terça-feira, 8 de abril de 2008

Maneiras de ver

Na notícia com o título “Mais de metade dos novos trabalhadores admitidos com contratos a prazo”, na pg. 12 da edição do PÚBLICO de 26 de Janeiro, da autoria de Clara Viana, lê-se: "É uma tendência em alta que o Anuário Estatístico de 2006 (...) veio confirmar: a criação de emprego está a ser feita sobretudo via contratos a prazo...". Contudo, e olhando para o gráfico da própria notícia, conclui-se que o emprego a prazo teve decréscimos em 2003, 2004 e 2005, enquanto o emprego sem termo cresceu. É estranho portanto falar numa "tendência". Lê-se ainda "o acréscimo de emprego registado em 2006 - a primeira subida em três anos" e, mais uma vez, de acordo com o gráfico, conclui-se que o emprego cresceu em 2003, 2004, 2005 e 2006. Um pouco mais de rigor seria bem-vindo.

Miguel Carvalho

ESCLARECIMENTO DA JORNALISTA:
Não creio que exista falta de rigor, mas na verdade o quadro precisava de mais especificações para ser mais claro. Ou seja, os dados nele constantes não resultam directamente dos apresentados no texto. Uma leitura mais atenta da notícia esclareceria isso mesmo, mas continuaria por esclarecer em pormenor o que está patente no gráfico, que foi importado directamente do material divulgado pelo Instituto Nacional de Estatística. Apesar da falta de tempo e de espaço, este complemento de informação deveria ter sido integrado. Ou então ter-se optado por outro gráfico, o que não aconteceu por se considerar que aquele que foi publicado constituía uma fonte de mais informação.

1 - Conforme se especificava no título do gráfico, este representa a taxa de variação anual do emprego por conta de outrem, segundo o tipo de contrato. Quer dizer que as linhas traduzem o aumento, queda ou estagnação face ao ano anterior - 1999 por comparação a 1998, 2000 por comparação a 1999 e por aí fora.

2 - Neste gráfico, o que está patente é a evolução do emprego por conta de outrem, e este cresceu, como aliás também se refere no artigo: “Em 2006, e pelo terceiro ano consecutivo, voltou a diminuir o número de trabalhadores por conta própria: o seu peso passou de 25 por cento em 2003 para 22,7 em 2006. Em contrapartida, o peso do contingente por conta de outrem, onde alinham os contratados a prazo, passou de 73 para 75,6 por cento.” Entre 2003 e 2006, a taxa de variação anual neste sector oscilou de 0,3 a 2,2 por cento.

3 - Lê-se ainda "o acréscimo de emprego registado em 2006 - a primeira
subida em três anos". O que se lê corresponde aos números do INE. Esta afirmação não se refere ao emprego por conta própria mas sim ao total do emprego (por conta própria, por conta de outrem e “outras situações”). E este, segundo os dados do INE, conheceu uma taxa negativa em 2003: -0,4 por cento, rondando depois os 0 por cento em 2004 e 2005. O que significa “estagnação”. E arrancando depois em 2006 para 0,7 por cento.

4 - Quanto à tendência em alta, o que se afirma, e é citado pelo leitor, é que “a criação de emprego está a ser feita sobretudo via contratos a prazo...". E mais uma vez essa é uma realidade patente nos dados do INE: dos 84,3 mil postos de trabalho criados em 2006, 58 mil corresponderam a contratos a prazo e 26,3 mil a contratos sem termo. Por comparação a 2002, o número de contratados a prazo diminuiu em 2003, 2004 e 2005 (passou de 805,4 mil para 768,5 mil, 750,5 mil e 743,3 mil, respectivamente) e voltou a subir em 2006: 801,3 mil. É a taxa dessa variação anual que está patente no gráfico. O que este quadro não traduz, porque não era essa a sua função, é a crescente importância dos contratos com termo no conjunto da força de trabalho (19,4 por cento em 2005; 20,6 em 2006) e nos novos empregos. E é nessa crescente subida de importância que se pode encontrar uma tendência, com aliás foi sublinhado ao PÚBLICO por uma economista e um sociólogo citados no mesmo artigo.

Uma visita ao site do INE (www.ine.pt) para consulta dos quadros que acompanham o Anuário Estatístico poderá, sem dúvida, ajudar o leitor a colectar mais informação.

Clara Viana

2 comentários:

Miguel Carvalho disse...

Caro Provedor,
desde já os meus sinceros agradecimentos pela publicação do meu comentário, e pelo trabalho desenvolvido.


Cara Carla Viana
Não sei se este é o local apropriada para eu responder, mas aqui vai.

Indo ao seus pontos.

2. e 3. Ao ler a sua explicação e ao verificar o documento INE, percebo agora que havia dois "empregos totais" em causa. O "emprego total total", e o emprego total por conta de outrem. Quando o gráfico dizia "emprego total" referia-se ao segundo, e o seu artigo quando dizia "emprego total" referia-e ao primeiro. Estou esclarecido.

Olhando agora para os dados "totais totais" do INE (que não estavam na notícia), vê-se que em 2004 houve um crescimento, muito ligeiro, mas houve. Portanto escrever "o acréscimo de emprego registado em 2006 - a primeira subida em três anos" não é muito correcto.

4. Bem sei o que aconteceu de 2005 para 2006, e nesse ponto estamos de acordo. O que eu critico foi chamar-lhe "tendência", dando uma ideia de continuidade.
Nas três variações anteriores o número de contratos a prazo diminui,e o número de contratos sem termo cresceu. Ou seja houve criação líquida negativa de emprego a prazo, a criação líquida positiva de emprego sem termo.

Diz-me agora que 2005 para 2006 os novos empregos a prazo foram mais que os sem termo, sem qualquer referência às três variações anteriores. Eu até dou de barato que o número de novos empregos a prazo também tenha sido maior.

Agora isto não é criar emprego. Pode haver 60 mil novos empregos a prazo e apenas 20 mil novos sem termo todos os anos, mas se foram desfeitos 70 mil a prazo e apenas 10 mil sem termo (de modo que o saldo é de -10 mil a prazo e + 10 mil sem termo) o emprego está a ser criado pelos empregos sem termo! E é exactamente isto que aconteceu de 2002 até 2005, como se pode perceber dos dados acima.


Cumprimentos

Miguel Carvalho disse...

Já agora, e isto não é um crítica apenas um esclarecimento a quem nos lê, não se deve dar grande importância à disparidade 58 mil contratos a prazo vs 26,3 mil contratos sem termo.

Mesmo que esta disparidade se mantivesse durante 50 anos, isto não significa de modo nenhum que teríamos mais trabalhadores a prazo do que a contrato. Os contratos a prazo são obviamente mais curtos, logo mais rapidamente há criação e destruição, logo é perfeitamente possível ter 95% da população activa com contracto fixo e ao mesmo tempo ter maior número de NOVOS empregos a prazo.