domingo, 17 de maio de 2009

Contrapoder ou antipoder?

Na conclusão da análise à secção “Sobe e desce”, algumas recomendações para o futuro da secção


O jornal parece ter passado de uma posição de isenção para um pendor anti-governa-mental


“Eu nunca tinha ligado muito ao ‘Sobe e desce’, até ao dia em que, para surpresa minha, Mário Nogueira, da Fenprof, teve uma referência negativa por ter ganho as eleições na respectiva organização!” – assim começa a mensagem de um leitor não identificado acerca da secção da última página do PÚBLICO. “Isso foi, bem entendido, antes da ‘Cruzada’. E quando, recentemente, a luta dos professores saltou para a ribalta, foi ver a cotação de Mário Nogueira a subir aos olhos do PÚBLICO, que não lhe regateou apoio, explícito ou implícito, para combater o ‘Mal’. (...) Feitas as contas, o ‘Sobe e desce’ está para o jornalismo de referência como o Tarot da Maya está para a ciência: destas quatro personagens, do segundo já só resta o infografismo nas páginas do PÚBLICO”.

Esta carta situa o principal problema do “Sobe e desce”, que o provedor tem vindo a analisar nas últimas crónicas: a possibilidade de a secção assumir encapotadamente um espírito de campanha, o qual não está previsto no estatuto editorial do jornal. O líder da Fenprof, com efeito, obtém um balanço positivo (quatro setas para cima e três para baixo) nas apreciações que o “Sobe e desce” lhe fez desde que este provedor iniciou funções (1 de Janeiro de 2008), enquanto a ministra de Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, sofre de um conjunto de referências absolutamente demolidor: 22 notas desfavoráveis, contra apenas duas positivas.

Aliás, José Sócrates e os seus 16 ministros são globalmente atingidos, no mesmo período, com 195 setas descendentes e 52 em sentido inverso. É algo em que os leitores acabam por reparar: “Que o PÚBLICO tem uma posição ultracrítica em relação ao actual Governo e, muito particularmente, em relação ao primeiro-ministro, já não oferece dúvidas”, escrevia um deles, Adérito Tavares, ao provedor há dois meses. É certo que o PÚBLICO tem o direito, e até o dever, de assumir uma atitude de contrapoder, mas neste caso parece estar reunida a massa crítica para se considerar que o jornal passou de uma posição de isenção para um pendor claramente antigovernamental. Verifique-se, por exemplo, que Cavaco Silva apresenta um saldo de 16 notas a favor contra sete negativas e que a principal figura da oposição, Manuela Ferreira Leite, apesar de um balanço negativo (nove a favor e 12 contra), é objecto de uma apreciação muito mais equilibrada, como se, aos olhos dos directores deste jornal (a cargo de quem costuma estar a secção), a líder dos sociais-democratas fosse, mesmo assim, preferível a Sócrates à frente do governo.

Não viria daqui mal ao mundo, não fora o facto de o PÚBLICO nunca se ter assumido editorialmente como oposição ao governo, contrariando assim o princípio da “relação rigorosa e transparente” com os leitores que é enunciado no seu estatuto editorial. Estes números mostram que entre os responsáveis da redacção se estabeleceu como politicamente correcto deitar abaixo o executivo, e que uma opinião diferente terá muito mais dificuldade em ver a luz do dia. O provedor não diria que existe uma intenção deliberada nesse sentido, mas que se pode ter instalado um espírito que desemboca nessa consequência.

Temos de convir que muitas vezes as figuras públicas põem-se a jeito para as críticas de que são alvo, não fazendo sentido os jornalistas inventarem avaliações artificiais só para darem equilíbrio ao conjunto de matérias que o jornal publica. Por exemplo, o contraste entre as notas atribuídas no “Sobe e desce” a George W. Bush (duas a favor e 21 contra) e a Barack Obama (34 a favor e cinco contra) é compreensível em termos retrospectivos, na medida em que o primeiro foi derrotado num processo histórico de que o segundo acabou por sair largamente vitorioso. Não seria pois aceitável de forma alguma que alguém se preocupasse em distribuir notas avulsas pelos dois de modo a atingir-se alguma espécie de equivalência entre ambos – que seria seguramente uma falsa equivalência, sem correspondência na realidade.

Esse é o método a que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social quer sujeitar a RTP (e, se a deixarem, todos os restantes órgãos de informação): uma distribuição noticiosa proporcional ao peso eleitoral dos partidos. Mas isso seria uma deturpação da actualidade, que não é equilibrada e carece de uma cobertura jornalística que reflicta esse desequilíbrio. A imposição de quotas é um atentado à liberdade do jornalismo, e de forma nenhuma o provedor pretende que no “Sobe e desce” haja qualquer coisa do género. Mas as tendências que se detectam nas notas atribuídas na secção sugerem a possível existência de uma agenda oculta na redacção do PÚBLICO e que, a bem do contrato do jornal com os leitores, seria bom que se clarificasse. Bastará que não se deixe escapar nenhum deslize e que, em contrapartida, se ignore os aspectos positivos na carreira de uma figura pública para lhe criar uma imagem desfavorável (e deturpada) – aquilo que se designa como “ter má imprensa”. Para trás, ficam os padrões de objectividade que muitos órgãos da informação fazem questão, mesmo assim, de continuar a apregoar.

Nota-se claramente a existência de uma lista de “bons” e de “maus” no “Sobe e desce” em política interna, mas também no palco internacional. Ninguém se incomoda certamente por ditadores como Mugabe, Kim Jong Il, Hu Jintao, Mahmud Ahmedinejad ou Omar al-Bashir liderarem a lista de notas negativas, por vezes até sem nenhuma seta para cima (sendo as apreciações feitas frequentemente na base de uma condenação moral e não do que de positivo ou negativo sucede nos seus objectivos de manutenção do poder – o que suscita o problema da incoerêcia de critérios na elaboração da secção). Mas mais bizarro há-de parecer que na Europa haja tanto contraste entre, por exemplo, um Silvio Berlusconi (15 setas descendentes e apenas uma a subir) e um José Luis Zapatero (sete para cima e quatro para baixo). É que nem a Itália está em pior situação do que a Espanha nem o seu primeiro-ministro está mais debilitado do que o seu homólogo de Madrid; antes pelo contrário.

Curiosamente, no domínio do futebol, que em parte motivou a investigação do provedor ao “Sobe e desce”, as coisas aparecem muito mais conformes à realidade. Cristiano Ronaldo e José Mourinho fazem jus ao talento e à fama, e entre os treinadores da I Liga Jesualdo surge com o balanço mais favorável, seguido de Paulo Bento, enquanto Quique Flores só esta semana desceu a negativos (7-8), já muito depois de o seu carro, para usar uma expressão dele, ter avariado à vista da meta. Mesmo Jorge Nuno Pinto da Costa, com todos os problemas judiciais que tem atravessado, apresenta um saldo positivo (6-4), contrariando a ideia transmitida pelos leitores que reclamaram acerca no seu tratamento na secção.

Um jornalista do PÚBLICO enviou há tempos ao provedor numa lista de dez aspectos que não abonariam a favor do “Sobe e desce” (diversidade de critérios, maniqueísmo e simplificação de factos, personalização de temas, enganadoras relações causa-efeito, análise parcial da actualidade, incidência constante nas mesmas figuras, diferentes gradações de apreciação, obrigatoriedade de manter o mesmo número de tópicos por edição, simplificação na escolha de protagonistas, desproporção do impacto junto da opinião pública) e apenas um que beneficia a secção – e, aparentemente, sobreleva todos os restantes: os leitores gostam.

O provedor apenas gostaria de recomendar a adopção de alguns parâmetros para o futuro do “Sobe e desce”: coerência de critérios, ponderação, equilíbrio, objectividade, isenção e distanciamento.


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Arroubo patriótico

A manchete da passada quinta-feira, 15 de Maio, “A Madeira pode ser independente?”, causou pelo menos uma reacção emocionada. ”Vi-me forçado a enfiar o PÚBLICO num saco para que ninguém me visse com a vergonhosa e reles capa deste periódico”, escreveu o leitor que se identifica como Sérgio Faial sobre o que classifica de “acto inqualificável e irresponsável sem paralelo na história deste jonal, (...) dum teor incendiário que nunca associei ao periódico”. Outro Sérgio, assinando Costa e com um endereço electrónico diferente mas numa linguagem com similitudes em relação ao anterior, reenviou ao provedor uma carta de protesto que escreveu ao director do PÚBLICO, considerando: “A bem da credibilidade do jornal, espero que os acontecimentos da edição deste dia não passem impunes. O PÚBLICO não merece acabar assim, transformado num tablóide sensacionalista”.

O provedor considera que um jornal como o PÚBLICO não deve ter temas tabu, para mais relativamente a uma questão que periodiocamente é agitada como forma de pressão sobre as autoridades centrais, até pelo chefe do governo regional da Madeira. Os jornalistas apenas procuraram avaliar se tal hipótese teria alguma viabilidade prática ou não passa de mero bluff. Nada a apontar, portanto.

Há porém um aspecto em que a reclamação de Sérgio (seja ele quem for) é pertinente. Trata-se do título da capa do P2 (onde foi publicado o artigo), escrito sob o mapa do arquipélago da Madeira: “Eles podem viver sem nós?”. “Eles quem?”, pergunta o leitor Faial. “Os madeirenses? E nós quem? Os continentais? Sempre pensei que o PÚBLICO fosse um jornal nacional, equivoquei-me. Segundo a redacção deste diário, Portugal é o rectângulo, as ilhas são os outros, os de fora... Lamentável... Que leva um jornal que se propõe, segundo o seu director, ser uma das partes dos checks and balances [equilíbrios e contrapesos] da democracia a agredir uma parte do país? Quem será a próxima vítima? Os meus Açores?”

De facto, com este título os jornalistas tomaram a iniciativa de excluir a Madeira de Portugal. Provocatório, mas infeliz.

Publicada em 17 de Maio de 2009

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