domingo, 18 de maio de 2008

A voz do público

Alguns reparos críticos de leitores que, a serem acatados, poderiam melhorar o PÚBLICO

Escreve o leitor Gabriel Silva: “A coluna ‘Sobe e desce’, publicada na última página, nunca vem assinada, o que me parece descabido e estranho, na medida em que nela se faz um destaque e se emite um juízo de valor ou opinião. Por uma vez, no dia em que José Pacheco Pereira foi director [5 de Março último], o mesmo assinou tais textos. Com esse indicador, dever-se-á pressupor que tal artigo é feito pelo director ou pela direcção? Seria desejável que de uma forma ou de outra alguém passasse a assumir as posições vertidas naqueles artigos, tanto mais que nem sempre se percebe os respectivos critérios ou juízos de valor”.
Não sendo assinada, esta secção, onde se emitem juízos subjectivos sobre figuras públicas, assume valor de editorial (num jornal onde, curiosamente, os editoriais são assinados). É essa a intenção? O provedor colocou a questão ao director do PÚBLICO, mas não obteve resposta. Seria bom a direcção do jornal clarificar o assunto. Sublinhe-se que o Livro de Estilo do PÚBLICO não prevê a existência de espaços de opinião não assinados (ponto 6 do capítulo “Os factos e a opinião”). Estabelece ainda o ponto 12 dos “Princípios gerais” que os textos de opinião, “quer os dos colunistas regulares quer os dos ocasionais, devem identificar o seu autor (...)”.

O espaço do caderno P2 reservado ao anúncio da programação do dia relativa à televisão por cabo tem sido algumas vezes preenchido, ao invés, por publicidade. Reclama o leitor Eugénio de Sousa: “A informação sobre programação de TV nos jornais não só não é desprezível como é útil (...). Pergunto se será razoável, ou mesmo legítima, a substituição esporádica da informação, que os leitores habitualmente esperam, por publicidade”.
A programação de TV (tal como, por exemplo, a informação sobre a meteorologia ou as farmácias de serviço) faz parte do serviço básico prestado pelo jornal aos leitores, que se habituam a encontrá-la no sítio certo com a regularidade certa. Não faz sentido a sua interrupção colocando a publicidade como valor mais elevado. Sendo certo que os anúncios são cruciais para a viabilidade do jornal, os seus responsáveis deveriam procurar soluções que não prejudicassem a continuidade desse serviço.

Por falar em TV, Rogério Togeiro reparou na seguinte contradição na edição de 25 de Abril do suplemento “Economia”: “Na pág. 12, está escrito no primeiro parágrafo do artigo ‘Televisão e companhia’: ‘Nos dias que correm, poucas são as casas em que os quatro canais generalistas persistem estóica e teimosamente sós’. Mas na pág. 13, no sétimo parágrafo do artigo ‘TDT é mais uma alternativa’, fala-se do que ‘acontece ainda hoje com cerca de 60% dos portugueses, que no pequeno ecrã assistem apenas às emissões da RTP, RTP2, SIC e TVI". E pergunta: “Qual das afirmações está errada? E o que está escrito no resto dos artigos estará correcto?”
Embora de jornalistas diferentes, os dois artigos integram o mesmo dossiê, pelo que uma edição atenta deveria eliminar este tipo de incongruências.

Uma questão já antiga, envolvendo o suplemento “Digital” do PÚBLICO (entretanto desaparecido), mas que o provedor não quer deixar em claro, foi suscitada por um leitor anónimo acerca da edição de 20 de Janeiro, onde se convidou um painel exterior à redacção para uma avaliação qualitativa dos sites de museus portugueses (pág. 9): “Para mim é muito grave o facto de não se ter informado os leitores que um dos elementos do júri é da empresa responsável pela construção da presença web do Museu de Serralves, eleito como ‘o melhor’. É curioso como a ‘avaliadora’ da Seara.com não se inibe de comentar a qualidade do site de Serralves feito pela Seara.com, sem o seu vínculo ser minimamente mencionado. Eu, que tenho alguns conhecimentos desta área, identifico a falha. Mas, fico com muito receio de estar a ser mal informado em todos os assuntos noticiados pelo PÚBLICO.
Acho que a escolha dos ‘especialistas’ que comentam notícias é um dos aspectos mais opacos do jornalismo actual. Gostaria de saber qual é o protocolo do PÚBLICO neste aspecto. Existem algumas regras para salvaguardar interesses?”
Pedro Ribeiro, ex-editor do “Digital”, e o jornalista Hélder Beja, autor do artigo em causa, esclareceram o provedor que nem um nem outro sabiam da ligação entre a Seara e Serralves. Lamentou o segundo: “Procurei que profissionais ligados à construção de sites colaborassem (...). Entre as empresas contactadas esteve a Seara, reconhecidamente importante na área. (...) O site do Museu de Serralves foi o que melhor cotação mereceu – não apenas da Seara mas de todas as partes ouvidas. O erro da minha parte, que assumo: não fiz um match entre as empresas/profissionais que contactei e os responsáveis pela construção das ditas páginas web. Em nenhum momento a empresa, que sabia quais os objectivos do trabalho, me informou de que o site era da sua autoria. Não serve para desculpar a minha falha mas é um comportamento igualmente reprovável. Compreendo a posição do leitor. Eu mesmo fiquei indignado quando soube do sucedido”. Acrescenta o editor: “Se tivéssemos sabido da associação entre a Seara e o Museu de Serralves, teríamos procurado outra pessoa; ou, no mínimo, teríamos identificado claramente essa ligação. Não sabíamos, e não o fizemos. Erro nosso”.
Quanto às regras que o PÚBLICO deve seguir neste tipo de situações, elas pautam-se naturalmente pela salvaguarda da sua independência, pedra de toque do estatuto editorial do jornal, que não foi desta vez devidamente acautelada.

Particularmente irritante para um autor (e disso também já se queixou o provedor) é quando quando a revisão altera para mal o que estava bem. Assim parece ter acontecido com a crónica de Frei Bento Domingues publicada ao lado desta página a 13 de Abril. O caso já foi abordado no blogue do provedor, mas vale a pena retomar aqui o protesto enviado pela leitora Mariana Mendes Pereira no próprio dia: “Estranhei de tal modo as últimas palavras desta crónica que entrei, de imediato, em contacto com o Frei Bento, que logo me sossegou e esclareceu. Os senhores já têm apresentado gralhas, o que sendo lamentável pode ser desculpável. Na crónica de hoje, porém, não se trata de uma gralha. É algo de muito grave! Introduziram o artigo “a” na frase final: “Nós somos Igreja” [“Nós somos a Igreja”]!. Não perceberam que alteraram o sentido da frase? Se, por acaso, tivessem alguma dúvida, por que não esclarecê-la com o autor? Como podem fazer isso? Quem, entre os vossos colaboradores, se imagina na cabeça do autor a ponto de mudar o sentido dos seus textos?! Que credibilidade oferecem aos leitores? No mínimo, o que podem fazer é apresentar uma rectificação já amanhã, alterar o texto na edição online e pedir desculpa ao autor com a maior urgência”.
Tanto quanto o provedor se pôde aperceber, a rectificação nunca foi feita.

Por fim, de novo a difícil relação dos jornalistas com os números. Ontem mesmo, Arie Somsen enviava ao provedor a seguinte reclamação: “No suplemento ‘Economia’ [da passada sexta-feira], escreve R.A.C., na pág. 2, sob o titulo “A mão que embala o bolso”, que 193 milhões de dólares são 300 milhões de euros. Vai repetindo o erro mais umas vezes [quatro, contou o provedor]. Já tenho notado que o forte da maioria dos jornalistas não são as contas; no entanto, deveria haver alguém a chamar a atenção de que, se um euro é igual a 1,55 dólares, deveria dividir a verba em dólares para obter o valor em euros, e não multiplicar. Mais grave ainda num suplemento de economia”.
Vai de facto uma enorme distância entre 300 milhões de euros e 123,905 milhões, que é quanto valiam 193 milhões de dólares ao câmbio de ontem. Há sites na internet que fazem a conversão directa, sem nenhum esforço para o jornalista.

CAIXA:
Lost in translation

Esta expressão inglesa, que não encontra equivalente no nosso idioma, indica o muito que se perde quando se traduz de uma língua para outra. Não vale a pena perder ainda mais por uma má tradução, o que porém acontece com frequência no nosso jornalismo, obrigado constantemente a consultar fontes escritas e orais de língua inglesa.

Ainda há pouco, o leitor Marques da Silva alertava para a qualidade da tradução do artigo "A vulnerabilidade moral dos mercados", de Robert Skidelsky, publicado na pág. 15 do caderno “Economia” de 11 de Abril. E mencionava um exemplo (já abordado no blogue do provedor): a frase ‘the simplest way of doing this is to restrict advertising” era traduzida como “a publicidade é a forma mais simples de o conseguir”, quando se queria dizer o contrário, “a restrição da publicidade é a forma mais simples de o conseguir”.

Já esta semana, outro leitor, Carlos António Acabado, reclamava, a propósito do artigo "Israel e os seus mitos 60 anos depois", da “Pública” de domingo passado, quanto à tradução de declarações de entrevistados ou referências a livros. “Na pág. 30, fala-se da ‘coragem e ingenuidade do Haganah’. Ora, ou muito me engano ou esta ‘ingenuidade’ é filha... ‘bastarda’ (...) do termo ‘ingenuity’, que hoje, só, digamos, por grande ‘distracção’ se ‘traduz’ (...) por ‘ingenuidade’. Se há coisa, de resto, que o Haganah e o ‘primeiro Israel’ moderno não foram (nem são!) é ingénuos... ‘Engenhosos’, para não dizer ‘astutos’ e mesmo ‘manhosos’, ah isso sim, com certeza”. Noutro ponto (pág. 33), fala-se da “condescendência dos judeus que tinham emigrado para a Palestina em relação às vítimas do Holocausto”, quando, como considera o leitor, “’condescend’ (...) significa basicamente ‘olhar alguém ou alguma coisa com algum desdém ou distanciamento’, ‘com altivez’, ‘com desafectação’, ‘com sobranceria’. Ou seja, a atitude referida seria de paternalismo, não de condescendência.

Talvez seja por isto que o “Inimigo Público” prefere não traduzir os cartoons internacionais que publica, atitude elitista que segrega parte significativa dos leitores. Que tal serem, ao menos, bilingues?

Publicada em 18 de Maio de 2008

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