidamente os aumentos. Se fosse este o objectivo do trabalho, ter-se-iam procurado outras variáveis, já que as petrolíferas afirmam que actualizam mais os seus preços em função dos preços internacionais da gasolina e dos produtos refinados do que em função do crude. Nesse sentido, o leitor tem razão quando afirma que o preço do brent não é o único factor a determinar o preço dos combustíveis na Europa.

Terceiro passo, olhar para o longo prazo, em euros. Foi escolhido o ano 2000 como referência, por permitir uma perspectiva longa, e por ser ainda um ano de preços baixos. Os dados comparados estão disponíveis no site da Direcção-Geral de Energia e reportam ao ano 2000 (média) e a Março de 2008 (média). O gráfico publicado falha na referência das datas e de se tratarem de médias. O resultado da comparação é também descrito no texto.

A aparente contradição que resultou deste exercício surpreendeu, justificando o destaque na peça e o cuidado quanto à sua leitura, referindo-se, por isso, que era “consoante a perspectiva”. Admito que a metodologia podia ser mais exigente, mas o artigo estava condicionado pelo “tempo” da informação. Por outro lado, sabemos como os números escapam frequentemente a leituras lineares. A associação que reúne os interesses das petrolíferas, a Apetro, tem no seu site contas semelhantes, mas escolhe o ano de 2002 e Março de 2008 e o resultado volta a “baralhar”, com um aumento dos preços da gasolina 95 inferior ao aumento das cotações do crude, neste período.

O leitor tem também razão quanto à falha na referência do primeiro aumento do IVA de 17 para 19 por cento, quando Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças.

Não sei a que o leitor se refere quando afirma que o artigo “cheira a intenção política”.

Lurdes Ferreira

1 comentário:

Miguel Carvalho disse...

Obrigado pelo comentário.

Eu não queria de modo nenhum pôr os dados em causa (parece-me que foi assim que foi interpretada a minha crítica dada a sua longa explanação), apenas as conclusões tiradas deles que refiro no ponto 1 e 2.

Quanto ao IVA, o meu principal ponto não era haver um ou dois aumentos (tanto que isso aparece em parêntesis) mas o enfâse exagerado que lhe é dado.

Cumprimentos