A liberdade de imprensa não está apenas sujeita ao articulado legal, já que se trata também de uma questão de civilização
Os jorna-
listas de-
vem poder publicar quando o interesse público pesa mais do que o direito à privacidade
Tem-se equacionado que atitude deve um jornalista assumir se tiver acesso às escutas das ligações telefónicas entre Armando Vara e José Sócrates realizadas pelas autoridades judiciais no âmbito da investigação do processo “Face Oculta”. O provedor gostaria de interromper a sua análise de casos pretéritos do PÚBLICO para se debruçar sobre esta circunstância eventualmente vindoura, neste ou noutro órgão de informação.
O ambiente é de enorme pressão psicológica sobre os jornalistas no sentido de que devem abster-se de qualquer referência ao conteúdo das escutas, porquanto: a) constituem intromissão na vida privada dos protagonistas; b) o titular de um órgão de soberania deve ter direitos de confidencialidade superiores aos de outros cidadãos; c) trata-se de uma violação do segredo de justiça e de fugas de informação cirurgicamente dirigidas; d) as superiores instâncias judiciais declararam a invalidade e até a destruição dessas gravações, que terão sido efectuadas ilegalmente por carecerem da adequada caução judicial; e) e, para reforçar, o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República aprovou na semana que findou um parecer impedindo o acesso dos jornalistas às escutas em processos judiciais. Sucessivos políticos (sobretudo da área governamental, mas não só), comentadores e até especialistas em ética jornalística têm antecipado a catástrofe na revelação das escutas a Vara e Sócrates, como se representasse a destruição do Estado de direito. Nessa argumentação, questões processuais como as garantias dos arguidos ou a preservação do segredo de justiça sobrelevam o apuramento da corrupção que parece minar o Estado, do tráfico de influências entre políticos e empresários ou da apropriação perversa dos negócios públicos para enriquecimento particular ou partidário – matérias apresentadas mesmo como “comezinhas”. A mensagem subliminar dos políticos aos jornalistas é clara: portem-se com juízo, se não caímos em cima de vocês com todos os meios ao nosso dispor (e, ao que parece, retirando também a colocação de publicidade estatal). O respeitinho, na nossa sociedade, ainda continua a ser uma coisa muito bonita.
Mas afinal que têm os cidadãos direito a saber? A liberdade de imprensa (no sentido lato de liberdade de informação) está definida, na sua amplitude e nos seus limites, por uma série de articulados legais que variam de país para país, mas antes disso trata-se de um conceito filosófico que representa uma aquisição da nossa civilização. Nos casos-limite em que se julga eventuais abusos de liberdade de imprensa, a margem de entendimento e decisão dos magistrados é extremamente ampla e subjectiva, e muitas vezes nem sequer consensual entre eles. A jurisprudência interna está mais vocacionada para fazer uma leitura literal da letra da lei, mas existe hoje a instância supranacional do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que atribui ao conceito a categoria filosófica atrás referida, tendo já revogado diversas sentenças dos tribunais portugueses tomadas contra jornalistas ou outros cidadãos fazendo uso da sua liberdade de expressão.
Isto não obsta a que a classe política em Portugal, desde que disponha do poder necessário, se sinta atraída por tomar medidas limitativas da liberdade de informação. Basta analisar os estatutos da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, aprovados em sede parlamentar pelos partidos do chamado arco governativo (PS, PSD e CDS/PP). E o PS foi particularmente agressivo neste campo quando dispôs da anterior maioria absoluta. Sem fazer um processo de intenções às restantes forças parlamentares (BE e PCP), o elenco de formações políticas ou regimes além-fronteiras que apoiam ou a que habitualmente estão ligados não permite concluir que possuam melhor entendimento deste valor.
É claro que a liberdade de imprensa não é absoluta, total e ilimitada. Na sua decisão de informar, o jornalista tem de colocar muitas vezes num prato da balança os direitos individuais (sobretudo o direito à reputação e ao bom nome e o direito à preservação da intimidade da vida privada) e no outro o direito colectivo ao conhecimento das matérias de interesse público. A opção final terá de ser sempre do próprio jornalista, já que não pode consultar um tribunal para cada notícia que publica, e é óbvio que por vezes envolve um risco. Mas quem não quer correr riscos no jornalismo deve mudar de profissão. Ao longo da sua carreira de jornalista, este provedor foi processado judicialmente quase duas dezenas de vezes (inclusive por violação do segredo de justiça), mas nunca foi condenado, sequer em primeira instância. Rotina profissional, apenas.
Recuemos no tempo, até 1971. Em 13 de Junho desse ano, o diário norte-americano The New York Times começou a publicar uma série de artigos dando a conhecer o conteúdo de um estudo confidencial do Departamento de Defesa norte-americano sobre o envolvimento dos EUA na guerra da Indochina, com a revelação de estratégias bélicas antes mantidas secretas. Para lá do escândalo político que se desencadeou, falou-se em “traição nacional”, já que os americanos continuavam envolvidos em combates no Vietname. Os próprios advogados do New York Times estavam divididos sobre se o jornal deveria ou não divulgar documentos com o carimbo “top-secret” e tanto o Presidente (Richard Nixon) como o Attorney General (um misto de ministro da Justiça e Procurador Geral da República) tentaram debalde convencer o diário a suspender a saída dos artigos, para depois obterem uma injunção judicial forçando a sua interrupção, que foi acatada. A cena repetiu-se logo a seguir com The Washington Post, que porém não obedeceu à ordem de suspensão emitida pelo tribunal. A querela dos dois jornais subiu à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, que em 30 de Junho, por maioria (6-3), deliberou que as injunções judiciais eram inconstitucionais, já que constituíam uma limitação à liberdade de imprensa. (Mais do que o Watergate, que ocorreria pouco tempo depois, o caso dos “documentos do Pentágono” é considerado o acto fundador do moderno jornalismo de investigação).
Em nome do direito dos cidadãos a serem informados, o jornalismo pode revestir-se por vezes de aspectos que têm a ver com a desobediência civil. Voltando às escutas de Sócrates, os jornalistas, na opinião do provedor, só teriam uma coisa a fazer: destacar, se existem, os aspectos em que, no seu entender, o interesse público pesa mais do que a privacidade dos protagonistas, e trazê-los ao conhecimento da opinião pública. A mensagem aos políticos devia ser igualmente clara: esta é parte da verdade sobre a governação, que a todos os cidadãos diz respeito e que por isso têm o direito de conhecer; se quiserem, processem – veremos quem ganha.
CAIXA:
A favor do pluralismo
Assumindo a condição de assessor da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, dependente do ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES), José Mariano Gago, escreve João Palhoto Matos, “meramente a título pessoal”, sobre uma nota assinada pelas jornalistas Bárbara Wong e Teresa Firmino, na pág. 7 da edição de 1 de Novembro, acerca do novo mandato governamental de Gago: “São citadas opiniões de duas pessoas: José (sic, presumo que de facto João) Cunha Serra, sindicalista bem conhecido, e Frederico Carvalho, investigador aposentado (...), que expõem opiniões sobre o trabalho futuro do MCTES. Opiniões estimáveis, quer se concorde ou não (...), e não questiono a sua relevância per se. O que me parece espantoso é que não há outras, e um minuto de pesquisa mostra que são duas pessoas nitidamente conotadas com as posições políticas do PCP nas áreas do Ensino Superior e da Ciência respectivamente. (...) Como é que (...) escolheram estas duas opiniões como exemplificativas? Há aqui objectividade? (...) É justificável que opiniões apareçam em forma que aparenta não ser uma citação? O resultado parece-me demasiado enviesado, e de forma que ilude informação para o leitor”.
O provedor, que se absteve de pedir cartão partidário aos entrevistados, solicitou explicações às duas jornalistas, sendo que cada uma escolhera uma fonte. Sobre Cunha Serra respondeu Bárbara Wong, que também diz ignorar a sua filiação política ou sequer se a possui: “Não escolhi uma pessoa ao acaso. É dirigente da Federação Nacional dos Professores, defende os interesses da sua classe. Mas é também um homem (...) que já citei, noutras ocasiões, a reconhecer o bom trabalho de Mariano Gago. É natural que João Palhoto Matos não concorde; [...] verifico que o seu endereço de email é do próprio ministério. O texto expressa a opinião de João Cunha Serra, ou seja, da estrutura sindical que representa (...). Quem acompanha a área (...) sabe que é também a opinião do Sindicato Nacional do Ensino Superior, e, no que diz respeito ao financiamento, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas também assina por baixo – aliás, no texto faço referência aos reitores”. E acrescenta Teresa Firmino: “O investigador que surge a comentar a área da ciência reflecte há muitos anos sobre o sistema científico português (...). Este é, aliás, o tipo de artigo em que quem é ouvido expressa a sua opinião e, nesse sentido, a pessoa está identificada”.
Embora seja desejável o pluralismo numa situação destas, o provedor acha que a circunstância de as jornalistas terem, ao que afirmam, actuado autonomamente e não se conhecer identificação política clara dos dois intervenientes torna compreensível a sua argumentação.
Publicada em 22 de Novembro de 2009
DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:
Carta do leitor João Palhoto Matos
A minha assinatura abaixo deve dar a informação de que não sou parte neutra no assunto que venho a expor (poderia ter colocado outra que me identifica como professor no IST, que seria igualmente verdadeira). No entanto esta mensagem é enviada meramente a título pessoal e de nenhuma forma envolve a instituição em que me encontro a trabalhar de momento. Deixei ficar a assinatura exactamente para contrapor à prática que questiono.
O PÚBLICO de 1 de Novembro apresenta a partir da página 7 um artigo, "Dezasseis Ministros à Procura de um Governo". Há um pedaço do artigo dedicado ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior [MCTES], Mariano Gago. São citadas opiniões de duas pessoas: José (sic, presumo que de facto João) Cunha Serra, sindicalista bem conhecido, e Frederico Carvalho, investigador aposentado do ITN [Instituto de Tecnologia Nuclear], que expõem opiniões sobre o trabalho futuro do MCTES.
Opiniões estimáveis quer se concorde ou não com elas (eu não concordo, mas pouco vem ao caso) e não questiono a sua relevância per se. O que me parece espantoso é que não há outras, e um minuto de pesquisa mostra que são duas pessoas nitidamente conotadas com as posições políticas do PCP nas áreas do Ensino Superior e da Ciência, respectivamente. As perguntas: como é que B.W. e T.F., que assinam o pedaço da peça, escolheram estas duas opiniões como exemplificativas? Há aqui objectividade? Qual seria a boa prática numa notícia como esta? É justificável que opiniões apareçam em forma que aparenta não ser uma citação?
O resultado parece-me demasiado enviesado, e de forma que ilude informação para o leitor, para o tipo de artigo em causa.
João Palhoto Matos
Assessor da Direcção para a área de informática Fundação para a Ciência e a Tecnologia
Explicação da jornalista Bárbara Wong
Eu tenho a "pasta" do ensino superior e a Teresa tem a da ciência. É por essa razão que assinamos o texto em conjunto, uma vez que o que nos foi pedido pelo editor do Portugal Tiago Luz Pedro foi o seguinte:
"Amigos,
O destaque de 1 de Novembro será uma antecipação do que se conseguir reunir até lá do programa de Governo e das estratégias de governação que nos esperam nos próximos anos. O essencial será feito pela Política, mas pedem-nos textos sectoriais (ouvindo especialistas) que avaliem ministério a ministério os desafios/prioridades de cada um e as medidas previstas para concretizá-las. É importante que todos os textos reflictam também se o respectivo ministério ganha ou perde importância política na estrutura do Governo (ex: o Ambiente perdeu os fundos estruturais para a Economia, logo...). "
O pedido também apontava o tamanho de cada texto: dois mil caracteres. Pelo menos de quatro em quatro anos, eu e a Teresa Firmino fazemos estes textos em conjunto. Por isso, dividimos irmãmente os caracteres, mil para cada.
Portanto, eu não escolhi uma pessoa ao acaso. O que eu fiz foi ouvir uma pessoa que está identificada: é um dirigente da Federação Nacional dos Professores, portanto, defende os interesses da sua classe. Mas é também um homem que está há muito neste sector e que o conhece bem e que já citei, noutras ocasiões, a reconhecer o bom trabalho de Mariano Gago.
É natural que o professor João Palhoto (que não conheço) não concorde, como haverá milhares de pessoas que podem não concordar. Quando digo que é natural é porque, apesar de não conhecer o professor em questão, verifico que o seu endereço de email é do próprio ministério. O texto expressa a opinião de João Cunha Serra, ou seja, da estrutura sindical que representa e que vem bem identificada. Quem acompanha a área como eu sabe que é também a opinião do Sindicato Nacional do Ensino Superior e, no que diz respeito ao financiamento, o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas também assina por baixo - aliás, no texto faço referência aos reitores.
Segundo estas três organizações, os últimos quatro anos não foram fáceis para o ensino superior porque os orçamentos de universidades e politécnicos foram constantemente cortados. Além disso, o ónus do pagamento da caixa geral de aposentações (11 por cento) foi passado para essas mesmas instituições. Por isso se fala tanto de sub-financiamento deste sistema, ele é real. Na anterior legislatura, o Governo apostou forte na ciência em detrimento do ensino superior, e isso é reconhecido por todos, mesmo pelo próprio primeiro-ministro, que se reuniu com os reitores e presidentes dos politécnicos e agradeceu-lhes o esforço feito.
Tudo isto já foi escrito no PÚBLICO.
Bárbara Wong
Explicação da jornalista Teresa Firmino
Queria apenas acrescentar ao que a Bárbara Wong escreveu o seguinte: o investigador que surge a comentar a área da ciência reflecte há muitos anos sobre o sistema científico português, razão por que foi ouvido agora, tal como já aconteceu para outros artigos no passado. Este é, aliás, o tipo de artigo em que quem é ouvido expressa a sua opinião, e, nesse sentido, a pessoa está identificada.
Teresa Firmino
domingo, 22 de novembro de 2009
Que farei eu com estas escutas?
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Secção: Crónicas
domingo, 15 de novembro de 2009
Da transparência no jornalismo
Há por vezes peças jornalísticas onde parece querer-se pré-formatar o raciocínio do público
Assume a notícia, sem citar fontes, que o governo de Sócrates “é bem aceite” pelo seu “equi-
líbrio”
Na semana em que o vírus da berlusconização infectou o Estado português e o jornalismo parece a última trincheira da luta pela transparência do sistema democrático e da acção dos seus agentes, merece a pena dizer que o próprio jornalismo só reforça da sua credibilidade se também souber ser transparente perante os cidadãos.
Vem isto a propósito de um texto intitulado “Surpresa: uma equipa metade política e metade técnica”, acerca da formação por José Sócrates do actual elenco governativo, assinado pela jornalista Leonete Botelho na pág. 2 da edição do PÚBLICO de 23 de Outubro. O provedor tem por norma não retomar críticas já divulgadas no espaço público, mas abriu uma excepção por achar estimulante para o debate o comentário que nesse mesmo dia Gabriel Silva fez ao artigo de Leonete Botelho num post publicado no blogue Blasfémias. “Leonete Botelho (...) recorre à técnica dos ‘recados para alguém’. Para o leitor é que não é (...). ‘Enganaram-se os comentadores que apostavam que o novo Governo teria um cariz exclusivamente político’ – Quais comentadores? ‘Um executivo que é bem aceite por esse equilíbrio’ – Bem aceite por quem? ‘Alguns socialistas ouvidos pelo PÚBLICO não escondem a estupefacção’ – Quem? De que grupo? Escondem nome mas o recado já passou, certo? ‘Certo é que se trata de um ministério de relevo na hierarquia, mas sem grande exposição pública’ – Perdão? Isso quer dizer o quê? ‘…a escolha de Jorge Lacão é bem acolhida pela experiência que...’ – quem acolhe bem? ‘Mesmo assim, havia quem esperasse ver no cargo alguém...’ – Exacto, quem? ‘…ainda que haja quem critique baixinho a exclusão de socialistas ministeriáveis que dariam mais garantias de sucesso’ – Quem? ‘Baixinho’ não, está no artigo principal do jornal. Foi alguém que ficou de fora? Enfim. Recados e mais recados. Não parece ser isso que o consumidor pretende ler ao comprar o jornal”.
Não sendo o texto de Leonete Botelho encimado pelas palavras “análise” ou “comentário”, presumirá o leitor que se trata de matéria noticiosa. Por isso o provedor solicitou à autora uma explicação face às observações de Gabriel Silva. A jornalista começa por dizer ter achado o comentário “de uma enorme injustiça, uma vez que a notícia estava construída sobre depoimentos em on, com pessoas devidamente identificadas, e só lateralmente havia aquelas expressões retiradas do texto para construir o post e deturpar totalmente o conteúdo da peça”.
Leonete Botelho justifica depois o tom do seu artigo: “Como é hábito do PÚBLICO e prática dos jornais de referência, pretendia-se dar pistas de interpretação aos leitores sobre as escolhas feitas pelo primeiro-ministro, (...) que no dia seguinte já seriam conhecidas e já tinham sido escalpelizadas por televisões e rádios (...). Procuraram-se, entre as 18 e as 20 horas (tempo útil desde a divulgação dos nomes dos novos ministros e a dead-line para escrever), politólogos e políticos disponíveis para dar conta da sua apreciação sobre o novo governo. Focámo-nos sobretudo no PS, por supostamente ser onde se conheciam melhor as pessoas escolhidas, mas também para perceber até que ponto o partido de suporte do Governo se revia nas escolhas. Foi nesse contexto que foram ouvidos e aceitaram ser citados o politólogo André Freire e os socialistas Manuel Alegre e Fonseca Ferreira, (...) assim como Osvaldo Castro e Vitalino Canas, ambos deputados e com cargos de relevo na última legislatura (...).Outros contactos foram feitos mas as pessoas em causa não quiseram ser citadas (...). Estes contactos foram tidos em conta para o tom geral do texto, mas não para o seu enfoque principal nem para fazer citações de quem não quer ‘dar a cara’.”
A jornalista explica então, um a um, os destaques seleccionados por Gabriel Silva:
“‘Enganaram-se os comentadores’. Todos os que, desde a noite das eleições legislativas, escreveram (...) e falaram (...) sobre a necessidade de o novo governo ser hiperpolítico, no sentido de ser composto quase maioritariamente por quadros políticos preparados para o combate no Parlamento e na sociedade, combate que inevitavelmente espera um governo minoritário. Eram essas as expectativas criadas por analistas, politólogos, jornalistas, cidadãos, enfim, comentadores que – sim – se enganaram. As expectativas foram defraudadas. José Sócrates não correspondeu à análise política generalizada. Não consigo compreender a crítica do autor do post.
‘Um executivo que é bem aceite por esse equilíbrio.’ Basta ler o texto: todos os citados se referem ao equilíbrio entre políticos e técnicos. O mesmo em relação à ‘escolha de Jorge Lacão [ser] bem acolhida’ (...).
’Alguns socialistas ouvidos pelo PÚBLICO’; ‘Havia quem esperasse ver no cargo’; ‘haja quem critique baixinho’. Aqui de facto as fontes não são citadas. Repare-se: nenhum socialista citado faz críticas em on. Lanço mesmo o desafio de se procurar, para além de Alegre, um outro militante socialista com algum cargo político que tenha feito críticas em on a José Sócrates nos últimos seis meses, para não ir mais longe. Quer isto dizer que um jornalista deve fingir que não ouve as críticas que são feitas ao líder do PS? Quer isso dizer que um jornalista parlamentar, sobretudo quem acompanha determinado partido, seja ele qual for, deve ignorar todo o ambiente político que sabe existir nesse partido e não dar conta aos seus leitores dessa realidade? Se assim fosse, aí sim, estaria a mentir, porque passaria para os seus leitores a imagem de um partido unânime, onde não há crítica e onde ninguém tem opiniões e ideias diferentes do líder. O que, obviamente, não é verdade.
Ora, é precisamente em nome do rigor da informação, em nome da verdade, em nome dos deveres deontológicos do jornalista que a referência a fontes anónimas tem de ser um recurso à disposição desta profissão, depois de esgotadas todas as possibilidades de conseguir depoimentos ‘assinados’. Um ambiente psicológico como aquele de que se deu conta com aquelas expressões não pode ser aferido ouvindo uma única pessoa, nem duas ou três. Mas para quem acompanha um partido diariamente, para quem conversa todos os dias com muitos socialistas e conhece as sensibilidades e quem as representa, é possível com alguma rapidez aferir, com alguns telefonemas ou conversas, a ‘temperatura’ desse partido em determinado momento em relação a determinado facto. Foi o que se fez.
‘Certo é que se trata de um ministério de relevo na hierarquia, mas sem grande exposição pública’. Quer dizer simplesmente que o cargo de ministro da Defesa é o quarto da hierarquia do Governo, indiscutivelmente de relevo, mas que obviamente não tem a mesma exposição pública que o cargo de ministro dos Assuntos Parlamentares, que Augusto Santos Silva anteriormente ocupava (...). Que falta perceber? É preciso explicar que o Ministério da Defesa exige a quem o tutela um maior grau de discrição no tipo de intervenções que faz? Que lidar com os militares é diferente de lidar com os partidos da oposição?”
Por último, a resposta de Leonete Botelho à questão dos “recados”: “Não poderão chamar-se recados às incontáveis afirmações que fazem os políticos uns contra os outros (para falar só de política) em entrevistas, debates, notícias em que são citados? Não compreendo o preconceito, não compreendo onde o autor do post vê recados neste texto, como não compreendo o que esse consumidor pretende ler ao comprar o jornal”.
O que Leonete Botelho fez foi seguir uma prática mais ou menos institucionalizada no jornalismo português de dar por aquiridos consensos formados nas redacções e consagrados em letra de forma como o “politicamente correcto”. Nem todos os sublinhados feitos por Gabriel Silva são do mesmo teor. É uma realidade que houve comentadores a enganarem-se na antevisão do novo governo, que deverá haver socialistas críticos quanto a este executivo e que em tempo de paz a pasta da Defesa talvez seja menos exposta do que a dos Assuntos Parlamentares (o que porém Santos Silva não está a confirmar). Mas, quanto às restantes frases, Leonete Botelho não as atribui a quaisquer fontes, anónimas ou não anónimas (muito menos do PS), sim a uma espécie de pensamento único, socialmente consolidado. Será apenas uma questão de formulação, mas é dos tais casos em que forma e conteúdo estão indissoluvelmente ligados. Por esta forma, parece querer-se pré-formatar o raciocínio do leitor. O provedor não tem a pretensão de saber com rigor o que o consumidor pretende ler ao comprar o jornal, mas duvida que procure uma lavagem ao cérebro.
CAIXA:
“Just for the record”
Esta expressão inglesa equivale à nossa “para que conste”, o registo rigoroso de um facto, para memória futura. O método é especialmente importante num jornal de referência, que costuma ser visto como uma crónica fiel dos acontecimentos da sua época. Para que conste, o jornal deve ter a preocupação de comunicar factos confirmados ou, logo que verifique não ser o caso, fazer a sua correcção. O provedor escolheu este título devido ao caso suscitado pelo leitor Sérgio Nunes a propósito da seguinte passagem da crónica de Santana Castilho da passada quarta-feira: “Foram idênticas preocupações para não ferir a sensibilidade dos emigrados que terão levado os ingleses a retirarem dos livros escolares qualquer alusão ao holocausto". Escreve o leitor: “Esta ideia tem por base um persistente boato falso que o próprio governo britânico já desmentiu por diversas vezes. Parece ser um boato muito ‘cativante’, uma vez que já o vi mencionado por diversas vezes na imprensa nacional (...). Mesmo que o PÚBLICO não seja proactivo e preventivo na identificação destes erros factuais, parece-me fundamental a identificação e divulgação destas situações depois de encontradas”.
O provedor não possui qualquer jurisdição sobre textos de opinião, mas já esclareceu que se reserva o direito de chamar a atenção para a existência neles de erros factuais não corrigidos pelo jornal, como é o caso. Para que conste.
Publicada em 15 de Novembro de 2009
DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:
Post de Gabriel Silva no blogue Blasfémias
Explicações da jornalista Leonete Botelho
Li essa “blasfémia” no dia em que foi publicada e achei de uma enorme injustiça, uma vez que a notícia estava construída sobre depoimentos em on, com pessoas devidamente identificadas, e só lateralmente havia aquelas expressões retiradas do texto para construir o post e deturpar totalmente o conteúdo da peça.
1. Trata-se da peça de abertura do destaque sobre o novo Governo, e como é hábito do PÚBLICO e prática dos jornais de referência, pretendia-se dar pistas de interpretação aos leitores sobre as escolhas feitas pelo primeiro-ministro, escolhas essas que no dia seguinte já seriam conhecidas e já tinham sido escalpelizadas pelas televisões e rádios durante várias horas. Procuraram-se, entre as 18 e as 20 horas (tempo útil desde a divulgação dos nomes dos novos ministros e a dead-line para escrever), politólogos e políticos disponíveis para dar conta da sua apreciação sobre o novo governo. Focámo-nos sobretudo no PS, por supostamente ser onde se conheciam melhor as pessoas escolhidas, mas também para perceber até que ponto o partido de suporte do Governo se revia nas escolhas.
2. Foi nesse contexto que foram ouvidos e aceitaram ser citados o politólogo André Freire e os socialistas Manuel Alegre e Fonseca Ferreira, que representam duas correntes de opinião dentro do partido, assim como Osvaldo Castro e Vitalino Canas, ambos deputados e com cargos de relevo na última legislatura: presidente da comissão parlamentar de Direitos, Liberdades e Garantias e porta-voz do PS, respectivamente.
3. Outros contactos foram feitos mas as pessoas em causa não quiseram ser citadas, porque se limitaram a fazer análises críticas sobre um ou outro aspecto da equipa governativa e não querem problemas no partido. Estes contactos foram tidos em conta para o tom geral do texto, mas não para o seu enfoque principal nem para fazer citações de quem não quer ‘dar a cara’. Mas ajudaram a perceber que a opção de José Sócrates, ao abrir o Governo a independentes em detrimento dos quadros políticos do partido, não é pacífica no PS. O que, aliás, deu origem a um outro texto, publicado hoje (sábado 24) sob o título: “José Sócrates, o pragmático, passou ao lado das sensibilidades do PS nas escolhas”.
4. Passemos agora às ‘críticas’ do Blasfémias:
i. “Enganaram-se os comentadores”. Quais? Todos os que, desde a noite das eleições legislativas, escreveram nos jornais e nos blogues e redes sociais, e falaram nas rádios e nas televisões, sobre a necessidade de o novo governo ser hiperpolítico, no sentido de ser composto quase maioritariamente por quadros políticos preparados para o combate no Parlamento e na sociedade, combate que inevitavelmente espera um governo minoritário. Eram essas as expectativas criadas por analistas, politólogos, jornalistas, cidadãos, enfim, comentadores que – sim – se enganaram. As expectativas foram defraudadas. José Sócrates não correspondeu à análise política generalizada. Não consigo compreender a crítica do autor do post.
ii. “Um executivo que é bem aceite por esse equilíbrio – por quem?” – Basta ler o texto: todos os citados se referem ao equilíbrio entre políticos e técnicos. O mesmo em relação à “escolha de Jorge Lacão [ser] bem acolhida”: é-o pelos citados, claro, basta ler o texto.
iii. “Alguns socialistas ouvidos pelo PÚBLICO”; “Havia quem esperasse ver no cargo”; “haja quem critique baixinho”: aqui de facto as fontes não são citadas. Repare-se: nenhum socialista citado faz críticas em on. Lanço mesmo o desafio de se procurar, para além de Manuel Alegre, um outro militante socialista com algum cargo político que tenha feito críticas em on a José Sócrates nos últimos seis meses, para não ir mais longe. Quer isto dizer que um jornalista deve fingir que não ouve as críticas que são feitas ao líder do PS? Quer isso dizer que um jornalista parlamentar, sobretudo quem acompanha determinado partido, seja ele qual for, deve ignorar todo o ambiente político que sabe existir nesse partido e não dar conta aos seus leitores dessa realidade? Se assim fosse, aí sim, estaria a mentir, porque passaria para os seus leitores a imagem de um partido unânime, onde não há crítica e onde ninguém tem opiniões e ideias diferentes do líder. O que, obviamente, não é verdade.
iv. Ora, é precisamente em nome do rigor da informação, em nome da verdade, em nome dos deveres deontológicos do jornalista que a referência a fontes anónimas tem de ser um recurso à disposição desta profissão, depois de esgotadas todas as possibilidades de conseguir depoimentos ‘assinados’. Um ambiente psicológico como aquele de que se deu conta com aquelas expressões não pode ser aferido ouvindo uma única pessoa, nem duas ou três. Mas para quem acompanha um partido diariamente, para quem conversa todos os dias com muitos socialistas e conhece as sensibilidades e quem as representa, é possível com alguma rapidez aferir, com alguns telefonemas ou conversas, a “temperatura” desse partido em determinado momento em relação a um determinado facto. Foi o que se fez.
v. “Certo é que se trata de um ministério de relevo na hierarquia, mas sem grande exposição pública” – Quer dizer simplesmente que o cargo de ministro da Defesa é o quarto da hierarquia do Governo, indiscutivelmente de relevo, mas que obviamente não tem a mesma exposição pública que o cargo de ministro dos Assuntos Parlamentares, que Augusto Santos Silva anteriormente ocupava e que o colocava no centro da exposição parlamentar e pública, pelas intervenções que fazia enquanto tal. Que falta perceber? É preciso explicar que o Ministério da Defesa exige a quem o tutela um maior grau de discrição no tipo de intervenções que faz? Que lidar com os militares é diferente de lidar com os partidos da oposição?
vi. “Enfim. Recados e mais recados. Não parece ser isso que o consumidor pretende ler ao comprar o jornal” – Há de facto um recado na peça em causa e está devidamente assinalado como tal e em on: É o “aviso à navegação” feito por Fonseca Ferreira no fim do artigo. Sobre os “recados”: não poderão chamar-se recados às incontáveis afirmações que fazem os políticos uns contra os outros (para falar só de política) em entrevistas, debates, notícias em que são citados? Não compreendo o preconceito, não compreendo onde o autor do post vê recados neste texto, como não compreendo o que esse consumidor pretende ler ao comprar o jornal.
Leonete Botelho
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Secção: Crónicas
domingo, 8 de novembro de 2009
Da excepção à regra
Instituiu-se, e não só no PÚBLICO, o vício de não invocar fontes de notícias
“Apurou o PÚBLICO”, sem o atribuir a qualquer fonte, que Ferreira Leite queria “uma renovação profunda” da bancada do PSD
Relatou o provedor na crónica anterior que solicitara ao jornalista António Arnaldo Mesquita explicações sobre duas notícias de primeira página publicadas nos dias 22 e 24 de Outubro, ambas sem imputação da informação a qualquer fonte e sendo a segunda (“Caso Freeport – ingleses ainda não enviaram documentos”) um desmentido da primeira (“Documentos sobre o Freeport pedidos aos ingleses já estão nas mãos dos investigadores”), mas que não recebera resposta (cumprido o prazo de 72 horas previsto para a reacção dos jornalistas às interpelações do provedor).
Já após publicada a crónica, o provedor recebeu de António Arnaldo Mesquita a explicação de que só na altura abrira a sua caixa de correio electrónica, por na semana anterior ter tido “dificuldades informáticas”. Dispôs-se então a responder, e, apesar de diferido no calendário, vale a pena atentar ao que escreveu: “Uma fonte que me pediu o anonimato disse-me que os documentos já tinham chegado e que o oficial de ligação da embaixada lhe tinha dito que vinham a caminho. Um dia depois, alegando dificuldades nos contactos com os magistrados titulares do inquérito Freeport, a mesma fonte disse-me que, afinal, os documentos não tinham sido recebidos no DCIAP [Departamento Central de Investigação e Acção Penal] e que os britânicos alegavam ‘falha informática’ para justificar a suspensão da remessa da documentação. Esta é uma situação limite de uma fonte que já me forneceu dezenas de informações que nunca [palavra sublinhada] foram desmentidas... A lealdade da mesma fonte ficou comprovada no dia seguinte, quando verificou que me tinha induzido em erro. Como na primeira notícia não citei a fonte, pareceu-me que também o não devia fazer na segunda, em que me auto-desmentia”.
Num aparte, o provedor repara que nos tempos actuais, com o advento da tecnologia digital, a informática tem as costas largas. Entendendo evidentemente que a identidade da fonte teria de ser preservada, perguntou a António Arnaldo Mesquita se não seria possível “pelo menos identificar a sua área, tipo ‘fonte judicial’ ou coisa do género”, havendo ainda outras possibilidades: “E por que não, em caso limite, falar em ‘fonte que solicita o anonimato’, ou ‘fonte conhecedora do processo que solicita o anonimato’? No fundo, é isso: se a fonte não conhecesse o processo a notícia seria impossível ou não teria credibilidade. Não se deveria também ter dito que a fonte que desmentiu a informação foi a mesma que antes a fornecera ao PÚBLICO?”
A nova resposta de António Arnaldo Mesquita foi em grande parte, a seu pedido, off the record, pelo que o provedor não a pode citar (não, ele não identificou a fonte!). Mas retira dela esta frase: “Isto neste caso é particularmente sensível e delicado. [Eu] não podia identificar a fonte”. Insatisfeito, dado que o que estava em causa não era identificar a fonte, o provedor insistiu: “Compreendo a delicadeza da situação. A questão é que convinha que os leitores soubessem que havia pelo menos uma fonte”. Replicou o jornalista: “Claro que os leitores deviam saber que havia uma fonte, só que, neste caso concreto, a minha fonte não podia ser identificada, nem eu a devia identificar quando constatei que me tinha induzido em erro. A única solução neste caso era fazer de Egas Moniz e apertar a corda ao pescoço...”
Apreciando o altruísmo do autor, o provedor considera contudo que, na parte publicável desta troca de mensagens, e sem violação da garantia de confidencialidade, António Arnaldo Mesquita já fornece os elementos de informação que, a terem sido publicados na devida altura, permitiriam suprir as falhas detectadas nas duas notícias, designadamente: a) que existiu uma fonte, conhecedora do processo, mas que solicitou o anonimato; b) que se tratou da mesma fonte para ambas as notícias; c) que foi a própria fonte a tomar a iniciativa de rectificar a informação que inicialmente fornecera”.
O que acontece é que se instituiu no jornalismo português (e não só no PÚBLICO) o hábito (ou antes, o vício) de não invocar fontes para a elaboração de muitas notícias (presumindo talvez os autores que dessa forma, mostrando-se dentro de circuitos secretos de informação de que nem podem revelar a origem, valorizam mais o seu trabalho).
Por vezes, os jornalistas lá concedem na fórmula “o PÚBLICO sabe que...” (que nada informa sobre a fonte), mas não mais do que isso. É o caso recorrente de Nuno Simas, na área do jornalismo político: “O PÚBLICO apurou que Manuela Ferreira Leite falou a Portas, seu ex-companheiro no Governo PSD/CDS, sobre Maria José, número quatro na lista de Lisboa” (6 de Agosto, pág. 8); “Ao que o PÚBLICO apurou, o critério de Ferreira Leite para não incluir, por exemplo, Passos Coelho e Miguel Relvas foi a análise da sua atitude, no último ano, relativamente à direcção” (5 de Agosto, pág. 2); “Ao que o PÚBLICO apurou, a causa da ruptura [entre direcção e a distrital de Lisboa do PSD] foi a inclusão, por Ferreira Leite, de alguns nomes em lugar elegível, como António Preto e Helena Lopes da Costa” (4 de Agosto, pág. 6); “Ao que apurou o PÚBLICO, Ferreira Leite quer uma renovação profunda relativamente ao grupo parlamentar escolhido em 2005” (3 de Agosto, pág. 6); “O PÚBLICO sabe que o autarca lisboeta fez uma tentativa de última hora para ainda conseguir um acordo do PS com PCP e BE para o município da capital” (13 de Julho, pág. 6).
O provedor, que não percebe sequer o que há de tão sensível nestas notícias que implique não fazer menção a nenhuma fonte, inquiriu Nuno Simas sobre a pertinência do método, tendo o jornalista começado por invocar o ponto 72 dos “Princípios e Normas de Conduta Profissional” do Livro de Estilo do PÚBLICO: “Quando o jornalista está em condições de assumir a informação – isto é, quando a confirmou junto de várias fontes independentes entre si, embora todas tenham exigido o anonimato – deverá noticiá-la no PÚBLICO sem necessidade de recorrer às habituais, retóricas e desacreditadas fórmulas do género ‘fonte digna de crédito’, ‘fonte segura’ ou ‘fonte próxima de’. As fontes, a sê-lo, devem estar sempre bem colocadas para falar sobre o assunto. (...) Um jornal bem informado não precisa de justificar permanentemente as suas notícias. Assume-as e responsabiliza-se por elas”.
Já nesta coluna o provedor alertou para a inconsistência da norma em causa, instando a que fosse repensada numa próxima revisão do Livro de Estilo – e não pretende regressar ao mesmo debate. Mas lamenta que, na revisão de 2005, tenha desaparecido a norma da edição original, mais consentânea com as regras do jornalismo, segundo a qual “nesses casos [não havendo outra forma de obter a informação ou a sua confirmação], e só nesses casos, pode utilizar-se a fórmula [do estilo] ‘uma fonte do organismo X que solicitou o anonimato’”.
Complementarmente, Nuno Simas invoca o facto de a fórmula “o PÚBLICO apurou” (não contemplada pelo Livro de Estilo, note-se) ser “usada frequentemente nas páginas do jornal”, e contrapõe: “Mas há também exemplos de notícias em que, por exemplo, identifico uma ‘fonte/membro da comissão permanente do PSD’ ou ‘fonte/membro da comissão política nacional do PSD’ – dois níveis de poder diferentes no PSD, por exemplo. Tenho a consciência de que estas são informações que assumo e que me responsabilizo por elas. Por isso não o faço por regra, mas sim como excepção. A regra, claro, é a informação ser atribuída a uma fonte, ‘identificada com a maior precisão possível’ (ponto 68 do Livro de Estilo).
Fica por perceber o critério que leva os jornalistas a invocar ou não as fontes de informação – sendo que a segunda situação parece hoje ao provedor mais regra do que excepção.
CAIXA:
Deve/haver encerrado
Escreveu-se há oito dias nesta página que o director cessante do PÚBLICO só deixara sem resposta três das muitas dezenas de questões que o actual provedor lhe havia endereçado. José Manuel Fernandes fez entretanto questão de prestar esclarecimentos sobre essas questões.
Acerca da circunstância de em tempos não figurar na lista de jornalistas com carteira profissional actualizada, diz José Manuel Fernandes: “Voltei a ter carteira profissional actualizada, depois de um longo contencioso com a Comissão da Carteira Profissional dos Jornalistas (CCPJ). Contar toda a história daria, pelo menos, o capítulo de um livro”.
Sabendo embora que a lei impõe a obrigatoriedade de o director de um jornal possuir título de jornalista ou equiparado, o provedor também não insistiu demasiado no assunto (que vem do início do seu mandato, há quase dois anos), por entender que deve prevalecer a universalidade do direito de expressão e informação, que abrange todos os cidadãos, independentemente de possuírem ou não carteira de jornalista. Mas sempre pode adiantar que, tanto quanto sabe, na raiz com conflito de José Manuel Fernandes com a CCPJ estava uma discrepância entre o critério de numeração das carteiras e a antiguidade profissional.
No que respeita à publicação de uma notícia de implicações políticas em dia de reflexão pré-eleitoral, afirma o ex-director que na altura (25 de Setembro) esteve ausente de Lisboa e que solicitou a outro responsável que esclarecesse o assunto – o que não aconteceu.
Quanto à identificação de um crítico como jornalista, José Manuel Fernandes enviou ao provedor os elementos que entretanto havia recolhido, explicando que “a tensão dos últimos dias” o havia impedido de responder antes. O assunto será abordado mais tarde.
Fecha-se assim o deve/haver entre o provedor e José Manuel Fernandes.
Publicada em 8 de Novembro de 2009
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Secção: Crónicas
domingo, 1 de novembro de 2009
Acerca da “integridade em pessoa”
É crucial não tratar do caso Freeport com um desejo, a priori, de criminalização de José Sócrates
Sendo o primeiro-ministro actor central das notícias sobre o caso, é relevante toda a invocação do seu nome em documentos mencionando subornos
Não se tratava de uma notícia original do PÚBLICO, mas sim da menção a outra divulgada pela TVI. Porém, abordando um tema que este jornal – muito acertadamente – se tem empenhado em acompanhar e aprofundar, o título "TVI revela fax de administradores do Freeport sobre dois milhões de libras em ‘luvas’", saído a quatro colunas na pág. 9 da edição de 20 de Outubro, implicaria da parte dos autores da respectiva notícia, Maria José Oliveira e Nuno Simas, uma atenção particular ao rigor.
Quem não chegou ontem de Marte sabe que no centro da narrativa jornalística sobre este caso, relacionado com a licença para a construção de um centro comercial em área protegida no Montijo, figura o nome do actual primeiro-ministro, José Sócrates, à época ministro do Ambiente e detentor da tutela por onde passava a aprovação do projecto. O interesse da notícia de 20 de Outubro residia na circunstância de, no tal fax, onde um administrador do Freeport terá acrescentado à mão a referência a um suborno de dois milhões de libras, se mencionar várias vezes o nome de José Sócrates.
Reclamou porém o leitor Ricardo Roque: “Os autores [da notícia] citaram uma peça divulgada no Jornal Nacional da TVI que tinha como suporte documental um fax trocado entre administradores do Freeport. (...) Pass[o] concretamente à minha indignação pela omissão, que julgo voluntária e consciente portanto, na citação que os jornalistas fazem da matéria noticiosa. (...) De todo o texto do fax (...) a única parte omitida (...) é esta: ‘O ministro do Ambiente, Eng.º José Sócrates, é considerado como um dos pilares do Governo PS e é tido como a integridade em pessoa’ (acrescentado à mão: ‘Confirmado por outros’). Lendo a notícia do PÚBLICO, concluo que no caso Freeport houve luvas de dois milhões de libras, leio abundantemente os nomes de Sócrates, dos seus secretários de Estado, assim como que o estabelecimento de um nexo de causalidade entre corrupção e nomes aludidos, por força da troca de faxes com comentários de administradores do Freeport, mas nunca por nunca leio o que está também escrito nesses documentos [e] não é notícia nem facto que os jornalistas se tenham sentido obrigados a publicar ou citar. Estaria tudo dito se não fosse mau de mais para ser verdade, num jornal que já foi de referência. ‘Aporcalhar’, lançar suspeitas, etc., fica bem na consciência de alguns jornalistas, mas quando a par de tudo vem uma qualquer referência que abona a favor daquele que querem ver sangrar, então calam-se, omitem, num gesto que pode ser equiparado a mentir! Não me conformo (...) Era ou não ético citar completamente ou também esta parte do fax (...)? Os jornalistas são livres de ‘mexer’ no suporte noticioso ou, pelo contrário, devem dar relevo a todos os factos com importância? Repare-se que, neste caso, estamos a falar de corrupção, de carácter e de honradez (ou falta dela) de quem tem de lidar com processos, e, quando há uma menção de que a pessoa (...) é tida como íntegra, isto tem ou não importância no contexto? E se essa pessoa detém um lugar de grande importância na vida do País, que dizer? (...) Em suma, qual a importância do bom nome para o PÚBLICO?”
O provedor pediu aos autores da notícia um comentário ao protesto, recebendo de Maria José Oliveira e Nuno Simas uma reacção um tanto ou quanto lacónica: “A única resposta que esta ‘reclamação’ nos suscita é que, ao contrário do que escreve o leitor, existiram várias citações do documento disponibilizado pela TVI que não citámos no artigo publicado. Rejeitamos a acusação de ‘omissão voluntária’. Assim como quaisquer intentos de calúnia contra o nosso trabalho e as nossas pessoas”.
Explicação, quanto ao provedor, insuficiente, uma vez que as restantes referências a José Sócrates no fax em causa são mencionadas na notícia, mas a que o leitor invoca parece cirurgicamente esquecida. Isto porque, sendo o actual primeiro-ministro a personagem principal das notícias que têm vindo a público sobre o caso, seria de admitir que toda a invocação do seu nome num documento confidencial trocado entre suspeitos de protagonizarem o tal suborno seria relevante do ponto de vista jornalístico.
Por isso mesmo, o provedor, que não viu a notícia da TVI mas leu que a estação tinha também omitido a mesma frase do fax, admitiu que esta fosse desconhecida dos jornalistas do PÚBLICO, pelo que insistiu junto de ambos: “Para completar a minha análise do caso, gostaria de vos perguntar se tinham conhecimento da tal passagem que o leitor lamenta ter sido omitida, já que, na minha perspectiva, ela me parecia importante como elemento da notícia”. A nova resposta foi ainda mais lacónica: “O fax em causa estava disponível, nas suas versões em inglês e em português, no site da TVI e, umas horas depois, no próprio site do PÚBLICO”.
Ao contrário da opinião do leitor, o provedor não consegue discernir se a frase omitida é favorável ou não à imagem de José Sócrates no contexto do processo Freeport. O que lhe parece porém incompreensível é que, estando os autores da notícia conscientes da sua existência, optassem por não a dar a conhecer aos leitores, como mais um elemento a que certamente estes gostariam de ter acesso para os ajudar a fazerem eles próprios a sua avaliação do envolvimento do chefe do Governo no caso. O provedor já em tempos se referiu nesta coluna, a propósito de outro trabalho sobre o Freeport, a um “desejo de incriminar” José Sócrates não assente em factos concretos expostos pelos jornalistas. Será crucial, por razões que todos compreendem e não é necessário repetir, pôr de lado essa prática, abordando o processo (como outro qualquer, aliás) com o máximo de isenção e objectividade.
O caso Freeport, investigado pelas autoridades simultaneamente na Inglaterra e em Portugal, forneceu ao PÚBLICO mais dois títulos recentes de primeira página, com a particularidade de um desmentir o outro: a manchete de 22 de Outubro anunciava que os “documentos sobre o Freeport pedidos aos ingleses já estão nas mãos dos investigadores [portugueses]”, enquanto dois dias depois se dizia: “Caso Freeport – ingleses ainda não enviaram documentos”. Nenhuma das duas notícias, ambas da autoria de António Arnaldo Mesquita, mencionava a fonte que as substanciava (se é que existiu, e o provedor quer crer que sim). A segunda notícia cita até entre aspas a expressão “falha informática” para justificar a falsidade da primeira, mas sem a atribuir a ninguém.
O provedor solicitou explicações a António Arnaldo Mesquita, não tendo porém recebido resposta. O problema da ausência de menção às fontes, prática contrária às normas do bom jornalismo, já antes foi tratado nesta coluna, e a ele tenciona-se ainda regressar. O que não se pode deixar aqui passar em claro é o descrédito em que desta forma incorrem tanto o autor das notícias como o próprio jornal. Se é omissa a origem das informações, como podem os leitores julgar das responsabilidades quanto ao erro cometido? E quem lhes garante a fiabilidade de todas as notícias sem fontes que o PÚBLICO diariamente traz à estampa?
P.S.: No dia do render de guarda na direcção do PÚBLICO, o provedor não quer deixar de enaltecer a colaboração que o director cessante, José Manuel Fernandes (J.M.F.), procurou dar ao detentor deste cargo, tentando sempre responder em tempo útil às questões suscitadas. Isto apesar de um incidente recente, relatado nesta coluna, que aliás foi sanado em poucos dias com a intermediação da nova directora, Bárbara Reis. Das muitas dezenas de respostas solicitadas pelo provedor a José Maneul Fernandes só três ficaram por fornecer: um esclarecimento pedido por uma leitora a propósito de o então director não possuir carteira de jornalista devidamente actualizada e, mais recentemente, já com a sua saída anunciada, uma interpelação sobre uma notícia de implicações políticas publicada no dia de reflexão pré-eleitoral e outra acerca de os críticos, ao escreverem reportagens ou notícias, deverem ou não obrigar-se a respeitar o código deontológico dos jornalistas. O provedor faz votos de que a nova direcção mantenha o mesmo nível de colaboração com o presente ou futuros ocupantes deste lugar.
CAIXA:
Comunistas, jornalistas e ética
O PCP não se mostra rendido à abordagem feita na anterior crónica do provedor de uma análise publicada na edição de 9 de Outubro, pelas jornalistas Leonete Botelho e Maria Lopes, ao encontro ocorrido durante a campanha autárquica entre o militante comunista Carvalho da Silva e António Costa, presidente do município lisboeta e candidato a novo mandato, que se traduziu num gesto de apoio do líder da CGTP à reeleição do dirigente socialista.
O responsável do Gabinete de Imprensa do PCP, António Rodrigues, escreveu nova carta ao provedor contestando a argumentação das jornalistas, enquanto estas responderam outra vez ao quadro comunista. As duas posições podem ser lidas na íntegra no blogue do provedor, na documentação complementar a esta crónica. Importa aqui salientar que António Rodrigues desmente as jornalistas quando dizem que Jerónimo de Sousa recusou “fazer comentários aos jornalistas” ao final da manhã do tal encontro, esclarecendo que o líder do PCP não teve nessa altura qualquer iniciativa de campanha, ao que Leonete Botelho e Maria Lopes respondem que essa recusa terá ocorrido quando o secretário-geral comunista chegou para um almoço onde só no fim se disponibilizou a falar aos órgãos de informação.
António Rodrigues contesta também a interpretação que as jornalistas dão ao discurso de Jerónimo de Sousa nesse almoço, onde falou de ética política. Saber se esse foi ou não “tema central” ou “tema novo” da intervenção, expressões que António Rodrigues contesta, parece ocioso, já que no texto original as autoras não diziam nem uma coisa nem outra, limitando-se a escrever que “Jerónimo de Sousa escolheu a ética na política para tema do seu discurso”.
O provedor não vê necessidade de alterar a sua conclusão sobre a legitimidade da análise elaborada pelas jornalistas, mas reconhece também ao PCP todo o direito de contestar as suas conclusões.
Publicada em 1 de Novembro de 2009
DOCUMENTAÇÃO COMPLEMENTAR:
Carta do leitor Ricardo Roque
Fui leitor e comprador militante do PÚBLICO desde a sua fundação. Infelizmente, face à linha editorial que assumiu nos anos mais recentes, com uma agenda política agora já só "meio" escondida, aumentei o número daqueles que contribuíram para a redução das vendas do jornal. Até que um dia, sem um Director de facção e tendencioso, mas com um que retome o pluralismo e o jornalismo isento como proclama o PÚBLICO no seu estatuto editorial e no Livro de Estilo (seria bom alguns dos actuais jornalistas relerem - ou lerem - o Livro de Estilo do jornal para que escrevem), mas, dizia eu, talvez com uma mudança assim eu volte a sentir o PÚBLICO como o meu jornal. Feita a declaração de interesses, recentro o escrito na razão do meu protesto:
Na edição de 20 de Outubro, foi publicada uma notícia da autoria dos jornalistas Maria José Oliveira e Nuno Simas sob o título "TVI revela fax de administradores do Freeport sobre dois milhões de libras em 'luvas'" (pág. 9).
Da leitura da notícia resulta que os seus autores citaram uma peça divulgada no Jornal Nacional da TVI que tinha como suporte documental um fax trocado entre administradores do Freeport. Em causa um eventual suborno de dois milhões de libras. Por economia processual, vou aqui dar como reproduzido o artigo supra referido, passando concretamente à minha indignação pela omissão, que julgo voluntária e consciente portanto, na citação que os jornalistas fazem da matéria noticiosa. Assim, constato que de todo o texto do fax, que se pode ver aqui, a única parte omitida na citação feita por Maria José Oliveira e Nuno Simas é esta: "O ministro do Ambiente, Eng.º José Sócrates, é considerado como um dos pilares do Governo PS e é tido como a integridade em pessoa" (acrescentado à mão: "Confirmado por outros").
Lendo a notícia do PÚBLICO, concluo que no caso Freeport houve luvas de dois milhões de libras, leio abundantemente os nomes de Sócrates, dos seus secretários de Estado, assim como que o estabelecimento de um nexo de causalidade entre corrupção e nomes aludidos, por força da troca de faxes com comentários de administradores do Freeport, mas nunca por nunca leio o que está também escrito nesses documentos e que apenas diz isto: "O ministro do Ambiente, Eng.º José Sócrates, é considerado como um dos pilares do Governo PS e é tido como a integridade em pessoa" (acrescentado à mão: "Confirmado por outros").
Isto não é notícia, nem facto que os jornalistas se tenham sentido obrigados a publicar ou citar. Estaria tudo dito se não fosse mau de mais para ser verdade, num jornal que já foi de referência. "Aporcalhar", lançar suspeitas, etc., fica bem na consciência de alguns jornalistas, mas quando a par de tudo vem uma qualquer referência que abona a favor daquele que querem ver sangrar, então calam-se, omitem, num gesto que pode ser equiparado a mentir! Não me conformo, e por isso aqui estou a escrever-lhe, conhecendo o seu sentido de independência e isenção perante vários poderes. Considera correcto sob o ponto de vista profissional e do código deontológico esta forma, em concreto nesta notícia, de escrever ou antes de citar omitindo factos (aliás, os únicos omitidos na citação, o que dá que pensar) como os relatados quanto às qualidades relativas ao então ministro do Ambiente? É consentânea com o Livro de Estilo do PÚBLICO? Era ou não ético citar completamente ou também esta parte do fax objecto da notícia da TVI? Os jornalistas são livres de "mexer" no suporte noticioso ou, pelo contrário, devem dar relevo a todos os factos com importância? Repare-se que, neste caso, estamos a falar de corrupção, de carácter e de honradez (ou da falta dela) de quem tem de lidar com processos, e quando há uma menção de que a pessoa tal confirmadamente é tida como íntegra isto tem ou não importância no contexto? E se essa pessoa detém um lugar de grande importância na vida do País, que dizer? Por exemplo, se no fax se dissesse que o então ministro do Ambiente era tido como um corrupto ou de quem recebe uns dinheiros por fora, os jornalistas do PÚBLICO omitiriam? Em suma, qual a importância do bom nome para o jornal PÚBLICO?
É por estas e por outras que Portugal não pode estar bem no ranking quanto à "saúde" na Comunicação Social... Jornalismo do vale tudo, consciente ou inconsciente...
Ricardo Roque
Carta de António Rodrigues, responsável do Gabinete de Imprensa do PCP (sobre um tema tratado na anterior crónica do provedor)
Não querendo alimentar mais a polémica em torno do assunto, não podemos deixar de registar a argumentação, mal-amanhada, que veio publicada no passado domingo e que nos merece o seguinte registo:
1. Afirma-se na peça de resposta que "logo nesse dia, ao contrário do que fazia nos outros dias de campanha para as autárquicas, Jerónimo de Sousa recusou-se a fazer comentários aos jornalistas ao final da manhã". Não é verdade. O Secretário-Geral do PCP não teve nessa manhã nenhuma iniciativa de campanha, não se tendo, por isso, furtado a qualquer contacto dos jornalistas. De resto, no final do almoço em Benavente, a primeira iniciativa desse dia, Jerónimo de Sousa, como habitualmente e as imagens das televisões confirmam, ficou à disposição dos jornalistas presentes e respondeu às suas questões.
2. Afirma-se também na referida peça que "o facto de abordar uma questão diferente permite dizer que a ética política foi o tema novo do seu discurso nesse dia". Percebe-se a nuance quando agora se fala de tema novo mas não central, mas na peça de dia 9 dizia-se que tinha sido o tema do discurso, confirmando-se que sempre tínhamos razão quando desmentimos esse facto, afirmando que se tratava tão só de uma referência a Salvaterra de Magos. Pois não só não foi o tema central com não foi um tema novo. Várias vezes na campanha autárquica como na das legislativas Jerónimo de Sousa abordou esta temática.
3. Por fim, ainda na mesma peça, diz-se que "não se compreende a questão da ausência de jornalista do PÚBLICO nesse almoço, levantada pelo PCP, como impeditiva de se escrever sobre ele". Ora a questão que se levantava na carta não era essa, caso contrário poucas vezes teríamos notícias do PCP no PÚBLICO considerando as raras presenças dos vossos jornalistas nas nossas iniciativas.
A questão levantada tinha e tem a ver com a interpretação de um discurso, feito de improviso, deturpando o seu conteúdo e o contexto em que foi feito, sendo certo que as jornalistas do PÚBLICO apenas dele tiveram conhecimento através do que leram, ouviram ou viram noutros órgãos de comunicação social, incluindo a edição on line do PÚBLICO que a meio da tarde desse dia já noticiava o almoço de Benavente, sem qualquer tipo de especulação.
Aliás, para melhor compreender a razão da nossa indignação face à grosseira manipulação do discurso de Jerónimo de Sousa naquele almoço com o único objectivo de credibilizar aquele trabalho de “análise especulativa”, deixo-lhe o desafio de consultar na Lusa, RTP, RTPN, RTP2, SIC, SIC-Notícias, TVI, TVI24 e Antena 1 (os únicos órgãos de informação presentes na iniciativa) notícias e análises ao discurso.
Entretanto deixo-lhe algumas pistas: na TVI24 a jornalista falou de “uma saudação especial enviada para Salvaterra de Magos”; na RTPN, afirmou-se como novidade do discurso as questões relativas “à localização do novo Aeroporto de Lisboa”; na RTP destacou-se a abordagem “aos resultados das eleições legislativas”; na SIC-Notícias a jornalista afirmou que “na hora do discurso, o Secretário-Geral do PCP virou costas a Lisboa e centrou-se em Benavente e nas críticas a Salvaterra de Magos”.
Como se constata, foram seguramente os (as) jornalistas que estiveram presentes no almoço que não perceberam o discurso que ouviram, ao contrário das “videntes” jornalistas do PÚBLICO que lá não estavam. E já agora, por tudo o que está dito, fica-nos uma dúvida: será que “as três pessoas ouvidas pelo PÚBLICO – entre jornalistas e assistência”, estiveram mesmo no almoço ou apenas ouviram falar dele?
António Rodrigues
Gabinete de Imprensa do PCP
Resposta das jornalistas Leonete Botelho e Maria Lopes
Não querendo alimentar polémica, o António Rodrigues alimenta-a sozinho. Vamos responder pela última vez.
1. Ao contrário do que era habitual, Jerónimo de Sousa não quis prestar declarações aos jornalistas à chegada ao almoço de Benavente. Só o fez quando teve o mail de Carvalho da Silva para apresentar e deu o assunto por encerrado, não voltando a falar mais nele.
2. Insistimos no facto de Jerónimo de Sousa ter falado de ética nas primeiras declarações públicas que prestou, ao fazer na sua intervenção em Benavente uma referência indirecta a Salvaterra de Magos. Foi o tema geograficamente deslocado que escolheu para falar naquele dia, horas depois de Carvalho da Silva ter manifestado apoio público ao candidato do PS à Câmara de Lisboa, em detrimento do candidato do PCP. Isto são factos.
3. No ponto 3 da sua carta, António Rodrigues reconhece que é possível fazer notícias mesmo não estando fisicamente numa iniciativa ou acontecimento. É um progresso que registamos em relação à primeira carta ao provedor. Mas na sua argumentação o assessor de imprensa do PCP volta a contestar o facto de termos feito, primeiro, uma análise, e depois diferente das notícias dadas por outros órgãos de comunicação social. Esta sua reincidente preocupação deixa claro um certo conceito de tratamento informativo monolítico que não é o do PÚBLICO.
São valores essenciais da democracia portuguesa estabelecidos na Constituição da República tanto a liberdade de expressão e de informação como a liberdade de imprensa e meios de comunicação social, com garantia de não concentração da titularidade dos meios de comunicação social. O que estes princípios visam assegurar é precisamente a pluralidade de visões do mundo, de opiniões e de interesses, contrariando os tratamentos monolíticos e sentidos únicos que António Rodrigues dá sinais de preferir.
4. Tal como dissemos na nossa primeira resposta, a peça jornalística em causa refere-se a uma análise, tal como está identificada no topo da página em que foi publicada e no âmbito do que está descrito no Livro de Estilo do PÚBLICO (conferir no capítulo "Critérios, géneros e técnicas", sub-capítulo "Os factos e a opinião", tema 1. "Opinião, interpretação, informação"): "Um género jornalístico diferente da notícia, em que a ênfase é colocada na interpretação dos factos" - o encontro de Carvalho da Silva com António Costa, em que o dirigente da CGTP e militante comunista declarou publicamente o seu apoio ao candidato à Câmara Municipal de Lisboa, quando o PCP tinha o seu próprio candidato à autarquia.
O objectivo da análise jornalística é procurar explicar o significado de factos noticiados, fornecendo aos leitores elementos de background e opiniões de fontes que ajudem a compreender o contexto dos acontecimentos. Neste caso, foram feitas citações do próprio Carvalho da Silva sobre o assunto e outras anteriores, feitas num momento em que o sindicalista divergiu, na acção, do partido do qual é militante.
Foram ainda ouvidas pessoas que conhecem por dentro o pensamento e acção do PCP, antigos militantes e antigos sindicalistas que pediram para não serem identificados, assim como foram citados os estatutos do PCP na parte que se refere aos deveres dos militantes, que se referem à ética exigida pelo partido aos seus membros.
5. Na introdução do parágrafo referente à intervenção sobre ética de Jerónimo de Sousa nesse dia, começa por se dizer “Coincidência ou não”, nunca se afirmando peremptoriamente que aquele discurso era dirigido a Carvalho da Silva, como António Rodrigues assumiu desde o início. Levantava-se essa hipótese, não se tiravam conclusões.
Não tendo lido o que não queria ler e vendo apenas aquilo que pretendeu ver na peça, António Rodrigues foi mais longe do que as jornalistas na interpretação dos factos. Factos que, aliás, são elencados na peça e ninguém coloca em causa. Nem o principal visado nesta análise, Carvalho da Silva, que em momento algum manifestou qualquer incómodo com a análise feita.
Leonete Botelho e Maria Lopes
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Secção: Crónicas