segunda-feira, 26 de maio de 2008

Acusação de censura

Na sua edição de 21 de Maio (pág. 25), esse jornal publicou uma artigo dedicado à questão da Rede Sete da Carris intitulado "Especialista da Carris aponta falhas na reestruturação da rede 7". Este artigo, com origem num despacho da Agência Lusa, tece uma série de considerações sobre as reestruturações da Carris, fazendo referência a várias pessoas envolvidas na contestação a esta rede, inclusive à acção de um representante de um partido politico, na sua qualidade de presidente da Comissão de Assembleia de Freguesia, para as questões dos transportes.

Nada disso seria estranho ou não ético se o mesmo artigo na edição on-line, e mesmo o despacho da Lusa, não referissem actuações de representantes de outros partidos, na sua qualidade de vereadores na CML, a respeito do mesmo tema, o que foi completamente omitido na versão impressa.

Questiona-se o porquê da diferença de tratamento dado nas duas versões? Pergunta-se também se esta omissão não distorce os factos e dá à opinião pública que não tem acesso à edição on-line uma versão truncada e portanto deturpada da realidade?

Tratando-se da completa omissão da actuação de veradores da oposição na CML, poderia questionar-se mesmo se o acto de retirar deliberadamente a actuação destes não representa um acto de censura sobre o texto original?

A Plataforma das Comissões de utentes, que há muito mais tempo vinha actuando nesta matéria, tendo um abaixo-assinado com cerca de 10 000 assinaturas, nunca foi motivo do interesse deste jornal, e não por falta de fazer chegar atempadamente a informação, mas disto nem nos queixamos, por sabermos que neste país alguns são mais iguais de que outros, e portanto as nossas acções dificilmente fariam parte do critério jornalístico do seu responsável editorial. Só que, apesar de tudo, isto é muito diferente de censurar notícias.

Carlos Moura

NOTA DO PROVEDOR. Claramente, não houve censura mas necessidade de confinar a notícia ao espaço existente (que aliás se pode considerar "generoso"). Essa é uma prerrogativa do jornal e dos jornalistas (mesmo sobre certas matérias previamente escritas, como os telegramas de agência), desde que mantenham o equilíbrio, a isenção e o rigor da notícia, parâmetros que em nada parecem ter sido afectados pelo corte operado.

Questão pouco Clara

Este é um caso já antigo, mas que o provedor pretende não omitir. Começou com um carta do leitor Luís Manuel Lima, em 13 de Janeiro último:

“Desde que o primeiro número do PÚBLICO saiu para as bancas, tenho sido um leitor fiel. No entanto, de há alguns tempos para cá, começo a ter dúvidas sobre se valerá a pena continuar a comprar o jornal. O PÚBLICO cada vez mais me falha como fonte de informação correcta e isenta. Hoje, por exemplo, na pág. 21, escreve Fernando Sousa que a ex-refém das FARC Clara Rojas, ao ser interrogada ‘sobre se considera a guerrilha um grupo rebelde (...) ou terrorista’ disse: ‘Qualquer acção que permita (...) a troca humanitária é válida’. É fácil de entender que aquilo que o jornalista diz ter sido a resposta em nada responde à questão. Como tenho o hábito de ler mais do que um jornal, verifico que no Jornal de Notícias a resposta é totalmente diferente, tendo Clara Rojas considerado o dito grupo como um grupo terrorista. Fica-me a dúvida: qual dos jornalistas transcreveu, correctamente, a resposta de Clara Rojas? Por que razão chama o jornalista ‘guerrilha’, ‘grupo rebelde’, a quem é considerado pela UE um bando terrorista? Haverá aqui alguma desculpabilização, fruto de uma qualquer ‘contaminação’ ideológica?”

Colocada a questão a Fernando Sousa, o provedor recebeu a seguinte resposta:

“Não me parece que o leitor tenha razão. Resulta claramente do texto que quem está a falar é a ex-refém Consuelo González, a quem pertencem todas as afirmações constantes nos três últimos parágrafos da peça a que se refere, e não Clara Rojas, citada na primeira parte. Aliás, se o leitor tivesse lido o artigo principal da mesma página teria reparado na mesma declaração, aqui mais completa, da antiga congressista. É também claro que Consuelo, entrevistada pela rádio colombiana Caracol, está a responder a uma questão concreta, que passo a citar: ‘Interrogada sobre se considera a guerrilha um grupo rebelde, como propôs Caracas, ou terrorista, como quer Bogotá, disse: ‘Qualquer acção que permita (…) a troca humanitária é válida’’”.

O provedor não ficou satisfeito, pois, pondo de parte a questão da troca de nomes existente na carta do leitor, também lhe pareceu que aquela resposta da entrevistada não tinha a ver com a pergunta mencionada. Insistiu por isso junto do jornalista, pedindo-lhe ainda para se referir à questão da terminologia utilizada na notícia, a que ele não se referira no primeiro esclarecimento. Fernando Sousa respondeu da seguinte forma:

“Sobre a resposta da antiga congressista, esta, interrogada pela rádio Caracol sobre se considera as FARC um grupo rebelde, como propôs Caracas para amenizar o diálogo sobre a paz e a libertação dos reféns, ou terrorista, como a considera Bogotá, responde implicitamente que se a alteração de estatuto da guerrilha ajudar a mais resgates será bem-vinda. Para mim a frase fez sentido no contexto geral do tema e da própria página. Mas reconheço que não é clara, e neste caso peço desculpa ao leitor. Em relação à terminologia utilizada, ela não é minha - é de Caracas e Bogotá, retomada pela Caracol, e está devidamente atribuída. Enfim, perante a insinuação do nosso leitor de ‘contaminação ideológica’, não me pronuncio sequer.”

Em conclusão, o provedor entende que a passagem em questão partiu de um adquirido que para os leitores não era claro, pelo que deveria ter havido uma “descodificação”, para que tal passagem se tornasse minimamente clara e lógica. Quanto à terminologia, o repórter usa a expressão “grupo rebelde” para se referir às FARC. Se se pode considerar esta organização como terrorista, é também um facto que se trata de um grupo rebelde, pelo que a designação não é errada. Já que o epíteto “terrorista”, no contexto da notícia, é objecto de disputa, o jornalista fez bem em não utilizar o termo como classificativo das FARC, para não dar a ideia de estar a favorecer um dos lados dessa disputa.

sábado, 24 de maio de 2008

As fronteiras da objectividade

Isenção e da equidistância implicam que o jornalista deve esforçar-se por atingir a objectividade, desígnio porém muito difícil de cumprir

Em complemento a uma notícia sobre a aquisição pelo Grupo Leya das editoras da Explorer Investments (pág. 41 da edição de 14 deste mês), a jornalista Ana Rita Faria escreveu um texto sob o título “Cada vez mais livros nas mãos de poucos”, acerca do processo de concentração em curso no sector editorial português, que suscitou do leitor Gabriel Silva o seguinte comentário:
“Tal peça padece, a meu ver, de algumas infelicidades, pois está pejada de considerandos e opinião da jornalista. Vejam-se os seguintes exemplos:
’Poucas foram as empresas que conseguiram escapar aos tentáculos de grandes grupos’. ‘Tentáculos’ porquê? Em termos económicos, se uma empresa se torna atractiva para outra, tal será positivo, julgo eu.
‘O primeiro sinal de alarme deu-se com a investida da Explorer Investments’. ‘Sinal de alarme’? A propósito de quê? Só pequeninas e pobretas é que as empresas são boas? Sinal de alarme seria uma empresa ter prejuízo, correr o risco de falência e não propriamente tornar-se atractiva para ser adquirida, sinal de reconhecimento do seu desempenho e mais-valia.
‘Resta agora saber quem serão as próximas vítimas’. ‘Vítimas’? Mas alguém lhes fez mal? Alguém as adquiriu contra vontade?
Parece que a jornalista terá preferência por determinado modelo económico, nada a opor, mas descrever os factos enquadrando-os nesse modelo, de forma crítica, parece-me provavelmente abusivo, e limitador das interpretações que os leitores poderiam eventualmente fazer”.

Este tema é um dos mais sensíveis quanto ao estilo de jornalismo do PÚBLICO – aliás, do jornalismo em geral. Dizem os manuais que, num órgão de informação adepto da isenção e da equidistância (conceitos ausentes do Estatuto Editorial do PÚBLICO mas decorrentes do seu Livro de Estilo, ao vincular os jornalistas a “elaborar as notícias da forma o mais imparcial possível, independentemente das suas convicções pessoais” – ponto 2 dos “Princípios e normas de conduta profissional”), a objectividade é de rigor (ponto 7 do mesmo articulado). Mas na prática esse é um dos desígnios mais difíceis de cumprir em jornalismo.

O próprio director do PÚBLICO o reconhece, ao ser solicitado pelo provedor para se pronunciar sobre este caso: “As normas do Livro de Estilo resultam da doutrina de acordo com a qual um jornalista deve ser o mais imparcial possível, mesmo sabendo-se que, como ser humano, por definição subjectivo, este olhará sempre para a realidade que descreve de acordo com as suas referências e preocupações. Ou seja, mesmo fazendo um esforço para se abstrair dos seus preconceitos pessoais ou ideológicos, dificilmente deixará de dar mais importância ao que sente ser mais importante”. Resumindo, conclui José Manuel Fernandes: “O jornalista persegue a objectividade sabendo que esta é virtualmente inalcançável devido à sua própria subjectividade, razão pela qual deve realizar um esforço acrescido de imparcialidade”.

Circula nos últimos anos entre os jornalistas uma moda segundo a qual, sendo a objectividade utópica, o esforço para a alcançar redunda num acto hipócrita, pelo que mais transparente será cada um assumir, nas matérias que publica, a sua própria visão do mundo. O PÚBLICO, ao longo da sua história, não se pode considerar imune a esta corrente, tanto mais que admite no seu Livro de Estilo, no ponto 1.a do capítulo “Os factos e a opinião”, que, “tal como não existe objectividade em estado puro, não existem nos textos jornalísticos fronteiras absolutas entre informação, interpretação e opinião”. Uma interpretação, digamos, subjectiva desta frase abre a porta a um jornalismo opinativo, se bem que mais à frente se estabeleça que “a apresentação dos factos não deve ser ‘enviesada’ por forma a sugerir sub-repticiamente uma conclusão resultante da opinião particular do jornalista” e se declare que “uma relação séria e leal com o leitor pressupõe o respeito pela diferença de códigos entre informação e opinião” (ou seja, o jornalista não deve fazer passar de contrabando juízos subjectivos sob a capa da objectividade).

O facto é que, da leitura do PÚBLICO ao longo da sua existência, se conclui pela adopção de uma grande amplitude estilística que admite a introdução, em muitas peças jornalísticas, dos pontos de vista do autor, como prática normal e aceitável, sem intervenção correctiva por parte dos editores.

Assim que o provedor iniciou funações (no início deste ano), recebeu uma queixa de um leitor (apenas identificado por Nuno) acerca de um trabalho de Rita Siza (RS), correspondente deste jornal em Washington, sobre as primárias norte-americanas, publicado em 3 de Janeiro nas págs. 2/3: “Rita Siza classifica as propostas económicas do [então] candidato John Edwards como populistas [‘populismo económico’]. Longe de saber que a referida senhora fazia parte do painel de comentadores do PÚBLICO, gostava que me explicassem o que quer ela dizer com essa afirmação. (...) Desde quando é que o preconceito ideológico ou o diz que disse classificatório deram entrada no Livro de Estilo do jornal? Já agora, que [John] McCain seja um dos políticos mais respeitados parece-me confirmável, daí à conclusão de que é dos mais consistentes já vai um juízo de valor formulado pela jornalista comentadora”.

Ambas as jornalistas apresentam justificação para o tom ou a maioria das expressões utilizados. Explica Ana Rita Faria: “O propósito deste artigo era traçar um quadro da crescente concentração que o sector editorial está a atravessar, com cada vez mais editoras nas mãos de poucas e grandes empresas. Nesse sentido, expressões como ‘sinal de alarme’ ou ‘tentáculos’ pretendem transmitir uma imagem dessa realidade de crescente concentração editorial e não veicular qualquer tipo de opinião, crítica ou preferência por determinado modelo económico. (...) Quanto a ‘vítimas’, não foi empregue com o sentido de vitimização de determinados protagonistas, mas sim no sentido de ‘alvos’. Reconheço, contudo, que, para não gerar interpretações dúbias, teria sido melhor optar por outra expressão’.

E alega Rita Siza: “É verdade que escrevi diversas vezes que a candidatura de John Edwards insistia numa mensagem de populismo económico, nunca como analista ou comentadora, mas antes reproduzindo aquilo que era veiculado e reconhecido pelos porta-vozes da campanha de Edwards como sendo a sua plataforma política. Nos EUA, o ‘populismo económico’ está estudado e referenciado pelos historiadores e académicos desde os finais do século XIX como o movimento de defesa da lavoura e do operariado contra o patronato – os termos foram entretanto actualizados para a luta da classe média contra os poderes corporativos ou os grupos de interesse. Essa era exactamente a mensagem de Edwards, o candidato presidencial que mais falou sobre a pobreza, a desigualdade económica e a corrupção e cuja campanha assentou (como se comprova em todas as suas intervenções) na luta do ‘povo contra os poderosos’”. Quanto a McCain ser “um dos políticos mais consistentes dos EUA, é fácil de confirmar: a sua longa carreira no Senado foi avaliada e classificada com a nota de 82 por cento pela American Conservative Union, que publica um ranking sobre o sentido dos votos dos políticos – McCain vota consistentemente de forma conservadora”.

José Manuel Fernandes encara porém estas situações de forma diferente: “É para mim claro que o texto a que se refere Gabriel Silva violou as regras do bom jornalismo e não cumpriu com o recomendado no Livro de Estilo O caso em apreço não remete para nenhum valor fundamental da vida em sociedade [área onde o Livro de Estilo admite que o jornalista ‘não está obrigado à neutralidade’], pelo que se exigiria sempre uma leitura mais distanciada e não adjectivada ou valorativa da compra da Oficina do Livro [uma das editoras da Explorer Investments] pelo Grupo Leya”. Quanto ao outro caso: “Podemos considerar um adquirido que Hitler, Estaline ou Salazar governaram de forma ditatorial, se bem que existam enormes diferenças entres estes regimes, mas já é mais discutível que possamos classificar o ex-candidato presidencial John Edwards como um populista ou que classifiquemos, numa notícia ou reportagem, as políticas de José Sócrates como, digamos, neoliberais (algo que julgo nunca ter acontecido, a não ser quando se cita alguém com essa opinião)”. (Recomenda-se a leitura no blogue do provedor da resposta completa de José Manuel Fernandes, que devido à sua extensão não pode ser aqui reproduzida integralmente).

Recomendação do provedor. Não existindo a objectividade em estado bacteriologicamente puro, é desejável que o PÚBLICO a tenha como meta, pelo que se aconselha aos seus jornalistas e editores seguir com mais atenção, rigor e exigência as indicações do Livro de Estilo nessa matéria.


CAIXA:

Revisão, precisa-se

Na sua permanente luta contra a praga da discordância verbal em frases contendo como sujeito o pronome relativo “que” (recordemos ter Camões escrito em Os Lusíadas “Era este Catual um dos que estavam corruptos pela Maumetana gente” e não “Era este Catual um dos que estava corrupto pela Maumetana gente”), o provedor regista mais alguns casos recentes retirados da leitura ocasional do PÚBLICO: “É daquelas coisas que acontece e contra a qual ninguém pode fazer nada” (P2, 24 de Maio, pág. 16); “Uma das razões que tem levado os supervisores financeiros a olhar à lupa para o grupo” (20 de Maio, pág. 41); “Um dos empresários que se mostrava mais agastado com a situação” (PUBLICO.PT, 13 de Maio); “Uma mulher chora a morte de um neto numa das escolas que colapsou” (17 de Maio, pág. 17 – legenda de foto); “Um dos vários livros que preserva frases dessa época” (P2, 10 de Maio, pág. 5); “É daquelas coisas que mais profundamente afecta o inultrapassável ego de Mourinho” (2 de Maio, pág. 38); “Um dos descompassos que contribuiu para reforçar o sentido do trajecto” (P2, 24 de Abril, pág. 9); “Uma das ideias que caiu” (P2, 20 de Abril, pág. 7); “Na verdade é uma das formações que melhor merece essa classificação” (P2, 14 de Abril, pág. 9); “O escândalo sexual coloca em causa a carreira de um dos homens que transformou a Fórmula 1” (6 de Abril, pág. 33); “José António Camacho não é daqueles treinadores conhecidos por ser um mestre de táctica” (11 de Fevereiro, pág. 31).

Publicada em 25 de Maio de 2008

DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR

Explicações de José Manuel Fernandes:

As normas do Livro de Estilo resultam da doutrina de acordo com a qual um jornalista deve ser o mais imparcial possível mesmo sabendo-se que, como ser humano, por definição subjectivo, este olhará sempre para a realidade que descreve de acordo com as suas referências e preocupações. Ou seja, mesmo fazendo um esforço para se abstrair dos seus preconceitos pessoais ou ideológicos, dificilmente deixará de dar mais importância ao que sente ser mais importante. Isto não significa que tenha um “agenda” ou que deixe conspurcar os seus textos em função das suas prioridades políticas, antes que nunca se consegue abstrair por completo do que é e do que sente. Ao filtrar o que é mais importante num simples press-release qualquer jornalista deve avaliar o que nele é mais relevante para aqueles a quem se dirige, acto que implica um julgamento naturalmente subjectivo.

Colocando os temas de outra forma, o jornalista persegue a objectividade sabendo que esta é virtualmente inalcançável devido à sua própria subjectividade, razão pela qual deve realizar um esforço acrescido de imparcialidade.

Para o leitor perceber melhor, um exemplo concreto: ajuizar se, num jogo de futebol, houve ou não grande penalidade. Sabemos que duas pessoas imparciais, alheias às paixões clubísticas, podem ver e rever a jogada e não estar de acordo porque podem divergir sobre, por exemplo, se houve mão na bola intencional ou bola na mão involuntária. Sendo o caso claro – a bola bateu na mão de um defesa dentro da grande área –, a leitura sobre se essa ocorrência deve ou não dar origem a uma grande penalidade pode diferir conforme a experiência do observador não apaixonado. Basta – imaginemos - que tenha jogado como defesa e protagonizado uma situação semelhante. Contudo, se podemos imparcialmente não chegar a acordo, e isso é legítimo, aquilo que as regras do jornalismo interditam é que sejamos parciais em função da nossa opção clubística.

Feito este brevíssimo enquadramento, é para mim claro que o texto a que se refere o leitor Gabriel Silva violou as regras do bom jornalismo e não cumpriu com o recomendado no Livro de Estilo. O caso em apreço não remete para nenhum valor fundamental da vida em sociedade, pelo que se exigiria sempre uma leitura mais distanciada e não adjectivada ou valorativa da compra da Oficina do Livro pelo Grupo Leya.

É certo que o jornalismo permite diferentes graus de subjectividade, mas estes têm de ser claros para o leitor. O texto de uma notícia deve ser o mais imparcial possível e não deve estar contaminado por qualquer preconceito (como, por exemplo, o de que é melhor existirem pequenas editoras do que grandes grupos editoriais). Uma notícia mais detalhada poderia ouvir opiniões diversas sobre essa ocorrência, exigindo o Livro de Estilo que os juízos qualitativos devem sempre ser atribuídos fontes identificadas (um pequeno editor, por exemplo), não devendo passar “de contrabando” no corpo da notícia. Já num trabalho de análise – ou naquilo a que na imprensa anglo-saxónica se designa por news analysis – o jornalista tem a possibilidade de, mesmo sem escrever um comentário onde exprime as suas opiniões, seleccionar as opiniões que se enquadram melhor na sua própria análise, assim a sustentando.

Infelizmente estas distinções, muito claras na imprensa anglo-saxónica, nem sempre são respeitadas no PÚBLICO, ocorrendo por vezes que a adjectivação numa notícia ultrapassa o limite do que temos por adquirido. De novo, um exemplo: podemos considerar um adquirido que Hitler, Estaline ou Salazar governaram de forma ditatorial, se bem que existem enormes diferenças entres estes regimes, mas já é mais discutível que possamos classificar o ex-candidato presidencial John Edwards como um populista (com já aconteceu numa notícia do PÚBLICO) ou que classifiquemos, numa notícia ou reportagem, as políticas de José Sócrates como, digamos, neoliberais (algo que julgo nunca ter acontecido a não ser quando se cita alguém que tem essa opinião).

A recente remodelação gráfica do jornal procurou encontrar fórmulas que permitam ao leitor distinguir de forma clara o que é uma notícia, uma reportagem, uma análise ou um comentário, mas a verdade é que nem sempre isso é bem concretizado, e há mais textos onde, contra o que estabelece o Livro de Estilo, a adjectivação do jornalista transforma o que devia ser uma notícia seca (eventualmente acompanhada de um comentário claramente separado pelo estilo e pelo grafismo) quase num texto de opinião.

Aí já não há a desculpa da subjectividade – há o erro da leitura parcial, para não dizer facciosa.

JMF

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Caça-gralhas (V)

Envio um extracto de um texto publicado hoje no PÚBLICO, na secção de opinião de Graça Franco (pág. 51):

“Assistimos a um crescendo de violência doméstica entre jovens nos mais diversos extractos sociais”.

Claramente houve um extracto errado e estratificado.

Manuel Ferreira dos Santos

domingo, 18 de maio de 2008

A voz do público

Alguns reparos críticos de leitores que, a serem acatados, poderiam melhorar o PÚBLICO

Escreve o leitor Gabriel Silva: “A coluna ‘Sobe e desce’, publicada na última página, nunca vem assinada, o que me parece descabido e estranho, na medida em que nela se faz um destaque e se emite um juízo de valor ou opinião. Por uma vez, no dia em que José Pacheco Pereira foi director [5 de Março último], o mesmo assinou tais textos. Com esse indicador, dever-se-á pressupor que tal artigo é feito pelo director ou pela direcção? Seria desejável que de uma forma ou de outra alguém passasse a assumir as posições vertidas naqueles artigos, tanto mais que nem sempre se percebe os respectivos critérios ou juízos de valor”.
Não sendo assinada, esta secção, onde se emitem juízos subjectivos sobre figuras públicas, assume valor de editorial (num jornal onde, curiosamente, os editoriais são assinados). É essa a intenção? O provedor colocou a questão ao director do PÚBLICO, mas não obteve resposta. Seria bom a direcção do jornal clarificar o assunto. Sublinhe-se que o Livro de Estilo do PÚBLICO não prevê a existência de espaços de opinião não assinados (ponto 6 do capítulo “Os factos e a opinião”). Estabelece ainda o ponto 12 dos “Princípios gerais” que os textos de opinião, “quer os dos colunistas regulares quer os dos ocasionais, devem identificar o seu autor (...)”.

O espaço do caderno P2 reservado ao anúncio da programação do dia relativa à televisão por cabo tem sido algumas vezes preenchido, ao invés, por publicidade. Reclama o leitor Eugénio de Sousa: “A informação sobre programação de TV nos jornais não só não é desprezível como é útil (...). Pergunto se será razoável, ou mesmo legítima, a substituição esporádica da informação, que os leitores habitualmente esperam, por publicidade”.
A programação de TV (tal como, por exemplo, a informação sobre a meteorologia ou as farmácias de serviço) faz parte do serviço básico prestado pelo jornal aos leitores, que se habituam a encontrá-la no sítio certo com a regularidade certa. Não faz sentido a sua interrupção colocando a publicidade como valor mais elevado. Sendo certo que os anúncios são cruciais para a viabilidade do jornal, os seus responsáveis deveriam procurar soluções que não prejudicassem a continuidade desse serviço.

Por falar em TV, Rogério Togeiro reparou na seguinte contradição na edição de 25 de Abril do suplemento “Economia”: “Na pág. 12, está escrito no primeiro parágrafo do artigo ‘Televisão e companhia’: ‘Nos dias que correm, poucas são as casas em que os quatro canais generalistas persistem estóica e teimosamente sós’. Mas na pág. 13, no sétimo parágrafo do artigo ‘TDT é mais uma alternativa’, fala-se do que ‘acontece ainda hoje com cerca de 60% dos portugueses, que no pequeno ecrã assistem apenas às emissões da RTP, RTP2, SIC e TVI". E pergunta: “Qual das afirmações está errada? E o que está escrito no resto dos artigos estará correcto?”
Embora de jornalistas diferentes, os dois artigos integram o mesmo dossiê, pelo que uma edição atenta deveria eliminar este tipo de incongruências.

Uma questão já antiga, envolvendo o suplemento “Digital” do PÚBLICO (entretanto desaparecido), mas que o provedor não quer deixar em claro, foi suscitada por um leitor anónimo acerca da edição de 20 de Janeiro, onde se convidou um painel exterior à redacção para uma avaliação qualitativa dos sites de museus portugueses (pág. 9): “Para mim é muito grave o facto de não se ter informado os leitores que um dos elementos do júri é da empresa responsável pela construção da presença web do Museu de Serralves, eleito como ‘o melhor’. É curioso como a ‘avaliadora’ da Seara.com não se inibe de comentar a qualidade do site de Serralves feito pela Seara.com, sem o seu vínculo ser minimamente mencionado. Eu, que tenho alguns conhecimentos desta área, identifico a falha. Mas, fico com muito receio de estar a ser mal informado em todos os assuntos noticiados pelo PÚBLICO.
Acho que a escolha dos ‘especialistas’ que comentam notícias é um dos aspectos mais opacos do jornalismo actual. Gostaria de saber qual é o protocolo do PÚBLICO neste aspecto. Existem algumas regras para salvaguardar interesses?”
Pedro Ribeiro, ex-editor do “Digital”, e o jornalista Hélder Beja, autor do artigo em causa, esclareceram o provedor que nem um nem outro sabiam da ligação entre a Seara e Serralves. Lamentou o segundo: “Procurei que profissionais ligados à construção de sites colaborassem (...). Entre as empresas contactadas esteve a Seara, reconhecidamente importante na área. (...) O site do Museu de Serralves foi o que melhor cotação mereceu – não apenas da Seara mas de todas as partes ouvidas. O erro da minha parte, que assumo: não fiz um match entre as empresas/profissionais que contactei e os responsáveis pela construção das ditas páginas web. Em nenhum momento a empresa, que sabia quais os objectivos do trabalho, me informou de que o site era da sua autoria. Não serve para desculpar a minha falha mas é um comportamento igualmente reprovável. Compreendo a posição do leitor. Eu mesmo fiquei indignado quando soube do sucedido”. Acrescenta o editor: “Se tivéssemos sabido da associação entre a Seara e o Museu de Serralves, teríamos procurado outra pessoa; ou, no mínimo, teríamos identificado claramente essa ligação. Não sabíamos, e não o fizemos. Erro nosso”.
Quanto às regras que o PÚBLICO deve seguir neste tipo de situações, elas pautam-se naturalmente pela salvaguarda da sua independência, pedra de toque do estatuto editorial do jornal, que não foi desta vez devidamente acautelada.

Particularmente irritante para um autor (e disso também já se queixou o provedor) é quando quando a revisão altera para mal o que estava bem. Assim parece ter acontecido com a crónica de Frei Bento Domingues publicada ao lado desta página a 13 de Abril. O caso já foi abordado no blogue do provedor, mas vale a pena retomar aqui o protesto enviado pela leitora Mariana Mendes Pereira no próprio dia: “Estranhei de tal modo as últimas palavras desta crónica que entrei, de imediato, em contacto com o Frei Bento, que logo me sossegou e esclareceu. Os senhores já têm apresentado gralhas, o que sendo lamentável pode ser desculpável. Na crónica de hoje, porém, não se trata de uma gralha. É algo de muito grave! Introduziram o artigo “a” na frase final: “Nós somos Igreja” [“Nós somos a Igreja”]!. Não perceberam que alteraram o sentido da frase? Se, por acaso, tivessem alguma dúvida, por que não esclarecê-la com o autor? Como podem fazer isso? Quem, entre os vossos colaboradores, se imagina na cabeça do autor a ponto de mudar o sentido dos seus textos?! Que credibilidade oferecem aos leitores? No mínimo, o que podem fazer é apresentar uma rectificação já amanhã, alterar o texto na edição online e pedir desculpa ao autor com a maior urgência”.
Tanto quanto o provedor se pôde aperceber, a rectificação nunca foi feita.

Por fim, de novo a difícil relação dos jornalistas com os números. Ontem mesmo, Arie Somsen enviava ao provedor a seguinte reclamação: “No suplemento ‘Economia’ [da passada sexta-feira], escreve R.A.C., na pág. 2, sob o titulo “A mão que embala o bolso”, que 193 milhões de dólares são 300 milhões de euros. Vai repetindo o erro mais umas vezes [quatro, contou o provedor]. Já tenho notado que o forte da maioria dos jornalistas não são as contas; no entanto, deveria haver alguém a chamar a atenção de que, se um euro é igual a 1,55 dólares, deveria dividir a verba em dólares para obter o valor em euros, e não multiplicar. Mais grave ainda num suplemento de economia”.
Vai de facto uma enorme distância entre 300 milhões de euros e 123,905 milhões, que é quanto valiam 193 milhões de dólares ao câmbio de ontem. Há sites na internet que fazem a conversão directa, sem nenhum esforço para o jornalista.

CAIXA:
Lost in translation

Esta expressão inglesa, que não encontra equivalente no nosso idioma, indica o muito que se perde quando se traduz de uma língua para outra. Não vale a pena perder ainda mais por uma má tradução, o que porém acontece com frequência no nosso jornalismo, obrigado constantemente a consultar fontes escritas e orais de língua inglesa.

Ainda há pouco, o leitor Marques da Silva alertava para a qualidade da tradução do artigo "A vulnerabilidade moral dos mercados", de Robert Skidelsky, publicado na pág. 15 do caderno “Economia” de 11 de Abril. E mencionava um exemplo (já abordado no blogue do provedor): a frase ‘the simplest way of doing this is to restrict advertising” era traduzida como “a publicidade é a forma mais simples de o conseguir”, quando se queria dizer o contrário, “a restrição da publicidade é a forma mais simples de o conseguir”.

Já esta semana, outro leitor, Carlos António Acabado, reclamava, a propósito do artigo "Israel e os seus mitos 60 anos depois", da “Pública” de domingo passado, quanto à tradução de declarações de entrevistados ou referências a livros. “Na pág. 30, fala-se da ‘coragem e ingenuidade do Haganah’. Ora, ou muito me engano ou esta ‘ingenuidade’ é filha... ‘bastarda’ (...) do termo ‘ingenuity’, que hoje, só, digamos, por grande ‘distracção’ se ‘traduz’ (...) por ‘ingenuidade’. Se há coisa, de resto, que o Haganah e o ‘primeiro Israel’ moderno não foram (nem são!) é ingénuos... ‘Engenhosos’, para não dizer ‘astutos’ e mesmo ‘manhosos’, ah isso sim, com certeza”. Noutro ponto (pág. 33), fala-se da “condescendência dos judeus que tinham emigrado para a Palestina em relação às vítimas do Holocausto”, quando, como considera o leitor, “’condescend’ (...) significa basicamente ‘olhar alguém ou alguma coisa com algum desdém ou distanciamento’, ‘com altivez’, ‘com desafectação’, ‘com sobranceria’. Ou seja, a atitude referida seria de paternalismo, não de condescendência.

Talvez seja por isto que o “Inimigo Público” prefere não traduzir os cartoons internacionais que publica, atitude elitista que segrega parte significativa dos leitores. Que tal serem, ao menos, bilingues?

Publicada em 18 de Maio de 2008

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Anual ou mensal?

Continuo a não pretender encontrar erros no PÚBLICO, mas aparecem, e na 1ª pág. Na notícia "Famílias gastam mais 800 euros/ano com alta de preços": "(...) e o agravamento da factura (...) pode chegar ao final de 2008 aos 1200 euros mensais". Não percebi nada e foi necessário passar à pág. 2: "(...) e o agravamento da factura (...) pode chegar no final de 2008 aos 100 euros mensais".

Augusto Küttner de Magalhães
Porto

quarta-feira, 14 de maio de 2008

O nº 2 no avião

No artigo "Sócrates violou a lei ao fumar em voo da TAP para Caracas", publicado na pág. 6 da edição de 14 de Maio, fala-se do "supervisor do voo, João Raio, a segunda autoridade a bordo logo após o comandante" (penúltimo parágrafo).

Gostaria de esclarecer que a segunda autoridade a bordo após o comandante é o co-piloto. Na hierarquia, a seguir ao co-piloto vem, agora sim, o supervisor de voo.

António Mexia Leitão
Piloto da TAP

domingo, 11 de maio de 2008

O jornal, o deputado e o banco

Acusar um parlamentar de conflito de interesses é um acto de responsabilidade, pressupondo um prévio apuramento rigoroso dos factos

A notícia, saída na pág. 39 do PÚBLICO de 22 de Abril último (com chamada à primeira página) era categórica: o deputado social-democrata Jorge Neto (JN), presidente da Comissão de Orçamento e Finanças da Assembleia da República, “presta assessoria” ao Banco Português de Negócios (BPN), entidade sob investigação actual das autoridades no âmbito da Operação Furacão, relativa ao funcionamento do sistema financeiro. Dizia-se ainda que na comissão da AR liderada por JN fora “decidida a abertura de um inquérito para analisar a supervisão do sistema bancário, segurador e do mercado de capitais”, sugerindo-se assim que o deputado seria juiz em causa própria. E, como comprovação da ligação do parlamentar ao banco em causa, adiantava-se que “a assinatura de Jorge Neto consta mesmo de alguns pareceres encomendados pelo BPN”.

As autoras da notícia, Cristina Ferreira (CF) e Mariana Oliveira (MO), não invocavam uma única fonte (identificada ou não) para sustentar as informações publicadas. Mas falavam com o visado, que desmentia a ligação ao BPN embora revelasse que o seu escritório de advogados, Jorge Neto, J. Carlos Silva & Associados, trabalha ou trabalhou para uma seguradora detida pela instituição bancária: “Admitiu estar ligado à Real Seguros, detida a 100 por cento pelo banco”, concluíam as jornalistas.

Dois dias depois (sem chamada à primeira página), o jornal publicava um desmentido (assinado não por JN mas pelo seu sócio João Carlos Silva) onde se consideravam “falsas” todas as informações acerca da suposta ligação de JN ao BPN e se esclarecia que os serviços de advocacia prestados à Real Seguros haviam estado a cargo não do deputado mas de um sócio seu.

Ignorando aparentemente o desmentido, a jornalista São José Almeida (SJA), na sua crónica semanal publicada outros dois dias mais tarde, sob o título “Promiscuidade”, questionava: “Como vai JN gerir este conflito latente de interesses? Como é possível ser, ao mesmo tempo, responsável pela investigação e jurista que aconselha um dos investigados?”

Este artigo foi motivo para JN enviar novo desmentido ao PÚBLICO, desta vez com a sua assinatura, publicado ao fim do já metódico intervalo de dois dias. Nele o deputado voltava a negar veementemente a sua alegada ligação ao BPN, adiantando ainda que a competência da abertura do mencionado inquérito parlamentar não era da comissão a que preside: “Não sendo [o signatário], como não é, membro da comissão parlamentar de inquérito e não sendo, como não é nem nunca foi, advogado, consultor ou assessor do BPN (...), não há, obviamente, o mais remoto conflito de interesses”.

Acerca dos dois desmentidos, o PÚBLICO nada replicou ou esclareceu – nem as autoras da notícia, nem um editor, nem a direcção. Mas na sua crónica seguinte, em nota final, constatando o desmentido do parlamentar, SJA pedia “desculpa aos leitores e, evidentemente, ao deputado Jorge Neto”. E nada mais disse o jornal sobre o caso até ao envio para a redacção deste texto do provedor.

O sucedido suscita diversas questões sobre ética jornalística e sobre o modo de produção noticiosa da redacção do PÚBLICO. Acima de todas, o sempre presente problema da citação das fontes de informação, já abordado por este provedor em crónicas anteriores. Independentemente da lacuna que o provedor considera existir sobre a matéria no Livro de Estilo do PÚBLICO, acontece que a notícia não cumpre nem o normativo existente nem aquele que habitualmente é seguido pelas convenções jornalísticas universais. Ou seja, aceitando-se que, em tema desta natureza, as jornalistas não pudessem identificar a sua fonte ou fontes, deveriam confirmar a informação junto de pelo menos duas fontes independentes entre si, e em nenhum passo da notícia informam o leitor de que assim tivessem procedido. Poderiam eventualmente apoiar-se em documentos escritos (o que daria até maior credibilidade à informação), mas a falta de reacção do jornal aos desmentidos sugere a sua ausência.

O provedor solicitou explicações a CF e MO, que enviaram uma curta declaração resumida no seguinte: “As jornalistas admitem poderem existir algumas imprecisões no artigo, que, contudo, não afectam a substância da notícia. Jorge Neto não pode, no entanto, negar que a sociedade de que faz parte trabalhou para o grupo BPN”. Esta conclusão baseia-se nos seguintes “factos indesmentíveis”: “A sociedade [de JN] trabalhou para a Real Seguros, que integra o grupo BPN, conforme consta do próprio site da empresa e escreveu o PÚBLICO. (...) O BPN encontra-se sob investigação das autoridades de supervisão bancária e financeira, e do Ministério Público, no âmbito da Operação Furacão. Após as audições do caso BCP, alguns deputados do PSD da Comissão de Orçamento e Finanças apresentaram um requerimento potestativo que determinou a abertura de um inquérito para analisar a supervisão do sistema bancário, segurador e do mercado de capitais. Curiosamente, Jorge Neto não o subscreveu”.

Convenhamos porém que ser sócio de uma empresa que presta serviços a uma tributária do grupo BPN é diferente do que dizia a notícia em título (“Líder da Comissão de Orçamento e Finanças presta assessoria ao BPN”) ou na chamada de primeira página (“Jorge Neto é assessor de banco sob investigação”). Por outro lado, não ter subscrito o pedido parlamentar de inquérito, só por si, não autoriza insinuações a nível noticioso. São necessários elementos mais concretos, que manifestamente faltaram.

As jornalistas possuem a convicção da veracidade da notícia (pelo menos na sua parte nuclear) e a esperança de que tal venha ao de cima – e não é o provedor quem o vai contrariar. Mas as notícias não se fazem de convicções e expectativas, antes de certezas fundamentadas em fontes credíveis. Além disso, se as duas consideram que o essencial da notícia não está afectado, não se percebe a razão que levou SJA a pedir desculpas a JN.

Em contactos separados, CF e MO adiantaram alguns detalhes ao provedor. Para além de deficiências de articulação (CF trabalha na redacção de Lisboa e MO na do Porto), o provedor formou a ideia de alguma leviandade, falta de rigor e precipitação na forma como, a partir das vagas indicações recolhidas, se saltou para as conclusões publicadas. Particularmente frágil é a alegação sobre os supostos pareceres de JN para o BPN, já que as jornalistas nunca viram esses papéis nem têm indicações de que a sua fonte ou fontes os tenham visto.

O provedor não possui jurisdição sobre matéria de opinião emitida pelos colunistas, mas, dada a circunstância de SJA ser também jornalista do quadro redactorial do PÚBLICO, entendeu dever perguntar-lhe se, quando se referiu ao “conflito latente de interesses” envolvendo JN, não havia lido o desmentido antes divulgado ou, lendo-o, não o levara a sério. A jornalista respondeu que “não tinha lido o desmentido, nem tinha conhecimento da sua existência”. Por uma questão de respeito para com os leitores, o provedor acha insólito que um jornalista desconheça aquilo que o seu próprio jornal publica e escreva sobre um tema sem antes se informar acerca dos seus desenvolvimentos.

Nos dois textos em causa, há também um claro problema de edição, já que um responsável da hierarquia jornalística deveria tê-los lido previamente e alertado as autoras, por um lado, para a falta de sustentação da notícia e, por outro, para o desmentido já publicado esvaziando a opinião emitida. Nada disso aconteceu, pelo que o provedor questionou também o director do PÚBLICO sobre a elaboração da notícia, perguntando ainda se não havia erros a admitir da parte do jornal. Foi prometida uma resposta da direcção, que porém não chegou a tempo de integrar esta crónica.

Acusar um deputado de conflito de interesses é um acto de grande responsabilidade pública, pressupondo um prévio apuramento rigoroso dos factos, o que não terá sucedido no caso vertente.

Recomendação do provedor. As regras da citação de fontes (orais ou escritas), que, se seguidas, impediriam as falhas verificadas, permanecem como pedra de toque da investigação jornalística, devendo ser sempre acatadas.


CAIXA:

O racismo quotidiano

A notícia “Homem cego foi obrigado a mendigar durante 12 anos” (PÚBLICO, 8 de Maio, pág. 13) começa assim: “Começou ontem, no Tribunal de S. João Novo, no Porto, o julgamento de cinco elementos de uma família de etnia cigana acusados pelo Ministério Público dos crimes de sequestro, maus tratos e escravidão infligidos a um cego”. Se os acusados pertencessem à maioria étnica da sociedade portuguesa, seguramente que a notícia não se referiria a “uma família de etnia branca”; porém, os jornais tendem a sublinhar essa característica sempre que os suspeitos de crimes pertencem a minorias raciais. Cria-se assim a ideia junto do público de que os criminosos integram em regra minorias étnicas. É o racismo quotidiano dos jornalistas portugueses – involuntário, é certo, inconsciente mesmo, mas real. O Livro de Estilo do PÚBLICO estabelece que “a cor da pele ou a nacionalidade do suspeito de um crime nunca devem merecer relevância noticiosa, salvo quando existirem óbvias implicações com interesse público” (ponto 24 dos Princípios e Normas de Conduta Profissional), mas quem é que respeita essa norma?

Publicada em 11 de Maio de 2008

sábado, 10 de maio de 2008

Escrito no ar

No "Escrito na pedra" do P2 de hoje [3] escreve-se que Júlio César foi imperador romano. Qualquer pessoa medianamente culta sabe que César nunca foi imperador, que o primeiro imperador foi Octávio. Conclusão: como se comprova tantas vezes, o PÚBLICO tem jornalistas que nem chegam a ser medianamente cultos.

João Vasconcelos Costa

A independência de um jornal

Parabéns pela inserção do comentário "Bob Geldof, cidadão angolano" [de Miguel Gaspar, 8 de Maio, pg. 52]. Demonstra distanciamento relativamente ao poder politico e à tenebrosa ligação entre ele e os grandes interesses económicos. Muito foi dito, mas sobrou muito mais por dizer: os interesses no Algarve (Castro Marim - Altura), os "testas-de-ferro" em Portugal, a escandalosa maneira como se movem aqui os protegidos do governo de Luanda, a maneira arrogante, abusadora e intencionalmente grosseira como se comportam alguns cidadãos angolanos, ricos sem que se lhes conheça de onde vem o dinheiro e aos quais os bancos não questionam a origem.

No fim fica esta questão:
Tem o PÚBLICO o mesmo distanciamento (publicando-os) quando a ele dirigimos os nossos comentários, mesmo que os mesmos, apesar de legítimos, possam de alguma forma "chamuscar" os interesses do seu grupo?

Rui Figueiredo
(assinante versão PDF)

NOTA DO PROVEDOR: Se o provedor não acreditasse que o PÚBLICO possui esse distanciamento, não ocuparia o cargo.

Desespero de um leitor

PÚBLICO de quinta-feira, 8 de Maio, página 3, destaque sobre o novo Museu do Oriente (tema que muito me interessa; li o destaque com curiosidade). Mas dizia: artigo de Lurdes Ferreira. Título: "Fim das receitas do jogo obrigaram a diversificação". O FIM (...) OBRIGARAM??? Decididamente, a luta continua. Enfim, a minha, claro..., e o desespero aumenta, meu Deus!

José Oliveira, Cruz Quebrada

A gravidez de Carolina

Não me parece muito curial que, querendo o PÚBLICO ser um jornal de referência, dê uma notícia sobre a gravidez da Carolina Salgado! Bem sei que é no P2 [9 de Maio, pg. 16], mas, mesmo assim... Acho que é o género de notícias mais da esfera do 24 Horas (sem desprimor para o 24 Horas, claro). Penso e espero que os leitores do PÚBLICO pouco se interessarão pelas actividades da Srª Salgado. É o tipo de notícias que em França se diria que são para os chamados jornais de concierge, que acredito não seja o objectivo do PÚBLICO. E que o PÚBLICO não deve deixar-se arrastar para um certo populismo da notícia, que realmente não deve ser para o seu público alvo.

Paula de Oliveira

NOTA DO PROVEDOR: Um jornal generalista tem forçosamente de ser variado nos temas que aborda. Carolina Salgado ganhou estatuto de figura pública, sendo natural a curiosidade da opinião pública (e portanto dos media) sobre a sua figura. Tudo depende da projecção que se dá à história. Neste caso, está equilibrada nos parâmetros da linha editorial do PÚBLICO.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Os golos "irregulares" do FC Porto

O jornalista do PÚBLICO Jorge Miguel Matias, autor do texto “Uma vitória regular do FC Porto com dois golos irregulares”, analisado na última crónica do provedor, enviou a este o seguinte esclarecimento posteriormente à publicação dessa crónica:

Segundo sei, entrou em contacto com o editor do Desporto na tentativa de obter uma resposta para as cartas recebidas em relação a uma crónica de jogo de minha autoria, não tendo recebido uma reacção em tempo útil. Refiro-me à crónica da partida entre o Vitória de Setúbal e o FC Porto, publicada na edição do dia 13 de Abril.

Confesso que esperava ter sido directamente contactado pelo provedor, uma vez que sou o autor do texto. Por isso, aproveito para manifestar a minha estranheza por tal não ter sucedido.

Agora os factos.

O título da crónica do jogo está errado. Isto porque as imagens televisivas comprovaram posteriormente que o primeiro golo do FC Porto é legal e não ilegal, como foi escrito. Trata-se portanto de um erro grave, porque induz em erro o leitor e deveria ter sido alvo de um PÚBLICO errou. E do qual, obviamente, me penitencio e apresento as minhas desculpas.

Posto isto, não pretendendo justificar mas sim explicar o erro, desejo acrescentar o seguinte.

Pergunta um dos leitores: “E o jornalista não teve pelo menos uma ligeira dúvida antes de ditar a sua sentença e de a destacar em título do artigo?” Sim, teve uma ligeira dúvida, até porque as condições de trabalho no Estádio do Bonfim estão longe de ser as ideais para analisar lances de alegado fora-de-jogo. Por isso ligou para a redacção e falou com um colega. Fê-lo, precisamente, para esclarecer a dúvida recorrendo às imagens televisivas. E a resposta que obteve foi a de que o golo era irregular.

Mas, para além desta “confirmação”, o jornalista estava a acompanhar o jogo também pelo relato da Antena 1. E nessa estação de rádio é comentador residente para a arbitragem o ex-árbitro internacional Jorge Coroado, referido pelo leitor como tendo escrito na edição do dia seguinte no jornal O Jogo que o golo era regular. Só que ao longo dessa emissão de rádio, e recorrendo às imagens televisivas, esse mesmo árbitro considerou o golo irregular. Aparentemente, mudou de opinião posteriormente. Mas, em antena, a sua avaliação do lance foi a de que se tratava de uma jogada irregular, talvez porque as primeiras imagens televisivas davam a entender que o lance era, de facto, irregular.

Em suma.

O jornalista teve dúvidas em relação ao lance e para as esclarecer fez exactamente o que foi sugerido por um outro leitor. Utilizou o telemóvel e ligou para a redacção à procura de uma segunda opinião fundamentada em imagens televisivas e recolheu a informação de um ex-árbitro internacional. E as duas opiniões foram coincidentes, servindo de base ao título e à crónica de jogo. Já em relação ao recurso à internet, ele era simplesmente impossível. De facto, estamos na era da world wide web, mas o computador portátil que foi entregue ao jornalista para a cobertura do jogo não permite o acesso à internet.

Mais.

Esse mesmo computador pura e simplesmente não funcionou. Ou seja. Toda a crónica e o positivo e negativo do jogo tiveram que ser ditados para a redacção. Uma situação excepcional, tanto mais grave quanto o facto de a partida se ter iniciado às 21h15, terminando pouco depois das 23h. Se em condições normais já há muito pouco tempo para enviar os textos dada a proximidade da hora de fecho, numa situação destas tudo se complicou e impossibilitou uma eventual reponderação de um lance que, por intermédio de duas fontes autónomas, tinha merecido uma interpretação semelhante.

Por último.

Mesmo partindo do princípio de que os dois golos do FC Porto tinham sido obtidos de forma irregular (comprovou-se depois que isso não tinha sucedido no primeiro caso), a crónica reflecte a justiça do resultado que se verificava até ao intervalo. “A forma tortuosa como o FC Porto conseguiu uma vantagem tão ampla não tira mérito à equipa de Jesualdo Ferreira, que até esta altura foi a melhor equipa em campo”, lê-se na crónica.

Assim, à parte o erro factual que não tem justificação (porque é um erro), aqui fica a explicação para o erro. Uma explicação que serve apenas para deixar claro que não faço processos de intenção em relação a qualquer clube, nem tenho ideias preconcebidas sobre quaisquer equipas de futebol. Apenas erro, como qualquer ser humano. Mesmo tentando prevenir um eventual erro, como foi o caso.

Jorge Miguel Matias

NOTA DO PROVEDOR. O provedor agradece a explicação do jornalista, assim como o reconhecimento das falhas havidas, e esclarece que não o contactara previamente porque lhe pareceu, nos casos analisados, estar-se em presença de uma questão de política editorial, pelo que resolvera escrever directamente ao editor de secção (o qual, como foi dito na crónica, não respondeu a tempo, mas que, em nota posterior enviada ao provedor, afirmou pensar que essa crónica era para publicar mais tarde). Por essa razão, o nome dos autores dos textos em causa não era aliás mencionado na crónica. A narrativa de Jorge Miguel Matias sobre a forma como construiu o seu texto leva o provedor a reforçar a recomendação de mencionar outras fontes quando se faz referência aos chamados casos do jogo.

terça-feira, 6 de maio de 2008

O paralelismo petróleo/combustíveis

O PÚBLICO refere com chamada de primeira página da edição de 1 de Maio ["Combustíveis sobem menos que o petróleo no curto prazo, mas sobem mais no longo prazo", de Lurdes Ferreira, pg. 38] uma comparação entre os preços dos combustíveis e o do petróleo brent, onde é dito que os primeiros subiram menos que o segundo (em termos percentuais) desde o início do ano.

1. A comparação que é feita não faz qualquer sentido - e este é um erro que ultimamente tem sido frequente na imprensa, com o pão por exemplo - porque o preço do brent não é o único factor a determinar o preço dos combustíveis. Há os preços de transporte do petróleo, de refinação, da distribuição dos combustíveis, de funcionamento das bombas, de mão-de-obra, impostos não-proporcionais, etc.. etc.. etc.. Isto é, nem seria sequer de esperar que a variação do preço fosse a
mesma.

2. A comparação que é feita não faz qualquer sentido porque o petróleo negociado hoje não é o combustível vendido amanhã. O preço negociado não são preços para entregas imediatas, há depois o transporte, há depois a refinação, há depois a distribuição. Não sei qual o tamanho exacto deste hiato temporal (alguns meses provavelmente), mas não será certamente zero. Isto é, deveria comparar-se os preços do combustível com o brent de uns meses atrás.

3. Por fim, um enorme disparate, que cheira a intenção política: "Consoante a perspectiva e os números usados, os portugueses têm e não têm razão de queixa, havendo apenas dois pontos sem discussão:(...) segundo, a carga fiscal, sobretudo com o aumento do IVA de 19 para 21 por cento, ajudou muito". Quando o aumento em causa é de 100% no gasóleo e 61% (desde 2000), insistir neste aumento do IVA (eu até me lembro de dois aumentos do IVA, mas a Lurdes Ferreira lá sabe porque será que só um é que conta), que levou a um aumento de 1,7% no preço ao consumidor, é ridículo.

Miguel Carvalho

O provedor solicitou esclarecimento à autora do texto, que escreveu o seguinte:

O artigo em questão partiu da alegação frequente, nos últimos meses, segundo a qual o preço da gasolina/gasóleo está a aumentar mais do que o do petróleo e que as petrolíferas estão a repercutir esse aumento de forma imediata e ignorando a diferença euro/dólar. Na quarta-feira, as reclamações ouvidas eram ainda mais frequentes, inclusive na redacção do jornal, face à reacção das petrolíferas assim que o petróleo (WTI) tocou no patamar dos 120 dólares. O artigo pretendeu mostrar se a ligação percepcionada se manifestava ou não nos números no curto e no longo prazo: um objectivo muito definido e limitado.

Primeiro passo, a lista mais recente de aumentos de preços dos combustíveis, em euros. Apesar de, durante todo o dia de quarta-feira, se ter afirmado que tinha havido 14 aumentos de preço e três descidas desde o início de Janeiro, o PÚBLICO, que teve acesso à lista, verificou que ela começava a 31 de Janeiro, e não no dia 1. Foi essa lista que usou e com essa explicitação no texto.

Segundo passo, os preços do brent, em euros. Para o efeito, o PÚBLICO utilizou os preços do fecho do mercado do brent entre um a três dias anteriores aos dos aumentos dos combustíveis (consoante os dias disponíveis das bolsas, por causa dos fins-de-semana). Este pormenor poderia ter constado de uma nota de rodapé no quadro. O resultado da comparação é descrito no texto. Findo o regime administrativo de preços máximos (31 de Dezembro de 2003), que impunha uma fórmula de cálculo que fazia com que os preços em Portugal diferissem em cerca de três semanas em relação aos europeus, as petrolíferas transferem agora mais rapidamente os aumentos. Se fosse este o objectivo do trabalho, ter-se-iam procurado outras variáveis, já que as petrolíferas afirmam que actualizam mais os seus preços em função dos preços internacionais da gasolina e dos produtos refinados do que em função do crude. Nesse sentido, o leitor tem razão quando afirma que o preço do brent não é o único factor a determinar o preço dos combustíveis na Europa.

Terceiro passo, olhar para o longo prazo, em euros. Foi escolhido o ano 2000 como referência, por permitir uma perspectiva longa, e por ser ainda um ano de preços baixos. Os dados comparados estão disponíveis no site da Direcção-Geral de Energia e reportam ao ano 2000 (média) e a Março de 2008 (média). O gráfico publicado falha na referência das datas e de se tratarem de médias. O resultado da comparação é também descrito no texto.

A aparente contradição que resultou deste exercício surpreendeu, justificando o destaque na peça e o cuidado quanto à sua leitura, referindo-se, por isso, que era “consoante a perspectiva”. Admito que a metodologia podia ser mais exigente, mas o artigo estava condicionado pelo “tempo” da informação. Por outro lado, sabemos como os números escapam frequentemente a leituras lineares. A associação que reúne os interesses das petrolíferas, a Apetro, tem no seu site contas semelhantes, mas escolhe o ano de 2002 e Março de 2008 e o resultado volta a “baralhar”, com um aumento dos preços da gasolina 95 inferior ao aumento das cotações do crude, neste período.

O leitor tem também razão quanto à falha na referência do primeiro aumento do IVA de 17 para 19 por cento, quando Manuela Ferreira Leite era ministra das Finanças.

Não sei a que o leitor se refere quando afirma que o artigo “cheira a intenção política”.

Lurdes Ferreira

domingo, 4 de maio de 2008

Filhos de um jornalismo menor?

O Livro de Estilo do PÚBLICO não prevê nenhuma excepção ou tratamento diferenciado para a informação desportiva

Em 23 de Abril de 1939, FC Porto e Benfica enfrentaram-se na cidade nortenha num dos mais dramáticos desafios da história do futebol português. Era a última jornada do Campeonato da I Liga, que o FC Porto liderava com um ponto de vantagem sobre os encarnados. O empate bastava por isso à equipa da casa, enquanto os lisboetas estavam obrigados a ganhar. O Campo da Constituição transbordava e muita gente não havia conseguido entrar. A um minuto do termo de um jogo disputado taco-a-taco, o marcador registava 3-3, quando o Benfica obteve o golo que podia dar-lhe o título. O árbitro anulou-o porém, alegando que o autor agarrara um adversário antes de atirar à baliza, e, perante o desespero benfiquista no terreno, o campeonato acabou por ficar nas mãos do FC Porto. Mas a revista Stadium, que nesses tempos anteriores à fundação de A Bola (e, para não ferir susceptibilidades, do Record e de O Jogo), era a bíblia do futebol nacional, publicaria uma foto provando que “o ‘homem que agarrou’ só poderia ter agarrado a sua sombra”. Reacenderam-se os ânimos: na capital, organizava-se uma homenagem à equipa vítima da “injustiça”, enquanto no Porto se acusava a Stadium de “falsificação”, pouco faltando para, nas ruas, se destruir a revista em auto-de-fé.

Depois dos árbitros e das suas mães, os jornalistas desportivos deverão ser as pessoas mais vilipendiadas pelos adeptos do futebol. Num país onde as sensibilidades clubísticas estão à flor da pele, os próprios jornalistas não costumam ajudar a pacificar o ambiente, com os seus julgamentos categóricos acerca do que num jogo está certo e errado, as suas classificações absolutas sobre a actuação dos árbitros e o seu escasso empenho em fazerem o contraditório ao emitirem arrasadoras sentenças sobre os comportamentos no relvado.

Estão aliás no seu direito, à luz da liberdade de expressão. O problema é quando tais atitudes comprometem os estatutos editoriais dos respectivos órgãos de informação, se estes preconizarem a isenção, a equidistância, a comprovação dos factos ou a audição das partes visadas nas notícias. As secções desportivas de muitas redacções parecem um mundo à parte, com os seus códigos distintos dos dos restantes jornalistas. É habitual, por exemplo, ver repórteres condenarem sumariamente decisões dos árbitros em órgãos de informação onde seria impensável fazer-se o mesmo perante as sentenças judiciais.

Um título recente do PÚBLICO, na pág. 35 da edição de 13 de Abril, indignou sobremaneira alguns leitores. Aí se escrevia: “Uma vitória regular do FC Porto com dois golos irregulares”. E a respectiva notícia era desenvolvida no mesmo tom, dos “dois golos irregulares [que] deram a vitória ao FC Porto frente ao Vitória de Setúbal, ontem no Bonfim”: primeiro, “por Lisandro, que, em posição irregular, inaugurou o marcador”; depois, por Mariano, numa “jogada em que o sul-americano ajeitou a bola com a mão sem que o lance tivesse sido sancionado pela equipa de arbitragem”. Em suma, uma ampla vantagem obtida de “forma tortuosa”.

A partir de Bruxelas, o leitor Manuel Leal escreveu logo no próprio dia ao provedor, “surpreendido” e “chocado” pelo título: “Vi o jogo e os dois golos pareceram-me regulares”. E desenvolvia: “Claro que a arbitragem não é uma ciência exacta, e até dois árbitros competentes analisam frequentemente o mesmo lance de formas diferentes. Mas neste caso parece-me que há erro clamoroso do jornalista. E, como não tenho competência especial na matéria, socorro-me dos quatro árbitros internacionais de um diário desportivo que analisam hoje também os mesmos lances (Jorge Coroado, Soares Dias, Rosa Santos e António Rola, em O Jogo [online]): quanto ao primeiro lance, depois de visualizarem as repetições, todos consideraram o golo regular; quanto ao segundo, dividiram-se a meio, dois considerando que houve falta e dois que o golo foi limpo”. Remate do leitor: “E o jornalista não teve pelo menos uma ligeira dúvida antes de ditar a sua sentença e de a destacar em título do artigo? É que espalhou-se ao comprido numa matéria em que deveria ser especialista”.

Colocado antes no PUBLICO.PT, o mesmo relato já havia suscitado não poucos comentários críticos. O que levou o assinante Luís Valente a reclamar junto do provedor: “É inadmissível que, apesar dos imensos protestos dos leitores, o texto online tenha sido mantido inalterado pelo menos durante grande parte do dia, induzindo os menos informados em erro”. E que erro era esse? “Qualquer pessoa que perceba o mínimo dos mínimos deste desporto (e veja as imagens...) consegue ver que é mentira o que o jornalista escreveu e que o primeiro golo foi perfeitamente legal”. Quanto ao segundo, tratou-se de um “lance duvidoso em que até árbitros discordam na análise”.

E o mesmo leitor discorre sobre esta “falha grave” na origem da “notícia falsa”: “Compreendo que noticiar desporto não é tarefa fácil porque, por vezes, o mesmo acontecimento pode ter diferentes interpretações. Nesses casos um jornalista responsável deve ser cuidadoso na análise e falar em dúvidas... (…) Não entendo como, na era do telemóvel e da internet, o jornalista não foi capaz de confirmar as suas impressões antes de enviar o texto que escreveu para publicação”.

Mas é preciso sublinhar que, neste terreno minado dos relatos desportivos, os adeptos podem prender um jornalista por ter cão e por não o ter. Situações existem em que os repórteres dão por válidas as decisões dos árbitros para logo surgirem protestos de leitores. Na notícia “Dois avançados, dois penáltis e o Benfica encontrou a vitória” (pág. 31 da edição de 11 de Fevereiro), sobre um jogo na Luz com o Paços de Ferreira (4-1), o jornalista assumiu a autenticidade dos penáltis de que fala o título e que o árbitro assinalou. O leitor e assinante Antero Simões Seguro contestou porém, dois dias depois, este “jornalismo de sarjeta”, achando “absolutamente escandaloso que [o PÚBLICO] acoberte na sua redacção pretensos jornalistas que não passam de autênticos papagaios do pirata”.

E porquê tamanha veemência (para lá de considerações insultuosas que aqui não se reproduzem)? Quanto ao primeiro castigo máximo: “Para além de não ter havido qualquer penálti, houve sim falta do avançado do Benfica que afasta (empurra) com o braço direito o defesa do Paços. (…) No fim de contas, o SLB ganhou (mais um) penálti fantasma (…), com o mérito e a ajuda escandalosa do [árbitro] Sr. Augusto Duarte, que, impunemente, levou o SLB ao colo para mais uma vitória”. Sobre o segundo: “Outra aldrabice mal contada. Houve, sim, puxões e agarrões de ambos (um ao outro) e se por este motivo é penálti então deveria haver aí dez penáltis por jogo”. Mas há mais: “E então aquele fora de jogo escandaloso arrancado, ainda na primeira parte, ao jogador do Paços de Ferreira, que ficaria isolado com todas as condições para fazer golo, e isto quando o Paços já ganhava por 1-0? O escriba do rei, claro, nem sequer comenta, passando por esta jogada decisiva, e com evidente influência no resultado, como cão por vinha vindimada. Para ele (e para quem ler), simplesmente não existiu”.

Ambas as reportagens se integram no estilo de cobertura das competições futebolísticas adoptado pelo PÚBLICO, e por isso o provedor procurou ouvir o editor de Desporto da redacção de Lisboa, José Mateus, sobre a linha editorial na matéria. Prometida para sexta-feira última, a resposta não chegou a tempo de integrar esta crónica, o que o provedor lamenta.

Duas passagens das cartas atrás mencionadas põem o dedo na ferida. Escreve Luís Valente: “Muitos consideram que estes erros, por surgirem no jornalismo desportivo, são menores. Não faço parte deste grupo. Um jornal, para ser sério e de referência, não pode conter mentiras, muito menos com chamadas ao título! Estejam elas na secção de desporto, local ou política internacional”. O provedor não lhes chamará “mentiras” (já que verdade e mentira em futebol são categorias quase sempre subjectivas, a que recorrem os facciosos), mas sim, pelo menos em certas situações, abusos de interpretação – e quanto ao resto concorda que o jornalismo desportivo não pode ser encarado como género menor, isento das regras da profissão. Quanto a Antero Seguro, considera que “os relatos dos jogos de futebol não são, nem devem ser, artigos de opinião”. Pensamento judicioso, apesar de não ser esse o caso do artigo onde parece criticar, pelo contrário, a ausência de opinião.

O Livro de Estilo do PÚBLICO não prevê, com efeito, excepção ou tratamento diferenciado para a informação desportiva, pelo que também aqui deverão ser respeitados os seus “Princípios Gerais” de elaboração das notícias “da forma o mais imparcial possível” (ponto 2), do “rigor” como “preocupação central” (ponto 3) e de recurso “aos indispensáveis mecanismos de objectividade”, entre eles a “pluralidade das fontes” (ponto 9). De destacar ainda este aspecto, do subcapítulo “Opinião, interpretação, informação”: “A apresentação dos factos não deve ser ‘enviesada’ por forma a sugerir sub-repticiamente uma conclusão resultante da opinião particular do jornalista”.

Recomendação do provedor. Exceptuando os casos da existência de provas videográficas, o jornalista desportivo do PÚBLICO deveria relatar as competições de forma distanciada, evitando julgamentos pessoais sobre as jogadas e baseando-se antes no testemunho de outras fontes. As decisões da arbitragem, embora a respeitar sempre (por uma questão de civilização), não têm de ser havidas por verdades definitivas (ensina-o o Apito Dourado, entre muitas outras ocorrências).

Publicada em 4 de Maio de 2008