domingo, 29 de março de 2009

A odisseia dos números

Os jornalistas parecem por vezes empenhados em provar na prática a difícil relação do país com a matemática


Ao contrário do que dizia a notícia, o Comité Central do PCP envelheceu no último Congresso

Os habituais índices de aproveitamento escolar em matemática revelam uma relação difícil do país com a disciplina dos números. E por vezes os órgãos de informação parecem empenhados em prová-lo com a sua própria abordagem de tudo o que tenha a ver com quantificações. Para a crónica do combate entre jornalistas e números, eis alguns exemplos recentes do PÚBLICO.

Primeiro, um erro crónico, ao falar-se do número de utilizadores de telemóvel no mundo: “4,1 milhões de milhões”, dizia a notícia, dia 3, no PUBLICO.PT. Constatou o leitor Carlos Medina Ribeiro (C.M.R.) que isto sucede “no seguimento da recorrente (mas sempre lamentável) confusão entre ‘billion’ (mil milhões) e ‘bilião’ (um milhão de milhões)”, pelo que “a população da Terra aparece multiplicada por 1000!” Acrescentava ainda: ”A notícia está cheia de comentários de leitores a chamarem a atenção para o erro, mas de nada adianta...”

Depois, uma mistificadora simplificação em título: “Recessão na zona euro arrasta PIB nacional para valor mínimo desde 1975” (PUBLICO.PT, 7 de Março). “O que se passa é que o crescimento do PIB nunca esteve tão negativo desde 1975” – comenta o leitor Miguel Carvalho. E remata Pedro Ruella Ramos: “Fiquei algo chocado com a iliteracia económica (e matemática) dos dois jornalistas envolvidos neste artigo. O PIB está muito longe dos valores de 1975 – o que estará, porventura, perto será a taxa de variação estimada em percentagem do mesmo, não o seu valor numérico. Pôr as coisas nestes termos, além de incompetente, é sensacionalista e pinta um cenário que simplesmente não é reflectido pela realidade”.

Explicações de Sérgio Aníbal, co-autor da notícia: “Obviamente, o título não está correcto. Não é o PIB que atinge o mínimo desde 1974, mas sim a sua variação, tal como dito no texto: ‘2009 pode registar a variação mais negativa do PIB português desde 1975’. (...) No texto está tudo correcto (...). Se o [segundo] leitor tivesse lido mais que o título, talvez retirasse, pelo menos, as críticas de iliteracia económica e incompetência (...). De qualquer forma, não minimizo a importância do erro (...). Lamento-o. Não me lembro como aconteceu: se houve dificuldades de espaço ou apenas distracção, mas seja como for está errado”.

A propósito dos erros surgidos no PUBLICO.PT, o provedor faz uma recomendação. Sendo um site informativo um espaço de actualização permanente, não tem sentido possuir uma secção como “O PÚBLICO errou”, da edição em papel. Mas seria importante não perpetuar os erros no registo definitivo dos factos na internet, pelo que, assim que os lapsos fossem detectados, os jornalistas deveriam proceder às necessárias correcções on-line, o que, como lamenta C.M.R., não sucede.

Outro recomendação será não continuar a laborar no erro após se ter procedido à respectiva rectificação. Na pág. 17 da edição Lisboa de 21 de Março, anunciava-se “um orçamento previsto de 85 mil euros” para o certame “Peixe em Lisboa”, mas faltava um zero à direita: a verba correcta era de 850 mil euros. Na edição seguinte, o jornal fazia a competente correcção em “O PÚBLICO errou”, o que não obstou a que insolitamente, mesmo na página ao lado, Miguel Esteves Cardoso, construísse toda a sua crónica com base na primeira informação, obrigando-o a dar a mão à palmatória um dia depois. Um eficaz sistema de edição poderia ter evitado que o cronista caísse na ratoeira.

As percentagens levantam também obstáculos aos jornalistas, como detectou o leitor Fernando Cardeira: “No PÚBLICO.PT (...) em 9 de Março [sob o título “Número de americanos sem religião duplicou desde 1990”] lia-se: ‘O número de agnósticos (...) representa hoje 15 por cento dos norte-americanos, o equivalente a 4,7 milhões de pessoas.’ É fazer as contas, como diria o outro!” E as contas dão cerca de 45 milhões de agnósticos, diferença não despicienda (na mesma notícia da edição em papel, optou-se por não se fazer o cálculo, não fosse o Diabo tecê-las...).

Insistiu o mesmo leitor: “No PÚBLICO de 18 de Março [edição em papel, pág. 13: “Relatório revela epidemia de HIV e sida na capital dos Estados Unidos”], (...) lê-se logo a abrir: ‘Três em cada dez habitantes com mais de 12 anos na cidade de Washington (...) estão infectados com o vírus HIV ou sofrem de sida (...)’. Desconfia-se, claro. Depois olha-se mais abaixo e vê-se: ‘3% dos habitantes de Washington com mais de 12 anos são seropositivos ou têm sida.’ Sem mais comentários, pergunto apenas como pode este jornal pagar a tão maus jornalistas”. Valha a verdade que neste caso o PÚBLICO foi lesto a rectificar, no dia seguinte, um dado que dava forte probabilidade de pelo menos um membro da família presidencial norte-americana estar infectado: afinal, os atingidos pelo vírus são três (e não 30) em cada 100 washingtonianos.

Não foi o que aconteceu desta vez, mas pode dar-se o caso de se corrigir mal, agravando-se o problema. O PÚBLICO deu à estampa em 21 de Agosto, na pág. 5, um gráfico com a recente evolução anual do número de casamentos e divórcios em Portugal que era, em síntese, uma autêntica trapalhada, motivando logo protestos de vários leitores. “Aquele gráfico é um exemplo acabado de descuido”, escreveu João Brandão. “Quem o fez é analfabeto funcional”. Na edição seguinte, tentou-se a rectificação, mas, alertou o mesmo leitor, a emenda não foi melhor do que o soneto: “Mais grave é ‘O PÚBLICO errou’ corrigir mal! Quem corrige tem responsabilidades adicionais. Deveria ter visto o que estava a corrigir. Repor os números dos casamentos (já publicados nas barras dos divórcios) com pequenas alterações e não ter visto que já lá estavam reflecte grande displicência. (...) Fiquei até sem saber quais os números certos, pois perdi a confiança no corrector. (...) O leitor continua sem a informação necessária para avaliar da situação dos divórcios em Portugal”. Não se publicou nenhuma outra correcção.

Como se vê, o problema dos números não é de agora: já foi abordado pelo provedor e voltará seguramente a manifestar-se. Uma das dificuldades consiste em comunicar com clareza ao público o significado dos dados. No mesmo mês de Agosto, o leitor F. Pinto dos Santos reclamava contra um outro gráfico, com a previsão do crescimento populacional na União Europeia até 2060, publicado na edição de 27 em complemento do artigo “Peso dos idosos com mais de 80 anos triplica”: “Faço uma crítica muito severa em relação (...) à indicação da ‘estimativa da população, com valores em milhares’ (...) Porquê em milhares e não em milhões, quando é habitual que se indique em milhões a população de cada país? Porquê a indicação dos milhões, dos milhares e mesmo (sendo uma mera estimativa) das centenas de habitantes de cada país? (...) Por que é que os números (...) foram ordenados à esquerda? Não seria de muito mais fácil leitura se tivessem sido ordenados à direita? (...) Os países estão ordenados (...) sem qualquer critério, o que torna ainda mais difícil ficar-se com uma ideia da posição de cada um no conjunto europeu de acordo com a respectiva população”. O provedor considera estas críticas pertinentes e junta-lhes outra: usavam-se pontos no lugar de vírgulas, sendo cada valor absurdamente escrito com dois pontos, um no lugar da vírgula e outro no da casa dos milhares (por exemplo, a população em Portugal cresceria de “10.617.4” habitantes para “11.264.8” habitantes).

Embora o quadro não fosse da responsabilidade integral da autora do artigo, Andreia Sanches, esta jornalista admitiu as críticas: “A tabela (...) tem, de facto, problemas. Os dados aparecem em milhares e não em milhões porque reproduzimos o quadro, e o critério, do Eurostat (...). Arredondar teria facilitado a leitura. Não sei qual é a razão para que os números estejam alinhados à esquerda. Perguntei aos meus colegas da Infografia, que me explicaram que a regra é alinhar os dados à direita. Terá sido um lapso. Sobre a forma como estão ordenados os países, uma vez mais limitámo-nos a reproduzir a tabela do Eurostat (...). Teria sido mais interessante ordenar, por exemplo, do país com mais população estimada para o que tem menos população. Mas confesso que na altura não me ocorreu. O que é pena, porque teria mais leitura”.

Por fim, atente-se nesta passagem da antecipação feita ao último Congresso do PCP saída na pág. 10 de 28 de Novembro: “No que se refere ao rejuvenescimento prometido pelo PCP, este continua a verificar-se na nova lista de nomes a aprovar pelo XVIII Congresso. Tanto que a média de idade dos membros do Comité Central proposto é de 47,2 anos, quando era em 2004 de 45,9 anos, o que significa que o Comité Central cessante tem agora uma média de 49,9 anos”. Compararam-se coisas não comparáveis (o início de um mandato com o fim de outro). Se a média etária do anterior Comité Central, quando eleito, era de 45,9 anos, regista-se naturalmente não o “rejuvenescimento prometido” mas um envelhecimento com o actual, eleito com a média de 47,2 anos.

Caixa:
Saudades do Calvin

Muitos leitores protestaram contra o desaparecimento da banda desenhada Calvin & Hobbes, ocorrido com a mais recente remodelação gráfica do PÚBLICO. “De que estão à espera?”, resumiu Pedro Sena Esteves o seu desespero. “Que haja 5000 queixas a protestar contra a falta do Calvin & Hobbes?”. A decisão de pôr fim a esta tira diária, que se publicava desde o primeira edição, foi tomada “depois de muita hesitação”, confessa o director. Mas justifica José Manuel Fernandes: “Já íamos na terceira repetição das tiras, pois o seu autor apenas as produziu durante cerca de dez anos. O valor de novidade tinha-se esgotado e já funcionava mais a nostalgia e o hábito. Por várias vezes, ao longo dos últimos anos, aproveitando suplementos de Verão, testámos tiras alternativas, mas nunca encontrámos nenhuma que pudesse substituir o Calvin. Não desistimos, e pode ser que, após um período de ‘luto’, por assim dizer, encontremos alguém que possa ser um digno herdeiro do espaço que o pequeno traquinas ocupou durante mais de 19 anos. (...) É possível que, depois de tantos anos de convívio, o Calvin merecesse uma despedida pessoal. Alguns leitores sentiram-no, e isso é suficiente para levar a ter mais cuidado com futuras modificações, pois é para os leitores e em nome dos leitores que trabalhamos”.

Publicada em 29 de Março de 2009

Explicações do director sobre as recentes transformações gráficas do PÚBLICO:

Recentemente procedemos, no caderno principal e no P2, a pequenos ajustes, que nem sequer ocorreram todos ao mesmo tempo mas que corresponderam a uma tentativa para melhorar a nossa oferta, adaptando-a ao tipo de leitura que os leitores hoje procuram.

No caderno principal, modificámos as páginas de opinião, colocando ao lado da página do Editorial uma crónica diária do Miguel Esteves Cardoso e o Bartoon, que estava no P2. Introduzimos também pequenas alterações gráficas para permitir paginar um maior número de notícias pequenas.

No P2, modificámos a oferta ao longo da semana (16 páginas de 2ª a 5ª, 20 à sexta, 24ao sábado e 28 ao domingo), de forma a oferecer mais temas e mais leitura nos dias em que os nossos leitores têm mais tempo e fazer um jornal mais compacto nos outros dias da semana, dias em que a complementaridade com a nossa oferta on-line é maior.

No processo dessas mudanças, introduzimos um cartoon internacional no espaço onde antes estava o Bartoon, modificámos ligeiramente a fórmula de apresentação dos espectáculos (para dar mais informação em menos espaço) e concentrámos na última página a informação meteorológica (com um mapa mais pequeno, mas sem perder legibilidade), os passatempos e uma zona de interface com o que oferecemos de especial naquele dia no PUBLICO.PT. Voltámos a ter bridge todos os dias (uma solicitação de muitos leitores) por troca com o problema de kakuro e um dos dois problemas de palavras cruzadas. O mapa do tempo também perdeu a carta das isóbaras, útil quase só para especialistas.

Finalmente, depois de muita hesitação, deixámos igualmente de publicar a tira diária do Calvin, que nos acompanhava desde o número 1. Isso sucedeu porque já íamos na terceira repetição das tiras, pois o seu autor apenas as produziu durante cerca de dez anos. O valor de novidade tinha-se esgotado, e já funcionava mais a nostalgia e o hábito. Por várias vezes, ao longo dos últimos anos, aproveitando suplementos de Verão, testámos tiras alternativas, mas nunca encontrámos nenhuma que pudesse substituir o Calvin. Não desistimos, e pode ser que, após um período de "luto", por assim dizer, encontremos alguém que possa ser um digno herdeiro do espaço que o pequeno traquinas ocupou durante mais de 19 anos.

Estas alterações foram sendo introduzidas de forma gradual, pelo que não julgámos ser necessário explicá-las uma a uma. É possível que, depois de tantos anos de convívio, o Calvin merecesse uma despedida pessoal. Alguns leitores sentiram-no, e isso é suficiente para levar a ter mais cuidado com futuras modificações, pois é para os leitores e em nome dos leitores que trabalhamos.

José Manuel Fernandes

quinta-feira, 26 de março de 2009

Santiago era outro

Sou um leitor ocasional, que já foi mais assíduo, do vosso jornal. Gosto, na generalidade, do conteúdo editorial do mesmo, privilegiando, e dedicando especial atenção, aos temas "de fundo" abordados, normalmente, nos cadernos interiores. Não dispenso, no entanto, as opiniões produzidas por alguns dos vossos cronistas habituais. E faço-o não só pela qualidade jornalística que nelas encontro mas, também, pelo facto de estarem em consonância com muitas das ideias que advogo e defendo. É sempre reconfortante sabermos que há quem se bata por um modelo de sociedade no qual nos revemos. Não desprezo, no entanto, pelo contrário, as peças jornalísticas de outros autores que me são menos simpáticos, ou "chegados", desde que, na mínima opinião, sejam produzidas com consistência de factos ou ideias.

Não posso, no entanto, deixar de notar que, muitas vezes, diria mesmo amiúde, encontro artigos que me deixam a reflectir sobre os mesmos. Ora porque não foram regididos com o devido cuidado na construção das frases, deixando à sintaxe um lugar de menoridade na comunicação das ideias, ora porque as gralhas, ou erros, porque não dizê-lo e assumi-lo, no vocabulário empregue, são por demais evidentes. Interrogo-me, assim, não só sobre a utilização menos cuidada da língua portuguesa em algumas peças jornalísticas, mas, também, sobre a existência, ou não, de uma "entidade crítica" interna ao jornal, que zele pela preservação das regras de utilização da língua que alguns de nós tão bem defendem, e pela qual pugnam.

Mas a razão pela qual resolvo, hoje [26 de Março], vir ao vosso contacto é outra. Estando a ler o artigo "Afastados mais dois vice-presidentes cubanos" [pág. 16], produzido por Jorge Heitor, deparo com este "mimo" jornalístico. Pedro Miret é referenciado como tendo participado no assalto de 1953 ao Quartel Moncada, em Santiago... do Chile! Pura distracção, desconhecimento histórico dos factos ou o chamado "erro de simpatia"? Santiago, está correcto; do Chile é que, como dizia o outro, "não havia necessidade".

João Vicente da Silva

Falta de atenção ou negligência, para não dizer que se trata de um caso de ignorância, é o que se pode concluir quando vemos publicada no jornal PÚBLICO de 26 de Março de 2009 uma notícia de diz que "o antigo Presidente Fidel Castro participara já no assalto de 1953 ao Quartel Moncada, em Santiago do Chile". Para repor o rigor geográfico e a verdade dos factos, não é necessário ir muito mais longe, pois basta uma consulta à Wikipedia para ficar a saber que, "a 26 de Julho de 1953, o jovem advogado Fidel Castro juntamente com outros 165 homens planearam o assalto ao quartel general de Moncada em Santiago de Cuba [e não do Chile] e ao quartel de Cespedes."

Anónimo

domingo, 22 de março de 2009

O insulto e o panegírico

Os excessos no tratamento dado a personagens alvo de notícias podem ser difamatórios ou hagiográficos

O título, sobre a candidatura de Elisa Ferreira, usa sem aspas os qualificativos que ela atribui a si própria

Quando um fait-divers narrado num blogue, como a ocupação alegadamente abusiva de uma cadeira por um ministro de José Sócrates para se sentar num restaurante ao lado do primeiro-ministro, durante a recente deslocação de ambos a Cabo Verde, recebe honras de notícia desenvolvida no PÚBLICO, com chamada na última página (edição da passada terça-feira, dia 17 de Março, com o título “Lugar à mesa de Sócrates cria confusão em Cabo Verde”), temos matéria de reflexão sobre até que ponto se assiste à “bloguização” dos media convencionais, objecto aliás de uma recente crónica de José Pacheco Pereira neste jornal.

O facto é que os órgãos de informação tradicionais já não podem ignorar essa nova e fenomenal forma de comunicação, que reage mais depressa à actualidade, é mais viva e irreverente, dirige críticas acutilantes e originais, não está constrangida pelas regras editoriais do jornalismo e apresenta conteúdos mais apimentados, logo capazes de atrair a atenção pública e roubar audiências aos restantes meios. Prova disso é a tentativa de o PÚBLICO a incorporar na sua edição impressa, na secção diária “Blogues em papel” (pág. 2 do P2).

Mas, tal como se dizia que nem todas as conversas de café merecem impressão em letra de forma, também nem tudo o que os blogues publicam tem dignidade para figurar num jornal. Sobretudo porque nem todos os autores de blogues, que exercem por essa forma o seu direito à liberdade de expressão e informação, conhecem as regras de responsabilidade a que essa mesma liberdade deve obedecer (coisa que os jornalistas já não ignoram). Em particular, aquelas que têm a ver com a preservação de dois princípios de cidadania que estão sempre em risco na comunicação em espaço público: os direitos ao bom nome e à reserva da intimidade da vida privada.

Quando os bloguistas violam esses direitos, o problema é seu, mas quando é um jornal a fazê-lo, ao citar certas passagens de blogues, o problema passa a ser do próprio jornal.

No anterior domingo, dia 15, sob o título “Ministro arrogante”, publicava-se na “Blogues em papel” uma série de considerações ofensivas e gratuitas sobre um membro do actual Executivo – as quais, por razões óbvias, o provedor se abstém de aqui reproduzir.

Alguns leitores não deixaram de reclamar. Interrogou António Vieira: “Porquê divulgar, ampliando, esta série de insultos? Aprova o PÚBLICO este estilo de linguagem? Considera o jornalista que é legítimo discordar insultando? Acha o Provedor que o jornal cumpre um papel pedagógico divulgando práticas destas? Qual o valor de opinião assim expressa que justifique a sua divulgação? (...) O PÚBLICO não prestou um bom serviço aos seus leitores e ao País com esta citação”. E António Vaz Carneiro acrescentou, sobre “um texto que, pela sua agressividade insultuosa, boçalidade e ódio, não pode nem deve caber nas páginas de um jornal de referência”: “Já não basta transcrever textos anónimos, como são os da blogosfera, com todos os problemas que isso traz – nomeadamente a sua natural amplificação mediática. Deseja-se apenas que uma discussão política tenha o mínimo de decência para não estarmos sujeitos a este tipo de insultos soezes e odiosos. Quanto mais não seja, por uma questão pedagógica. Afinal, qual é o critério de selecção dos textos dos blogues?”

O critério é simples: “No P2 temos por regra não publicar blogues claramente insultuosos”, explica a jornalista Joana Amado, uma das responsáveis pela selecção de posts para a secção. Que aconteceu, então? “No caso em concreto – esclarece a jornalista –, o blogue não deveria ter sido citado. Foi um erro (infelizmente não o primeiro, mas tentaremos que seja o último), pelo qual pedimos desculpa aos nossos leitores”.

O provedor também já tinha reparado não ser a primeira vez que o problema se manifesta, pelo que se interroga sobre se a redacção do PÚBLICO possui consciência da gravidade de um erro destes: entre quem faz a selecção de posts para publicação, nem toda a gente parece conhecer exactamente as fronteiras que devem ser respeitadas. E uma falta deste teor não deveria ser relevada de ânimo leve, pedindo-se desculpas aos leitores mas não à pessoa visada pela difamação.

De sentido contrário, isto é, como peça laudatória de uma personagem, foi, segundo a opinião do provedor, a notícia “Elisa Ferreira, a conciliadora que é capaz das grandes rupturas, avança para o Porto”, publicada na pág. 6 da edição de 19 de Fevereiro, sobre a apresentação da candidatura da visada à Câmara Municipal daquela cidade.

Deve dizer-se que logo o título (por sinal também já criticado por Pacheco Pereira no seu blogue “Abrupto”) chamava a atenção: ou bem que aqueles qualificativos eram da responsabilidade da redacção, e não deveriam existir por serem considerações de natureza opinativa, ou bem que eram ditos por algum entrevistado, e nesse caso deviam figurar entre aspas. O texto informa que é a própria Elisa Ferreira a autoclassificar-se daquele modo, existindo pois logo aqui um problema com a construção do título.

Mas a verdade é que o artigo alinha no mesmo tom encomiástico, assumindo até que a candidata “já deu disso prova” (isto é, da qualidade de “conciliadora” e de pessoa de “grandes rupturas”) e rodeando de um tom épico a sua tentativa de desalojar Rui Rio do município portuense, garantindo que este “terá uma das suas mais difíceis provas de fogo na próximo combate autárquico” (possuirá o PÚBLICO capacidades divinatórias?) e classificando o dia da apresentação de Elisa Ferreira como “o primeiro dia de uma campanha sem tréguas até ao dia dos votos”.

Julgaria o provedor que, para corresponder ao perfil de independência editorial do PÚBLICO, deveria uma notícia deste teor procurar abordar, do ponto de vista político, os prós e contras da candidatura em causa, em vez de apenas elencar aspectos positivos.

Presumindo que o título era da responsabilidade de um editor, o provedor começou por pedir esclarecimentos à direcção, que porém os remeteu para a jornalista autora da notícia, Filomena Fontes. A questão do título acabaria por ficar sem resposta, mas o provedor discutiu com Filomena Fontes. diversos aspectos da construção do texto, tendo os argumentos específicos, pela sua extensão, sido colocados no seu blogue.

Quanto ao tom genérico da notícia, justificou a jornalista ao provedor: “Foi-me pedido um perfil/análise, sobre o percurso profissional e político de Elisa Ferreira, que funcionasse como antecipação do lançamento oficial da candidatura. Não se tratava, assim, de apresentar uma candidatura num contexto de outras que já se perfilaram para a Câmara do Porto. O tom geral de entusiasmo que refere é uma interpretação, que respeito mas veementemente rejeito, assim como me parece igualmente que não faria qualquer tipo de sentido estar a analisar os prós e contras de uma candidatura quando se tratava tão-só de fazer um perfil de apresentação da candidata. Outras candidaturas se seguirão e na altura se fará a caracterização dos candidatos. É assim que se tem feito neste jornal, e certamente que assim decidirão os directores e editores. (...) Tão pouco me pareceria correcto que fossemos à procura de opiniões menos abonatórias, só porque aquelas que ouvimos lhe possam parecer (e esta é matéria de livre interpretação) de teor laudatório ou panegírico. Isso sim, é que seria falta de isenção e distanciamento. O facto é que foram ouvidas fontes de origens diversas, tanto políticas como profissionais”.

Não obsta a que o provedor sinta não ter sido aqui respeitado o princípio do distanciamento do jornalista perante os factos que narra, contido no ponto 9 dos “Princípios e normas de conduta profissional” do Livro de Estilo do PÚBLICO (impressão para a qual também contribui, em grande parte, o título filho de pai incógnito). Trata-se, claro, como diz Filomena Fontes, de “matéria de livre apreciação”, mas é o tipo de apreciação que se pede ao provedor que faça.

CAIXA:

O mistério de uma interrogação

“É muito frequente os títulos das primeiras páginas dos jornais não traduzirem a substância das notícias desenvolvidas no corpo e/ou no interior”, comentou o leitor José Manuel Pereira Bastos. “Sabe-se porquê: devem existir estatísticas sobre a percentagem de leitores que nunca vão além dos títulos dos jornais expostos nos escaparates – a percepção é de que tal percentagem será elevada. Fica assim atingido o objectivo essencial de tal táctica, iludir e desinformar. A falta do ponto de interrogação no título ‘José Sócrates cavaquisou o Partido’ [1ª pág. de 9 de Março], é bem elucidativa: ele já aparece no interior [pág. 3]; na própria capa, o desenvolvimento já desmente aquele título, mas quantos leitores apenas ficaram por este? Está cumprida mais uma das tarefas do diário mais anti-governamental do país”.

O provedor foi verificar e reparou que havia ponto de interrogação no título da primeira página (“José Sócrates ‘cavaquisou’ o Partido?”) chamando para o artigo no interior, disso tendo avisado o leitor, que não se conformou: “Então tive pouca sorte: o exemplar (Edição Porto) que comprei não tem (...). Acha que tem um leitor tão inventivo?”

Só restava pedir esclarecimento a Manuel Carvalho, director adjunto com responsabilidade da redacção do Porto, que ficou tão perplexo quanto o provedor: ”De facto, na Edição Porto a chamada não tem o ponto de interrogação. O que é estranhíssimo. Por regra, as diferenciações na capa fazem-se apenas em relação aos temas e quase nunca sobre a construção dos títulos (a não ser em casos como “Comboio de Lisboa para o Porto...”, que passa para “Comboio do Porto para Lisboa...”). O que deve ter acontecido é uma gralha técnica no envio das páginas ou na sua recepção na gráfica. Porque nesse dia não houve qualquer diferenciação”.

Publicada em 22 de Março de 2009

DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:

Carta do provedor ao director do PÚBLICO, José Manuel Fernandes

O artigo sobre a candidatura de Elisa Ferreira hoje [19 de Fevereiro] na pág. 6 é um autêntico panegírico. Não se trata apenas da questão do título (já suscitada por Pacheco Pereira no "Abrupto"), em que os qualificativos deviam estar entre aspas, porque são usados pela própria sobre si mesma, mas é todo o tom épico em que a notícia está escrita (por exemplo: "hoje será o primeiro dia de uma campanha sem tréguas até ao dia dos votos"). Não é suposto a editoria política fiscalizar e corrigir a isenção de todos os textos da secção?

Carta da jornalista Filomena Fontes ao provedor

Tive conhecimento de que questionou o director – e este, por sua vez, o editor - a propósito de um texto meu publicado no passado dia 19, na página 6, de apresentação de Elisa Ferreira, a candidata do PS à Câmara do Porto. Estranho os adjectivos que usa e, mais ainda, as insinuações sobre uma ausência de isenção aí contidas. Trata-se de um texto de apresentação da candidata, com dados factuais, que resultaram do cruzamento de várias fontes - nalguns casos adversários políticos.

As interpretações, como é óbvio, são livres e cada leitor terá, naturalmente, as suas. Espera-se, no entanto, que quem tem a função de analisar o faça de forma objectiva, evitando reagir a estímulos exteriores (provável e naturalmente interessados) e sem extrapolar intenções que objectivamente não existem, nem entendo estarem manifestas no texto.

Embora não tenha sido directamente interpelada, estou disponível para trocar algumas ideias consigo sobre isto, até porque é a minha conduta como jornalista que acaba questionada.

Filomena Fontes

Carta do provedor a Filomena Fontes

Além de um tom geral de entusiasmo que não se preocupa, de forma isenta e distanciada, em questionar os prós e contras de uma candidatura, mas fala apenas nos prós (saliento logo à entrada a expressão "currículo que ultrapassa as fronteiras partidárias"), destaco os seguintes aspectos:

1. O título fala dos qualificativos "conciliadora" e "capaz de grandes roturas" como se fossem factos objectivos. Não são: lê-se no texto que são opiniões da candidata sobre si própria, pelo que seria essencial que estivessem entre aspas. Admito que a responsabilidade não seja sua, e por isso não a interpelei directamente, mas sim o director, pois desconheço qual foi o editor responsável pela notícia.

2. A frase da própria candidata sobre nunca ter precisado de "passar por metamorfoses" é assumida na notícia como "todo um programa do seu percurso de vida, profissional e político". Isto não é um perfil, mas um auto-perfil.

3. A frase de um "compagnon de route" de que "não consentiu que pusessem em causa a sua competência profissional" é matéria de opinião, pelo que não deveria ter sido pronunciada anonimamente.

4. Se se fala de António Taveira, devia-se ter dito que foi marido da candidata (segundo creio).

5. A frase "cadinho de relações profissionais no qual se construíram, também, cumplicidades que muitos auguram como preciosas para a difícil campanha eleitoral que se avizinha" carece de explicação sobre quem são esses "muitos".

6. A frase "um Rui Rio que terá um[a] das suas mais difíceis provas de fogo no próximo combate autárquico" é mera futurologia, não comprovada, pelo que não possui valor jornalístico.

7. A frase "a mobilização é total entre os socialistas, que querem demonstrar o apoio inequívoco a Elisa Ferreira" (caixa) parece saída de um comunicado de campanha e não se encontra comprovada pela investigação jornalística.

8. Idem relativamente à frase também futurológica "hoje será o primeiro dia de uma campanha sem tréguas até ao dia dos votos" (caixa), que pode constituir o discurso de um general para mobilizar as suas tropas, mas não o de um cronista que observa os combates à distância.

Esta análise é feita em termos que creio objectivos e decorre da leitura inicial da notícia, muito antes de ser conhecido qualquer "estímulo exterior" (interessado ou não), embora o provedor tenha entre as suas funções reagir a estímulos exteriores.

Joaquim Vieira
Provedor do leitor


Nova carta de Filomena Fontes ao provedor

Como o editor já esclareceu [o provedor não recebeu nenhuma nota do editor], foi-me pedido um perfil/análise, sobre o percurso profissional e político de Elisa Ferreira, um texto que funcionasse como antecipação do lançamento oficial da candidatura. Não se tratava, assim, de apresentar uma candidatura num contexto de outras que já se perfilaram para a Câmara do Porto.

O tom geral de entusiasmo que refere é uma interpretação, que respeito mas veementemente rejeito, assim como me parece igualmente que não faria qualquer tipo de sentido estar a analisar os prós e contras de uma candidatura quando se tratava tão-só de fazer um perfil de apresentação da candidata. Outras candidaturas se seguirão e na altura se fará a caracterização dos candidatos. É assim que se tem feito neste jornal, e certamente que assim decidirão os directores e editores.

Parece-me também que não é elogio - mas é facto - dizer que “o currículo ultrapassa fronteiras partidárias”. Um exemplo referido no texto: Elisa Ferreira, que ideologicamente sempre se afirmou próxima do PS, foi escolhida para presidir à Operação Integrada do Vale do Ave pelo Governo de Cavaco Silva.

A sustentar a citação de que nunca “precisou de passar por metamorfoses” estão os dois momentos que a ilustram: o conflito com José Sócrates quando foi ministra do Ambiente e a ruptura com o presidente da AEP, Ludgero Marques. Duas situações que, à época, foram largamente noticiadas. As quais, diga-se, Elisa Ferreira tem tentado evitar reabrir.

Os vários contactos que estabeleci, para confrontar e contraditar informações, levaram-me a concluir que, quer do lado da maioria PSD/CDS-PP que lidera a câmara, quer do lado do PS, todos encaram a próxima campanha eleitoral como “dura” e “difícil”. Não resultou, como parece sugerir, de minha livre recreação. Foi, também, com base nas informações recolhidas junto de várias fontes do PS (de diferentes sensibilidades) que falei da mobilização do partido. Censura a linguagem utilizada, o que mais uma vez estranho, dado tratar-se de um texto político, que - insisto - antecipa a apresentação de uma candidatura e de uma das principais campanhas eleitorais das próximas autárquicas.

Uma outra nota: António Taveira é referenciado como um entre outros que pertenceram ao grupo da Universidade de Reading, onde Elisa Ferreira se doutorou. Não era então casado com ela. Nem me parece, salvo melhor opinião, que no texto em apreço esse facto fosse, sequer, relevante.

Perante os factos e as questões que coloca, não posso deixar de lhe manifestar a minha perplexidade. É que não me parece que seja possível construir um texto de perfil de forma diferente, muito menos seleccionando aquilo que nos transmitem as fontes. Tão pouco me pareceria correcto que fossemos à procura de opiniões menos abonatórias, só porque aquelas que ouvimos lhe possam parecer (e esta é matéria de livre interpretação) de teor laudatório ou panegírico. Isso sim, é que seria falta de isenção e distanciamento. O facto é que foram ouvidas fontes de origens diversas, tanto políticas como profissionais.

De resto, dizer-se de alguém que não consente que ponham em causa a sua competência profissional não será tanto matéria de opinião, mas antes afirmação de carácter e brio profissional. Também eu não o consentiria, assim como, presumo, igualmente o Joaquim Vieira não o consentirá. E não se trata, obviamente, de opiniões.

Filomena Fontes

Gama a descer não, Sócrates sim

Perante crítica minha, relativa ao critério usado em determinada circunstância pelo vosso jornalista Paulo Ferreira na secção "Sobe e desce", a reacção lá veio, sob roupagem corporativa, a minimizar as razões da crítica e a enroupar inevitável zurzidela sobre o subscritor. No entanto, valeu a pena! No "Sobe e desce" de hoje [21 de Março], Paulo Ferreira emendou a mão, recorrendo a uma fórmula bem original e criativa [Manuela Ferreira Leite e José Sócrates partilhando a mesma seta descendente] de responsabilização paritária pelo impasse da eleição do Provedor de Justiça. Vale sempre a pena tentar ser pedagógico. Neste caso, pelos vistos, valeu!

José Lello

domingo, 15 de março de 2009

As “motivações estranhas” dos jornalistas

Convém não haver dúvidas sobre as causas para o espírito crítico exercido pelo jornal sobre figuras públicas

José Lello (à direita) acaba por fornecer um argumento para a seta descendente atribuída a Jaime Gama

A secção “Sobe e desce”, inserida na última página do PÚBLICO, continua a suscitar polémica. O mais recente pomo da discórdia, impresso a 4 deste mês, é uma referência negativa a Jaime Gama pelo sucessivo fracasso da instituição a que preside – a Assembleia da República – na escolha de novo provedor de Justiça, como constitucionalmente lhe compete. “É difícil imaginar comportamento mais irresponsável na ‘casa da democracia’”, sintetizava a nota, assinada por Paulo Ferreira, director adjunto do PÚBLICO, que classificava a demora como “vergonhosa, indigna e desprestigiante”, embora sem atribuir responsabilidades directas a Gama, mas sim às “lideranças parlamentares do PS e do PSD”.

O deputado socialista José Lello, também secretário nacional do PS e presidente do Conselho de Administração da Assembleia da República, manifestou ao provedor (do leitor, não de Justiça) a sua indignação, considerando que Paulo Ferreira “deu em estigmatizar o Dr. Jaime Gama, com uma seta negativa”, mas que “o argumento para tal é conhecido e já foi anteriormente utilizado, injustamente e à saciedade, nessa rubrica, onde, não raras vezes, por motivações estranhas, algumas bem perceptíveis, se achincalham personalidades de relevo da nossa vida pública”.

No caso concreto, José Lello rebate: “Como a coisa tinha a ver com a Assembleia da República, culpou-se o seu presidente, que é a face visível do Parlamento. Ora, esse argumento, para além de simplista, é injusto. Particularmente neste caso, em que a responsabilidade pelo dito atraso deveria ter sido assacada aos prupos parlamentares do PS e do PSD e ainda porque, se alguém tem feito diligências para sensibilizar os responsáveis dos ditos grupos parlamentares, esse alguém tem sido o Dr. Jaime Gama O que é do conhecimento geral, menos, pelos vistos, do tal jornalista Paulo Ferreira. Daí a injustiça praticada nesse ‘Sobe e desce’”.

Sem que o provedor entenda a relação, José Lello acrescentava ainda: “Já agora, a manterem idêntico princípio, se eventualmente se debruçarem sobre a temática da destruição e ruína do comércio tradicional, espero que coloquem a fotografia do Eng. Belmiro [de Azevedo], o mesmo dos shoppings comerciais, com expressiva seta para baixo!”

De qualquer modo, com shoppings ou sem shoppings, importava ouvir o comentário de Paulo Ferreira à crítica do parlamentar socialista, tendo replicado o director adjunto que “a resposta à inquietação e ao protesto de José Lello consta do texto original que ele pretende contestar e foi até bem assimilada pelo deputado, como o seu email denota”.

O jornalista reconhece que “a responsabilidade pela demora na eleição do novo provedor de Justiça é das lideranças parlamentares do PS e do PSD”, mas que “o desprestígio institucional e público do facto é do Parlamento (até porque a lei atribui a escolha ao Parlamento e não aos grupos parlamentares A ou B)”. Deste modo: “Jaime Gama não pode ser responsabilizado pela demora, mas é a ele, enquanto presidente da AR, que deve preocupar antes de mais ninguém o desprestígio da instituição. E é ele, nessa condição, que terá que lidar com mais esta corrosão na imagem parlamentar. Se há uma figura do Estado que hoje representa todos os deputados ela é, para o bem e para o mal, Jaime Gama. Por mais injusto que isso seja. É esse o sentido desta ‘seta para baixo’. Discutível? Sem dúvida. Mas por várias vezes esta lógica tem sustentado avaliações positivas ou negativas. Se o desemprego sobe a culpa não é do Governo, mas é este que tem que lidar com o facto. O gigante défice orçamental americano não é da responsabilidade de Barack Obama, mas o problema é do novo presidente dos EUA (veja-se também num ‘desce’ recente). Da mesma forma que Belmiro de Azevedo passará um mau bocado se uma catástofre natural se abater sobre o Centro Comercial Colombo e que a imagem da classe política sai afectada quando se praticam financiamentos partidários ilícitos, por exemplo. As ‘motivações estranhas’ invocadas por José Lello são, como se vê, menos estranhas do que seria conveniente para o deputado passar do protesto casuístico para a crítica generalizada”.

Mais uma vez parece ao provedor que a referência ao proprietário do PÚBLICO (sem dúvida motivada pela anterior, mas aqui num contexto diferente) é metida a martelo. Porém, de novo com shoppings ou sem eles, afigura-se como sustentável a argumentação de Paulo Ferreira. Embora Jaime Gama não seja o responsável directo pelo escandaloso impasse na escolha do sucessor de Nascimento Rodrigues, é a instituição a que preside que fica atingida na sua credibilidade, e concomitantemente a sua própria figura de nº 2 da hierarquia do Estado. Estamos pois dentro do espírito, por muito controverso que seja, em que estas secções de “positivo/negativo” costumam ser elaboradas na imprensa, julgando não só os envolvidos nos acontecimentos mas também os que são atingidos colateralmente, como é o caso de Jaime Gama.

Poder-se-ia, claro, argumentar que seria a instituição Parlamento a merecer a seta para baixo e não o seu presidente, à semelhança do que, no mesmo dia 4, Paulo Ferreira fez com a “Justiça” (a propósito de um processo que se perdeu nos seus “meandros”) e não com o presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Sucede porém que o próprio Jaime Gama tem metido, debalde, as mãos na massa no que respeita à escolha do novo provedor. Aliás, é o próprio José Lello que fornece um argumento para a seta descendente, ao admitir indirectamente a esterilidade dessas “diligências”.

Tal como José Lello vê “motivações estranhas” que “achincalham personalidades de relevo da nossa vida pública” (mas sobre as quais não pode o provedor pronunciar-se, por falta de particularização de quem acusa), também o leitor Manuel Monteiro o sente, relativamente a José Sócrates, nas páginas do PÚBLICO, que “faz mais ataques ao primeiro-ministro que os outros jornais (julgo que há estudos, ou análises, sobre isso, pois li qualquer coisa sobre o assunto)”. O provedor já abordou este tema em crónicas anteriores, mas confessa que desconhecia a explicação agora adiantada por este leitor: “Diz-se que tal se deve ao director [do PÚBLICO, José Manuel Fernandes], pois que criou, e mantém, uma cultura de ‘contra’ na redacção e que tal se deve a o pai dele ter tido graves problemas no Ministério do Ambiente quando José Sócrates era lá ministro. Será isso verdade? Se não for, fico satisfeito. Se for, o nosso director terá de fazer ‘uma declaração de interesses’. Deixo-lhe esta batata quente”.

Já sabemos que dar expressão a uma insinuação deste tipo, não sendo fundamentada, é sempre contraproducente, mas, por outro lado, se o provedor não satisfizesse a curiosidade do leitor, poderia permanecer uma incómoda dúvida sobre o assunto. Por isso, a “batata quente” foi passada ao próprio director, que respondeu: “O meu pai reformou-se do Ministério quando era ministro Carlos Borrego e governava o PSD. Jubilou-se como director-geral. Julgo que só conheceu José Sócrates porque era (não sei se ainda é) militante do PS e este lhe foi apresentado para que lhe desse umas aulas sobre ambiente, pois ele sabia pouco do assunto e queria tornar-se no ‘ambientalista’ do PS. Isso deve ter acontecido há uns 20 anos, e nem sei se gosta ou se antipatiza com o primeiro-ministro. E, se há cultura do contra no jornal, ela vem da fundação, do tempo de Vicente Jorge Silva [o primeiro director]”. Para o provedor, assunto encerrado.


CAIXA:

Burgueses e gatos vadios

Na reportagem “O local onde o comércio tradicional convive pacificamente com propostas alternativas”, acerca da Rua do Rosário, no Porto, saída em 9 de Fevereiro apenas na secção Local da Edição Porto, referia-se um estabelecimento de livraria, ateliê de design e café-bar chamado “Gato Vadio”, com esta advertência ao leitor: "Se politicamente se situa à direita, não chegue nem perto".

Quem não gostou foram os animadores do “Gato Vadio”, um dos projectos “alternativos” mencionados no título, que poucos dias depois divulgaram no seu blogue um irónico comunicado reagindo ao artigo, onde rematavam: “E, para prestarmos um serviço informativo às massas, julgamos que a ‘direita’ não se sentirá tão mal ao rondar o gatil como uma (in)certa ‘esquerda’, bem mais esdrúxula, original e excepcional, como o artigo deste jornal. (...) Esquerda, direita, marchar! E que o maniqueísmo fique à porta”. De seguida um deles, Júlio do Carmo Gomes, escreveu ao provedor explicando que tal ironia resultava de uma atitude zen perante a vida (“essas constantes fazem parte do lirismo, ou do estoicismo, que me faz planar sobre as coisas comezinhas deste mundo”), porém longe de estar generalizada: “Assim não entenderam muitos leitores Vadios, como poderá constatar pelo tom e pelo conteúdo das respostas que recebemos, ora na nossa caixa de email, ora como comentário no nosso blogue. E é em consequência dessas reacções que não poderia deixar de colocar à sua reflexão este inusitado artigo de jornal com que se gere a estuporada banalidade da vida…“

Explicações do jornalista João Pedro Barros, autor da reportagem, esclarecendo que o trabalho consistia em fazer um roteiro sobre a artéria portuense: “Pareceu-me que essa referência seria tomada com algum humor (note-se o exagero da expressão ‘nem perto’) e que, por outro lado, tornaria claro um facto que resulta da minha análise e interpretação: o Gato Vadio tem uma orientação cultural esmagadoramente ligada à esquerda. Como contraponto à minha frase, permito-me usar uma citação de um texto publicado no blogue do Gato Vadio, aquando da exibição do filme La Commune, de Peter Watkins: ‘Como iguaria, faremos uma queima de burgueses no pátio maldito...’. Tomei isto como irónico, claro está. (...) Um breve olhar à programação cultural e aos livros/revistas à venda na loja (que incluem, por exemplo, boletins anarco-sindicalistas) pode comprovar a minha conclusão, que nada me parece ter de ofensiva, maniqueísta ou sequer desprestigiante”.

Ao provedor só resta esclarecer os leitores de direita: são todos bem vindos ao “Gato Vadio”, apesar das ganas de os queimarem (se forem burgueses).

Publicada em 15 de Março de 2009

domingo, 8 de março de 2009

Vamos à bola

Não há razão para o jornalismo desportivo ignorar os padrões de imparcialidade contido no Livro de Estilo

Não admira que os árbitros sejam os cidadãos mais insultados e enxovalhados deste país: os jornalistas dão uma ajuda

O título da notícia/reportagem de Bruno Prata no PUBLICO.PT não permitia ambiguidades: “Portistas seguram liderança com um penálti falso”. Isto a propósito do último FC Porto-Benfica (1-1), em 8 de Fevereiro. Mas o título do artigo na edição em papel, no dia seguinte, ainda carregava mais na tónica, ao considerar o tal penálti “falso como Judas”. Era aliás o que dizia o texto: que o árbitro “castigou o francês Yebda com um penálti falso como Judas (foi ludibriado por Lisandro) e que permitiu ao FC Porto empatar o clássico do Dragão”. E, mais à frente, para não restarem dúvidas: “Lisandro enganou o árbitro”. Ou ainda: “A grande penalidade de hoje foi mentirosa”.

“Todos os jogos de futebol trazem à discussão mais a emoção do que a razão”, considerou o leitor Tiago Silva Leal a propósito deste texto. “No entanto, a figura de jornalista, incluindo o da área desportiva, deve primar por padrões mínimos de ética e honestidade intelectual”. E dá a entender que, do seu ponto de vista, o trabalho de Bruno Prata não cumpre tais padrões: “Já sabemos que jornalistas 100% imparciais é impossível (afinal somos humanos), mas um bocadinho de isenção e bom senso ao escrever esta peça impunha-se”.

O leitor também não diz o que lhe desagrada, apenas sugere: “Todo o texto está ‘sujo’ com insinuações. Até pode estar lá a verdade, mas ao menos que tenha a capacidade e honestidade intelectual de colocar as coisas no seu devido lugar. (...) Com peças destas é que se vai construindo (neste caso destruindo) uma imagem forte de um jornal. Passo a passo, grão a grão”.

De qualquer modo, é a questão da “falsa” grande penalidade que imediatamente salta à vista, tanto mais que, ao fim de pouco tempo, o artigo de Bruno Prata no PUBLICO.PT acumulou mais de meio milhar de comentários, quase todos à volta da existência ou não da famigerada falta.

Ao provedor importa fazer aqui uma declaração de interesses: contou com a colaboração de Bruno Prata num projecto editorial em cinco volumes intitulado Crónica de Ouro do Futebol Português, que o Círculo de Leitores publicou no ano passado (passe a publicidade), pelo que mantém especiais laços de camaradagem com este jornalista. Mas julga-se em condições de poder ajuizar de forma distanciada sobre o caso, até porque já na altura abordou com ele estas ideias.

Solicitado pelo provedor a comentar a reclamação do leitor, Bruno Prata preferiu não o fazer. “Nem sequer percebo a que se refere o protesto”, considerou “Há centenas e centenas de comentários iguais a este e outros bem piores sempre que se escreve o comentário de um jogo, especialmente se as equipas forem (como foi o caso) o FC Porto e o Benfica. A paixão ‘futeboleira’ atrai sempre, nestes fóruns, uma data de gente disponível para insultar e questionar a imparcialidade e a isenção, seja de quem for. Hoje, numa boa parte dos comentários, até sou acusado de ser benfiquista e mais não sei o quê... Outros não aceitam que eu fale no penálti que foi marcado a favor do Benfica e não refira o possível penálti que pode ter ficado por marcar a favor do FC Porto (de facto, até falo, mas no espaço em que faço uma análise às individualidades e comento o trabalho do árbitro [apenas na edição em papel] – já pedi para o on-line passar a incluir todo o trabalho de quem está no estádio, para evitar estas situações)”.

“Quanto ao resto”, acrescenta ainda Bruno Prata, “acho que se devem fazer crónicas de jogos e não simples relatos das incidências dos jogos (que já foram vistas ao pormenor nas televisões). Sendo crónicas, entram mais no âmbito da opinião do que outra coisa”.

Com efeito, se o texto em causa fosse uma crónica ou um comentário, pareceria legítimo ao provedor que o autor opinasse sobre um penálti eventualmente mal assinalado. O problema é que se tratava de um artigo noticioso, que, segundo os “Princípios e normas de conduta profissional” contidos no Livro de Estilo do PÚBLICO, deve ser elaborado “da forma o mais imparcial possível”.

Poder-se-á alegar que a inexistência do penálti era matéria de facto e não de opinião. Mas desde logo a arbitragem é tudo menos uma ciência exacta: a avaliação de grande parte das jogadas no futebol reveste-se de carácter subjectivo, que aliás alimenta inúmeras discussões após os desafios e infindáveis tertúlias televisivas. Num trabalho jornalístico imparcial, seria forçoso fazer o contraditório acerca do lance polémico, isto é, registar opiniões diferentes (incluindo a de especialistas) sobre a questão do penálti, em vez de o jornalista, sem ouvir ninguém, atirar de forma categórica e irrefutável com a sua própria conclusão. É curioso, aliás, que o relatório do observador oficial do FC Porto-Benfica tenha concedido ao árbitro o “benefício da dúvida” neste caso (o que, não havendo razões para duvidar da isenção do autor, mostra não ser assim tão clara a jogada em causa), penalizando-o ao invés por não ter assinalado o tal suposto penálti contra a equipa lisboeta que Bruno Prata não referiu no PUBLICO.PT.

O que o provedor constata é que, em Portugal (e não especificamente no PÚBLICO), o jornalismo desportivo é um mundo à parte, onde os repórteres não se sentem na obrigação de seguir as regras da profissão. Os jornalistas têm o dever de respeitar o princípio constitucional da presunção da inocência de qualquer cidadão antes de condenado ou de acatar como válidas as sentenças dos magistrados judiciais. No futebol, porém, tudo é diferente: qualquer jornalista decide com toda a facilidade quem é faltoso ou não e arrasa de um penada o juiz de uma partida. Não admira que os árbitros sejam os cidadãos mais insultados e enxovalhados deste país: os jornalistas dão uma ajuda.

Um reparo a Bruno Prata foi ainda feito por outro leitor a propósito de outro texto seu, a sua crónica semanal “Ludopédio” de 27 de Fevereiro, intitulada “Liedson e os jogadores naturalizados”, onde escrevia: “No Mundial da Coreia/Japão, dez por cento dos 736 jogadores inscritos defenderam um país diferente ao do seu nascimento. Quatro anos depois, na Alemanha, o número aumentou para 64”.

Como reparou João Sousa André, isto não bate certo: “Não coloco em causa a afirmação de que, ‘no Mundial da Coreia/Japão, dez por cento dos 736 jogadores inscritos defenderam um país diferente ao do seu nascimento’. Mas já quando afirma que o número aumentou para 64 no Mundial seguinte, comete erros estranhíssimos. Ou 64 é uma percentagem ou um número absoluto. No primeiro caso, temos asneira. Não é necessário observar as composições das selecções do Mundial de Futebol de 2006 para saber que menos de 64% dos jogadores seriam naturalizados. No segundo caso, a asneira refere-se à afirmação ‘o número aumentou para 64’, uma vez que afirma antes que, em 2002, o valor era de 10% de 736, o que dá 73,6 ou, arredondando, 74 jogadores naturalizados, valor superior ao de 64 em 2006. É uma pena que erros destes passem em claro a alguém que é redactor principal de um jornal como o PÚBLICO”.

Crítica desta vez aceite por Bruno Prata, com um esclarecimento: “O leitor tem razão: os números estão incompletos e a frase saiu incorrecta. Só encontro uma explicação: o texto estava um pouco longo e tive de apará-lo rapidamente. Infelizmente, a frase acabou por ficar completamente truncada. Não justifica, obviamente, o que aconteceu, e só me resta pedir desculpa aos leitores. Antes dos ‘cortes’, a frase afirmava que, na Coreia/Japão (2002), tinham estado 34 jogadores a defender um país diferente ao do seu nascimento e que, em 2006, na Alemanha, tinham sido 67, um aumento de quase cem por cento. (...) No texto inicial, eu explicava ainda que (...), no Mundial de 2006 (e não quatro anos antes, como infelizmente acabou por sair), a prova teria sido disputada por quase dez por cento dos 736 jogadores inscritos”.

CAIXA:

Acontece...

O PÚBLICO assinalou na passada quinta-feira o seu 19º aniversário com um repositório de disparates saídos nas suas páginas. O provedor, que há muito recorta da imprensa portuguesa asneiras que alterem o sentido do que se pretendia escrever, gostaria de se juntar à festa, retirando da sua colecção outros exemplos dados à estampa por este jornal. Coisas do género “O homem tinha-se já partido a grande velocidade” (13/08/91); “É óbvio que Shari não ia arranjar um contrato assim do pé para a mãe” (07/04/95); “Jardim subiu ao palco e despediu-se, com ‘Pomba e circunstância’, do compositor Eduard Elgar” (25/07/05); ou o título “Benfica despede treinador [Ivic] pelo telefone” seguido por um artigo com as frases “Ivic despedido pela Rádio” e “A notícia foi-lhe [a Ivic] comunicada [...] pelo intercomunicador de sua casa” (29/10/92). Atente-se no crítico que despreza o que desconhece: “One Trick Pony e Hearts and Bones (...) são álbuns que conheço mal, e por isso não interessam muito” (17/07/91). Ou no repórter que preferiu a ausência de onde havia reportagem: “A estreia de Scapin de Molière, no dia 10, foi tempestuosa. O mistral soprou a 200 km/h. Os projectores não resistiram ao vendaval. Felizmente, o PÚBLICO não estava lá” (13/07/90). E nas vezes em que resuscitam os mortos: “Chegou mesmo a criticar o dirigismo da cultura que Lenine [falecido em 1924] implementou na União Soviética nos anos 30” (15/11/03); “Em 1990, o falecido rei, tentando mudar a má imagem que tinha neste domínio, decidiu criar o Conselho Consultivo para os Direitos Humanos e libertou 350 prisioneiros políticos” (23/12/04); “Ficou concluído em Setembro de 1910 e o rei D. Carlos [assassinado em 1908] só não o inaugurou porque a data marcada era 6 de Outubro” (13/08/06); “A PSP foi chamada ao local do crime, onde a vítima mortal entregou uma caçadeira, alegando recear pela sua vida” (13/03/05); “Este ano morreram já cerca de 50 mortos em cinco atentados suicidas” (29/04/07). Números e datas são um problema muito especial: “Criados até agora quase três postos de trabalho na Autoeuropa” (17/08/95); “Em 1917, H. L. Mencken publicou um artigo sobre a ‘história na banheira na América’, em que explicava que a primeira banheira chegou aos EUA em 1942” (15/05/03); “14,9 é a média de cigarros consumidos por dia na UE” (31/01/07). Repare-se nesta correcção: “Por lapso, na primeira página do PÚBLICO de ontem, o nome do dirigente da CGTP José Ernesto Cartaxo aparece como António Cartaxo. Pedimos desculpa a José António Cartaxo” (20/11/04). E, por último, nesta passagem: “Mantinha há mais de dois anos relações homossexuais com a vítima [...]. Há quem o ache ‘simpático e delicado’, mas também quem sempre o tenha visto como ‘um tipo esquisito, com um problema qualquer por trás’” (14/10/91). Sem comentários.

Publicada em 8 de Março de 2009

sexta-feira, 6 de março de 2009

Mais sobre a "sórdida campanha"



A última crónica do provedor, procurando ver se há no PÚBLICO uma "campanha negra" contra José Sócrates, motivou algumas reacções:

Já houve "democracia popular", "democracia orgânica",... e há a "democracia liberal", a nossa segundo o sr. Director do PÚBLICO. Que mais tipos/formas de democracias temos/iremos ter?

Sobre a campanha Sócrates ou outras informem os factos. E opinem com isenção - o que é isenção?

Henrique Pereira

Uma vez que, neste domingo, acaba por fazer, a meu ver, uma leitura, apesar de tudo, benigna da linha editorial do jornal, no que concerne ao seu tratamento relativamente ao actual primeiro-ministro, vejo-me na necessidade de lhe chamar a atenção para alguns factos dos últimos dias, os quais não mereceram a sua justa ponderação:

i. O editorial de hoje [2 de Março] acaba, mais uma vez, por ir a reboque da opinião de um único partido da oposição (basta ler o insuspeito Vasco Pulido Valente para perceber que, mesmo num ponto quase incontroverso, o PÚBLICO acaba por defender o indefensável);

ii. O fraco destaque, ao nível da capa [2 de Março], dado à escolha de Vital Moreira é, mais uma vez, muito estranho, ainda para mais quando se trata, unanimemente, de uma personalidade que traz aquilo que o jornal há muito vem reclamando no panorama político: a elevação, independência, competência, experiência e abertura do partido à sociedade como critérios a aferir no momento da nomeação de pessoas para as listas eleitorais;

iii. É inquestionável que o actual primeiro-ministro foi o político mais escrutinado de sempre, escrutínio no qual este jornal (o único jornal de referência no nosso país, a meu ver) se destacou (v.g. caso da licenciatura, caso dos projectos das casas, caso das escrituras), ainda para mais agora quando, e como já se referiu a isso, um dos seus jornalistas [José António Cerejo] se constituiu assistente no processo-crime Freeport (esqueceu-se foi de referir que esse jornalista já tem processos com o primeiro-ministro, além de que o seu advogado é conhecido pelas suas deliberadas intenções políticas, donde, a meu ver, se trata, claramente, de uma situação que não se compagina com a isenção que é exigida a qualquer jornalista);

iv. Pergunto se este jornal já realizou, ou encontra-se a realizar, algum trabalho de investigação sobre o passado de algum político actualmente no activo, isto é, a exercer algum cargo político de relevo. Apenas o passado do primeiro-ministro é questionável e pejado de situações de relevante interesse público? Não há muito, existiu um jornal neste país que primou pela investigação. Contudo, O Independente revelou casos relativos a diversos políticos de diversos quadrantes políticos;

v. Esta questão, a meu ver, é mais do que legítima. O jornal toma o rumo que quer. Todavia, caso assuma interesse em trabalhos jornalísticos de análise detalhada da vida de um político, deverá, em consequência, proceder de forma igual para com os outros. Caso contrário, é considerado como um jornal anti-Sócrates, como actualmente é considerado. Ou o Provedor julga que as muitas reclamações que lhe são dirigidas o são porque estes leitores são facciosos ou socratistas empedernidos? É que este jornal, até hoje, nunca revelou uma linha tão clara contra este Governo, e é dito, por muita gente, que a oposição do Governo à OPA da SONAE [proprietária do PÚBLICO] sobre a PT (caso ela fosse feita, hoje em dia seria catastrófica a situação da SONAE) foi o ponto de viragem na linha editorial deste jornal (infelizmente, não tenho tempo nem meios para proceder a um estudo rigoroso do número de notícias e editoriais que se realizaram após aquilo, bem como o seu conteúdo);

vi. Último parágrafo do editorial de 27-02-2009, assinado pelo seu director: Se tal acontecer (aparecer no congresso do PS um desmancha-prazeres a criticar o líder), estejam atentos: é possível que, como quem não quer a coisa, ande alguém de camisola de gola alta e casaco de cabedal a cirandar pela tribuna dos dirigentes com um ar ligeiramente enfadado. Fixem-no, pois é assim que às vezes nascem os “meninos de ouro”;

vii. Parece-me que o tom usado revela tudo. E é este tom que depois se reflecte na linha do jornal. Trata-se de uma linguagem cifrada (a princípio achei que se referisse ao primeiro-ministro, até pela expressão "menino de ouro" usada na biografia por ele autorizada. E já vi o próprio assim vestido. Além de que a expressão facial parece ser a dele quando está zangado. Mas seria a outro? Santos Silva, Silva Pereira, José Seguro? Não sei. Reconheço a minha ignorância perante este editorial tão denso e profundo), a roçar o mau gosto, obscura, pessoalizada (isto é, quase dirigida ad hominem e não aos seus leitores) e reveladora de um preconceito relativamente ao primeiro-ministro e aos seus actuais dirigentes que, depois, só pode dar na expressão "eleição à norte-coreana", que o director apenas podia ter decoro em não ser utilizada no jornal;

viii. Acaso é desconhecida a situação na Coreia do Norte, esse Estado ditatorial, militarista e monárquico comunista? Acaso esta expressão foi utilizada no congresso do PCP que, como se sabe, encerrou as portas para a eleição (desconheço que a jornalista São José Almeida, possuidora das suas fontes à prova de bala, tenha tido interesse em revelar o que ocorreu às portas fechadas) e no qual só foi apresentada, como sempre, uma lista única? Congresso no qual, como sempre, o regime norte-coreano continua ser apelidado, favoravelmente, de um Estado resistente ao imperialismo e ao capitalismo?

Tudo isto conjugado permite, a meu ver, questionar a isenção e a própria independência deste jornal.

Nuno Ferreira


1. Mais uma vez lamento que, ao referir o meu nome [Sérgio Brito] na coluna de hoje, tenha dito que "não há incongruências nos quadros apresentados". Ora,

2. Os quadros apresentam 11 ou 12 fracções, que correspondem, porém, a sete fracções diferentes, porque há repetição de algumas com revendas, e falam na existência de 20 fracções no prédio e limitam-se aos preços de 7 ou 8 fracções!
Isto não são incongruências, é informação isenta!

3. Diz ainda - e julgo que é sua a autoria - que "o preço da escritura é abaixo do mercado", mas o valor médio quer por m2 quer global das fracções - à excepção das isentas de sisa - é da ordem do preço da fracção de José Sócrates, aliás confirmado por preço da tabela da imobiliária à data. Mais ainda: os valores disparatados das isentas de sisa não poderiam ter a ver com uma eventual "lavagem de dinheiro"? Mas isso não interessa aos jornalistas. Hoje em dia há legislação que obriga os promotores a informações para controlo e à data?

4. Doutro lado, não é despiciendo saber qual o valor patrimonial fixado pelas Finanças à data das escrituras vs. valor das escrituras e/ou valor patrimonial de 2006. Mas isso não interessa focar! Não interessa ao leitor em nome da isenção do PÚBLICO!

5. Infelizmente, sou obrigado a reiterar: o provedor do leitor não pode ser recrutado na classe mais corporativa portuguesa (veja-se como todos reagem ao que Sócrates disse sobre "campanhas de director de jornal ou televisão" e todos se sentem atingidos como "virgens ofendidas", como se na classe houvesse alguma virgem!).

Sérgio Brito

Relativamente à reclamação deste leitor, Sérgio Brito, mencionada na crónica, o provedor dissera não ter recebido do director adjunto Paulo Ferreira uma resposta atempada. Ela chegou entretanto, com a explicação de que houvera um mal-entendido:

O PÚBLICO utilizou dados referentes a 11 apartamentos diferenciados porque estes tinham dados representivos: áreas diversas, transaccionados em anos diferentes, uns comprados por particulares, outros por empresas e preços também diferentes. O PÚBLICO fez mesmo questão de mostrar que havia vários apartamentos comprados na mesma altura por preços muito idênticos ao escriturado por José Sócrates, para mostrar que este não era o único caso a desviar-se dos preços praticados por compradores isentos do imposto de sisa. Se houvesse, da nossa parte, alguma desonestidade intelectual, poderíamos ter omitido um ou todos esses casos. Mas isso não seria, obviamente, jornalismo.

O preço por metro quadrado é o melhor indicador utilizado no mercado imobiliário. No entanto, isto não deve confundir-se com o preço total do apartamento, como faz o leitor. O preço por metro quadrado permite comparar o custo de apartamentos com áreas diferentes na mesma zona ou no mesmo prédio.

O valor tributário atribuido pelas Finanças resultou de actualização monetária feita em 2006 e que foi igual para todos os apartamentos do prédio. É irrelevante se foi fixado desta forma ou da outra, uma vez que os valores atribuídos pelas Finanças estão hoje muito mais próximos dos valores do mercado imobiliário. São mais verdadeiros.

Concordo com o leitor que é muito invulgar que alguém pague o imposto de sisa antes ainda de assinado um contrato-promessa de compra e venda. Por regra, esse pagamento é feito uns dias antes da escritura. que, no caso de José Sócrates, foi feita dois anos após o contrato-promessa.

Confundir o papel de escrutínio da imprensa com o de "bufos" ou atribuir-lhe qualquer "sanha persecutória" é, no meu entender, não perceber nada sobre um normal funcionamento de uma sociedade livre e democrática.

O trabalho feito pelo PÚBLICO é honesto, é relevante e é inteiramente legítimo numa sociedade que se quer atenta e exigente. Ele encontra, aliás, paralelo regular em investigações feitas noutros países em relação a governantes e personalidades com funções públicas.

Paulo Ferreira

domingo, 1 de março de 2009

Corrupção do jornalismo?

Agradeço a atenção e a forma como o Provedor respondeu à minha queixa no dia 15 de Fevereiro de 2009.

A campanha do PÚBLICO contra o primeiro-ministro continua, como se pode ver pelas confusíssimas páginas 2, 3 e 4 da edição do dia 20 deste mês [Fevereiro], acerca da compra da casa de José Sócrates.

Os esclarecimentos que o Provedor procura obter para as queixas dos leitores referidas [na crónica] "Muitos ângulos...", no PÚBLICO de 22 de Fevereiro, não me parecem de modo nenhum suficientes para todos os casos. Exemplo disto são as explicações dadas pelo director do PÚBLICO acerca da situação do jornalista visado, que só podem aumentar a desconfiança do leitor.

O conjunto das queixas transcritas levanta perplexidades: que levará esse jornal a desperdiçar o grande capital de confiança que em tempos conquistou? Não desejaria o PÚBLICO continuar a ser um jornal de referência?

A campanha do PÚBLICO contra o primeiro-ministro continua, como se pode ver pelas confusíssimas páginas acerca da compra da casa de José Sócrates (...) Seria lamentável que, em nome do combate à corrupção, se estivesse a corromper o próprio jornalismo...

Maria Luiza Sarsfield Cabral

A “sórdida campanha” contra Sócrates

Ao PÚBLICO não basta manifestar a sua independência; será necessário também saber manter a isenção

Estaline podia ser acusado pela falta de oposição interna, mas o mesmo não se pode dizer do líder do PS


“Isenção” não é palavra que integre o Estatuto Editorial do PÚBLICO ou a lista de deveres da sua redacção, mas é a adopção desse conceito como meta ou paradigma que esperarão os leitores perante não só a prática editorial deste jornal mas também, por exclusão de partes, os seus “Princípios e normas de conduta profissional”, ao estipularem que “o jornalista do PÚBLICO” só “não está obrigado à neutralidade quando estão em causa valores fundamentais da vida em sociedade” (como os “relativos aos direitos humanos”) e “deve distanciar-se dos factos e das estórias que eles contêm”.

A propósito dos comentários feitos pelo jornal à recente reeleição de José Sócrates como secretário-geral do PS, com mais de 96 por cento dos votos expressos, o leitor Armando Moura Pinto acha que a isenção para com o chefe do governo não foi respeitada. E isto porque haveria um critério de dois pesos e duas medidas na secção “Sobe e desce”, da última página da edição em papel: “Sócrates desce porque ganhou ‘à Coreia do Norte’, parecendo ser culpado por não haver opositor e também por outras moções não terem alcançado os votos necessários para serem discutidas em congresso. E, remata-se, ‘isto é triste num partido que se diz democrático’, o que permite a conclusão de que, para o PÚBLICO, o não é. Mas Hugo Chávez sim, esse é dos nossos (do PÚBLICO, claro). Porque ‘ganhou [o referendo que lhe permite perpetuar-se no poder como presidente da Venezuela] de forma limpa’, ‘apesar do recurso aos meios do aparelho do Estado’. Porreiro, pá! Afinal é assim que se agrada ao PÚBLICO. Pergunto: isto tem a ver com alguma campanha contra José Sócrates? Só mesmo a minha má vontade permitiria tirar tal conclusão”.

Os leitores que não leram esta secção nos dias 16 e 17 de Fevereiro já adivinharam que, devido aos escrutínios que ambos venceram, aparecem aí, respectivamente, Sócrates com seta para baixo e Chávez com seta para cima. Também Octávio Senos Miranda se indignou pelo tratamento dado a Sócrates na última página: “Fiquei perplexo (...). Que esperavam que sucedesse quando há só um candidato? Votações de 60%? (...) Se querem atacar José Sócrates não faltam motivos realmente importantes. Porquê entrar por caminhos fáceis, de pronta adesão, mas muito pouco sérios? Porém, o que realmente me preocupa, num jornal que uso para me manter informado, é a parte final do ‘Sobe e desce’: ‘Daria para celebrar se, ao mesmo tempo, os militantes tivessem dado oportunidade aos apoiantes de Fonseca Ferreira e António Brotas de levarem as suas moções à discussão em congresso’. Será que o PÚBLICO admite, aceita e aconselha manipulação das votações? Aceita o PÚBLICO chapeladas? Considera o PÚBLICO que deviam ter sido dadas ordens a alguns militantes do PS para votarem em moções que não apoiam? Com certeza que não, mas lá que parece, parece...”

Haverá um preconceito no “Sobe e desce” contra Sócrates? O provedor reviu a secção desde 1 de Outubro do ano passado até ontem e, pela amostragem, pareceu-lhe equilibrado o conjunto de referências ao primeiro-ministro: seis setas para cima e sete para baixo (o presidente Cavaco Silva ficou “neutro” no mesmo período, com cinco setas ascentes e tantas outras contrárias). Mas a questão que levanta Armando Moura Pinto merece ponderação, porque não se pode comparar o grau de democracia permitido por Chávez na Venezuela com o que existe no seio do PS. E também foi estranho (como aliás assinalaria o mesmo leitor) que, ao contrário do habitual na secção, o comentário sobre Sócrates não tenha sido assinado, vinculando assim todo o jornal.

Daí o pedido que o provedor fez ao director do PÚBLICO para comentar estas reclamações. José Manuel Fernandes começou por justificar a existência da secção: “Secções com ‘setinhas’, como o ‘Sobe e desce’, são secções de opinião, muito subjectivas, potencialmente polémicas, mas que por serem controversas são também muito apreciadas pelos leitores. A manutenção desta secção já foi debatida por várias vezes (...), mais por a selecção ser muitas vezes aleatória e demasiado discricionária do que por suscitar polémica ou resultar de avaliações contraditórias de quem assina os pequenos textos. Tem valido o argumento de que preferimos o risco de cometer alguma injustiça e suscitar polémica, ou se se preferir a noção de que num jornal é necessário sempre algum sal e pimenta, mesmo que nem sempre os condimentos pareçam, de acordo com as diferentes sensibilidades, muito bem distribuídos. (...) A regra no jornal é todas as secções deste tipo saírem assinadas, o que não sucedeu [neste caso] por lapso.”

Quanto aos comentários sobre Sócrates e Chávez, defende José Manuel Fernandes: “Sem entrar na discussão das opiniões em concreto e do sentido das setas, gostaria apenas de notar que os ângulos de abordagem eram diferentes: numa avaliava-se o grau de pluralismo interno no PS; na outra o resultado de um referendo muito disputado. Comparar o sentido das setas como se estas representassem uma comparação directa entre José Sócrates e Chávez não me parece que faça sentido, nem era intenção de quem escreveu as notas. (...) De forma alguma aquelas duas notas podem ser lidas como uma preferência editorial do jornal por Chávez por comparação com José Sócrates Só quem não leu (ou prefere esquecer o que leu) os múltiplos editoriais do jornal sobre o regime venezuelano pode pensar que colocamos no mesmo patamar a nossa democracia liberal, com os seus defeitos, e os nossos dirigentes, igualmente com os seus defeitos, e o autocrata populista de Caracas”.

Há porém leitores que encontram na conjugação de comentários deste tipo com investigações ao passado profissional, político e até pessoal de José Sócrates a manifestação de uma campanha que estaria a ser movida por este jornal contra o primeiro-ministro, hipotecando assim a isenção que o PÚBLICO se obrigaria a respeitar. “Campanha negra”, como diria o próprio Sócrates, que já passou a explorar este cenário em busca de dividendos políticos, como no congresso socialista que no fim-de-semana o consagrou em Espinho – não mencionou explicitamente este jornal, que porém estava abrangido pelo seu ataque contra os órgãos de informação e a favor de uma “liberdade livre da infâmia, da calúnia e do insulto”. No caso concreto do PÚBLICO, aos casos da licenciatura, da assinatura de projectos de edifícios na Guarda e do Freeport (este não iniciado nestas páginas), veio há dias juntar-se o da aquisição, por um preço na escritura alegadamente abaixo do valor de mercado, do apartamento onde reside o líder socialista (“Destaque" da edição de 20 de Fevereiro).

Reagiu um leitor anónimo logo no mesmo dia: “Não posso deixar de lavrar o meu protesto veemente pela sórdida campanha que esse jornal está a levar a cabo contra o primeiro-ministro, exemplificada pela 'notícia' sobre os valores de transacção dos andares no prédio onde mora. Se o PÚBLICO tem alguma coisa de concreto a noticiar, que o faça; se não tem, então que pare a campanha de intoxicação da opinião pública. O PÚBLICO pretende ser um jornal de referência de quê?” E a leitora Maria Luiza Sarsfield Cabral, que já antes se queixara ao provedor da cobertura do jornal ao caso Freeport, considerou agora: “A campanha do PÚBLICO contra o primeiro-ministro continua, como se pode ver pelas confusíssimas páginas acerca da compra da casa de José Sócrates (...) Seria lamentável que, em nome do combate à corrupção, se estivesse a corromper o próprio jornalismo...”

Sérgio Brito foi mais específico, apontando supostas incongruências nos dois quadros publicados com preços de escrituras de vários apartamentos no mesmo edifício que o de Sócrates e criticando: “Doutro lado, quando se referem ao valor patrimonial de 2006, não focam – porque não sabem – se se trata do valor inicial fixado pelas Finanças corrigido pelo coeficiente de correcção monetária ou se é já o valor calculado nos moldes actuais pela fórmula respectiva. Qual foi o valor fixado pelas Finanças à data da escritura (ou pagamento da sisa)?”

O provedor pediu uma reacção a Paulo Ferreira, director adjunto do PÚBLICO e um dos autores do artigo, mas não a recebeu em tempo útil. Tendo analisado o trabalho, não encontra porém a intenção persecutória vista por estes leitores. O artigo nada insinua quanto às razões para o diferencial no preço da habitação de José Sócrates, limitando-se a assinalar uma discrepância que careceria de explicação. O provedor não detecta, por outro lado, as incongruências referidas por Sérgio Brito nem acha que a questão da correcção monetária seja determinante, desde que o mesmo critério tenha sido aplicado às verbas associadas a todos os apartamentos analisados.

O escrutínio pelos media de actos passados ou presentes de responsáveis políticos faz parte da cultura democrática e contribui para a transparência e o prestígio do regime. As questões suscitadas pelo PÚBLICO acerca de José Sócrates têm-se revelado pertinentes e de interesse público, por ajudarem a conhecer melhor o seu perfil e os seus actos de governo.

Não basta porém essa manifestação de independência da parte do jornal: será necessário também saber manter a isenção. E aqui introduz-se um elemento de apreciação mais subjectivo, que é o tom genérico com que a figura do primeiro-ministro é tratada nas páginas do PÚBLICO. Será crucial que os seus responsáveis não assumam como “politicamente correcto” que – nos termos de um dos mais ferverosos apoiantes do líder socialista – se deve “malhar” em Sócrates. De alguma forma foi o que se passou com o “Sobe e desce”. Estaline podia ser acusado pela falta de oposição interna – que enviou para o gulag e o cemitério –, mas dificilmente se pode dizer o mesmo das responsabilidades de Sócrates quanto à ausência de alternativas de liderança no PS. Se o PÚBLICO souber manter o tom isento nas matérias sobre o primeiro-ministro, só reforçará a sua credibilidade.

Publicada em 1 de Março de 2009

DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR

Cartas de leitores sobre o "Sobe e desce":

Hoje é a propósito do “Sobe e desce” de 16 e de 17 de Fevereiro. Sócrates desce porque ganhou “à Coreia do Norte”, parecendo ser culpado por não haver opositor e também por outras moções não terem alcançado os votos necessários para serem discutidas em congresso. E, remata-se, “isto é triste num partido que se diz democrático”, o que permite a conclusão de que, para o PÚBLICO, o não é.
Mas Hugo Chávez sim, esse é dos nossos (do PÚBLICO, claro). Porque “ganhou de forma limpa”, “apesar do recurso aos meios do aparelho do Estado”. Porreiro, pá! Afinal é assim que se agrada ao PÚBLICO.

Pergunto: isto tem a ver com alguma campanha contra Sócrates? Só mesmo a minha má vontade permitiria tirar tal conclusão.

Já agora: desta vez ninguém quis assumir a pouca vergonha. Preferiu-se o estilo da carta anónima. O que é muito significativo, sobretudo num jornal que - agora é a minha vez - se diz de referência.

Repito: ser leitor do PÚBLICO é mesmo doença crónica.

Armando Moura Pinto

Ao ler o PÚBLICO de hoje, como faço há anos, fiquei perplexo com a forma como tratam a reeleição de José Sócrates como secretário-geral do PS.

No sector "Sobe e Desce" colocam Sócrates a descer e dizem: "...votação à Coreia do Norte...". Mas que esperavam que sucedesse quando há só um candidato? Votações de 60%? Não seria mais inteligente dizer que só votaram 25393 militantes dos 73104 que o PS tem?

No sector "Blogues em papel", reforçam a ideia de votação à Coreia do Norte, por que não à Cuba ou à Bielorússia? Uma vez já era má informação, agora duas é de mais.

Se querem atacar Sócrates não faltam motivos realmente importantes. Porquê entrar por caminhos fáceis, de pronta adesão, mas muito pouco sérios?

Porém, o que realmente me preocupa, num jornal que uso para me manter informado, é a parte final do "Sobe e desce": "Daria para celebrar se, ao mesmo tempo, os militantes tivessem dado oportunidade aos apoiantes de Fonseca Ferreira e António Brotas de levarem as suas moções à discussão em Congresso". Será que o PÚBLICO admite, aceita e aconselha manipulação das votações? Aceita o PÚBLICO chapeladas? Considera o PÚBLICO que deviam ter sido dadas ordens a alguns militantes do PS para votarem em moções que não apoiam? Com certeza que não, mas lá que parece, parece...

Na minha opinião deve o PÚBLICO ser mais cuidadoso naquilo que publica.

Octávio Senos Miranda

Explicações do director do PÚBLICO:

Secções com “setinhas”, como o “Sobe e desce” da última página do jornal, são secções de opinião, muito subjectivas, potencialmente polémicas, mas que por serem controversas são também muito apreciadas pelos leitores.

A regra, no jornal, é todas as secções deste tipo saírem assinadas, o que não sucedeu na edição de segunda-feira (desce de Sócrates) por lapso. Havia, de resto, outra falha, pois a regra é que se indica a página onde vem a notícia a que se refere o pequeno comentário, e também não saiu essa informação. No dia seguinte a secção já saiu devidamente assinada.

Sem entrar na discussão das opiniões em concreto e do sentido das setas, gostaria apenas de notar que os ângulos de abordagem eram diferentes: numa avaliava-se o grau de pluralismo interno no PS; na outra o resultado de um referendo muito disputado. Comparar o sentido das setas como se estas representassem uma comparação directa entre Sócrates e Chávez não me parece que faça sentido, nem era intenção de quem escreveu as notas.

Para terminar: a manutenção daquela secção já foi debatida por várias vezes desde que foi criada, mais por a selecção ser muitas vezes aleatória e demasiado discricionária do que por suscitarem polémica ou resultarem de avaliações contraditórias de quem assina os pequenos textos. Tem valido o argumento de que preferimos o risco de cometer alguma injustiça e suscitar polémica, ou, se se preferir, a noção de que num jornal é necessário sempre algum sal e pimenta mesmo que nem sempre os condimentos pareçam, de acordo com as diferentes sensibilidades, muito bem distribuídos.

De forma alguma aquelas duas notas podem ser lidas como uma preferência editorial do jornal por Chávez por comparação com José Sócrates. Só quem não leu (ou prefere esquecer o que leu) os múltiplos editoriais do jornal sobre o regime venezuelano pode pensar que colocamos no mesmo patamar a nossa democracia liberal com os seus defeitos, e os nossos dirigentes, igualmente com os seus defeitos, e o autocrata populista de Caracas.

José Manuel Fernandes