Não fora o mau serviço prestado aos leitores, o provedor só teria a agradecer ao responsável pelo fecho da edição do PÚBLICO de segunda-feira (24 de Março). É que a manchete desse dia, "Fisco multa noivos que não derem informações sobre casamanto", acentuava tudo o que aqui se dissera na véspera sobre gralhas, lapsos e erros crónicos do jornal (“O Diabo está nos detalhes”). Houve pelo menos um leitor, Francisco Crispim, que no próprio dia não deixou passar o assunto em claro: “Depois da crónica de ontem do provedor, nada melhor do que a manchete da edição impressa de hoje. Se dúvidas restassem quanto ao ‘manto’ (este sim...) de descuido e deixa-andar que cobre neste momento o PÚBLICO, elas dissiparam-se completamente. Ora, isto está a minar, de forma talvez irremediável, a credibilidade do jornal junto dos leitores. Não haverá nada a fazer?”
Porque entretanto ocorreram casos idênticos ao longo da semana, o provedor julga ser de interesse para o PÚBLICO e os seus leitores insistir no tema. Exemplo: um dos alertas lançados dizia respeito à constante falta de concordância verbal em frases contendo como sujeito o pronome relativo “que” (como em, correctamente, “Era este Catual um dos que estavam corruptos pela Maumetana gente”, de Os Lusíadas). Pois na edição da última sexta-feira lá vinha na pg. 7 do P2, como entrada ao obituário de Richard Widmark (o que implica responsabilidade pelo menos ao nível de editor): “Foi um dos mais significativos actores do pós-guerra americano. Um dos que melhor encarnou a ambiguidade do anti-herói”.
Falando ainda de concordâncias verbais, uma situação tem levado o leitor José Oliveira ao desespero (conforme já referido no blogue do provedor). Indignou-se primeiro quando, a 25 de Janeiro, na pg. 34, um jornalista da secção de Desporto escreveu que “a desconfiança em relação a Hicks e Gillett são, no entanto, recentes e não estiveram presentes”, em vez, naturalmente, "a desconfiança em relação a Hicks e Gillett é, no entanto, recente e não esteve presente”. E quando o mesmo jornalista voltou ao mesmo erro na pg. 29 da edição de 22 de Março (“o prémio monetário que as vitórias representavam eram um estímulo importante, já que garantiam o pagamento dos salários") o leitor foi ao rubro: “Basta! Estou farto! Quando será que os revisores acordam e corrigem devidamente estes erros infantis de jornalistas ignorantes?” Que terá ele dito então, assim como muitos outros leitores, ao ler na 1ª página de anteontem (28 de Março): “A operação Ataque dos Cavaleiros causaram em três dias quase 200 mortos”? A questão aqui é só uma: onde têm os jornalistas a cabeça quando redigem estas coisas?
Há oito dias falava-se em repetição de notícias na mesma edição. Temos agora um caso de notícia repetida em diferentes edições: no “Pessoas” do P2 de 21 de Março (pg. 16), o destaque era "R.E.M. - Michael Stipe sai do armário" e na mesma secção dois dias depois (23 de Março, pg. 14) o destaque tinha por título "Michael Stipe - Vocalista dos REM revela que é gay", sempre com uma grande foto do protagonista (no mesmo concerto). Ainda por cima, a informação não era nova: fora revelada pela revista Time há sete anos, como o próprio PÚBLICO reconhecia logo a 21. A inexplicável redundância não escapou à observação de alguns leitores do PÚBLICO, conforme consta do blogue do provedor.
Igualmente indesculpável é escrever-se, como na pg. 7 da edição de quinta-feira, “tive um ano e tal sem ver o meu filho” em vez de “estive um ano e tal sem ver o meu filho”. Nada justifica a importação para a escrita desta corruptela da língua falada (se o jornalista quisesse transmitir a coloquialidade da expressão, o que não parecia ser o caso, deveria colocar apóstrofo no lugar da sílaba elidida).
E, já que falámos em obituários, veja-se o que apareceu na edição de 22 de Março a propósito da morte do militar e político Carlos Galvão de Melo: “Católico e patriota ferveroso, o general não deixou contudo de acompanhar a política nacional, criticando a sua mediocridade”. Redigindo deste modo, o jornalista assume como opinião sua que a política nacional é medíocre. Se o pensa, não o deve escrever, à luz do Livro de Estilo do PÚBLICO, pois trata-se de matéria opinativa introduzida em matéria noticiosa. Se não o pensa (como julga o provedor ser o caso), deveria ter colocado a palavra “mediocridade” entre aspas (se de facto o visado a usou nesse contexto).
Outra questão diabólica: factos históricos e nomes. Mantenhamo-nos ainda nos obituários: no artigo “Vida e morte da ‘duquesa vermelha’”, sobre a aristocrata espanhola Luísa Isabel Álvarez de Toledo, na pg. 10 do P2 desta quinta-feira (27 de Março), escreve o correspondente do PÚBLICO em Madrid, Nuno Ribeiro: “Como neta de Antonio Maura, ministro da República espanhola, era republicana”. É verdade que Maura, chefe do governo espanhol por cinco vezes (1903-04, 1907-09, 1918, 1919 e 1921-22), foi um destacado estadista do país vizinho, mas em qualquer dessas ocasiões esteve sempre no trono o rei Afonso XIII, que o indigitou. Maura morreu aliás em 1925, seis anos antes de ser instaurada a II República espanhola (e era um jovem estudante de Direito ao tempo da efémera I República, tendo iniciado a carreira política oito anos depois).
O leitor Marco Bertolaso, citado na anterior crónica do provedor por criticar a informação errada de que Angela Merkel foi o primeiro estadista a discursar em alemão no Knesset, voltou esta semana a reclamar sobre o tratamento de temas germânicos no PÚBLICO, a propósito da notícia "Empresas alemãs querem reforço da opção nuclear", na pg. 15 da edição de terça-feira (25 de Março): “Encontrei no artigo uma referência ao jornal ‘Deutsche am Welle’. Qualquer pessoa com conhecimentos básicos da língua alemã sabe que ‘Deutsche am Welle’ gramaticalmente não faz sentido nenhum. Mais importante: a Deutsche Welle não é um jornal, mas a Rádio e Televisão Internacional da República Federal. Esta instituição é bastante conhecida no mundo inteiro – com a excepção da redacção do PÚBLICO, parece”. Realmente...
Noutro capítulo, as ambiguidades da língua portuguesa tornam-se autênticas rasteiras para o jornalismo, onde a clareza deve estar acima de tudo. Foi dessa forma que o leitor P. B. Teixeira viu a manchete da edição de quarta-feira (26 de Março): “Bolsas recuperam mas a economia cai abaixo do previsto nos EUA”. “’Cai abaixo do previsto’ quer dizer cai ‘mais’ do que o previsto ou cai ‘menos’ (em valores absolutos)?” – interroga o leitor. “Genericamente, poderíamos dizer que ambas as interpretações são possíveis, embora a segunda me pareça mais natural, porque ‘queda’ já dá ideia de um valor negativo. Lendo o artigo percebe-se que é a primeira interpretação a que se pretende transmitir. Este excesso de polissemia da língua portuguesa é uma enorme qualidade na literatura, mas um defeito horrível em termos científicos (e jurídicos e etc…). Penso que é preciso ter um especial cuidado nestes casos, sobretudo porque uma alternativa clara está ali mesmo ao lado: ‘Economia cai mais do que o previsto nos EUA’. Nem sequer há a justificação da falta de espaço. Que nunca justifica um mau título”.
Ambígua é também como se classifica a expressão “duas mulheres envolvidas no caso, ambas portuguesas e conhecedoras de muitos empresários portugueses e espanhóis”, contida na notícia de terça-feira (pg. 4) sobre a libertação de um espanhol mantido sob sequestro em Monte Gordo. Será que o jornalista não poderia explicar que tipo de actividade leva mulheres a serem “conhecedoras de muitos empresários portugueses e espanhóis”?
Por fim, outra ambiguidade, muito mais sensível. A 1ª página da edição de sexta-feira era dominada pela fotografia de uma mulher numa sala de aulas sobre o seguinte título (acompanhado da respectiva notícia): “Docente do Porto fez queixa judicial contra toda a turma”. Deduzia-se que aquela era a professora levada à fama (apesar de anónima) pelo infausto episódio da disputa à volta do telemóvel de uma aluna da Escola Carolina Michaëlis, o que seria um importante exclusivo do PÚBLICO. Afinal, abrindo a pg. 10, descobria-se que a personagem da foto era um dos protagonistas da reportagem “Professores – Desencanto multiplica reformas antecipadas”, título que encimava a imagem de capa mas que, sendo despersonalizado (ao contrário da notícia sobre a professora do Porto), o leitor não ligava à pessoa. Quem olhou para a 1ª página sem ler o interior do jornal ficou a pensar ter por fim conhecido o rosto da professora da luta do telemóvel – e este arranjo enganador (que se poderia desfazer com uma simples legenda) não faz parte dos padrões de comportamento do PÚBLICO, cujo estatuto editorial rejeita “o sensacionalismo e a exploração mercantil da matéria informativa”. O provedor acredita não ter havido intenção malévola na maquetagem, mas não pode deixar de chamar a atenção para os perigos decorrentes deste tipo de descuidos, para mais sobre um tema que suscita tanta controvérsia na sociedade portuguesa.
A recomendação do provedor sobre estas matérias já foi feita há uma semana. Seria chover no molhado.
Publicada em 30 de Março de 2008
domingo, 30 de março de 2008
Novas coisas do Diabo
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário