domingo, 28 de junho de 2009

Corrigindo a História

Aspirando o PÚBLICO a ser jornal de referência, deve preocupar-se em rectificar os erros factuais que publica

A imagem mostra um matrimónio real, mas o texto fala de outro, onde só o monarca é comum

“Venho dar conhecimento de erros históricos num artigo do PÚBLICO com o nome ‘Henrique VIII casa-se com Catarina de Aragão’ publicado no dia 11 de Junho na pág. 2 do P2”, escreve a leitora Mariana Ferreira, que esclarece: “Não sou nenhuma fanática de Henrique VIII, os erros eram visíveis por qualquer leitor mais atento, pois foram vistos por mim, que sou estudante e menor de idade”.

“O primeiro erro que detectei – prossegue – foi mesmo antes de ler o artigo, pois bastava olhar para a imagem onde se pode ver Henrique VIII com a sua terceira mulher, Jane Seymour, e o seu herdeiro, Eduardo IV. Poderá ser justificado pelo facto de no artigo ser referido o nome desta sua mulher; porém não acho deveras adequada a colocação de uma imagem não referente ao título. Não seria necessário grande conhecimento na história da familia real inglesa para ver que a rainha não era Catarina, pois ela, como está escrito, nunca deu à luz um filho homem que sobrevivesse, ao contrário do que aparece no retrato. Além do mais, com pouco trabalho de pesquisa, era possível descobrir que Catarina de Aragão era morena, não a típica inglesa loira. Deixo uma dica para procurarem ilustrações verdadeiras do casamento de Catarina de Aragão e Henrique, pois existe uma, bastante interessante, onde o pintor desenha também os brasões de cada família. O outro erro, e esse mais grave, é quando [se diz] que Henrique rompeu com o Papa em 1927 [“Em 1927, Henrique decide que o Papa tem de anular o seu casamento”]. Ora, como estamos a falar [de há cerca de 500 anos], o século XX ainda estava longe”.

A questão da gravura, um pequeno problema de edição, poderia ser facilmente solucionada desde que, no texto, se remetesse para essa imagem ao mencionar-se Jane Seymour (esclarecendo-se, já agora, quem era o jovem, de que o artigo não fala), embora, na verdade, como defende a leitora, valesse a pena um esforço adicional de pesquisa para encontrar uma imagem referente ao matrimónio da efeméride.

Quanto à data baralhada, tratando-se de um lapso frequente (pela tendência, devido ao hábito, de escrever os anos de acordo com a época em que vivemos – 1900, 2000...), valeria, por isso mesmo, um esforço redobrado de revisão para evitar o erro (data de 1527 o primeiro pedido de Henrique VIII ao Papa para anular o seu casamento com Catarina de Aragão).

O provedor já se referiu repetidamente a erros idênticos com datas – e, dado que estamos a falar de reis ingleses, vale a pena mencionar mais um (ou um conjunto deles), cometido num texto publicado na mesma secção (“No passado”), em 30 de Janeiro, dedicado à execução de Carlos I (30 de Janeiro de 1649). Alguns leitores ficaram estarrecidos com esta prosa: “Nascido em 1600, Carlos I subiu ao trono em 1625. (...) Entrou em colisão com o Parlamento, que dissolveu em 1929 (...). Em 1940, pressionado pela falta de fundos, voltou a reuni-lo (...). Em 1942, acusa os deputados de traição e rebenta a guerra civil. O monarca acaba por se render em 1646. Julgado e condenado à morte por traição, é executado a 30 de Janeiro de 1649. (...) Em 1860, o filho do rei deposto, Carlos II, inaugura a monarquia parlamentar em Inglaterra”.

Escreveu C. Galvão: “[Na] notícia sobre Carlos I, por sinal pai de Carlos II, que casou com Catarina de Bragança, a única portuguesa rainha de Inglaterra, é lamentável que apareçam quatro datas incorrectas: 1929, 1940, 1942 e 1860, quando se trata da vida de um homem que viveu no século XVII”. “Até dói”, comentou Gabriel Silva ao chamar a atenção para os quatro anos trocados.

Deve salientar-se que neste caso, ao contrário do que sucedeu quanto ao texto sobre Henrique VIII, a redacção teve o cuidado de, logo no dia seguinte, fazer um “O PÚBLICO errou”, onde porém apenas foram corrigidos três anos: disse-se que em vez de 1940, 1942 e 1860 deveria ser (respectivamente, presume-se) 1649, 1642 e 1660. Faltou contudo uma rectificação, pelo que, para efeitos de registo, o infausto monarca dissolveu o parlamento inglês 280 anos depois de ter sido morto.

Por que razão é importante o rigor do PÚBLICO na descrição dos factos históricos (como aliás em tudo o resto, como estabelece logo à partida o seu Estatuto Editorial)? É que este periódico intitula-se e aspira a comportar-se como um “diário de referência”, e por definição os diários de referência são aqueles que fixam para a posteridade o relato exacto dos factos que aconteceram. Se o PÚBLICO comete um erro factual, existe a probabilidade se esse erro vir a ser replicado no futuro por aqueles que o consultarem como fonte de referência (se de facto lhe atribuírem o tal estatuto que o jornal almeja).

Veja-se um exemplo nesta frase saída na pág. 9 do P2 de 7 de Maio de 2008: “Foi no dia da morte de Fernando Pessoa, 30 de Novembro de 1935, que Almada Negreiros fez o retrato do poeta que ilustraria a notícia no Diário de Notícias no dia seguinte”. Acontece que o tal retrato desenhado por Almada não foi publicado no Diário de Notícias, mas sim no Diário de Lisboa (e seis dias após a morte do seu amigo). Porém, semanas depois, o PÚBLICO voltava a divulgar a mesma informação com a mesma mistura de jornais, porque a verdade é que o erro, não tendo sido corrigido, passou já a ter uma espécie de força de lei.

E por vezes nem a correcção é suficiente. É frequente na imprensa fazer-se confusão entre as francesas Simone Weil, escritora e filósofa, e Simone Veil, política, e já uma vez o PÚBLICO imprimiu o retrato de uma quando falava da outra, lapso que imediatamente rectificou. Pois o facto é que ainda recentemente reincidiu, conforme alertou o leitor José Oliveira: “No PÚBLICO de 28 de Maio, na pág. 14 (destaque Europeias 09), a caixa com o título "Simone Veil, a primeira presidente", sobre a antiga figura do Parlamento Europeu Simone Veil [n. 1927], vem ilustrada com uma foto da mística e activista Simone Weil (1909-1943). Ora isto revela ignorância, desleixo e incompetência. Falta de empenho na investigação, no banco de imagens do PÚBLICO, de uma fotografia correcta da pessoa sobre quem se está a escrever”.
Desta vez, o PÚBLICO entendeu não dever rectificar pela segunda vez um erro que já corrigira. O provedor acha que o maior erro está em não se fazer a rectificação, se de facto este jornal pretende defender o estatuto de órgão de referência.

E, já agora, aqui estão alguns outros lapsos recentes que, a benefício da verdade histórica, deviam também ter sido objecto de um “O PÚBLICO errou”: na pág. 6 de 18 de Maio, fala-se do “rei Alfonso de Espanha”, quando, do século XI ao século XX, houve 13 reis Alfonso em Espanha ou nos reinos que a antecederam (tratando-se de um artigo sobre os Ballets Russes, pretender-se-ia referir o último, Afonso XIII, avô do actual Juan Carlos); num artigo sobre o arquitecto Miguel Ventura Terra, publicado na pág. 7 de 25 de Março, refere-se que ele “foi eleito, pelo Partido Republicano Português, vereador da Câmara Municipal de Lisboa” e numa legenda que “foi deputado eleito pelo Partido Republicano Português” (só a primeira é verdadeira); na pág. 4 do P2 de 8 de Fevereiro, grande parte de um perfil de Benjamin Netanyahu, nascido em 1949, baseia-se na sua suposta juventude, escrevendo-se que o actual primeiro-ministro israelita “nasceu em Telavive em 1959”, que não é “um novato – em Outubro completa 50 anos” e que “a tornar-se chefe do Governo [como entretanto aconteceu] é o mais jovem político a assumir o cargo – em 1996 tinha 37 anos” (é preciso acrescentar 10 anos a todas essas asserções).
Que o PÚBLICO não deixe porém de se debruçar sobre a História. Como escreveu a leitora Mariana Ferreira, “aqui vai o meu apoio para continuarem a trabalhar em artigos históricos”.

CAIXA:

Lê-se e não se acredita

“Comunicou com milhões, mantendo a sua áurea marginal” (P2, 22 de Maio, pág. 3) – desconfia-se que fosse “aura”; “Prelúdio à Tarde de um Fauno” (P2, 18 de Maio, duas vezes, págs. 4 e 5) – o título em português da obra de Debussy é Prelúdio à Sesta de um Fauno; “a coisa mais importante é cumprir-mos os princípios (21 de Maio, pág. 16) – sem comentários; “Falámos com vários especialistas sobre o projecto apresentado por Bruno Soares para a Praça do Comércio e ouviu alguns elogios mas também algumas críticas” (entrada de artigo, 12 de Maio, pág. 14) – idem; “são um sinal claro de que a degradação dos valores básicos de civilidade e respeito democrático se estão também a degradar” (editorial, 2 de Maio) – passe a redundãncia; “Todos são unânimes em realçar a importância de Vasco Granja” (5 de Maio, pág. 9) – passe de novo a redundância, totalidade obriga a unanimidade; “Um tiro à queima-roupa, perpetrado de muito perto” (26 de Março, pág. 1) – haverá tiros à queima-roupa de longe?; “as palmeiras e o calor abrasador que se” (últimas palavras da crónica de Kalaf Angelo, P2, 28 de Maio); “Áreas devolutas do Mosteiro de Alcobaça podem ser ocupadas por” (legenda integral de foto, 24 de Maio, pág. 8); “Iniste marcou mesmo no fim e os adeptos festejaram o que já não” (legenda integral de foto, 7 de Maio, pág. 27); “Lopes da Mota foi secretário geral da PGR, no mandado de Souto Moura” (1 de Abril, pág. 6) – pode haver um mandado de captura, mas não de nomeação de um secretário-geral; “transformou-se assim no primeiro português a arrecadar a maior quantia alguma [vez] dada como prémio em salas de casinos nacionais” (24 de Maio, pág. 23) – quer dizer que eram todos estrangeiros os anteriores a arredacarem tal quantia?; “Só nos resta votar Sócrates” (título), “A nós só nos resta não votar no sr. Primeiro” (texto) (P2, 19 de Abril, pág. 2); “João Palma, eleito ontem por mais de 50 por cento dos votos” (entrada de artigo), “Palma, eleito ontem por quase 50 por cento dos votos” (texto) (20/03, pág. 10).

Publicada em 28 de Junho de 2009

sábado, 27 de junho de 2009

Espaço Público e espaço do público

Como cliente de V. Exas., pois sou assíduo leitor do PÚBLICO, gostaria de propor que esse órgão de informação escrita tivesse um “Espaço do Leitor” no formato de página.

Por hábito, eu e milhares de portugueses somos frequentes ouvintes do “Forum da TSF”, espaço onde todos podemos opinar, o que me leva a supor que, para além da valorização comercial do PÚBLICO, esse espaço acrescentaria inúmeros artigos de gente anónima, que, tal como o demonstram no dia-à-dia do “Forum da TSF”, têm uma visão diferente daqueles que fazem da opinião um modo de vida, ou daqueles que nunca despem a camisola deste ou daquele partido…

Na minha opinião de leitor, não só o titulo “Cartas ao Director” como o espaço (meia página) constrangem a sua leitura - parece coisa menor.

Sendo óbvio que caberia a V. Exas. seleccionar os artigos e dinamizar esse “Espaço do Leitor”, lançando por exemplo temas de discussão, é importante que a imprensa escrita dê aos leitores um espaço condigno, para que seja conhecida muita do opinião anónima, que acredito cheirará menos a mofo que a de muitos políticos.

Com honradas excepções, como a do ilustre Dr. António Barreto, a opinião de muitos fica-se pelo diagnóstico, porque jamais se comprometerão em avançar com propostas de soluções concretas para os temas sobre os quais opinam…

Vários jornais on-line estão a tomar o lugar da imprensa escrita, por isso não percebo por que não existe um “Espaço do Leitor” dinâmico, conjugando o mesmo com o PUBLICO.PT e transformando este não só num espaço de noticias, mas num espaço de debates…

Desculpe estar para aqui a mandar uns “bitaites” sobre matéria em que V. Exas. são doutores, mas penso que, tal como eu, muitos leitores não se identificarão com o estilo de “reza” dos artigos de alguns dos vossos colaboradores…

Francisco José Pineiro Gonçalves

domingo, 21 de junho de 2009

Uma esquina na Europa

O artigo sobre Etty Hillesum, Rilke e Eckhart, no Ípsilon de 19 de Junho de 2009 [págs. 22-25], é extremamente interessante. Pena é que a fotografia que o acompanha nas páginas 24-25 tenha uma legenda incorrecta. Não é possível que na Alemanha haja “Uma esquina entre o Stadionkade e a Hectorstraat”, pois esta esquina encontra-se na minha cidade de nascimento, Amesterdão, Holanda.

Arie Somsen
Oeiras

Reflexão sobre o dia de reflexão

Um cartaz de campanha maltratado recorda que, em véspera de eleições, os media (incluindo o PÚBLICO) são mais papistas do que o papa

A norma da imparciali-dade imporia que a foto do cartaz rasgado de Vital Moreira não fosse publicada


Dois leitores reclamaram contra a publicação, no sábado 6 de Junho – o chamado dia de reflexão, na véspera das eleições europeias –, da foto de um cartaz de propaganda eleitoral ao PS rasgado sobre o rosto do respectivo cabeça de lista, Vital Moreira, a ilustrar a crónica de Vasco Pulido Valente.

“Perante a inacreditável fotografia a ilustrar o texto de Vasco Pulido Valente publicado no dia de reflexão, em que é proibida propaganda eleitoral, e que além do mais (o que não seria justificação) nada tem a ver com o texto”, emite Paulo Paiva “dois desabafos”: “Qual não seria o alarido do jornal se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social ou a Comissão Nacional de Eleições tomassem medidas sobre uma situação que, além de toda a desonestidade e falta das mais elementares regras éticas e deontológicas, é ilegal? No fundo, a imagem publicada não é um cartaz rasgado de Vital Moreira; com pena o digo, e já não é de hoje: é a verdadeira face de José Manuel Fernandes [director do PÚBLICO]”.

“A foto escolhida (pela redacção?) é escandalosa e despudoradamente ofensiva dos mais elementares princípios deontológicos jornalísticos”, protesta por seu lado Teresa Curvelo, sublinhando que se estava em “período de abstinência eleitoral” e considerando “este episódio, de modo algum inocente e irrelevante”, reflexo de “uma ‘deriva’ preocupante em termos de desonestidade intelectual e de isenção no jornal”.

O provedor pediu uma explicação a José Manuel Fernandes, que respondeu: “O texto de Vasco Pulido Valente é, de alguma forma, uma sátira à instituição do chamado dia de reflexão. (...) Ao que apurei a imagem pedida à edição de fotografia era uma imagem tipo ‘fim de festa’ no sentido de ‘fim de campanha eleitoral’. Quem estava a escolher as imagens na edição de fotografia entendeu que um cartaz rasgado era uma boa ilustração (...). Nem ele, nem o editor de opinião, nem o editor que acompanha o fecho da edição, nem o director de serviço naquele dia, viram qualquer intenção subliminar de ‘fazer campanha’ (...). A mim próprio, não tendo participado na escolha, só se me colocou o problema quando, sábado, recebi um SMS de protesto. (...) Admito que a foto possa ter a leitura que os leitores fizeram dela, o que sublinha a delicadeza da escolha de imagens em períodos eleitorais, quando a sensibilidade de quem se envolve mais nas campanhas está à flor da pele. Uma grande imagem, uma excelente fotografia, pode ser interpretada pelos candidatos como integrada numa qualquer campanha. O caso mais famoso será, porventura, o da publicação pelo Expresso de uma extraordinária fotografia, de António Pedro Ferreira, de Mário Soares durante a campanha presidencial de 2006 e que este interpretou como sendo um ataque assassino à sua candidatura. (...) O tipo de cuidado a que me referi aconselharia a procurar outra forma de ilustrar o texto, não porque pessoalmente entenda que ela influenciou o voto de quem quer que seja ou fosse uma peça de contracampanha eleitoral, mas por conhecer a hipersensibilidade existente nestas alturas, em que aquilo que são meros critérios jornalísticos e, no caso das imagens, estéticos, é muitas vezes lido (...) como traduzindo intenções menos nobres. Foi o que sucedeu com estes leitores, que viram intenções que, pelo atrás exposto, não presidiram, de forma alguma, aos critérios seguidos para escolher a imagem”.

O provedor só tem a acrescentar que o Livro de Estilo do PÚBLICO, advogando a imparcialidade, imporia de facto que esta foto não fosse impressa, embora, na verdade, nada impeça os media de publicarem informação relativa à campanha eleitoral no dia de reflexão. Esta, de facto, foi uma ideia que se consagrou ao longo dos tempos em resultado de uma prática consuetudinária, mas que não se encontra prevista na legislação eleitoral (Lei n.º 14/79 de 16 de Maio, sobre as eleições para a Assembleia da República, abrangendo neste aspecto também o escrutínio para o Parlamento Europeu), a qual apenas estabelece: “Aquele que no dia da eleição ou no anterior fizer propaganda eleitoral por qualquer meio será punido com prisão até seis meses e multa (...)”. Ora, informação não é propaganda.

Perante este dado, e porque a tendência dos media será sempre de levar ao limite as imposições legais existentes e comunicarem ao público o máximo de informação possível, o provedor inquiriu José Manuel Fernandes das razões que tolhem o PÚBLICO de transmitir no dia de reflexão notícias sobre as campanhas eleitorais. Revelou o director: “Este ano discutimos se devíamos ou não publicar textos de campanha no sábado. Já alguns jornais o fizeram no passado, e acho que houve um que voltou a fazê-lo agora. Pelo que me disseram a Comissão Nacional de Eleições não tem uma doutrina firme, mas, depois de falar com Francisco Teixeira da Mota [advogado do PÚBLICO para assuntos editoriais], preferimos não publicar campanha. Depois reparei que em Espanha, onde também vigora o ‘dia de reflexão’, os jornais publicam notícias de campanha nesse dia. Pessoalmente acho que devia ser permitido publicar informação da véspera, até para os eleitores reflectirem. É assunto que debateremos talvez de novo, internamente, nas próximas legislativas, eleições que suscitam mais atenção”.

O provedor recebe com regularidade dos leitores reclamações contra o conteúdo de textos de opinião, acerca dos quais não possui competência (nem, na verdade, legitimidade) para se pronunciar. Vale a pena, porém, prestar atenção a certas razões de queixa.

O leitor José Mesquita Alves, por exemplo, comentou sobre a crónica de Vasco Pulido Valente “Uma história portuguesa”, de domingo passado, onde o autor, basicamente, fazia um ajuste de contas com o editor de um dos seus livros: “Gostaria de expressar a minha surpresa pelo teor desta crónica, que nos dá conta de um assunto que apenas ao autor diz respeito (a reedição não autorizada da obra Glória)! Questiono sobre se isto pode ser considerado artigo de opinião. Que temos nós a ver com um assunto pessoal de Vasco Pulido Valente, pelo menos na forma em que o mesmo é apresentado? É este o PÚBLICO que temos de ter?”

O provedor, embora reconhecendo a Vasco Pulido Valente o direito de publicar o que publicou, perguntou a José Manuel Fernandes como encarava a direcção a circunstância de um colunista aproveitar o espaço que o jornal lhe cede e pelo qual lhe paga para dirimir uma questão de natureza pessoal. Resposta do director: “Não vou comentar. O autor escreveu sobre um assunto que é do seu interesse, mas isso em si não tem mal porque ele não o esconde. Por outro lado, sendo pessoal, é... ‘uma história portuguesa’, reveladora dos nossos costumes”. Será? A cada leitor cabe tirar as suas conclusões.

CAIXA:

Religião, liberdade de expressão e bom gosto

A jornalista São José Almeida finalizou assim a sua habitual crónica dos sábados no P2, em 23 de Maio, dedicada às posições do PS e da hierarquia católica quanto à educação sexual dos jovens: “Ou se optará por tentar criar condições reais para combater os números brutais da gravidez, do aborto e da sida entre os jovens, em vez de ceder à pressão dos que ficam felizes em celebrar encontros entre a Nossa Senhora de Fátima e o Cristo-Rei. Encontros esses que, seguramente, não precisam de preservativo”. Alguns leitores não gostaram. “Quero dar conta da minha tristeza por ler coisas que ferem a minha sensibilidade religiosa – o catolicismo”, escreveu António Araújo. “Não quero dizer que não se possam expressar opiniões, as que se quiser, mas que seja de forma séria e conteúdo credível é o mínimo que se deve exigir a quem escreve num órgão de comunicação social de implantação nacional (...). O cinismo pode existir, embora de pouco adiante a quem quer ver os assuntos tratados ou questionados. O que não deve existir é desrespeito e falta de elevação. Assim, a autora do artigo corre o risco de se descredibilizar”. Por sua vez, reclamou António Leite: “Lamentável e insultuoso para a grande maioria dos portugueses o artigo de São José Almeida. (...) Senti-me ofendido pelo estilo brejeiro, dum anticatolicismo primário (...). Esperava mais elevação de quem escreve regularmente no PÚBLICO, independentemente da consciência religiosa de cada um”.

Mais uma vez, o provedor declara que não põe em causa a opinião publicada, mas há aqui uma questão de bom gosto, pela ofensa gratuita dos dogmas de uma religião. Por isso perguntou a José Manuel Fernandes se não há revisão editorial prévia de um texto deste teor, que para mais é de um elemento do quadro redactorial do jornal. “O princípio do PÚBLICO relativamente aos textos de opinião dos colunistas permanentes (...) é que os seus textos só devem ser modificados com o seu acordo”, lembra o director. “Se o jornal entende que um colunista, por um motivo qualquer, não se adequa à filosofia aberta e plural das suas páginas de opinião, não procura corrigir os seus textos, mesmo podendo chamar a atenção para algum pormenor, antes dispensa-o se sentir que isso é necessário. Todos os textos de opinião são revistos, em princípio pelo editor de opinião ou (...) pelo editor da área [correspondente]. No caso em apreço, não está em causa a opinião, sobre a matéria, de São José Almeida. Está em causa uma passagem que pode ser considerada ofensiva ou, no mínimo, de mau gosto. Não fui alertado por ninguém, mas se o tivesse teria sugerido à autora que a alterasse. Fá-lo-ia com o mesmo espírito com que muitas vezes mostro os meus textos e acolho, ou não, sugestões de alteração. O meu argumento teria sido: ‘Essa passagem pode ser ofensiva para a sensibilidade de muitos dos nossos leitores e nada acrescenta ao argumento que desenvolves no texto’. (...) Mas a decisão final seria, naturalmente, da autora. Devo reconhecer porém que figuras de estilo como aquela são frequentes em textos de opinião [fora do PÚBLICO]”.

Publicada em 21 de Junho de 2009

DOCUMENTAÇÂO COMPLEMENTAR

Carta do leitor Paulo Paiva:

É sempre com interesse que leio a secção do Provedor do Leitor, que considero o espaço de maior liberdade e seriedade jornalística do PÚBLICO, e cujas sensatas e corajosas recomendações, infelizmente, têm muito menos eco do que deviam.

Perante a inacreditável fotografia a ilustrar o texto de Vasco Pulido Valente publicado no sábado 6 de Junho, dia de reflexão e em que é proibida propaganda eleitoral, e que além do mais (o que não seria justificação) nem tem nada a ver com o texto, penso que é fundamental saber qual a sua opinião e posição sobre o assunto.

Abstenho-me de comentários, desnecessários, mas permita-me dois desabafos. Qual não seria o alarido do jornal se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social ou a Comissão Nacional de Eleições tomassem medidas sobre uma situação que, além de toda a desonestidade e falta das mais elementares regras éticas e deontológicas, é ilegal? No fundo, a imagem publicada não é um cartaz rasgado de Vital Moreira; com pena o digo e já não é de hoje: é a verdadeira face de José Manuel Fernandes.

Paulo Paiva

Carta da leitora Teresa Curvelo

Sou leitora do PÚBLICO desde o primeiro número. No entanto, nos últimos tempos tem-se registado uma "deriva" preocupante em termos de desonestidade intelectual e de isenção no Jornal. Um dos exemplos mais recentes e que repudio veementemente tem a ver com a edição de sábado 6 de Junho p.p.: na coluna de opinião assinada por Vasco Pulido Valente e intitulada “O dia da reflexão”, publicada já no período de abstinência eleitoral, a foto escolhida (pela redacção?) é escandalosa e despudoradamente ofensiva dos mais elementares princípios deontológicos jornalísticos – um cartaz rasgado de Vital Moreira, não por acaso o candidato do PS!

Gostaria que o Senhor Provedor, com a isenção que o caracteriza e de que tem dado provas nas páginas desse jornal, comentasse este episódio de modo algum inocente e irrelevante.

Teresa Curvelo

Explicações do director do PÚBLICO:

O texto de Vasco Pulido Valente editado a 6 de Junho é, de alguma forma, uma sátira à instituição do chamado dia de reflexão. Não era fácil de ilustrar, mas ao que apurei a imagem pedida à edição de fotografia era uma imagem tipo “fim de festa”, no sentido de “fim de campanha eleitoral”. Quem estava a escolher as imagens na edição de fotografia entendeu que um cartaz rasgado era uma boa ilustração para um texto que presumiu referir-se à desmontagem de um circo. A seguir optou por aquela imagem por razões estéticas: a preto e branco, como são publicadas as imagens que ilustram os textos de opinião, era a mais equilibrada. Nem ele, nem o editor de opinião, nem o editor que acompanha o fecho da edição, nem o director que estava de serviço naquele dia, viram qualquer intenção subliminar de “fazer campanha” com aquela imagem. A mim próprio, que não participei na escolha, só se me colocou o problema quando, sábado, recebi um SMS de protesto. Já tinha lido o jornal e fui buscá-lo outra vez para tentar perceber a razão do protesto.

Feito o balanço, admito que a foto possa ter a leitura que os leitores fizeram dela, o que sublinha a delicadeza da escolha de imagens em períodos eleitorais, quando a sensibilidade de quem se envolve mais nas campanhas está à flor da pele. Uma grande imagem, uma excelente fotografia, pode ser interpretada pelos candidatos como integrada numa qualquer campanha. O caso mais famoso será, porventura, o da publicação pelo Expresso de uma extraordinária fotografia, de António Pedro Ferreira, de Mário Soares durante a campanha presidencial de 2006 e que este interpretou como sendo um ataque assassino à sua candidatura.

Quando se trata de imagens de capa tenho feito questão de participar nas escolhas, porque fiz muitas campanhas e sei como há uma espécie de realidade paralela nas caravanas eleitorais. Recordo-me, por exemplo, de numa determinada eleição ter contrariado a edição de fotografia e escolhido uma fotografia banal de um candidato porque a melhor fotografia podia dar dele uma imagem que na caravana seria lida como uma tentativa de o ridicularizar, mas que era, como foto de reportagem, muito melhor.

Não sendo aquela imagem um foto de capa, mas vindo junto de um texto sempre muito lido e editada na contracapa, o tipo de cuidado a que me referi aconselharia a procurar outra forma de ilustrar o texto, não porque pessoalmente entenda que ela influenciou o voto de quem quer que seja ou fosse uma peça de contracampanha eleitoral, mas por conhecer a hipersensibilidade existente nestas alturas, em que aquilo que são meros critérios jornalísticos e, no caso das imagens, estéticos, é muitas vezes lido por alguns leitores como traduzindo outras intenções menos nobres.

Foi o que sucedeu com este leitor, que viu intenções que, pelo atrás exposto, não presidiram, de forma alguma, aos critérios seguidos para escolher aquela imagem.

Sobre a questão da omissão de noticiário [eleitoral, no dia de reflexão]:

Este ano discutimos se devíamos ou não publicar textos de campanha no sábado. Já alguns jornais o fizeram no passado, e acho que houve um que voltou a fazê-lo agora. Pelo que me disseram a CNE não tem uma doutrina firme, mas depois de falar com o Teixeira da Mota, preferimos não publicar campanha. Depois reparei que em Espanha, onde também vigora o "dia de reflexão", os jornais publicam notícias de campanha.

Pessoalmente acho que devia ser permitido publicar informação da véspera, até para os eleitores reflectirem. É um assunto que, provavelmente, debateremos outra vez internamente nas próximas legislativas, eleições que suscitam mais atenção.

José Manuel Fernandes

Explicações do editor de Opinião do PÚBLICO (já após e recepção da crónica do provedor na redacção):

Versando uma parte da crónica do Provedor desta semana sobre matéria relativa às páginas do Espaço Público, de que sou o editor responsável, parece-me conveniente fazer as seguintes considerações:

1. Quanto à foto que acompanha o texto de VPV de 6 de Junho:

- O pedido feito à secção de fotografia não correspondia à foto publicada, ainda que compreenda a razão do erro. O pedido feito era exactamente este: "Cidadão português reflectindo sobre o sentido da vida e do voto (ou restos de propaganda eleitoral, cartazes rasgados, folhetos pelo chão, etc.) PB [preto e branco]"

- Não vi, neste caso, a fotografia que foi escolhida pela secção de fotografia em resposta ao meu pedido. Isto acontece com frequência. Quando as fotos são colocadas na página mais tardiamente, são vistas apenas pelo editor de fecho e director de fecho. Mas quando existem dúvidas por parte da secção de fotografia quanto ao que o editor da secção pretende, ou quando não é possível satisfazer o seu pedido específico, é costume haver um contacto telefónico directo com o editor da secção. Neste caso não houve qualquer contacto.

- Ainda que tenha a certeza de que não houve a mínima intenção de transmitir qualquer mensagem propagandística subliminar, acho que a foto não deveria ter sido publicada e deveria ter sido substituída.

2. Quanto aos textos de São José Almeida, eles não são editados por mim mas sim pelos editores do suplemento onde são publicados.

3. Estou naturalmente disponível para prestar ao Provedor e aos leitores todas as explicações necessárias relativas às questões sob a minha responsabilidade, como teria feito relativamente às questões acima caso elas me tivessem sido solicitadas.

José Vítor Malheiros

Carta do leitor António Leite:

Lamentável e insultuoso para a grande maioria dos portugueses o artigo de São José Almeida publicado no PÚBLICO de sábado 23 de Maio de 2009. Leitor do jornal há muitos anos, senti-me ofendido pelo estilo brejeiro, dum anticatolicismo primário, ao nível do pior pseudo-humor de alguns programas televisivos. Confesso que esperava mais elevação de quem escreve regularmente no PÚBLICO, independentemente da consciência religiosa de cada um.

António Leite

Carta do leitor António Araújo:

Muito sucintamente apenas quero dar conta da minha tristeza por ler coisas que ferem a minha sensibilidade religiosa - o catolicismo. Não quero dizer que não se possam expressar opiniões, as que se quiser, mas, a fazê-lo, que seja de forma séria e conteúdo credível, é o mínimo que se deve exigir a quem escreve num órgão de comunicação social de implantação nacional, como é o PÚBLICO. O cinismo pode existir, embora de pouco adiante a quem quer ver os assuntos tratados ou questionados. O que não deve existir é desrespeito e falta de elevação. Assim, a autora do dito artigo corre o risco de se descredibilizar, mesmo em matérias que domina e que interessam ao leitor, e é mais um espaço votado a ser ignorado.

António Araújo

Posição do director do PÚBLICO:

O princípio do PÚBLICO relativamente aos textos de opinião dos colunistas permanentes – e São José Almeida, que é redactora principal, tem uma coluna semanal no jornal há vários anos – é que os seus textos só devem ser modificados com o seu acordo. Se o jornal entende que um colunista, por um motivo qualquer, não se adequa à filosofia aberta e plural das suas páginas de opinião, não procura corrigir os seus textos, mesmo podendo chamar a atenção para algum pormenor, antes dispensa-o se sentir que isso é necessário. (Nota: este processo, que não me lembro de alguma vez ter ocorrido, nada tem a ver com a natural rotação dos cronistas e colunistas).
Todos os textos de opinião são revistos, em princípio, pelo editor de opinião ou, situando-se numa área específica do jornal, pelo editor dessa área.

No caso em apreço, não está em causa a opinião, sobre a matéria, de São José Almeida. Está em causa uma passagem que pode ser considerada ofensiva ou, no mínimo, de mau gosto. Não fui alertado por ninguém, mas se o tivesse teria sugerido à autora que a alterasse. Fá-lo-ia com o mesmo espírito com que muitas vezes mostro os meus textos e acolho, ou não, sugestões de alteração. O meu argumento teria sido: "Essa passagem pode ser ofensiva para a sensibilidade de muitos dos nossos leitores e nada acrescenta ao argumento que desenvolves no texto". Ou seja, dir-lhe-ia que a passagem era gratuita, mesmo brejeira, e até poderia prejudicar o resto do texto. Mas a decisão final seria, naturalmente, da autora.

Mas devo reconhecer que figuras de estilo como aquelas são frequentes em textos de opinião, eram até mais frequentes noutros tempos (no final da Monarquia, por exemplo) e comuns noutros países, nomeadamente nos Estados Unidos, onde o colunista-provocador, quando tem talento, é mesmo uma profissão de sucesso (de Michael Moore a Ann Coulter, para citar dois exemplos com ideias políticas opostas). São textos para convertidos, não para trocar seriamente argumentos.

Desse ponto de vista, como já várias vezes escrevi, no jornalismo, mesmo no jornalismo de opinião, ter bom senso e bom gosto é crucial para se ser eficaz e respeitado. Mas também reconheço que nem sempre isso sucede, mesmo comigo. Daí a regra de que nenhum texto deve ser publicado sem outra leitura, e não só para apanhar eventuais gralhas...

José Manuel Fernandes

segunda-feira, 8 de junho de 2009

Glamour não rima com amour

O leitor Odílio Lopes [crónica do provedor de 7 de Junho] diz que há palavras em português para todos os "francesismos" que ele cita, entre eles "glamour"; ora esta é uma palavra inglesa; gostaria de saber qual a palavra portuguesa que a traduz, e, também, qual a francesa, já que não a encontro no meu dicionário francês (o Petit Robert), e nunca consegui descobrir uma equivalente exacta em francês.

Deve ser este equívoco que leva os locutores da rádio e TV a rimá-la com "amour", essa sim palavra bem francesa, mas felizmente com tradução portuguesa!

Jorge Guimarães

NOTA DO PROVEDOR. Tem o leitor razão, e será escusado procurar na língua francesa uma palavra que corresponda ao conceito de "glamour". O mais aproximado que os dicionários conseguem é "éclat", "prestige" ou "fascination", o que não é de facto a mesma coisa.

domingo, 7 de junho de 2009

Particularidades linguísticas



Kuznhetsova ou Kuznetsova?

Gostei de ler hoje a crónica do provedor em relação à questão do uso de estrangeirismos no PÚBLICO. Gostei particularmente da forma como deixa, de certa forma, ao critério do autor do texto o uso dos estrangeirismos mas, ao mesmo tempo, critica (e bem) o uso de frases noutras línguas por parte de certos jornalistas (como nos casos em que fala dos suplementos Ípsilon e Pública).

Gostaria apenas de deixar algumas notas.

1. Quando refere o comentário do leitor Odílio Lopes, deixa (ou deixou o leitor na ocasião) passar em claro um pormenor. O leitor dizia: "Basta ver como se chama o comboio de alta velocidade em Portugal: TGV ['train à grande vitesse' - comboio de alta velocidade]! Não podia ser CAV? Não, tinha que ser em francês. Em Espanha é AVE, na Alemanha é ICE e em Portugal, claro, TGV". Infelizmente deixou-se passar em claro o facto de o termo alemão, ICE, se referir a "Inter-City Express". Aceitando que "Express" pode ser usado em alemão (o que não é linear, para mim), o termo "City" é inglês, e não alemão. O termo deveria então ser "ISE", ou "Inter-Stadt Express".

2. É dado o caso de Espanha, onde traduzem tudo. Uma passagem interessante é "'a rainha Sofia voa em low cost" (traduzindo do espanhol: 'La reina Sofía vuela en bajo coste')". Este exemplo faria sentido não fosse o hábito espanhol de traduzir tudo. Ou não fosse comum ouvir espanhóis a pedirem uma "siete up" para poderem beber uma 7Up ou a dizerem que gostam de ouvir "Las Piedras Rolantes" ou "Las Chicas Picantes" em referência a "The Rolling Stones" e "The Spice Girls" (juro que ouvi isto várias vezes). Ou seja, o exemplo espanhol não é o mais indicado.

3. Temos também a questão de quais os termos a usar em certas situações quando se trata de cidades estrangeiras. Falamos de Londres e Berlim ou Colónia, mas deixamos passar Frankfurt (referida diversas vezes como Francoforte), Newcastle (cujo nome português deveria ser, creio, Novocastro), etc. Este é também um ponto que deveria ser levado em conta.

4. Temos por fim a questão dos nomes estrangeiros e de como os escrever em português. Já referi isto no passado (e o provedor teve a amabilidade de dedicar uma crónica a este assunto), mas nunca vi qualquer alteração ou resposta por parte da direcção editorial do jornal sobre a questão. Isto para referir essencialmente o problema de nomes eslavos (russos em particular) ou asiáticos (chineses em particular). É excessivamente frequente ler os nomes escritos usando a grafia inglesa, em particular o uso de "zh" para o fonema que em português é representado por "j". Este é um exemplo, mas muitos outros existem. Deixo apenas um caso. A tenista que ganhou ontem o torneio de Roland Garros chama-se Svetlana Kuznhetsova e não Svetlana Kuznetsova. Pelo menos é isso que me é dito por alguém que lê e fala russo. Estes pormenores deveriam contar.

João Sousa André
Maastricht (ou Mastrique ou Travessia do Mosa)

Que língua fala o PÚBLICO?

O uso de estrangeirismos deve ter como base a sua inteligibilidade máxima pelo máximo número de leitores

Churchill foi citado no artigo, mas disse ao certo o quê?

Encontrando-se o provedor (não nestas funções) a dialogar, meses atrás, com o músico espanhol Paco Ibañez para lhe preparar uma entrevista, foi em certo ponto surpreendido pelo interlocutor com uma sucessão de impropérios no mais puro vernáculo castelhano, proferidos em estado de grande agitação. Demorou alguns segundos até o provedor perceber que tão explosiva reacção se devera ao facto de ter usado a sigla inglesa “OK”. O cantor de protesto protestava contra esta “submissão” linguística ao “imperialismo americano”, em termos tão vivos que chegou a ameaçar não conceder a entrevista. Não havia equivalente em português? Sim, o “está bem” (mas quem é que hoje entre nós diz “está bem” quando tem à mão o mais sintético e eficaz “OK”?). Para não prejudicar o objectivo do encontro, o provedor, que não aprecia particularmente os talibãs da cultura (os mesmos que destruíram os budas de Bamiyan por também não fazerem parte de uma suposta matriz identitária nacional), optou por não contrapor a dinâmica vital de toda a língua viva (se não ainda hoje falávamos latim na Península Ibérica), que influencia e é influenciada por outras línguas, ou pedir a Ibañez a sua opinião sobre a quantidade cada vez maior de termos e expressões em espanhol que entram no inglês falado na pátria do “imperialismo”. Limitou-se a exercer um esforço mental para dizer “está bem” (ou “vale”) em vez de “OK” até ao fim da entrevista.

Pretendermos, com efeito, travar pela acção individual a introdução de estrangeirismos no nosso idioma é como tentar barrar o vento com a palma da mão. Este é um problema que se coloca com especial acuidade no jornalismo, cujo principal instrumento de trabalho, independentemente do meio que usa, é a língua. Se bem que seja forçoso reconhecermos tal “contaminação” linguística no português, a questão que se coloca é esta: quais os termos estrangeiros que é legítimo usar e quais aqueles que não fazem sentido? Algum critério tem de existir, para que às tantas um jornal, por exemplo, não seja todo ele produzido noutra(s) língua(s). Mas que critério?

Um ou outro leitor tem reclamado contra o que considera um uso excessivo de estrangeirismos nas páginas do PÚBLICO. O protesto mais recente veio de Odílio Lopes, chocado com a quantidade de galicismos que encontra no jornal: “Queria chamar a atenção para a pouca vergonha como os jornalistas do PÚBLICO estão a tratar a língua portuguesa. São francesismos uns atrás dos outros e todos os dias, nas vossas páginas. Gostava de saber qual é o sentido de estar a escrever “réveillon”, “dossier”, “tournée”, “rentrée política”, “lingerie”, “foie-gras” (...), “atelier”, “bricolage”, “glamour”, “passerelle”, “comité”, “boutique”, “fait-divers”, “prêt à porter”, “plateau”, “pivot”, “buffet”..., querem mais? (...) Há palavras em português para estes francesismos todos; pergunto: não há dicionários no PÚBLICO? Os jornalistas não têm formação em português? Há algum interesse político ou económico em defender a língua francesa (eles defendem a nossa)? É uma falta de respeito para com os leitores e uma falta de profissionalismo. Certamente que esses senhores não têm auto-estima, não têm orgulho em serem portugueses (eu tenho) e na nossa língua. O cineasta Manoel de Oliveira dizia há dias: 'Não há mais português que um português que está no estrangeiro, mas um português em Portugal é um desastre'. Tenho que dar-lhe razão. Vós, a comunicação social (...), estais a dar cabo da língua portuguesa. A culpa é toda vossa, só que depois os nossos políticos e intelectuais, como não têm nível, tentam copiar. Basta ver como se chama o comboio de alta velocidade em Portugal: TGV [“train à grande vitesse” – comboio de alta velocidade]! Não podia ser CAV? Não, tinha que ser em francês. Em Espanha é AVE, na Alemanha é ICE e em Portugal, claro, TGV”.

O provedor acha porém que há muito os anglicismos substituíram os galicismos como o tipo de estrangeirismo mais usado na imprensa portuguesa, como se os autores buscassem uma espécie de caução intelectual pela frequência com que recorrem, sem tradução, a uma palavra ou frase em inglês. O PÚBLICO não foge à regra em todas as suas secções, e em particular no P2 e no “Ípsilon”, onde se acolhe o tipo de críticos e jornalistas que parecem procurar maior reconhecimento junto de amigos e outros membros da élite cultural do que junto dos leitores comuns. Os exemplos abundam, e seria fastidioso enumerá-los com um mínimo de critério e exaustão. Ontem mesmo, escrevia-se na entrada de um artigo sobre a próxima representação portuguesa na Bienal de Veneza (P2, pág. 4): “Atenção: It’ a kind of magic”. Mais à frente, noutros artigos, dizia-se que Ana Zanatti “fez o seu outing” (pág. 10), que Susan Boyle “já tem manager” ou que a “rainha Sofia voa em low cost” (traduzindo do espanhol: “La reina Sofía vuela en bajo coste”) (pág, 17), tal como no primeiro caderno se falava num “analista político e fellow de Jornalismo Online” (pág. 15). E no primeiro texto mencionado falava-se em filmes “à velocidade standard de 24 frames”.

Standard”, aliás é um termo favorito: “o próprio modelo de financiamento do standard global do serviço público que é a BBC é questionado” (P2, 2 de Maio, pág. 18). Tal como “mainstream”: “Liderar contra o mainstream” é o título de um artigo do P2 de 18 de Abril (pág. 12), que usa várias vezes a palavra (o “mainstream do poder em Portugal”) sem cuidar de explicar o seu significado. Num texto sobre cinema no P2 de 20 de Maio acha-se dispensável traduzir “southern belle” ou “always depended on the kindness of strangers” (frase célebre, é certo, mas quantos leitores conhecem Tennesse Williams no original?), embora já se faça para “I’m going to be a faggot” (“Vou ser paneleiro”). E ao escrever-se que “Carrey investe contra um bear que está de joelhos”, até o provedor (para quem o inglês é a segunda língua) fica intrigado: “bear” significa urso, mas está-se a falar de sexo homossexual, não de zoofilia. Veja-se no P2 de 15 de Abril, num artigo que contém expressões como “low low budget” ou “tagline deste filme” (pág. 13), este destaque (não traduzido no texto): “Pedro Boucherie Mendes descreve Vila Gondra com uma frase de Churchill: An attitude is a little thing that makes a big difference”. Ou no de 25 de Abril este título, também não traduzido no texto (pág. 16): “’All right, Mr. Paixão Martins, I’m ready for my close-up’” (parafraseia-se aqui outra famosa citação, mas quantos leitores viram o filme Sunset Boulevard sem precisarem de recorrer a legendas?). E para quê traduzir de afrikander para inglês e não para português?: “Ele era o kaffir boetie ou nigger lover” (P2 de 4 de Maio, pág. 4).

Quanto ao “Ípsilon”, um único artigo, sobre ficções vampirescas, nas págs. 6 a 9 de 1 de Maio, bastaria para ilustrar a prática, com palavras ou frases como “slipstream”, “fine romance with no kisses”, “gore”, “target”, “get it on” ou “bite me”. Mas acrescenta-se também o título do texto sobre o escritor Jo Nesbø publicado na edição da passada sexta-feira (págs. 10-11): “Born to be a star” (por que não, já agora, dizê-lo em norueguês, a língua do retratado?).

Dirão que tal tipo de jornalismo se dirige a camadas jovens e informadas, familiarizadas com estas expressões inglesas, mas julga o provedor que o projecto do PÚBLICO tem por alvo a generalidade dos cidadãos que falam português sem privilegiar minorias ou discriminar grupos sociais (atitude que, do ponto de vista da sua situação económica, o jornal não está sequer em condições de assumir).

É inevitável que muitos estrangeirismos venham a ser adoptados pela língua portuguesa, quando a sua utilização estiver mais ou menos massificada, e que os media incorporem logicamente pelo menos alguns deles na sua linguagem antes de os filólogos os acrescentarem aos dicionários. Por isso, não fará sentido, como propõe o leitor Odílio Lopes, vasculhar o vocabulário tradicional para dizer “roupa íntima” em vez de “lingerie”, “fígado gordo” em vez de “foie-gras” ou até mesmo “passagem de ano” em vez de “réveillon” (ou ainda, como impunha Paco Ibañez, “está bem” em vez de “OK”), tudo expressões a caírem em desuso no português.

Mas o critério do recurso a palavras estrangeiras deveria ter sempre como base fundamental a sua inteligibilidade máxima pelo máximo número de membros do público, o que muitas vezes não sucede neste jornal. É claro que isso é muito subjectivo: será possível passar tal critério a escrito, com especificação do que é ou não aceitável? Naturalmente não: depende sempre do bom senso de cada redactor ou editor em cada momento. No seu caso, o provedor, ao redigir um texto, costuma pensar: “Será que os meus pais vão perceber o que escrevi?” (para esta crónica, se não desistirem a meio, vão seguramente necessitar de recorrer com muita intensidade aos dicionários). Tudo o que pode pois recomendar aos jornalistas do PÚBLICO é que tenham idêntica atitude.

CAIXA:

Longe de mais

Na ânsia de pretender descobrir a praga de Catual em todo o lado no PÚBLICO (o que não é difícil), o provedor foi longe de mais em dois dos 27 exemplos que apontou na sua anterior crónica. A sintaxe das frases “Uma das coisas que me agrada sobremaneira ver” (P2, 22/03, p. 22) e “um dos factores do imobilismo insanável que impede o progresso económico do país” (P2, 21/03, p. 3) está correctíssima, não fazendo portanto parte da lista de discordâncias com o uso como sujeito da partícula "que". O justo reparo foi feito pelo leitor Paulo Rato, penitenciando-se o provedor pelos erros. À guisa de compensação, aqui ficam três novos exemplos da epidemia, retirados de um só texto da semana que passou (“Júdice, Filomena Mónica e Helena Roseta assinam petição pela Praça do Comércio”, 2 de Junho, pág. 23): “é uma das figuras que assinou a petição”, “é outro dos nomes que surge no abaixo-assinado” e “tem sido uma das questões que mais contestação tem merecido”.

Publicada em 7 de Junho de 2009

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Longe de mais

Na sua ânsia de pretender descobrir a praga de Catual em todo o lado no PÚBLICO, o provedor foi longe de mais nos exemplos que apontou na sua última crónica. A sintaxe das frases “Uma das coisas que me agrada sobremaneira ver” (P2, 22/03, p. 22) e “um dos factores do imobilismo insanável que impede o progresso económico do país” (P2, 21/03, p. 3) está correctíssima, e por isso não faz parte da lista de discordâncias, detectadas na leitura aleatória da edição em papel, com o uso como sujeito da partícula "que". O justo reparo foi feito pelo leitor Paulo Rato. O provedor penitencia-se.